quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A vida como ela é

Levanto-me com bastante antecedência, apesar de ter feito as malas ontem. Depois de alguns sustos resolvo não arriscar e cumpro, religiosamente, as duas horas de antecedência necessárias nos voos. Uma constipação forte deixou-me em baixo de forma nos últimos dias. Como o frio é muito e a preguiça muita, em vez de andar 500 m até ao ponto de táxis mais próximo, resolvo chamar um táxi usando uma app. A aplicação diz-me que demorará 3 minutos. Resolvo descer,  com a maior velocidade que consigo 4 andares, carregada com duas malas. Mal chego à rua recebo uma mensagem a informar-me que o táxi está atrasado. Está um dia lindo, cheio de sol, mas gelado de congelar passarinhos nas árvores. Espero, espero e nada. O táxi continua atrasado. Passado algum tempo, mais do que justo para um atraso aceitável, desisto e resolvo ir a pé até ao ponto de táxis. Antes disso, ainda tenho tempo de dar todas as moedas que tenho no bolso a um velhote que me cativou desde o primeiro dia que cheguei a Génova. As duas razões foram: ter um cão ceguinho que passou a reconhecer-me e a ladrar sempre que me chegava perto deles é o dono, sempre que me via, dizer "Ciao Bella". Hoje, lá estava ele, sentado no mesmo lugar de sempre mas sem o cão. Há muito tempo que não o via porque agora vou de boleia para o trabalho e não de metro. Como após 8 meses de Itália, pouco ou nada aprendi de italiano, não consegui perguntar-lhe pelo cão. 

No táxi, a caminho do aeroporto, abro o meu email  para confirmar a hora de chegada a Roma e percebo que o vôo é às 10 e não às 11:25, como havia pensado. São 09:35. Podia ter desmaiado, ou ficar com taquicardia, ou com uma crise de asma, ou ter vontade de vomitar, ou... Não, como adulta quase nos 40, inspiro e penso que entrar em pânico não resolverá nada. Que atitude tão sensata! Não me reconheço! Está uma fila imensa de trânsito. Ao lado vejo o que resta da ponte Morandi e ao fundo os Alpes marítimos cobertos de neve. Convenço-me que há sempre coisas piores.

Chegada ao aeroporto, faço o habitual, vou em direcção aos balcões da Alitalia para despachar uma mala. Neste caso, para dizer que perdi o vôo das 10 porque achei que era às 11:25. Ninguém se interessará com a explicação, que neste caso nem faz sentido algum, que uma adulta quase nos 40 ainda confunde a esquerda com a direita, que nunca diz as horas em número maior que 12 porque se confunde com os significados, confunde os dias da semana em italiano e francês... E poderia dar muitos outros exemplos que me encheriam de vergonha, esse sentimento que não me abandonará nunca. A verdade é que toda a gente fará um sorriso forçado de pena e não se empenhará de forma alguma em ajudar.

As funcionárias da Alitalia fazem aquele sorriso piedoso de quem não tem nada a ver com isso e que a resolução não faz parte das funções delas e mandam-me para o balcão da emissão de bilhetes. Aí, como se fosse um favor que me estavam a fazer, dizem-me que não existe nenhuma reserva, que tenho de telefonar para as reservas da TAP e resolver o meu problema. Aqui começa a saga italiana. Mais de hora e meia num telefonema com operadores da TAP que parecem autómatos em vez de humanos. Este telefonema não resolverá nada que não seja a troco de muito dinheiro. Durante estas quase duas horas andei entre o balcão da Alitalia, balcão de emissão de bilhetes, sentada numa cadeira ou de pé às voltas não sei de quê. Hoje, como pratico todos os dias da minha vida, confirmo que apesar de não sermos pagos para ser boas pessoas, seremos sempre melhores se para além de sermos bons naquilo que fazemos, ou pelo menos tentarmos o melhor que sabemos, ajudarmos os outros como pudermos. 

Primeiro falei com uma pessoa do sexo masculino da TAP, que foi bastante simpático, não decorei nem apontei o nome mas ao qual expliquei, muito breve e sucintamente, o meu problema.  Ele garantiu-me que me iria transferir a chamada pra outro operador e que não não iria, garantíramo-nos, perder o vôo de ligação  das 11:25 de Genova para Roma. Este senhor passou-me a ligação para outra senhora, de nome Bárbara Ferreira, que obviamente não por culpa dela, demorou mais de 30 minutos a atender-me. Em vez de fazer um testamento sobre o que me tinha acontecido fui objectivamente ao assunto é expliquei-lhe o que dela precisava. Perdi a noção do tempo que esta senhora precisou para dizer-me o que vem a seguir, mas sem esquecer de referir-lhe que caso demorasse muito eu perderia a hipótese de embarcar no vôo das 11:25. Pois bem, após um tempo que está registado no meu telemóvel e a ouvir a música cantada pela Carminho e Paulo Gonzo (será?) esta senhora diz-me que para eu conseguir os vôos de Génova-Roma e Roma-Lisboa teria que pagar qualquer coisa muito perto de 600 euros e não seria em executiva. O mundo parou. Na terra de Colombo, no país do homem que descobriu que a Terra é redonda e que a terra anda à volta do Sol, o meu mundo parou. Como?! O meu bilhete é em executiva, no último ano fiz uma média de mais de 30 vôos na TAP e o que têm a propor-me é isto? Já que tenho tempo porque o vôo das 11:25 está perdido, e perder mais do que o que já perdi não é possível, decido fazer o melhor monólogo que tenho memória, sem auxílio de qualquer nota. Esta senhora ouviu-me com a atenção dos fiéis na homilia. Relembrei-lhe o quanto a TAP é criticada por tratar mal os clientes, de toda a gente que conheço, viajante assíduo de aviões, ter preferido outras companhias, da minha defesa patriótica da TAP porque às vezes acontece, de ignorar os atrasos, de ignorar os funcionários que só actuam "by the rules" e nunca encontram a melhor solução para o cliente, das 8 H de trabalho dos funcionários que como ela estão no quentinho de uma sala confortável e que têm um trabalho garantido, quer tenham um bom ou um mau desempenho e a descrição minuciosa da história inesquecível com a Lufthansa (*). A Sra D. Bárbara Ferreira aguentou estoicamente e respondia sempre com um pedido de desculpas ou que não podia fazer mais nada.

(*) Há uns meses eu tinha um vôo Lufthansa para Lisboa para ir à Embaixada de Itália. Quando chego ao aeroporto de Génova o vôo para Frankfurt estava atrasado uma hora, o que iria comprometer a minha ligação para Lisboa. Expliquei a situação a uma funcionária, e sei que foi um exemplo excepcional e sem repetição. Esta senhora, sem me conhecer de lado algum, tentou todas as hipóteses para me fazer chegar a Lisboa sem que eu perdesse o meu compromisso. Eu tinha um bilhete em econômica, nada mais. Esta senhora, que não sei o nome mas de quem me lembrarei toda a vida, disse-me para apanhar um táxi para Bolonha onde tinha um reserva para ir para Lisboa. Foram 550 euros de táxi que a Lufthansa me pagou em 3 semanas, tendo como prova um recibo de táxi manuscrito. Querem dizer-me que as empresas de aviação não têm comportamentos diferentes? Ou que os funcionários estão habilitados a resolver os problemas dos clientes de forma a que haja algum entendimento?

A Sra D. Bárbara Ferreira, durante o meu longo monólogo, deve ter colocado uma melhor banda sonora e na sua voz de enfado, daquelas que não ficam melhores uma oitava abaixo, diz-me: "se quiser assegurar os vôos é X". É aí começo a perceber que um problema maior toma conta de mim: perdi o meu telemóvel italiano! Faço um rápido raciocínio e desloco-me aos sítios onde estive. Em nenhum dos lados o encontraram. Mas não posso ligar para esse meu tlm italiano porque estou ao tlm com a Sra D. Bárbara Ferreira. Aqui comecei a relativizar os meus problemas. Como a minha cadela quando faz asneiras, coloca aquela cara de cadela com os olhos mais tristes do mundo e arrastar-se na minha direcção, em bom português, ponho o rabinho entre as pernas e mudo de drama. Ficar sem vôo e discutir  com uma senhora que haveria sempre de me dar a mesma resposta fosse qual fosse o nível dos meus argumentos ou encontrar o telemóvel? Eis a questão. Mudo de rotação. A minha prioridade passa a ser em busca do tlm perdido.

Para quem me conhece, sabe o meu nível de conhecimentos informáticos. Mas há uns meses instalaram-me uma aplicação, caso perdesse o iPhone, para o encontrar. Foi o que fiz. Em poucos minutos sabia que o tlm estava no aeroporto de Génova. Fui a todos os sítios onde tinha estado, que não foram muitos, e não o encontraram. Tinha quase a certeza que tinha caído do bolso das minhas calças. Um clássico! Fui aos “perdidos e achados” e também não tinham entregue tlm algum na última hora. A seguir, fiz o habitual, liguei e esperei. Nas primeiras vezes o tlm tocava mas houve uma vez que foi para o voice mail. Comecei a ficar preocupada. Perdi a conta do número de vezes que subi e desci a escadas do aeroporto de Génova, que separam o segundo do primeiro andar, com duas malas. Como última tentativa tentei a abordagem da segurança. Falei com o responsável da segurança antes do embarque e expliquei-lhe o que me tinha acontecido. Em poucos minutos contactam-no e disseram-lhe que entregaram um iPhone todo partido nos “perdidos e achados”. Era esse mesmo. 

Já em Roma, caminho em direcção à Lounge da Star Alliance. Passa das 4 da tarde e ainda não almocei. Todas as comidas aparentam óptimo aspecto mas a minha constipação e o meu estado febril não me deixam aproveitar. Como apenas alguma coisa. Ainda durante o tempo que me separa do vôo que me levará a Lisboa, não resisto a um aperol Spritz. Dessas horas resultou este texto. O que começa mal pode acabar bem. E foi este o caso. Como me perguntou um amigo: “como te ris?”.  Não tenho nenhum motivo para não o fazer.




quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Dia 3 - Roma


O hotel que escolhi fica na Piazza Vittorio Emanuele. Tinha uma entrada de metro mesmo em frente e ficava a 10 minutos a pé da maior estação de Roma, Termini. O hotel era um pequeno hotel familiar, boutique, simpático, cómodo, silencioso. Mas aprendi, ou antes, confirmei que os hóteis em Itália, com a excepção das cadeias internacionais, quando se reserva um quarto individual implica (sempre) a existência de apenas uma cama individual. E como tal, também, uma só almofada. O quarto era pequeno mas não precisei de maior. Outra coisa menos boa é que a casa de banho tinha um chuveiro com cortina de banho e não com vidro. Para além disso, a tampa da sanita era de plástico. No entanto, quando cheguei tinha uma carta personalizada do director do hotel a dar as boas vindas e um convite para um aperitivo ao fim da tarde no bar.

Depois do pequeno-almoco comecei o dia em direcção à Praça de Espanha. Outro dia infernalmente quente. Domingo. Dia de sol. Outro mar de gente. Saí na paragem mais perto e soube aqui, mais do que nunca, o significado de “todos os caminhos vão dar a Roma”.  Caminhei alguns minutos até ao cimo das escadarias da Praça de Espanha. A primeira persqectiva foi vista de cima. A escadaria estava cheia de gente. Pessoalmente parece mais pequena mas, nem por isso, menos bonita. Ao redor encontram-se algumas das lojas mais exclusivas com preços que não são para toda a gente. Como as cidades também são feitas de cafés históricos, não deixo de entrar no Cafe Greco, o mais antigo café de Itália depois do Florian, em Veneza. Um cappucino e um tiramisu 24 euros. Caro, mas um paraíso, quase sem pessoas. Sem wifi. Só a temperatura certa e a decoração antiga de sofás e cadeiras em veludo cor de vinho. Uma chávena em Porcelana, um copo de água de cristal, um tiramisu que parecia caseiro. Um deleite.





Sigo a pé até à Fontana di Trevi. Muitos alfaiates que vendem fatos por medida. Ruas estreitas. Apesar de haver muito boas indicações, é impossível não seguir o caminho certo. E quando chego lá, apesar da multidão e de ser a hora mais quente do dia, no pico da tarde, não é uma desilusão. Em Roma, mais do que noutra qualquer cidade do mundo, talvez por ser aquela onde mais aglomerados de gente vi, as pessoas querem registar o momento. Os turistas não querem ver nem sentir. Não querem tentar gravar na memória. Não querem simplesmente olhar. Aquilo que antes se atribuia apenas, ou mais, aos turistas japoneses, infectou a maioria dos turistas. A maioria só fotografa, grava, regista. E outra coisa que reparei é que não é apenas registar o monumento, ou o quadro, ou a escultura, ou a pedra. É combinar o retrato com o monumento, o quadro, a escultura ou a pedra. E então, é ver centenas de pessoas a pentear-se ao o telemóvel, a fazer o seu melhor sorriso, a prestar atenção se tem algum resto de pizza do almoço ou talvez um verde da rucula nos dentes. Esta posição de colocar os cotovelos para fora é uma arma branca para os mais distraídos como eu. Perdi a conta das vezes que choquei com cotovelos em Roma. No mais, a Fontana di Trevi, é numa praça pequena, que parece fechada e pequena mas aquele azul piscina é uma maravilha de se olhar, apenas. A sombra das casas que a rodeiam invade a praça. Dizem-me que à noite é uma calmaria e ainda mais bonita. Vejo alguém a vender castanhas assadas debaixo de mais de 40 graus e não quero pensar que depois do verão será outono.







terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Castelo Grinzane Cavour

21 de Outubro de 2018

Este castelo fica aproximadamente a uns 16 Km de Alba. Faz lembrar o Douro, sem rio. Embora a imagem que eu tenha do Douro não seja a da minha memória, porque esqueci as vezes que lá estive, tão tenra era a minha idade. Desde que tenho idade para não esquecer, ou deveria, nunca mais lá fui. Mas digamos que a imagem romântica que eu tenho do Douro Vinhateiro é das imagens e fotografias dos amigos estrangeiros aos quais aconselho. São montes e vales repletos de vinhas muito bem organizados com graus proporcionados de inclinação, com o rio no fundo. Pois bem, a vista que se tem do Castelo Grinzane Cavour  é parecida, talvez com menor inclinação e sem o rio (que só acrescenta beleza). Não visitei o museu do castelo. Vi apenas a cafetaria e a enoteca. Tem um restaurante, cujo chefe já trabalhou no  Louis XV do Alain Ducasse, em Monte Carlo. Muitos adolescentes a ler deitados na relva. Muitos turistas estrangeiros. 

É meio da tarde e eu entro num bar cujos snacks incluem queijos, salames e presunto. E vinhos vendidos a copo de Barbera, Barberesco e Barolo. Está um dia quente. Temperaturas de verão. Mas esta luz triste, amarelada, turva, lembra-me que estamos no outono. Para mim, a pior estação do ano. Acabo a comer um prato de queijos diferentes dos de ontem. Igualmente bons. E com isto lembro-me da Milly Lacombe que diz constantemente que a mãe (italiana) poderia só viver com queijos e vinho. Infelizmente, nunca tive um fígado e uma vesícula biliar irrepreensíveis e sei que vou padecer muito brevemente destes abusos de vinho tinto e queijos.








Ontem à noite, seguindo o conselho de pessoas de Alba, e sendo o Festival da trufa branca, fui a um restaurante chamado Museum, localizado numas ruínas romanas. Queria provar as trufas brancas em Alba. Já havia provado, acho que duas vezes, e não gostei. Mas como não provar esta iguaria na terra natal? E um copo de vinho tinto Barbera, o que me ensinaram ser frutado, ao meu gosto. Barbedesco e Barolo, tenho aprendido neste dias, são demasiado fortes e secos. Trouxeram-me pão caseiro e uma entrada (mimo do chef). E água com gás (que foi o que me salvou). Quando veio a pasta com as trufas era um acumulado do que parecia ser taggliatelli do tamanho da palma de uma mão (pequena) de ovo e manteiga e raspas finas de trufas brancas, muitas. Eu sei que não tinha muita fome, e tavez estes pratos sejam para ser comidos a morrer de fome. O cheiro arrumou-me logo. Para além do mais, o meu grande amigo R. havia-me dito que "não era a cena dele". O meu pai quando não gosta muito de uma comida diz que não aprecia. Eu poderia dizer o mesmo, fosse o caso. Mas detestei mesmo. Não volto a comer nada com trufas brancas. O que salvou a noite foi uma sobremesa. 





Alba, muito concorrida nesta altura do ano, tinha todos os hoteis esgotados há mais de duas semanas. No Booking vi a classificação de um seminário como excelente e decidi arriscar. Muito barato para Itália, e mais barato ainda para esta região de Itália. Cada noite ficou por 50 euros, sem pequeno almoço. Foi uma agradável surpresa, a combinaçao entre o silêncio, a arrumação, a simplicidade de um seminário com a modernidade, as grandes dimensões, a comodidade e a limpeza de um quarto de hotel. Para além do mais, as duas semhoras responsáveis eram de uma simpatia enorme e até me foram buscar à estação de comboio. Melhor não podia ter sido. Neste fim de semana, para além de ser o Festival da Trufa Branca de Alba, juntou-se a feira Medieval. Um mar de gente. Ruas entopidas. Muitos jogos, muitas barracas a vender avelãs torradas, vinhos e doces regionais. Barracas de comida de rua com todo o tipo de churrasco, peixe frito, polenta e hamburguers.






A viagem de comboio para Alba é muito bonita e incluiu a mudança de comboio em Torino. Mesmo quem como eu não morre de amores por naturezas bucólicas, aconselho esta viagem porque combina paisagens diferentes, arquitectura diferente do habitual em Itália com a gastronomia e o vinho, que também são cultura.

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