quinta-feira, 28 de abril de 2016

Bem-vindo estranho

O espectáculo é baseado na obra "Be Mine", da  britânica Angela Clerkin, e explora a relação entre mãe e filha. Jackie (Regina Duarte), e a sua filha Elaine (Mariana Loureiro) que é advogada, vivem num pequeníssimo apartamento em Londres. É este o cenário da peça: o escuro e as várias divisões do apartamento. A relação delas é conturbada e oscila entre o extremo afecto e o insulto. Percebemos que Jackie teve a filha com 12 anos. Jackie é uma personagem complicada e fascinante. Deve ter sofrido muita para ser assim. Uma mãe manipuladora, profundamente amorosa, quase sufocante de tão apaixonada que é pela filha. Tão carente e tão incapaz de olhar para si mesma e incapaz de viver sozinha sem a “muleta” da filha. Uma egocêntrica nata. É daquelas pessoas que acha que a solidão é a morte e abomina-a. Gosta de ser mimada e de ser o centro das atenções, e consequentemente, usa todos os recursos possíveis para prender a filha junto de si "até que a morte nos separe.” O exagero da Jackie em relação à filha e é que gera o humor. É mesmo muito exagerada. Veste-se sem noção da idade, sai para “tomar todas”, totalmente descontrolada. Chega a ter graça de tão exagerada que é.

Um dia surge um estranho que pode “roubar” a filha. Com a chegada de Joseph (Kiko Bertholini), o misterioso namorado de Elaine, que se prepara para viver no mesmo apartamento provisoriamente, a atmosfera de suspense entra em erupção, levando a um conflito de desejos incontroláveis cujas consequências são imprevisíveis. Joseph, acusado da morte bárbara da namorada,  foi defendido em tribunal por Elaine. E ela conseguiu provar a sua inocência e conseguiu a sua absolvição. Ela acredita, de facto, na sua inocência. Elaine é uma filha carente e insegura e faz o papel da boazinha, de submissa e de certinha.

Humor, suspense e tensão, pautadas por uma banda sonora exemplar. Momentos de um suspense intenso e absorvente misturam-se com um humor muito perspicaz e inteligente. O publico oscila entre o riso e a gargalhada, o susto, a sugestão, o medo e a hipótese. O final é surpreendente, e tal como Regina pediu no final: “não contem pra ninguém”. Regina Duarte já conquistou o papel de diva. É esta a palavra que me ocorre usar. Uma interpretação magistral regadas pelas suas gargalhadas, gritos e voz inconfundíveis. A interpretação é acompanhada pelos enormes talentos dos outros dois actores.

A peça fala do ser humano. De sentimentos, emoções, desejos, frustrações e descontroles de seres humanos. Uma peça do tamanho do talento de Regina Duarte. Uma peça onde ela brilha e faz brilhar os dois outros actores. Regina Duarte mostra que está em plena forma aos quase 70 anos. 











quarta-feira, 27 de abril de 2016

A dignidade de se passar de bolseiro de pós-doutoramento a investigador de doutoramento

A ANICT, associação que representa investigadores doutorados (bolseiros ou contratados), que trabalham em Portugal, está a fazer um questionário nacional que pretende averiguar a opinião dos investigadores doutorados sobre a eventual conversão de bolsas de pós-doutoramento em contratos de trabalho a termo. “A passagem de bolsas a contratos está associada a um aumento dos custos de recrutamento. A ANICT defende que o rendimento líquido anual dos atuais bolseiros de pós-doutoramento não pode sofrer cortes, aquando desta mudança. Este fato, irá implicar um aumento de custos na ordem dos 33%. A ANICT defende que os orçamentos dos projetos financiados pela FCT, assim como a sua duração, sejam compatíveis com esta nova realidade”. A pergunta é ouro sobre azul. Questionam os investigadores se concordam ou não com um contrato que mantenha os mesmos valores da bolsa pós-doc. Em letrinhas quase ilegíveis pode ler-se que isto implicará que em cada 3 bolseiros pós-doc apenas 2 terão contrato.

Obviamente que questionar um bolseiro pós-doc, talvez a posição mais precária de toda a carreira académica, que não têm qualquer aumento do valor da bolsa há mais de 12 anos, que não descontam para a Segurança Social (a não ser através do precaríssimo Seguro Social Voluntário), que em caso de não renovação da bolsa não têm direito a subsídio de desemprego, acenar com um contrato, quem poderá dizer que não?

A questão sobre se os bolseiros pós-doc concordam ou não com um contrato deveria ser seguida da explicação. Eu concordo, em absoluto, que haja contratos para pós-docs. Mas isso, quem não concorda? A questão é: a qualquer preço? Não! Eu sou daquelas que não serão beneficiadas por estes possíveis contratos. Sou bolseira há 6 anos e pelas actuais regras, não estarei incluída neste pacote.
Mas eis o que eu questiono:
1)   Que haja obrigatoriedade de contratos pós-doc. Como nos habituam em ciência, a célebre questão do mérito e do merecimento. Quem merece e quem não merece? Como se faz essa avaliação? Os “protegidos” estarão sempre nos 2/3 a contratar. A questão é para onde vão os restantes 1/3?

2)  O que acontecerá aos investigadores pós-doc após 3 anos? Esta parte não está explicada. O que pretendem a ANICT e a FCT propor após 3 anos? Que o investigador pós-doc continue a concorrer para contratos sucessivos de 3 em 3 anos mantendo o valor de 1450€/ano + SS + subsídio de alimentação?
3) Que diferenciação de valores terá um investigador pós-doc após 3, 6 ou 9 anos?

4) No que se baseará a diferenciação entre investigador pós-doc e os actuais contratos de investigador FCT?

5)  No que se baseia a FCT e o Ministro da Ciência para cada 3 bolseiros de pós-doc atribuir apenas 2 contratos de investigador pós-doc? Partindo do princípio que quem financiará isto é o governo. Implicando, de facto, um aumento de 33% por cada investigador em impostos, esses mesmos valores retornarão para a máquina do Estado. Ou seja, não há qualquer perda. O dinheiro só se deslocará dentro do mesmo Estado entre diferentes Ministérios. Aqui residem as minhas maiores reticências. Deverão os bolseiros pós-doc aceitar os contratos a qualquer preço? Não deverão reflectir mais nesta questão? Não existirão, de facto, maiores gastos para o Estado/bolseiro.

Se se trata de discutir, e a decisão ainda não está tomada, aqui ficam as minhas opiniões que são só minhas e que não representam ninguém além de mim.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O dia que o Brasil disse sim ao golpe

Domingo histórico para o Brasil, no sentido negativo e muito pessimista. Constrangida, é o mínimo que posso dizer hoje, depois do que vi durante parte da noite e madrugada. Das noites e madrugadas mais chocantes da minha vida. Ri para não chorar. Quando a realidade ultrapassou a ficção. A ignorância no seu esplendor. “Ao pé daquela Presidente e daquele Governo, daquele antigo Presidente, daquele Congresso, daquela Comunicação Social, a nossa vida política é um poço de sabedoria e de civilidade”

Que circo era aquele? Aquilo era na Casa do Povo (Câmara dos Deputados) ou um estádio de futebol?!  Que berraria, que claque, que baixo nível. Tanta gente a saber conjugar mal os verbos e não distinguir entre o singular e o plural. Tanto usar o nome de Deus em vão. Tantas graças, tantas glórias. Tanto agradecimento aos pais, aos filhos, aos netos, aos sobrinhos, aos primos, aos avós, aos tios, aos amigos, aos colegas, aos simpatizantes, às cidades, aos estados, ao cão, ao gato, aos que ainda estavam por nascer, aos militares, aos bombeiros, aos ditadores, aos reaccionários, aos democratas, aos golpistas, aos torturadores, aos ditadores, aos canalhas, aos padres, aos pastores, à paz em Jerusalém, aos agricultores, aos índios, aos coronéis.

Votaram sim, não pelo crime de responsabilidade da Presidente da República mas: “pela minha mãe negra Lucimar”, pela “família quadrangular”, por “Campo Grande onde tem a morena mais linda do Brasil”, “pela minha neta que vai nascer”, “ pelo fim da vagabundização remunerada”, “pelos produtores rurais, que se o produtor não plantar, não tem almoço nem janta”, “pelo estatuto do desarmamento”, pelo comunismo que assombra o país”, “pela nação evangélica”, “pelo fim dos petroleiros”, “pelos militares  vitoriosos de 64”, “pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rouseff”. Como? Não houve quem lhe desse um murro que lhe partisse a cara e os dentes?! Parece que esta é a única linguagem que (alguns) percebem.

Não foi um espectáculo bonito de se ver. Os patriotas, os golpistas, os de direita, os reaccionários, os conservadores, os ultra, os evangélicos de verde e amarelo de um mau gosto sem nome. Cabelos de homens pintados, a grande moda. Com direito até a confetis: “quem vota sim bota a mão para cima”, como se de um espectáculo de axé se tratasse. Só faltou a Ivete para cantar e dançar no fim!

Falta de educação, de boas maneiras, histeria raivosa, com algumas (raras) excepções.  Gritos. Urros. Apupos. Assobios. Cuspidelas. Vozes roucas, quase afónicas. Buzinadelas. Palmas. Braços no ar. Choro. Gritos. Cânticos. Claque. Mas...“faixa não é admitida”.

Canalhas. Corruptos. Quem naquela câmara não tem um processo a pairar sobre si: uma pequena minoria. O propagar de gerações de netos, filhos e avós políticos, como se de dinastias reais se tratassem. Analfabetos políticos. Semi-analfabetos literais. Falta de vergonha na cara. Vendidos. Ladrões. Gentalha que se dirige à Presidente como “Tchau querida”?!. Gente que mandou beijos através da televisão. "Que país é esse?" já perguntaram os visionários nos finais dos anos 80.

Nunca fui a favor de Dilma. Mas acho que comparativamente com o que a rodeia, é o mal menor. Não pairam sobre ela acusações de corrupção mesmo depois de todas as investigações a pente fino. O grande erro dela foi ter achado que Lula seria a solução de (quase) todos os seus problemas. No dia em que ela convidou Lula para Ministro ninguém percebeu nada e confundiu-se tudo. Ela nunca o devia ter feito. Para tentar salvar o seu governo e tentar salvar a face de Lula assinou a sua “morte” política. Nesse dia, os que (ainda) acreditavam na sua inocência passaram a colocá-la no mesmo saco. Ser contra o golpe e contra a destituição não é ser do PT. Ser contra a destituição de Dilma é ser a favor da Democracia e achar que o único poder de eleição de um Presidente é o voto do povo e não a eleição indirecta. Se chegarmos a ver Michel Temer na Presidência do Brasil, apoiado pelo Eduardo Cunha, é legitimar a corrupção. É aceitar que vale tudo. Num país evoluído, democrático, de primeiro mundo, um político que é réu do Lava-Jato, que tem contas na Suiça por lavagem de dinheiro, teria tido a honradez de se demitir e sair pelo próprio pé. Não teria a falta de vergonha de ter a cara levantada e riso cínico de presidir à Câmara de Deputados.


Não adianta estar indignado agora. Aqueles que defenderam  o fim da corrupção com o afastamento da Dilma verão, em pouco tempo, o mal que escolheram. Ninguém fora do Brasil percebe como é que Dilma Rouseff que não está indiciada nem acusada de nenhum crime é destituída pelo Presidente da Câmara e muitos dos deputados implicados no escândalo de corrupção que abala o Brasil. E toda a gente bate palmas?! Não acredito que o Brasil tenha solução. Com alternativas políticas tão pouco credíveis e tão fracas é difícil. Tenho muita pena pela grande geração que vejo crescer e que poderia ambicionar por um país melhor. Portugal ao pé do Brasil é um menino... Se o Brasil ambicionar mudar nos próximos tempos tem que começar por mudar este Congresso. É acabar para começar de novo. Zerar.

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