sábado, 29 de junho de 2013

Sermão de Santo António aos peixes por Diogo Infante

Ontem, depois de um dia repleto de ciência e de ideias novas, rumei ao Porto para a Biblioteca Pública, ao Jardim de São Lázaro. Jantei num daqueles restaurantes turísticos com esplanada. Nem precisei de ementa, vi no quadro riscado a giz que tinham sardinhas e foi exactamente o que pedi. Entretida com as azeitonas, que são a minha perdição, enquanto esperava pela comida, lia "A descoberta do Mundo", um livro com todas as crónicas publicadas de Clarice Lispector. Quando as sardinhas chegaram, só pelo aspecto percebi que estava perante uma avaliação semelhante ao "Ramsay's Kitchen Nightmares". Sardinhas não têm segredo, basta serem assadas em carvão e serem frescas! Aquelas não. Tudo estava errado. Vamos lá. Vinham 3 sardinhas assadas no forno (!!!), mergulhadas em azeite fervilhante, com batatas a murro mergulhadas no mesmo, pimentos e cebola crua em rodelas que pareciam imitar as dimensões de rodas de camião. Abro a primeira, a medo, e percebo o que temia. As sardinhas estavam cruas no interior e (espantem-se) congeladas!!! Como tinha 15 minutos para jantar, decidi não fazer uma cena. Porque feliz como estava, não havia sardinhas que pudessem estragar isso. Mas para continuar a avaliação, prossegui a avaliação... As batatas eram apenas cozidas com casca e o pimento era daquele de conserva!!!! Nem fixei o nome do restaurante, mas sardinhas desta qualidade envergonham uma cidade com mar!!! Adiante. Segui para a biblioteca a pensar que já estaria atrasada e percebo a longa fila, à distância. Sabem quanto tempo esperamos para entrar: 30 minutos!!! 

Mas nada, até mesmo a espera, ia fazer-me acabar mal o dia! Sentei-me, numa das poucas cadeiras livres, e a leitura começou já passava das 10 da noite, quando estava prevista para as 10:30. Diogo, surge no andar superior de fato cinzento escuro e camisa preta, com aquela voz espantosa. Sou sensível a vozes. Acho que o Diogo tem a melhor voz masculina de Portugal. Linda, linda, linda. Pelo contrário, acho a voz da Fernanda Câncio insuportável. Coitada, ela não tem culpa, mas aqueles agudos são intoleráveis. Não consigo ouvir a senhora. Pouco depois, Diogo desceu, com o seu ipad, despiu o casaco, e continuou a leitora. Que sorriso lindo o dele! Está ligeiramente mais gordo, grisalho, mas acho que ainda melhor! A idade só lhe faz bem!

Este "Sermão de Santo António aos Peixes", de 1654, escrito pelo Padre António Vieira não podia ser mais actual. Critica a prepotência dos grandes que, como peixes, vivem do sacrifício de muitos pequenos, os quais "engolem" e "devoram". É um texto que foi dito em São Luís do Maranhão, repleto de ironia, e agudo senso de observação sobre os vícios e vaidades do Homem, comparando-o através de alegorias, aos peixes. Vos estis sal terrae (Vós sois o sal da terra). Diogo a exaltar-se em latim fica ainda melhor. O efeito do sal é impedir a corrupção: «...Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites(...) Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam(...) Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós(...) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido(...) Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande..».


Um texto de 1654 que não perdeu a actualidade. O Brasil, país onde foi pregada pela primeira vez, luta nas ruas contra a corrupção. Nós, por aqui, lutamos por uma sociedade mais justa e esperamos, pelo menos, que a lei do enriquecimento ilícito, contra a vontade dos que nos representam, seja aprovada!



quarta-feira, 26 de junho de 2013

Oliver Smithies: a curiosidade que não acaba

Oliver Smithies é um dos galardoados com o prémio Nobel em Medicina, 2007 e que veio dar uma palestra à Universidade do Minho na passada sexta-feira e ontem participou numa conferência com outros laureados na Culturgest. Assistir a uma palestra de um prémio Nobel nunca pode ser decepcionante. Todas as que vi não foram e esta também não. Este cientista de 88 anos só o aparenta porque as pernas são o seu elo mais fraco. Fala com o entusiasmo de um jovem. Prende a atenção dos que o assistem. Conta histórias da infância, da terra onde nasceu, cativa a audiência. Mostra fotos dos originais dos seus 150 cadernos, onde até hoje, continua a escrever. Considera-se um cientista de bancada e não um administrador. Os olhos ainda brilham a falar de ciência. Diz que é muito importante tirar bons apontamentos e escrever o mais possível de pormenores. Confessa que não almoça. Mas diz que dormir é muito importante. Muitos dos dias que passa no laboratório são aos fins de semana. Achei impressionante uma pessoa que tem a juventude mental de um jovem cientista aos 88 anos. Questiona-se com as mesmas coisas e continua a achar que devemos fazer o que gostamos. Terminou a dizer que a curiosidade dele nunca acaba.



segunda-feira, 24 de junho de 2013

125 anos de Fernando Pessoa

Sempre que posso tento conhecer lugares, casas, cafés que foram frequentados por génios. Fico ali quieta a olhar. Perco-me no tempo. Não dou por ele passar. Fico a imaginar que ali, há alguma coisa especial, uma luz, uma paisagem, uma inspiração divina para o resultado que nunca morre. Ser eterno é isto. É permanecer para além da morte. Influenciada pelo 125º aniversário de Fernando Pessoa, fui conhecer a casa dele em Campo de Ourique. Sábado, uma tarde maravilhosa, com aquela luz que só Lisboa tem, acreditam que a biblioteca estava fechada? Resposta de uma funcionária: “Hoje é sábado, está fechada”. Com um ar que queria ter dito: “com este tempo vem esta gente para aqui chatear quando deviam estar na praia!”. Não seria suposto uma casa destas ter a biblioteca aberta ao fim de semana, quando o comum dos mortais só a pode visitar nestes dias, porque nos restantes trabalha? A coisa começou imediatamente mal. Mas bastou-me subir ao primeiro andar e ver (mesmo só da porta de vidro fechada) o famoso quadro de Fernando Pessoa pintado pelo Almada Negreiros, que esqueci imediatamente tudo. Deixei-me impregnar pelo ambiente. Entrei no quarto completamente escuro do Pessoa. Ali estava a cama se solteiro, a cómoda e alguns manuscritos. Sentei-me na cama, não sei se era suposto. E fiquei ali a olhar, não sei quanto tempo, sozinha. Via apenas símbolos do Zodíaco e que dali, daquele pequeno quarto tinham saído alguns dos melhores poemas. Saio, vejo a máquina de escrever, vejo o diploma da escola onde nasceu e estudou, em Durban. Subo ao 3º andar, o Sonhatório. Quase tudo ali é interactivo. Podem ouvir-se poemas ditos por artistas portugueses e brasileiros. Pode ver-se pormenores da vida de Fernando Pessoa. Numa das salas estão expostos alguns dos objectos pessoais de Pessoa:  os tão famosos óculos, um caderno de apontamentos, um isqueiro de prata. Mas o barulho de uns espanhóis estridentes tiraram-me a concentração. Nem o meu olhar reprovador os fez desistir. Parecia que estávamos no circo. Detesto este tipo de pessoas que não tem qualquer tipo de sensibilidade e só visitam os sítios para poderem dizer aos amigos que estiveram lá.








 Continuei pelas ruas de Campo de Ourique, fui até aos Prazeres e sentei-me no regresso na esplanada da Canas.Vi passar várias vezes o eléctrico 28, do qual tenho um desenho original numa das paredes de casa e um no frigorífico. Muitas pessoas escaldadas do sol, provavelmente vindas da praia, duas senhoras velhotas a comer amendoins e a beber imperiais. Há melhor? Levanto-me em direcção à Estrela e não resisto a entrar no eléctrico. Não há melhor! O percurso é lindo.  O eléctrico vai até ao Martim Moniz mas eu fico pelo Chiado. Olho para o nosso poeta maior. Sigo para a Bertrand. Depois para a Fnac, onde comprei quatro livros do “Nandinho”, como lhe chama a Maria Bethânia.  Regresso ao largo Camões, onde num dos quiosques peço uma ginginha. Mas é tão bem servida que se continuo a bebê-la sem comer nada fico logo ali. Entro num café que faz esquina com a Rua da Misericórdia e peço um pastel de bacalhau. Todos me perguntam o que tenho no copo! E eu respondo, simpaticamente, provavelmente já tocada pela ginginha, a todos. O pastel de bacalhau é medonho mas serve o objectivo. Acabo a ginginha, agradeço amavelmente a todos os que me fizeram companhia no balcão e a quem me serviu. Saio e é tempo de meter-me num táxi que me levará a Entrecampos onde jantei tão bem no Sakura.





terça-feira, 18 de junho de 2013

Os professores

Fiz todos os meus estudos até à universidade num colégio privado. Hoje não vou debruçar-me sobre as vantagens e desvantagens. Tive sempre a mesma professora na primária, desde a 1ª até à 4ª classe. Os métodos dela, para a época (anos 80) e para a idade que ela tinha (entre os 20 e muitos e os 30 e poucos), eram muito severos. Usava o castigo físico em demasia, ora as orelhas, ora as reguadas com uma régua de madeira, até à moderna (lançamento inovador na altura)  régua de plástico flexível que nunca partia. A violência física era transversal, nem os bons alunos escapavam. Ninguém estava a salvo. Gostava de encontrá-la para lhe perguntar se ainda continua com estes métodos pouco ortodoxos. Tirando este pormenor (o adjectivo fica ao critério de cada um) era uma excelente professora no que respeita ao método de ensino. Nessa altura decoramos o poema, que sei de cor até hoje:

“Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.

Será chuva? Será gente?

Gente não é, certamente

e a chuva não bate assim”(...)


Adiante, depois no ciclo tive outros professores que me marcaram positivamente. Uma professora de Português que nos incentivava a ler fora das aulas e a anotar as palavras num caderno. Os significados eram adicionados com recurso a um dicionário. Até hoje uso um dicionário. Desde a primária que nunca dei muitos erros, mas sem dúvida, este método ajudou imenso. Foi também com esta professora que eu descobri o gosto da leitura. Tivemos outra, que os meus amigos que andaram no colégio se recordam, que nos obrigava a fazer cópias em cadernos de duas linhas para termos a letra bonita!
A Matemática, acho que no 8º ano, tivemos um professor que era Capitão do Exército. Era super engraçado. Corria toda a gente com negativas mas era muito boa pessoa. E tinha por hábito destruir os livros de ponto e sujar a roupa toda com giz. Quando fazíamos barulho pegava no livro de ponto, batia com ele em cima da secretária e gritava: “Calou, porra!”.
Mais tarde, tivemos um professor, também de português que era padre e Professor na Católica. Adorava latim e Gil Vicente. Até hoje detesto essa língua morta e Gil Vicente. Contudo, adorava o “Principezinho” que analisamos até à exaustão. Nessa altura achei o livro muito desinteressante. Anos depois, reli-o várias vezes e sei trechos de cor. Este professor proibia-nos de ler os cantos dos Lusíadas referentes à Ilha dos Amores. Contudo, digo até hoje o primeiro canto: “As armas e os barões assinados/ que da ocidental praia lusitana/ por mares nunca dantes navegados...”. E o “Mar Português” de Fernado Pessoa é outro dos exemplos que decorei nessas aulas e que sei até hoje.

O Padre Fernandes foi quem mais nos incentivou à leitura em voz alta nas aulas. Quase que só fazíamos isso. Lembro-me do dia que morreu Miguel Torga, foi como se lhe tivesse morrido uma uma pessoa da família. Adora Eugénio de Andrade. E tinha a maior biblioteca que alguma vez conheci. Andava sempre com livros e todos eles dobrados e com pequenos papelinhos a fazer marcações.

Ontem, no dia em que os professores fizeram greve, que é um direito que lhes assiste, lembrei-me destes meus mestres. Eu lembro-me nitidamente que os meus amigos que andavam nas escolas públicas, os professores faltavam muitas vezes. Naquele tempo invejávamos estas baldas...nós nunca as tínhamos. A verdade é que nos colégios privados não há greves. O que eu tenho a dizer é que os professores das escolas públicas foram sempre uns privilegiados ao longo dos anos, e agora, como estão a deixar de ser intocáveis usam da pior arma, não a greve, mas os alunos. Quantas horas trabalhava um professor? Como é que era avaliado? Os salários sempre subiram, não por mérito, mas por anos de serviço. Quanto tempo de férias tinham? Era férias no Natal, na Páscoa, 2 a 3 meses no verão... Claro que estão descontente s porque quem não se sente não é filho de boa gente. Mas o que queriam? Se toda a sociedade portuguesa está a ser afectada transversalmente, achavam que se mantinham intocáveis? Esse Mário Nogueira, que só fala e não diz nada, se eu fosse professora tinha vergonha de o ter como porta-voz. Que experiência de docência tem este senhor? Viveu a vida toda a receber um ordenado de professor sem sê-lo. E eu termino com o meu agradecimento profundo aos meus mestres que tanto me marcaram, tendo a certeza que a profissão de professor é tão nobre.


domingo, 16 de junho de 2013

Grande Alface

O dia começa de manhã para mim, nada habitual ao domingo. Ontem caí na cama e doía-me todos os músculos das pernas, até os que eu não sabia que tinha! Isto é o que acontece a quem não anda a pé. Acordei diversas vezes durante a noite, nada fora do habitual. E às 9 já estava acordada, antes do despertador dar o toque de alvorada às 9:30. Fui ao Museu Gulbenkian, não para ver a exposição permanente, mas para ver  a exposição da Clarice Lispector – A hora da estrela. Está nos últimos dias, e a última vez que estive cá, não coincidiram os horários. Museu cheio de famílias, turistas, crianças, novos, velhos. E hoje era de graça, coisa que eu não sabia, mas agradeci! A exposição, tal como Clarice Lispector é invulgar e sombria, escura. A primeira sala está coberta de frases da autoria dela, e fotos,  a principal delas a destacar um dos seus olhos, invulgares. A seguinte é parecida mas iluminada. A seguinte tem a transmissão de uma entrevista, dada pouco antes de morrer, e da publicação do seu último livro “A hora da Estrela”. Ali são perceptíveis as marcas deixadas na sua mão direita, provocadas pelo acidente em casa por conta de ter adormecido com um cigarro aceso. A sala dos espelhos mostra a trajectória das cidades por onde Clarice Lispector passou, desde a cidade que nasceu, na Ucrânia até ao Rio de Janeiro, onde morreu. A última sala é constituída de cima a baixo por gavetas, as quais só algumas abrem. São muitos documentos, cartas, cartões, e correspondências entre amigos, dos quais se destaca o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto. É possível ver também  carta a pedir ao Presidente Getúlio Vargas a nacionalidade brasileira, porque apesar de o único país que conheceu como seu ter sido o Brasil, ela saíra da Ucrânia bebé de colo. As outras espectacularidades do museu são os jardins e a esplanada da cafetaria. E o clima e a luz de Lisboa são exemplares para isso.









Segui para o Cais das colunas. Se me perguntarem a minha imagem preferida de Lisboa, é sentar-me nas escadas que dão para o rio e estar ali a olhá-lo sem dar pela passagem do tempo. Quando eu conheci o Mississipi pela primeira vez em Memphis, foi uma desilusão. Eu que achava que o rio era grandioso ao estilo do Amazonas, das histórias do Tom Sawyer, quando cheguei lá apareceu-me um rio normalíssimo. Olhar o Tejo do Cais das Colunas [outra das vistas magníficas é a vista da Fundação Champalimaud] é majestoso. Na semana passada festejaram-se os 125 anos de Fernando Pessoa. Não existe poema que descreva tão bem o Tejo como este:

" O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
(...)
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá nã está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
(...)

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América 
E a fortuna daqueles que a encontram.
(...)

Ricardo Reis



Depois, como estava próxima, fui à Fundação José Saramago. Para minha surpresa estava fechada. Pelos vistos fecha aos domingos. Para a “Presidenta” Pilar que está sempre a reclamar de tudo, era óptimo que explicasse a lógica de fechar a fundação ao domingo, quando os que trabalham durante a semana não o podem fazer... Sem querer estragar o meu dia que estava a ser perfeito, encontrei a felicidade mesmo ao lado. Almoço:caracóis, sardinhas, uma salada, uma imperial e uma coca-cola na esplanada do “Solar dos bicos”. E ainda estive a avançar a leitura da biografia da Clarice Lispector. 




A meio da tarde, para desgastar, segui pela Praça do Comércio em direcção à Rua do Alecrim, não tão íngreme como a Bica... Depois segui pela Rua da Misericórdia até ao Miradouro São Pedro de Alcântara, que juntamente com o Miradouro de Santa Catarina e a Graça,  é de tirar a respiração.  É quase de desmaiar de tão lindo! Segui até ao Príncipe Real onde me estiquei na relva. Em Braga, os jardins são para olhar e não para usar. Este não, toda a gente deitada nos jardins! E eu que só podia fazer isso em casa dos meus avós, tirei a barriga de misérias e estive ali a olhar para o céu, a ver as nuvens passar devagarinho, a ouvir as crianças a jogar à bola, os gritos das correrias, casais de namorados (as) a ler e a aproveitar o sol, esplanadas cheias, velhinhos nos bancos do jardim, a olhar as palmeiras e outras árvores que não sei o nome. Aproveitei para mais leitura e até ao último minuto porque queria que este dia demorasse mais a acabar.





sexta-feira, 14 de junho de 2013

O Porto

O Porto não é uma cidade que escolha ir porque gosto. Vou , como vou a tantas outras, por necessidade, ou porque tenho lá amigos queridos, porque é a cidade mais perto onde acontece determinado espectáculo. Ao contrário do que muitos dizem, que não se passa nada no Porto, a bem da verdade, passa-se muita coisa. A Casa da Música é das coisas mais activas na cidade. O ciclo de conferências sobre a América organizadas pela Anabela Mota Ribeiro e pela FLAD foram das coisas mais fantásticas que vi nos últimos tempos.  As quintas de leitura no Teatro do Campo Alegre, as apresentações na belíssima Biblioteca Almenida Garrett, perdida nos jardim do Palácio de Cristal. Não me posso esquecer de um dos que considero dos mais bem localizados museus do mundo, Serralves.
Hoje, para que os meus amigos queridos não me critiquem tanto por não considerar o Porto, nem de longe nem de perto, uma das minhas cidades, só vou dizer bem!
Na mesma semana fui duas vezes ao Porto. Coisa rara. E para quem diz que no norte, e principalmente no Porto as pessoas são todas simpáticas, enganem-se. Um dos restaurantes classificado como TOP 10 em Francesinhas, mesmo em frente ao Coliseu, chamado Santiago, por favor!!! Fica aqui o aviso. As francesinhas são boas, mas o atendimento!!! Não de todos, mas unicamente uma senhora que parecia saída da cadeia de Custóias: cabelo oxigenado, os braços cobertos de tatuagens, t-shirt 2 números abaixo do que devia, gestos rudes, voz alta e a parecer que estava a fazer-nos um favor.
Continuo a achar que a degradação de muitas ruas do Porto, que noutras cidades até parecem pitorescas, nesta cidade, parecem decadentes.
Mas onde eu queria chegar. O melhor restaurante do mundo (onde comi), depois de um em Philly e do Nobu em NY, foi o Gòshó.

A outra sugestão foi-me dada por pessoas diferentes. Uma disse-me que era em frente à Padaria Ribeiro, outra que era em frente a uma leitaria. Como eu não reconheço nada, achava que eram restaurantes diferentes. Era o mesmo, o magnífico Kyoto na baixa. As reservas todas completas a uma sexta à noite, mas um ambiente cool, despretensioso. Adorei!

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Dia cinzento e frio, a fazer lembrar um dia de inverno, apesar de estarmos a dias do verão... Depois das obras de instalação do gás canalizado na semana passada, hoje foi o dia de terminar as arrumações e limpezas. Eis os despojos das obras!

Passei o dia em casa, vi esporadicamente as comemorações do dia de Portugal. Hoje e sempre, neste dia, tenho orgulho em ser portuguesa. Apesar da crise, do desânimo, do desemprego, do mau momento, Portugal tem como o seu dia, o dia de um poeta. O dia em que morreu Camões é o dia de Camões, dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas no dia todo. Isso não é fantástico? Ao contrário de muitos países, o dia de Portugal, não é o dia de um rei, de um descobridor, de um presidente, de um ditador, ou de um cantor... É o dia de um poeta! Dez de Junho. É fascinante.



domingo, 9 de junho de 2013

Maria Bethânia e as palavras

Entrou no palco ao som de um batuque, com um sorriso aberto e fez logo uma vénia ao público. Maria Betânia, vestida com um casaco branco comprido e umas calças pretas que lhe cobriam parcialmente os pés nus. O mesmo colar de todas as apresentações e pulseiras múltiplas no punho esquerdo compunham o elegante figurino. Um palco minimalista sem adereços composto apenas por Bethânia, Paulo Dafilin na(s) viola(s) e Carlos César na percurssão. 
Uma sala tão bonita, pequena e aconchegante como é o Teatro S. João foi a sala perfeita para um espectáculo como este. Um público que me fez cada vez mais ter orgulho de ser portuguesa. Um espectáculo que foi sobretudo delicadeza, emoção, silêncios e a voz de Maria Bethânia a encher o teatro. Fiquei na terceira fila, tão perto do palco que dava para ver os cabelos cairem quando mexia no cabelo. Maria Bethânia a cantar é de arrepiar. Mas só a voz, sem o auxílio de nenhum instrumento é o dom dela. A voz poderosa e grave que parece não precisar de microfone. Mas Bethânia a ler é impossível de explicar. Ninguém diz poesia como Bethânia. O ritmo, a cadência, o tom, a encenação. Uma expressão dramática espectacular e gestos fortes. Uma cantora que escreve todos os dias e adora caderninhos. Tão delicada, tão educada, tão cerimoniosa, que não se cansou de repetir “Obrigada senhores”. Leu poemas de Carlos Drummond de Andrade, Sophia, Fernando Pessoa e heterónimos, Mário de Andrade, Vinícius de Moraes,Guimarães Rosa, António Ramos Rosa e muitos poetas populares brasileiros. Cantou Caetano, Amália, entre outros.
Maria Bethânia disse: “Criei esta leitura e escolhi textos que ao longo da minha vida tenho dito nos meus espectáculos de cantora. Alguns dos senhores que estão aqui hoje já me viram em cena onde ouso e gosto, também, de me expressar através da palavra falada. Eu gosto de falar, gosto de emprestar a minha voz à minha vida, às histórias, personagens, aos sentimentos que os autores nos revelam. Eu sei que ler, ouvir, dizer poesia, hoje, nesse tempo, nessa correria, nesse desapego, é um desafio. Mas essa ideia me comove e me atrai(...). Eu fiz essa leitura em vários lugares, sempre recebendo escolas com seus professores e alunos ou indo até eles, o que para mim, é uma grande honra. Eu fiz recentemente essa leitura na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Eu li poesia na casado meu poeta. Poeta da minha vida, fonte para a minha sede, poeta que sustenta a minha respiração, o ritmo desassossegado do meu coração.
Cantou trechos do poema “Ciclos”, um poema de Nestor de Oliveira, que foi professor de português dela e de Caetano Veloso numa escola pública do Recôncavo baiano. “Eu me emociono muito, porque, além da didáctica, aprendia-se a ler, a ouvir, a dizer poesia. Caetano Veloso, também seu aluno, foi quem musicou esses versos lindos. E eu falo disso só para lembrar que é possível, sim, ter uma educação boa e plena nas escolas públicas do Brasil”, falou.
Noutra das suas confidências declarou: “Felizmente, podemos ver o extraordinário trabalho de professores que vencem todas as dificuldades, ultrapassam seus limites e dedicam suas vidas, e com grande prazer conseguem cumprir tarefa tão nobre: educar. Eu fui aluna de escola pública. Eu, Maricotinha, recebi a comenda Ordem do desassossego (conferida pela Casa Fernando Pessoa) em reconhecimento aos maiores divulgadores da obra de Fernando Pessoa.
Depois de longas palmas e com o público de pé, Maria Bethânia regressou ao palco: “Leitura não tem bis mas eu estou tão feliz que vou improvisar”.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

The great Gatsby

Como dizia a Clara Ferreira Alves há uns tempos quando foram seleccionados os 100 mais importantes livros de todos os tempos, um dos que ela escolheu foi The great Gastby: “Não é possível passar pela vida sem ler este livro. A obra-prima se Scott Fitzgerald é uma apresentação original ao Sonho Americano. Jay Gatsby veio dos nada e fez-se multimilionário escondendo as origens judias e os negócios sombrios. Veio do nada para reconquistar uma mulher que tinha classe, dinheiro, pedigree. E um marido das universidade Ivy League, de Wall Street e do egoísmo sem barreiras. Daisy e Tom Buchanan ostentam o narcisismo patológico dos que nunca tiveram de lutar. Na mansão do lado social errado, Gatsby avista a luzinha verda da casa de Daisy. Essa luz é o que o faz viver. Nick Carraway, o observador do drama, narra o very unhappy end. Scott Fitzgerald escreve como um diabo, ou seja, imoralmente bem”.


Em Cannes, este filme foi escolhido para abrir o festival mas a recepção da imprensa foi de um silêncio sepucral -nem aplausos nem vaias, apenas desprezo. Cannes, talvez como o Festival de Veneza, é a grande montra dos bons filmes e dos grandes realizadores, geralmente que não são sucessos de bilheteira. Tinha que ir ver The great Gastby, o filme. Sabia antes de entrar que iria ser uma desilusão. Posso estar a ser preconceituosa, mas um realizador que escolhe para a banda sonora de um filme, adaptado de um grande livro, o rapper Jay-Z, não combina. Mas queria perceber como aquele público que não deveria saber, na sua maioria, que se tratava de uma das obras primas da literatura americana, estava ali a esgotar a sala. Queria perceber qual o segredo de transformar o livro do F. Scott Fitgerald, que não é um best-seller, mas que foi já várias vezes transformado em filme, ser desta vez um blockbuster. Saí da sala a dizer que se as pessoas não lêem, pelo menos a maioria dos portugueses, mesmo os (as) mais letrados (as), que assistam à forma mais fácil, neste caso, um filme. E se esta é a fórmula de dar a conhecer uma das mais magníficas obras da literatura americana do séc XX, nada há de errado nisso. Provavelmente, estas pessoas que não leram o livro iriam achá-lo uma seca, mas à boa moda de Hollyood, as descrições e os diálogos primorosos, conseguem transformar-se em fogo de artifício visual. 

A comparação do livro com este filme faz lembrar-me de uma história que se passou comigo no Metropolitan Museum. Estava eu a sair do museu, a uma sexta ao fim da tarde onde ia muitas vezes. Nesse dia levava vestida uma t-shirt com a capa do livro The great Gastby que também tinha escrito o nome do autor, F. Scott Fitzgerald. Um segurança para-me e diz-me: “Great t-shirt”. E eu fiquei logo toda emocionada a achar q era um grande elogio, um ameicano a elogiar uma t-shirt de um dos mais espectaculares livros do seu país. Quando ele acrescenta “I´m Scott too”. E pronto! Toda a minha emoção acabou ali. Ele nem sabia quem era o Scott Fitzgerald, quanto mais o que era o The great Gatsby. Para o bem e para o mal, acho que agora já saberá...


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