quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Dan's Finger Food and Drinks

10.12.2016

Foi a nossa segunda vez. Noite de sábado. Fria, como todas, no inverno do Minho. Mas, felizmente, sem chuva. Não existem reservas. Quando chegamos por volta das 8 a fila de espera era considerável. E o nosso desafio era grande: 10 pessoas (3 crianças, 6 adultos e uma bebé no carrinho). Esperamos aproximadamente uma hora.

A primeira vez que experimentamos foi há mais de 6 meses e ficamos com óptima impressão e com vontade de voltar. Fomos menos mas também levamos uma criança. Pode dizer-se que é um restaurante completamente kids friendly. Existe um menu especificamente para crianças. E os nuggets ( que não são mais do pequenos panadinhos muito bem feitos). Da primeira vez bebemos sangria de frutos vermelhos. A cerveja que existia era de uma marca espanhola da qual não me recordo o nome.

Desta vez, a lista de cervejas era muito maior e incluía as artesanais, nas quais recaiu a nossa escolha. Pedimos 3 tipos diferentes e duas delas em tamanhos familiares e que foram trazidas numa taça de gelo. Pedimos várias entradas. Levamos um bolo de aniversário e foi-nos trazido pratos e talheres (o que muitas vezes não acontece em muitos restaurantes). Apesar de Guimarães ser uma cidade reconhecida pela sua tradicional comida minhota, este Dan’s merece uma visita. De vez em quando os adultos anseiam por um hamburguer de qualidade e uma boas batatas fritas e os miúdos adoram. Pedimos várias doses de de entradas de nuggets e camarão enrolado em bacon. Os adultos escolheram entre os 13 hamburgueres disponíveis e as crianças os respectivos menus mais pequenos.


O melhor: A luz e a iluminação. A meia-luz. E o ambiente a fazer lembrar um típico bar americano. Um dos funcionários que tem um humor que merece ser falado. Dois dos molhos que acompanham o hamburguer: caril e maionese com alho . As batatas fritas

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Não me deixes só, Jesus

Foi esta a sua primeira prece. Dois dias antes do Natal. Já havia passado a maior das provações há 13 anos. Pensou que morreria. Mas sobreviveu. E agradeceu sempre, por isso. Treze anos depois, a tragédia volta a bater à porta. Este número santo. Só que desta vez, pior. Como as espadas do coração de Nossa Senhora das Dores. Sem nenhum analgésico químico que o pudesse acalmar. Vivia a maior das alegrias. O maior dos descobrimentos. Voltara a acreditar no (verdadeiro) amor. Encontrou o amor. Soube o seu verdadeiro significado. O que era realmente. Soube que existia. Sentiu-se abençoado.

Tinha uns olhos cheios de vida. Reflectiam a alegria e sede de viver no alto dos seus tão jovens e tão poucos anos. A juventude no seu esplendor. Curta, muito curta, como a vida. Subtil. Delicado. O maior encontro de bons adjectivos reunidos numa pessoa só. Tão raro. Quase impossível. Mas o improvável aconteceu.

Há um mês dançara, como se não houvesse amanhã entre o seu amor e amigos, na festa "Dança com ela". A dançar junto. Muito. Solto. Lindo. Muito contente. Com toda a gente. Alegria. Muita alegria. Para dar e vender. Alegria agora e amanhã e depois e depois de amanhã. Como uma espécie de celebração. É disso que muitos se lembram e lembrarão. Aquele rapazinho de 20 anos com uma vida cheia de sonhos pela frente. Como se espera  de uma vida com uma idade que não se espera ter um fim.

Um episódio agudo de asma. Tudo parou. Abruptamente. A vida por um fio. Na corda bamba. Primeiro o sufoco, como um peixe fora de água. A agonia. O desespero. Os braços a debaterem-se. A tentar agarrar qualquer coisa (palpável). Ar. A dor. A perda. O silêncio. A falta de movimento. E por fim, o grito aterrorizador de quem assistia sem nada poder fazer. A inércia. A  impossibilidade. As lágrimas. Quem habilitado estava, tudo fez. Rápido. Certeiro. Sem erros. Mas a natureza é assim. A vida é assim. (Im)perfeita. E as dúvidas são sempre maiores que as certezas.E a maioria das perguntas  (nunca) tem resposta. Mesmo quando tudo é feito, pode não ser o suficiente. E foi o que aconteceu. Paragem respiratória. Seguida de paragem cardiorespiratória. Reanimação. Demasiado tempo de manobras. O corpo (demasiado) jovem foi velado horas a fio como se as preces, o tempo, a energia positiva pudessem modificar o tempo e a natureza. O desfecho definitivo. O ponto final. Uma morte trágica à (boa) maneira grega. Num palco cercado de expectadores e luzes, perante a inércia da medicina, da ciência e da humanidade. Nada foi suficiente. Afinal, não somos nós que decidimos (nada). Nada mandamos. Assistimos inertes a um acontecimento inesperado com uma solução irreversível. O que falhou? O que se poderia (mais) ter feito? Para onde vão as palavras que não são ditas? O maior dos mistérios.

Acabara de descobriu o amor. Soube que essa verdade que apregoam, existe. Levou-lhe o coração. Não deixou (quase) nada. A não ser memórias. Tantas. Tão boas. Duvidaram deste amor sem idade. Uma diferença de mais de 20 anos. Adeus. Esta palavra tão definitiva.Tem o coração despedaçado. Sem conforto. Tem a dor como companhia. Encontra-se prostrado. Sente-se sem forças. Ouvem-no chorar. Mas sente-se abençoado, apesar de tudo. Tocado por um anjo. A juventude é (quase) incompatível com a morte. Todas as mortes são injustas quando amamos. Mas, tem o consolo ténue que a vida do seu amor fará "renascer" muitas outras. Por isso, a sua morte nunca será em vão.

Mas, o que aprenderá com esta dor dilacerante? O que se aprende com a tragédia?

Tentará (re)inventar-se. Com o tempo. Só o tempo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Os meus amigos dizem que acredito muito

Acredito cegamente. Confio sem provas. Acredito sem ver. Confio nas pessoas. Nas suas bondades e nas suas verdades. Acredito em promessas. Acredito na justiça mesmo que ela teime em tardar. Foi um dia difícil. Não mudo uma palavra em relação a ontem. Não questiono quando acredito. Acredito e isso basta-me. Acredito na humanidade. Acredito na palavra. Acredito, pronto. Acredito, ponto. Até que se é apanhada de surpresa e o castelo desmorona como um castelo de cartas de baralho. Ou de dominó. Peça por peça. Até à última. Apanho-as uma a uma e recontruo. Uma a uma.  Até ficar de pé, outra vez. Não mata mas magoa. Sobrevive-se. Não se fica igual. Mas aprende-se. Tempo. E volta-se a acreditar como um (re)começo. Nada é um fim. Tudo é uma oportunidade. Ganha-se coragem. Arrisca-se. Um tiro no escuro. Dúvidas. Lágrimas. Incertezas. Futuros. Cenários. Conjunções. Riscos. Opiniões. Impulsos. Forças. Confrontos. Conforto. Mudanças. Talentos. Justiças. Sinais. Dons. (Re)começar. De novo, de novo, de novo, de novo. Até ao fim. Apenas final. Quando a morte chegar. Nunca é tarde para mudar. Nunca é tarde para (re)começar.

Sou uma crente por definição. Sem razão.

No dia que deixar de acreditar prefiro morrer.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O triunfo das mulheres

Sou suspeita para falar de Madonna. Acho que é o verdadeiro icon pop. Transgressora. Revolucionária. Autora de uma grande música chamada Music que tem apenas um acorde (o máximo da simplicidade na linguagem musical). Autora de várias músicas que são verdadeiros hinos. E autora de músicas, que de alguma forma, toda a gente conhece. E é, nas suas próprias palavras “uma má feminista”. Madonna está a dois anos de fazer 60 e acaba de ganhar, esta semana, o prémio de “Mulher do ano”. Destaco o seu discurso de aceitação e agradecimento. Um discurso emocionante, verdadeiro, íntimo, revelador, sincero, cru e doloroso.

Com o seu conhecido humor começou o seu discurso centrado, principalmente, no facto de ser mulher. Começou por referir que hoje, com as novas tecnologias, as pessoas não precisam de ter coragem de insultá-la “cara-a-cara”. Falou da sua experiência de se mudar para NY, ainda adolescente, em 1979, ano em que eu nasci. Ao contrário de hoje, NY era uma cidade assustadora. No primeiro ano, apontaram-lhe uma arma, foi violada num terraço com uma faca na garganta e o apartamento foi tantas vezes assaltado que deixou de fechar a porta. Nos anos que se seguiram, perdeu quase todos os amigos com SIDA, drogas, ou tiros. Estes acontecimentos avassaladores, não só a tornaram na mulher que é hoje, mas também lhe relembra o quanto é vulnerável. Afirmou, claramente, que não é dona dos seus talentos, que não é dona de nada. Tudo o que tem é um presente de Deus. Para os crentes, esta é a maior das humildades. Depois falou especificamente na questão de género, no facto de ser mulher. Quando começou a escrever não pensava nisso. Mas depois começou a sentir como isso era importante. Se se é mulher é permitido ser-se bonita, gira, sexy. Mas não se pode ser muito inteligente. Não é permitido que se tenha uma opinião diferente do status quo. Não é permitido envelhecer. Envelhecer é um pecado. Falou de quando o álbum Erotica e o livro Sex foram lançados. E o que escreveram sobre ela. Uma das manchetes comparou-a ao Diabo. E nessa mesma época, o Prince andava de saltos altos, baton e mostrava o rabo... mas era homem. Falou de como se conseguiu recompor de todas as críticas e de todos os insultos, encontrando força na poesia de Maya Angelou, na escrita de James Baldwin e na música de Nina Simone. Deu como exemplo a Camille Paglia uma escritora feminista, que em vez de a apoiar a criticou. E terminou a dizer o mais importante: que as mulheres devem apoiar-se mutuamente.

E nesta semana, este discurso é especialmente importante, porque coincide com a atribuição de um pretigiadíssimo prémio a duas colegas do meu laboratório em Portugal. O que é de destacar é que não foi apenas um prémio mas dois prémios atribuídos a duas mulheres do mesmo grupo de investigação, e consequentemente, da mesma universidade. Estes prémios foram especificamente duas bolsas ERC Consolidator Grants de quase 2 milhões de euros para cada uma e é  um dos maiores reconhecimentos científicos a nível monetário e de mérito. Duas mulheres. Esta é a parte importante. Não sou amiga nem íntima de nenhuma delas. Somos mais de 100 pessoas no mesmo edifício. Uma delas conheço-a desde o dia que entrei no lab, há mais de 13 anos. Como mulheres que são, com toda a certeza, já as acusaram de tudo. E o facto de não ter nenhuma ligação a não ser profissional, faz este comentário ser (ainda) mais legítimo e verdadeiro. Tiveram e têm um director que é sábio, visionário, que acreditou nelas e que apostou nelas. Sem isso não seria possível. E não só nelas mas noutras tantas que compõem o seu grupo. É um director que aposta em mulheres e que acredita, sobretudo, nelas. Os números do seu grupo não enganam. Quem sabe esse seja talvez a razão do sucesso deste laboratório? Tal como no discurso da Madonna, nós mulheres, deveríamos sempre ficar contentes com o sucesso de outras mulheres e saber reconhecer-lhes isso. Não porque são mulheres mas pelo difícil que é conquistar o sucesso em igualdade de competição com os homens.

Não podemos esquecer-nos que em quase 30 anos de Prémio Pessoa somente 5 mulheres, num universo de 29 premiados foram mulheres: Maria João Pires, Menez, Irene Flunser Pimentel, Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.

No entanto, os  números  são animadores e mostram-nos que as mulheres são as que entram em maior número nas universidades, as que têm melhores notas e as que concluem os cursos com sucesso. Mostram-nos um presente brilhante e um futuro muito promissor.

Na política, uma vergonha. Um parlamento que tem que ter cotas para que haja um número mínimo de mulheres. O antigo governo com 14 ministros, apenas 4 eram mulheres: Maria Luís Albuquerque, Anabela Rodrigues, Paula Teixeira da Cruz e Assunção Cristas No actual governo o cenário piora, num universo de 17 ministros, 4 são mulheres: Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e Ana Paula Vitorino. No entanto, a Fundação Champalimaud tem como presidente uma mulher, Leonor Beleza e a Fundação Calouste Gulbenkian terá como próxima presidente Isabel Mota. Nem tudo é mau, portanto. Temos, também, na ciência e na academia grandes mulheres que lideram instituições como Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota. Como diria Madonna, o importante é não desistir continuar a persistir. Um dia, as coisas mudarão.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Deus-dará de Alexandra Lucas Coelho

Este livro é uma exaltação sobre uma cidade. São Sebastião do Rio de Janeiro. A “melhor cidade da Via Láctea”. Sete dias nesta cidade, na semana do carnaval. Este livro faz-nos ter muita vontade de a conhecer. Essa cidade tão tudo: exagerada, diferente, insegura, tão cheia de contrastes, cheiros e cores. Uma cidade que exalta a força da natureza e a forma inatingível dessa beleza que não foi feita pelo Homem. Como os livros de Jorge Amado que nos mostraram a Baía, este mostra-nos o Rio real. Nu e cru. Como diz a personagem portuguesa, Inês: “Incrível, é como chegar a Nova Iorque (...) Nunca aqui estive, mas estive. Porque a gente cresce com isto, estas imagens”.

O livro tem exactamente 551 páginas e é viciante. Não sei como o classificar. Já que as pessoas gostam tanto de dar um nome às coisas: é ficção, mas também é memória e ensaio e deve ter muito de autobiográfico. O que sei (bem) é o trabalho de pesquisa contido nele. É um cruzamento de histórias dos sete personagens principais no presente (não necessariamente por ordem cronológica  nem no mesmo espaço temporal) com o passado da descoberta do Novo Mundo, com a independência e respectiva abolição da escravatura, com o Brasil presente, com a escravatura mascarada.

Gabriel Rocha “pirata crioulo”, tem uma pala no olho esquerdo. “O olho se foi num estilhaço, briga de facções carioca”s. É o mais cortejado sociólogo do IFCS, bastião da Universidade pública. Tem um filho adolescente de 14 anos, viciado em laptop, celular e playstation.

Judite Souza Farah, 1,80 m, um arraso, irmã de Karim e Zaca, faz parte da elite carioca Não conduz. Está prestes a ser sócia do maior escritório de advogados do Rio de Janeiro. Ficou com Gabriel que a deixou em poucos dias. Casar-se-á com o rico Rosso de quem ficará viúva. Largará a advocacia.

Zaca, irmão de Judite. Fez a biografia do maior sambista brasileiro e ficou famoso aos trinta. Descobre-se homossexual.

Lucas 90 kg, 1.97 m. Nasceu em 91,índio arraçado de negro e de branco. Entrou em História na UERJ. Orfão e mudo. Ficou assim depois do trauma de encontrar a mãe pendurada numa árvore e depois de quase ter sido sufocado pelo assassino dela. Trabalha num elevador enjaulado por horas como o da estação 168 em NY  (Columbia Medical Center). Volta a falar graças ao amor de Noé e depois da experiência psicadélica com ayahuasca.

Noé “carapinha black power”, universitária bolsista da favela, finalista de Ciência Política na PUC. Engravida de Lucas.

Tristão nascido em 83. Português, antropólogo e católico. O seu nome vem do navegador Tristão da Cunha. Está nos antípodas do carioca: sem músculo e a perder cabelo antes dos 30.

Inês, portuguesa, sozinha na vida, franja curta, sobrancelhas separadas, boca bem vermelha, pele bem branca. Fuma. Veio de Beirute onde foi deixada pela namorada Yasmine. Tem a cabeça no Líbano. Yasmine saiu de Beirute e foi para a Tasmânia onde abriu uma pousada.

Li o livro em pouquíssimo tempo, apenas 5 dias (antes de dormir). Este texto demorou-me bem mais. Só sei que sou mais rápida a ler do que a escrever. A palavra que me ocorre é epopeia. Talvez um romance épico recheado pela “crueza” da verdade. A verdade é uma coisa difícil de se falar e difícil de se ouvir. Há factos, que talvez soubéssemos, mas que nos foram escondidos ou diminuídos, e quando sabemos deles neste livro temos um grito de revolta. Talvez a interiorização da verdade contida neste livro me choque tanto. Ocorre lembrar-me dos livros de António Lobo Antunes e da guerra colonial tão pouco explorada na nossa literatura. Os africanos que combatemos em África, das barbaridades que lá cometemos e que a culpa, por mais que até a queiramos assumir, não consigo dizer quem tem. Não sei a quem apontar o dedo. É de quem está ao longe a mandar? Quem dava a ordem? Quem tão jovem e ingénuo, tirado do país sem querer, e lá longe num país distante, sob o efeito daquela adrenalina do momento desata a matar, pela catarse de sentir-se muito grande no meio da multidão? Aquilo que António Lobo Antunes exalta sempre da coragem dos homens com quem esteve em África, que são os que menos culpa têm e que tão marcados ficaram.

O narrador, que é um brasileiro, é a voz de Alexandra Lucas Coelho. É um narrador que olha de fora, exterior a cada personagem. Não sei o que os brasileiros acharão mas eu acho que o narrador é bem brasileiro. Alexandra, parece conhecer o Rio como os cariocas que são “bonitos, bacanas, sacanas, dourados, espertos e que não gostam de sinal fechado, nem de dias nublados”. E só alguém com muito mundo, com muita experiência do Brasil, uma quase carioca (que não nasceu no Rio) podia ter escrito um livro destes sem “apanhar dos dois lados”. O lado do colonizador e o lado do colonizado, se é que existe um lado, se é que as coisas se dividem (tão simplesmente) em preto e branco. O lado da culpa ou a total ausência dela. E o melhor de tudo: o que aprendemos com este livro. Uma verdadeira lição histórica. E as referências bibliográficas. Obriga-nos, pelo menos, a pensar. E depois, uma lição literária e musical: Nelson Rodrigues (esse grande cronista que eu já li há algum tempo porque comprei alguns dos seus livros e biografia em São Paulo), Machado de Assis esse mulato órfão de mãe desde criança, que era disléxico, epiléptico, doente dos olhos, casado com uma portuguesa, fundador da ABL e não tinha filhos), Carlos Drummond de Andrade, Caetano...

Este romance mistura muito bem o presente com o passado. Para além de ficção inclui factos históricos. Aprende-se muito com este livro. Os portugueses, que poderiam nem pensar nisso, ou sentirem-se redimidos com o passado histórico, da descrição d’Os Lusíadas’ de Camões que exalta a epopeia portuguesa pelos mares. Um nobre povo, quase à semelhança do povo judeu, o escolhido, põe a descoberto o lado negro do “achamento” do Brasil. Coloca o dedo na ferida e coloca sal em vez de bálsamo. Esta visão fria e crua do nosso passado colonial, de um país colonizador à força, é muito pouco comum quando é uma portuguesa a fazê-lo. Alexandra, é por isso, uma das poucas.  Faz-nos (re)lembrar os índios que nós matámos e os milhões de africanos que tirámos de África e que escravizámos e que estão apagados da maioria dos manuais escolares.  Nós que exaltamos os nossos descobridores e navegadores mundo desconhecido adentro, aprendemos (apenas) que a História de Portugal é só triunfo, ousadia e audácia. E este livro traz, relatos verdadeiros. Eu que sou cientista, que leio muitos ensaios, romances e biografias mas que não leio muito sobre história, fiquei chocada com o que li do Vasco da Gama que está ao lado de Camões nos Jerónimos. Nós que aprendemos desde sempre que a nossa colonização tinha sido a melhor, que nos misturamos, que criamos a miscigenação, que criamos uma nova raça, os mulatos, não foi isso. Pouco nos questionamos que essa mistura foi com toda a certeza feita à força assim como os militares da Guerra Colonial no Ultramar abusavam e violavam nativas (obviamente) sem o seu consentimento. Isso são os factos que ninguém quer falar. Aquilo que ficou morto e enterrado e que ninguém quer trazer à luz do presente com a desculpa que ninguém tem culpa dos erros dos nossos antepassados.

Este romance mostra que há sempre novas possibilidades de se olhar o mundo. As múltiplas possibilidades. O que me surpreende é a base teórica, bibliográfica e factual deste livro. Não se trata de um romance que se limita à voz da imaginação mas aos factos históricos negros e crus. Faz-nos pensar (tanto). Quem sabe redimir dos nossos pecados, tão judaico-cristãos?

Para quem como eu, não conhece o Rio e apenas o imagina, fica ainda com mais vontade. Parece uma cidade imprevisível, caótica, inesperada onde a alegria está (sempre) à espera de acontecer.

E este romance que insinua um apocalipse, e uma das personagens diz “que nunca acontecerá aqui”, mesmo quando tudo parece perdido, quando se elege um Prefeito evangélico que acredita no criacionismo, achamos que tudo está (mesmo) perdido e que não terá solução. Mas é o contrário, esta cidade (Rio) e este país (Brasil), são sobreviventes, reaprendem e renascem sempre reinventando-se. E agora, que escrevo numa altura em que a eleição Trump parece ser o apocalipse temos a esperança que ao contrário da música que diz “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”, o mundo não acabe (de vez).


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