sábado, 27 de outubro de 2018

O dia da virada

Ontem, discutia que achava impossível haver um fenómeno Bolsonaro em Portugal. Pelo simples facto que um neo-fascista palhaço e ignorante não encontraria muitos apoiantes em Portugal. É que Bolsonaro é ainda pior que Trump. Posso estar muito enganada mas Bolsonaro comparado com Trump é muito pior. Antes de ser eleito, Bolsonaro não engana ninguém e diz ao que vem. A última é tirar o Brasil da ONU. Não perdeu tempo a ameaçar os seus opositores “cadeia ou exílio”, coisa que nem a ditadura militar se atreveu. Defensor, sem qualquer vergonha, da tortura.  E teve a desfaçatez de dizer que o erro da ditadura militar foi não ter eliminado umas 30 mil pessoas. Depois defende coisas absurdas como o conceito de família normal mas tem uma família constituída por marmanjos que vivem e enriqueceram da política. O nepotismo no seu melhor. E foi “batizado” em adulto por uma das seitas que mais poder tem no Brasil. Fala e expressa-se mal em língua portuguesa, imaginem nas outras. É um ignorante em todas as matérias técnicas. Não é por acaso que deve ter sido um dos únicos candidatos em todo o mundo a recusar debates com o seu adversário.  Dizem que é contra a corrupção mas há muitos anos que vive da política e vê o seu património, e o da família, aumentar exponencialmente. É um homem grotesco. O absurdo em pessoa.
 Depois de Trump achei que não se podia descer mais baixo. O problema é que o buraco parece não ter fundo. E quando se instiga à violência e ao ódio e se provoca medo, não há como não votar em Haddad. mesmo que não se seja de esquerda, mesmo que não se concorde, mesmo que não se goste, nem que seja o mal menor, ou de olhos fechados. E eu que nunca votei em Portugal num partido da ideologia do PT digo com toda a convicção e com os olhos e o coração nem aberto, eu apoio Haddad. Que pena ter sido a segunda escolha do PT. Quem sabe, com mais tempo, não houvesse segundo turno e o inominável não estivesse cheio de esperança.

E Ciro Gomes foi a desilusão. Amuado, pegou nos votos das pessoas que confiaram e acreditaram nele e veio descansar para Paris. Tão fácil? Independentemente do que se passará amanhã não haverá Ciro em 2022. 

Mas erros todos cometemos e Ciro Gomes ainda está a tempo de ficar ligado ao lado bom da história. Todos contamos com o apoio e as palavras de Ciro Gomes. O Brasil fará história amanhã, dando uma grande lição ao mundo de como a ditadura não passará? Eu quero acreditar que sim. Pela língua portuguesa, pelos meus amigos que não quero ver exilados, pelos artistas que quero continua a ver terem voz sem medo, pelos esquecidos , pelos que não têm voz, pela esperança num Brasil melhor, eu serei sempre pelos candidatos democratas. Eu sou Haddad. Contra o ódio e a favor da democracia no Brasil!

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Prémio Bottari Lattes


No sábado, 20 de Outubro, no Castelo Grinzane Cavour, numa cerimónia que começou às 4:30 da tarde foi entregue o prémio Bottari Lattes a António Lobo Antunes numa cerimónia pública. Vindos dos liceus de toda a Itália, a plateia estava repleta de jovens leitores.

No discurso de agradecimento do Prémio Bottari Lattes no valor de dez mil euros disse: “Quero agradecer este prémio que me deu muito prazer de o vir receber aqui e encontrar pessoas que foram, para mim, de uma delicadeza e de uma elegância que não vou esquecer. Se há coisa que eu admiro nas pessoas é a elegância da alma. E isso encontro aqui, até na beleza da vossa língua, que me faz imensa inveja, porque se eu escrevesse em italiano poderia, certamente, chegar mais longe. Quero, sobretudo, agradecer a forma como receberam, atrevo-me a dizer que com ternura e amizade. Como estava sempre a dizer um grande amigo, que tinha idade para ser me avô: “Olha miúdo, só há duas coisas no mundo que valem a pena: o amor e a amizade. O resto é uma merda”.

Ainda houve tempo para uma pergunta i: “A sua prosa tem uma força poética excepcional. Qual é a sua relação com a poesia? ”.“A mim parece-me que a distinção entre poesia e prosa está em vias de acabar. Não faz muito sentido. Lembre-se que às Almas mortas de Gogol se chamou de poema e Nabokov chamou ao seu poema romance. Toda a arte tende para a poesia. A poesia pode muito mais do que a prosa. Eu muitas vezes não sei o que estou a escrever nem a ler. Se pensar em Bashô, poeta japonês, tem um poema que é assim: “ Os quimonos secam ao sol/ Ai as mangas pequenas/ Da criança morta”.  Uma vida inteira está aqui em meia dúzia de palavras.

Quando Antonio Lobo Antunes recebe das mãos da mulher de Mario Lattes agradece-lhe, muito educadamente, e como um cavalheiro como poucos, faz-lhe uma pequena vénia com a cabeça e beija-lhe a mão.









copyright: Fondazione Bottari Lattes






copyright: Fondazione Bottari Lattes





terça-feira, 23 de outubro de 2018

Lectio Magistralis

Entro no Teatro Sociale  Giorgio Busca a poucos minutos da hora marcada. Sala bonita, parecida com o Teatro Nacional S. João. A plateia está cheia e como só restam lugares longe do palco opto por um dos camarotes. Muitos intelectuais, muitos jovens, muitos adolescentes. A mulher está sentada na segunda fila.

No palco está apenas uma cadeira e uma pequena mesa. António Lobo Antunes (ALA) entrará daí a poucos minutos para iniciar a Lectio Magistralis do prémio Bottari Lattes do qual foi o vencedor de 2018. A cerimónia de entrega será no dia seguinte no Castelo Grinzane Cavour, Património Mundial da Unesco.

Quem apresenta António Lobo Antunes descreve-o como "muito conhecido em Itália, na Europa e no mundo". O teatro repleto numa cidade pequena como Alba é o exemplo disso. Continua com a introdução da biografia de ALA, destacando a sua formação como médico psiquiatra, principalmente a sua experiência como médico na guerra em Angola "o Vietname português". Seguiu-se a bibliografia, com o apresentador a mostrar-se um conhecedor da obra, sem necessitar de ler para destacar cada um dos livros traduzidos. Elogia a ligação de ALA à literatura e ao cinema italiano e a narrativa inovadora. Destaca a imaginação de ALA, e os cenários dos seus livros, Lisboa e África ficcionadas, realidades que não existem. Há também uma pequena leitura do livro "Não é meia-noite quem quer", o último livro traduzido em Itália. 

António Lobo Antunes entra no palco debaixo de estrondosas palmas. Andar arrastado. Os anos têm visivelmente passado por ele e deixado marcas, fisicamente. Começa a falar com uma voz inaudível em português. Tem tradução simultânea. 

Começa por dizer que não fará nenhuma Lectio Magistralis. E o monólogo inicia-se pela sua relação com os livros aos 3/4 anos. Aprendeu a ler muito cedo. Divaga entre a morte, tratada como desconhecida, e os livros que começou a ler, desde Oscar Wilde a livros franceses. Fala dos irmãos, de como eram todos bons alunos, o contrário dele. Não estudava. Só lhe interessava escrever e ler e o hóquei. Passa para a relação com o pai que quando leu as primeiras coisas que escreveu foi muito encorajador: "Isto não presta para nada". Mas ele próprio tinha a certeza que ia escrever coisas extraordinárias. Aos 14/ 15 anos era hiperdotado e começou a enviar os textos, sob pseudónimo, para o jornal. Escrevia de tudo poesia, conto, novela. Estava convencido que era um génio. E como queria ser escritor, quando o pai perguntou qual o curso para o qual queria entrar, pensou em Letras. E o pai, como era muito democrata, disse: "Estás matriculado em Medicina". Então, mais precoce que a maioria, aos 16 anos entrou em Medicina. Nunca tinha visto um cadáver. Mas tudo nos primeiros anos envolvia cadáveres. Tinha medo. Essas aulas imensas de 4 horas provocavam-lhe terror. Mas continuou sempre a escrever e enviava coisas para a Casa dos Estudantes do Império (que defendia a libertação das colónias). E foi chamado à Polícia política. Como era um Lobo Antunes disseram-lhe: "O menino vá para casa e veja se não reincide de andar com comunistas". 

Fala da divisão social que existia na ditadura entre ricos e pobres. Das quatro ou cinco empregadas que tinham em casa. Das diferenças sociais que existiam. A missa das empregadas às 7 da manhã separada da missa dos patrões ao meio-dia, com direito a homilias mais longas é um dos exemplos dados. A igreja católica não é poupada, destacando os grandes almoços que havia em casa com padres e bispos que comiam e comiam: "essas santas criaturas".A ditadura também não é poupada. A existência da polícia política agressiva e temível, muito mais para os amigos do que para ele, que era um privilegiado.

Fala da sua viagem a Pádua de carro, ainda criança, e o pai a querer parar em todos os museus dos países por onde passavam. O pai queria ver todos os Tintoretto e ele achava uma chatice e que "gostava dos escarradores". Conta o episódio do escritor que perante As meninas de Velasquez no Prado ficou a olhá-lo muito tempo, calado e quando lhe perguntaram o que achava respondeu: "Onde está o quadro?", a mais bela crítica de arte q ouviu.

Fez o curso com várias reprovações mas no fim apaixonou-se pela Medicina. Escolheu Psiquiatria porque achava que dava menos trabalho. Foi para Londres fazer um estágio e quando volta é chamado para a guerra. Pensou em fugir. "A esquerda ia fazer a revolução para os cafés de Paris e voltava a votar na direita". Mas como podia fugir se escrevia em português? Tinha que estar em Portugal. E achava que a ditadura, que tinha começado em 1926, nunca iria acabar.

Exalta os militares, os seus soldados. Alguns deles nunca tinham visto o mar: "Que rio é este tão largo e com tanta espuma?". A maior parte dos soldados era muito pobre. Contou outro episódio que se passou há uns anos, no Porto, num sítio muito chique e os "seus" soldados apareceram para a apresentação do livro e o professor responsável pela apresentação disse: "O António gosta muito de pessoas humildes". Ao que ele respondeu, indignado: "Os meus soldados não são gente humilde. São príncipes. Está a ouvir? São príncipes!". E a partir daí começaram a aparecer com cartazes "Os príncipes de António Lobo Antunes. Quanto à guerra. propriamente, só falará de um dos intervenientes da revolução, Ernesto Melo Antunes, que no meio de um tiroteio à noite andava desprotegido e com uma lanterna: "Sabes, é que às vezes apetece-me morrer". Recordará a única vez que chorou na vida quando recebeu um telegrama a dizer que tinha uma filha. Foi chorar imenso tempo e outro oficial colocou-lhe a mão no ombro, sem dizer nada. E essa mão silenciosa e a sua importância, nunca mais esqueceu.

Recordou a dificuldade de voltar à vida real depois da guerra. E também a dificuldade de publicar o primeiro livro. Deu o manuscrito a ler a dois amigos: "um disse-me que devia tirar a primeira parte e o outro disse-me que devia tirar a segunda...". O livro foi recusado por todas as editoras em Portugal. Depois foi publicado por uma pequena editora e na sessão de lançamento "estava eu, o editor e a empregada da editora". E foi um acontecimento. Vendeu muito. O irmão Miguel até lhe disse: "Tens que tirar a fotografia da conta-capa porque ouvi dizer "deve ser uma porcaria mas ele é tão bonito". 

Falou do imenso orgulho que foi conseguir um agente em NY e ter sido publicado pela Random House e de ter boas críticas no The New York Times e todos os mais importantes jornais americanos. De como largou a Medicina para se dedicar em exclusivo à escrita. Continua a fazer o mesmo horário. Escreve das 8:30 até à uma e depois das 2:30 às 8 e depois mais um bocado à noite. Porque escrever, segundo ALA, é sobretudo trabalho.

Tem andado a reler Dickens. Cita de memória sobre um filho que vai ver a mãe que está muito doente:
"- Tens dores, mãezinha?
-  Tenho a impressão que há uma dor aqui no quarto mas não sei se sou eu que a tenho".
Deu este exemplo para explicar o quanto é preciso de trabalho e sofrimento para chegar a uma frase destas. 

Não se esqueceu de destacar o quanto estava orgulhoso por ver publicada toda a sua obra na colecção Pléiade, o único português, a par com Fernando Pessoa, a integrar esta lista. E junta-se aos 3 escritores vivos a integrá-la. 

Um monólogo, com argumento conhecido, sem qualquer novidade para os que acompanham de perto os poucos eventos públicos que aceita, usado como guião da sua Lectio Magistralis. Despediu-se com: "Só entre os homens e por  eles vale a pena viver".

O público não teve direito a perguntas mas os seus admiradores tiveram a oportunidade de ver os livros autografados. Teve direito a uma pausa para fazer desaparecer dois cigarros. Filas desorganizadas de mais novos e mais velhos, com a predominância dos mais novos. Auxiliado pela tradutora nos recados que os seus admiradores faziam questão que entendesse, parava de escrever, olhava-os nos olhos, com o sorriso lindo, apesar de contido e tímido. Quase não se lhe vêem os dentes,e aquele segundo de atenção com um sorriso inocente de quem não está a entender o que se lhe está a dizer, mais por causa da surdez do que outra coisa. E responde, delicadamente, com a mão estendida: "Grazie".









quinta-feira, 11 de outubro de 2018

"Eu vejo o futuro repetir o passado"


Ressacada do resultado das eleições democráticas no Brasil com Bolsonaro quase a não precisar de uma segunda volta, sinto-me como os versos de Caetano: "Estou triste, tão triste/ Por que será que existe o que quer que seja... sinto o meu prato vazio e ainda assim farto". E para piorar, Bolsonaro teve 59% dos votos dos brasileiros em Portugal. Apetece dizer, no calor da coisa, mudem-se para esse país que vocês idealizam porque vocês devem merecer. Depois recupero alguma lucidez e penso que o Brasil perdeu uma tão boa oportunidade de eleger um homem bem preparado tecnicamente, com ideias, com um programa bem explicado, que fez uma campanha informada e que já foi ministro e governador do Ceará, Ciro Gomes. Mas pelos visto, desta vez, parece que o que os brasileiros queriam era uma guerra ou um combate à dois. Avaliação de forças.  Como se justifica esta dicotomia Bolsonaro vs Haddad? 


Nunca simpatizei com Lula da Silva. Já escrevi muito sobre isso. Mas não há como negar que o primeiro governo de Lula tirou muita gente da miséria. E muitos, pela primeira vez na vida, puderam sonhar. No entanto, quando em 2015 estive em São Paulo, pude constatar que era uma cidade de extremos. Uma cidade com a maior favela da América Latina com restaurantes com preços mais altos que NY. Hotéis 5 estrelas que tinham tantos empregados como hóspedes, pessoas cujo trabalho era abrir a porta e dizer: "cuidado com o degrau". Apartamentos em pleno século XXI ainda construídos com separação entre patrões e funcionários. Mulheres mestiças e negras a quererem parecer brancas e alisar os cabelos e a pintá-los de loiro. Médicos  e cientistas que não dominavam a língua inglesa. Brasileiros de classe média a invadir as lojas em Miami e NY.



O maior erro do PT foi manter-se refém de Lula da Silva. E não ter querido ouvir os protestos de um país. Concordo que Haddad é um bom candidato. Bem preparado. Foi um grande Prefeito da cidade Pde São Paulo com ideias progressistas como diminuição da velocidade e fecho de ruas ao trânsito e implementação de outros meios de transporte como a bicicleta. É unânime que foi também um bom Ministro da Educação. Tinha tudo para ter um bom resultado. No entanto, o PT preferiu não fazer o mea culpa e achar que tudo no Lava Jato foi uma "armação". E como todos os mártires, Lula decidiu ir até ao fim e medir forças com a justiça. Acabaram a perder todos. Haddad que foi a segunda escolha e quase não fez campanha como principal candidato. Perdeu o PT porque quando se assume culpas ganha-se o respeito dos seus eleitores e perdeu o Brasil que poderia não estar agora a um passo do abismo. Poderemos sim, para sempre, culpar o PT por este erro estratégico.



Obviamente que Bolsonaro,um péssimo candidato, péssimo político que viveu os últimos 27 anos na e da política e tão pouco contribuiu para ela, sendo ignorante, racista, sem ideias, sem planos, sem projecto de governo, homofónico, xenófobo, misógino, defensor da violência, primário na resolução dos problemas, só podemos concluir que o resultado obtido é um voto de protesto. Os brasileiros estão fartos.
Pobreza, desemprego, desigualdade, violência, falta de oportunidades. É disto que os brasileiros mais se queixam.



Foi assim que Hitler chegou ao poder. E é assim que chegam ao poder (quase) todos os ditadores. Como alguém disse os democratas deviam ter-se unido na primeira volta para derrotar o fascista Bolsonaro. Infelizmente, o meu optimismo não abunda, e acredito que milagres só Deus e os santos. 



Mas o mais revoltante é ver que 59% do emigrantes brasileiros que vivem em Portugal (e não, não são só ricos e milionários) votaram em Bolsonaro! Como é possível os alvos de Bolsonaro votarem a favor dele?! Perceber que São Paulo, a maior cidade do Brasil e mais cosmopolita elegeu novamente o palhaço Tiririca e Alexandre Frota, um ex-actor pornográfico, a quem um dia Bolsonaro disse ser a sua escolha para Ministro da Cultura. Como Cazuza cantou há 30 anos e é tão actual: "eu vejo o presente repetir o passado".Agora, com 20% de vantagem sobre Haddad, Bolsonaro só precisa de continuar igual a si mesmo. E a mim resta-me tentar convencer os meus amigos brasileiros que votaram em Bolsonaro ou Ciro a mudar o voto. Porque apesar dos muitos tiros nos pés de Haddad, como continuar sob a batuta de Lula (o que foi aquela visita a Lula no dia seguinte às eleições? Precisa da autorização do mestre?). Mas mesmo assim, confirmo convictamente que nunca votaria num candidato de extrema-direita, apoiante da ditadura, defensor da tortura e da violência, tecnicamente ignorante, misógino, racista, xenófobo, homofónico. Por isso, a solução é o mal menor. Esqueçam os pecados do PT, votem de olhos fechados, votem no mal menor como um dia Paulo Portas se referiu ao apoio de Cavaco Silva na primeira candidatura à Presidência da República. Não consigo imaginar um Brasil regredir em pleno século XXI.Que país é esse?

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