sexta-feira, 28 de setembro de 2018

#elenão


No dia em muitas das cidades do Brasil, e incluíndo outras como Lisboa, vão manifestar-se contra Bolsonaro eu também digo: “ele não”. Bolsonaro é o exemplo de que pode sempre existir pior. Está na hora de a sociedade brasileira perceber que Bolsonaro à frente dos destinos do Brasil será uma desgraça. E não confiemos no absurdo da possibilidade. Arrisco-me a dizer que Bolsonaro é ainda pior do que Trump. Bolsonaro, o homem que fala abertamente e sem vergonha em resolver a violência matando; que deseja a morte de adversários políticos; que tem como ídolo um torturador; que nega a existência de ditadura; que insulta mulheres, que ameaça bater-lhes; que é apologista da tortura, que incita ao uso de armas, que se mostra publicamente a fingir empunhar uma arma; que apesar de viver num país de extremos económicos não aceita como solucão a reformulação dos privilégios dos políticos; que acha que ter uma filha é uma fraqueza, que se vangloria de só ter filhos homens; que não acredita na educação como mudança de uma sociedade; que acha melhor ter um filho drogado do que um filho gay, que acredita na cura gay; que enriqueceu com a política e que todos os filhos vivem da política; e por aí vai.

Um homem sem qualidades. Um político sem ideias, sem plano, sem estratégia. Um político que é o pior que a política pode ter como exemplo: um homem sem preparação alguma, sem qualidade técnica, sem empatia. Um homem que vive da descrença de um povo e de sound bytes. Um homem que nem falar sabe.

Hoje e até ao dia das eleições no Brasil é importantíssimo que os grandes exemplos não fiquem calados e usem a sua importância como “influenciadores” de opiniões e também digam “ele não”!   

Como estou fora de Portugal só  acompanho as notícias pelas redes sociais e o que me contam. Soube há poucos dias, com o sentimento que a humanidade de facto falhou, que juizes do Porto consideraram consentida a violação de uma mulher inconsciente. Para além  de repugnar a decisão destas pessoas supostamente acima de qualquer suspeita e superiormente educadas, o que leva seres humanos, seres bípedes com suposta inteligência violar uma pessoa inconsciente? Que prazer há nesse cenário mórbido? Uma pessoa inconsciente, que não responde a estímulos ser abusada por duas pessoas? Estes pseudo humanos não têm mães, irmãs, filhas, mulheres que respeitam e de quem gostem?  Que sentido faz isto? Isto não se passou no Brasil ou na Índia aconteceu em Portugal em pleno século XXI. Mostremos a nossa indignação. Falemos, ensinemos, gritemos que tudo se baseia em consentimento e respeito. Nem os animais irracionais são capazes de tal aproveitamento.,


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Resultados Investigador FCT

Ontem recebi um telefonema sobre os resultados do concurso FCT IF. Aqui já era noite e tinha deixado o meu carregador na minha mesa do instituto. Não pude saber do meu resultado até hoje de manhã. Quando soube os resultados do laboratório onde fiz o meu último Pós-Doc fiquei surpreendida com o elevado número de contratos atribuídos. Afinal, desta vez, aquele grande instituto com apenas 20 anos não precisa de ter um nome inglês para se destacar. Finalmente o reconhecimento começa a surgir em Portugal quando há muito já o era fora de portas.E já não se poderão queixar do esquecimento de uma terriola do norte recôndito, provinciano, escondido, com muito pasto, onde está a sua sede e que meia dúzia de kms entre duas das cidades mais próximas demoram mais de meia hora. Provavelmente, estes excelentes resultados do concurso IF FCT foram uma alegre excepção à regra da maioria dos institutos, unidades e grupos portugueses.

Muitos (500 investigadores) estarão mais felizes do que nunca. E dei comigo a pensar que, pelo menos estas dezenas de pessoas, não terão o coração nas mãos nos próximos anos. Muitos deles já com família constituída e vida estabelecida em determinado local. E fiquei, momentaneamente, feliz por eles. Mas depois pensei que em 4000 candidaturas somente 500 tiveram contratos. No meio da alegria de muitos há (sempre) os vencidos. Os não contemplados. Os tristes. Os esquecidos. Os injustiçados. Não vou analisar resultados, nem estatísticas, nem fazer críticas, nem dizer que este governo é melhor ou pior do que o anterior. Vou falar de mim. Porque foi de mim que me lembrei há quase dois anos atrás quando queria muito ter tido um contrato em Portugal e não consegui. Eu não queria mais do que isso. Queria o que via começar a acontecer à minha volta. Investigadores da minha geração que começavam a ver, e muito bem, as suas bolsas trocadas por um contrato pela primeira vez na vida. Era tudo o que eu queria. Um contrato a termo, com 14 meses/ano, descontos para a segurança social e (se possível) ADSE. Mas isto, que eu considerava muito, e muitos acham pouco, nunca tive no meu país. Aos 39 anos, depois de um doutoramento em que passei parte a fazê-lo em Houston, no Texas,  depois de 8 anos de Pós-Doc que incluíram vários períodos em Columbia University em NY, 10 papers como primeira autora, 1 projecto em colaboração, não foram suficientes para conseguir uma posição, digamos, mais estável. A verdade é que o que parece muito currículo era menos do que alguns dos meus colegas no grupo a que pertencia. Não vou dizer nunca que foi fácil não ter tido um contrato naquela altura. Nem mesmo o tempo fez com que me esquecesse. Com a distância de quase 2 anos consigo compreender que novos caminhos podem surgir. Mas não me apetece relembrar o quão difícil foi. Os critérios de escolha, mesmo conhecidos, não são nunca compreendidos pelos que não são contemplados. Somos humanos e não conseguimos na maioria das vezes separar a razão do coração. E eu, provavelmente, tão bem como muitos ou melhor do que muitos sei, porque senti na pele o que é não ser uma das escolhidas quando não existem muitas opções. E é isto que acontece à maioria dos meus colegas investigadores/ cientistas.  Hoje, mais do que nunca estou solidária com os 3500 que não conseguiram um contrato. E damos connosco, erradamente, a culpar alguém.  A culpar os estrangeiros que conseguem mais facilmente quando nem o trabalho, nem CV, nem qualidade são melhores do que os nossos; as pessoas que são apadrinhadas pelas padrinhos certos e que conseguem ter mais papers em colaboração;  os preferidos, não necessariamente os melhores, que conseguem (mais) alunos de doutoramento...

E depois, concluo que aos 39 anos consegui uma posição competitiva não só pelo meu CV, entrevista, plano de trabalhos, apresentação, mas também porque o meu orientador na época apoiou a minha candidatura. Porque esse apoio, mais do que tudo, mesmo que o nosso desempenho seja perfeito e irrepreensível, será a chave da decisão final. E expiro de alívio por não ter, hoje mais uma vez, o coração nas mãos. Mas para isso mudei de cidade, de país, de colegas, de trabalho. Deixei a minha casa, a minha família, a minha cadela, os meus amigos, o meu carro e comecei de novo. Do princípio, do inicio, do começo e com tudo o que ser desconhecida e começar de novo implica. E percebi, sim, à minha custa, que a crítica sem acções não nos levará nunca a lado nenhum. Porque aquela velha máxima que aprendemos desde crianças que tudo na vida resulta de acções justas, não passa disso mesmo, de apenas uma frase como outra qualquer. A verdade é que uns mais do que outros, dependendo de muitas variáveis ao longo do caminho, teremos mais ou menos sorte mais ou menos sucesso e que isso dependerá (sempre) mais dos outros do que nós próprios. E depois, o pensamento foge-me, mais uma vez, para o futuro. Que no fim deste contrato estarei mais uma vez de coração nas mãos e tudo começará de novo e de novo e de novo. Até não haver mais início.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dia 2 - Museu Vaticano, Capela Sistina, Catedral S. Pedro, Trastevere

Como só tinha dois dias para visitar a cidade comprei um voucher na empresa citysightseeing para andar 48h sem limitaçoes no autocarro turístico (das 9 da manhã às 11 da noite), comprei o bilhete para o Museu Vaticano e Capela Sistina que incluia não esperar na fila (“skip the line”) e também para visitar o Coliseu e o Palatino (explicarei mais à frente que esta historia de evitar as filas é a verdadeira história “para bói dormir”). Acho que paguei 86 euros.  Uma das paragens do autocarro ficava perto do meu hotel, uns cinco minutos a pé, perto da igreja de Santa Maria Maggiore. Estava previsto ser um dos fins de semana mais quentes do verão. Em todas as paragens que do autocarro era um sem número de vendedores munidos de tudo, incluíndo garrafas de água fresca. Passei de autocarro pelo Coliseu e Palatino e a minha primeira paragem foi perto do Vaticano, do outro lado do rio Tevere. Atravessei a ponte. E aí começa a minha saga da trafulhice romana. A caminho da Praça de S. Pedro vêem-se alguns vendedores e parei no olhar de um rapaz queimado pelo sol. Ar envergonhado, acanhado, com umas pinturas expostas. Não fala nem percebe uma palavra de inglês. Não foi a beleza dos quadros que me fez parar foi o olhar triste dele. Mostra-me mais pinturas, umas maiores e outras mais pequenas. Os pormenores das mais pequenas fazem-me desconfiar. Olho os pincéis, as tintas, as aguarelas. Começo a negociar. Acho que me pedia 40 euros por uma pintura A4 mais duas pequenas. Ofereci 30. Não aceitou. Quando não aceitou, deitou os olhos ao chão, e com um ar de desânimo disse que aceitava. Fui levantar dinheiro a um banco perto. Continuei desconfiada. Quando regressei para pagar, a minha desconfiança até se dessipou com o cuidado que ele teve a acondicionar as pinturas para não se estragarem. Reparo mais uma vez que os pincéis e as tintas estão lá mas estão secas. Quando saio do pé dele faço a prova dos nove: molho o dedo e passo na pintura… Uma impressão a cores num papel de espessura especial… Repararei em todos os cantos, esquinas e ruas de Roma em pinturas iguais às minhas, sobretudo vendidas por migrantes que falam muito pouco italiano e quase nada de inglês. Aprendi a lição.  







Antes de ir para o Museu Vaticano, deparo-me com uma fila de mais de meia hora para trocar o voucher que havia comprado na internet da citysightseein. Nestes mais de trinta minutos ouço um disfarçado engate atrás de mim. Só lhes ouço as vozes masculinas. Muito graves. Arrastadas. Roucas. Olho discretamente para trás e  as vozes coincidem (quase) com a beleza física. A beleza física de um é visivelmente maior. Um é argentino, não terá mais do que 30 anos, tem barba e um porte atlético. O outro já passará dos 50, é grisalho, polaco mas vive na Austrália há 30 anos. Um está sozinho em Roma e o outro (ainda) não consigo perceber. O argentino já viveu em LA. O outro diz que adorou Buenos Aires. Falam de locais que não conheço. Reconheço um nome Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus (Jesuítas). O mais velho disse que ficou impressionadíssimo com as missões. O outro diz nunca as ter visitado. Os dois dizem ter visto o filme “The mission”. Um fala muito mais do que o outro. Fico a saber muito da sua vida. É engenheiro, de origem polaca, com dupla nacionalidade, vive em Sidney. Diz que a  Austrália é um país muito diferente do que era há 30 anos. Era um país de sonho em que era suficiente apenas um trabalhar. Ter uma casa de sonho. Carro. Família. Agora tudo mudou. Tudo se tornou caro. Não é possível apenas um membro do casal trabalhar. Nenhum dos dois revela o que os trouxe aqui. Percebo em poucos minutos que chega a mulher do mais velho. Infelizmente para a mulher, trocaram e-mails há pouco. À minha frente está um casal de americanos com um bebé no carrinho. O bebé, que tem dois dentes mas mal se senta, já come dos dois gelados dos pais. Pouco passa das 11 da manhã. 


Roma é um negócio ao ar livre. Tem quase tantos vendedores como turistas.O Vaticano é onde tudo começa, para mim. Para se chegar ao Museu Vaticano é preciso circular a parte externa da Praça de S. Pedro. Debaixo de um sol abrasador e de uma temperatura de 40 graus e muita humidade, tudo parece penoso. Começo por perceber que vendem bilhetes para o Museu Vaticano e para a Capela Sistina como se fossem coisas diferentes. Ora bem, não se pode ir ao Museu Vaticano e não passar pela Capela Sistina… E vendem o “não esperar na fila” como se não as houvesse. Se eu tiver que aconselhar alguma coisa com a minha experiência é: evitem Roma no verão. O calor é insuportável e os turistas são mais do que muitos. A memória que guardo do Museu Vaticano é um mar de gente, calor insuportável, corredores sem fim, andar empurrada pela multidão. Houve uma altura que eu só me concentrava para não entrar em pânico, principalmente nas escadas apertadas. E tentar abstrair-me.  Lutar contra o movimento era impossível. A entrada de tão grande número de pessoas deveria ser controlada. Visitar nestas condições alguma coisa é apenas um negócio e torna-se uma tortura. Não aproveitei nada. Tentei apenas sobreviver. Na Capela Sistina, que ate estava bastante fresca, tinha centenas de pessoas sentadas nos bancos laterais. Como é um local sagrado, pedia-se silencio mas as pessoas ignoravam. Depois do martírio do quase esmagamento, chega-se a um lugar iluminado e fresco. Não estive lá mais de 5 minutos. Nao foi nada daquilo que sonhei quando olhei para o tecto pintado por Michelangelo, Botichelli entre outros. Nao desmaiei perante tanta beleza. Tudo o que me lembro é de ter respirado de alívio por ter sobrevivido até ali. Toda a minha memória visual da Capela Sistina mantém-se com o conhecimento que adquiri nos livros. Não vale o sufoco de quase morrer esmagada, desculpem-me. So queria encontrar a saída e ar livre. Desci a pé as famosas escadas em forma de caracol do Museu Vaticano e nem me ocorreu fotografá-las, tal era a pressa de sair. Fez lembrar-me o Museu Gugghneim em NY.



Finalmente no exterior caminho de regresso à praça S. Pedro. Quero sentar-me em alguma esplanada. Qualquer uma que nao pareça turistica. Quanto mais escolho menos acerto. Depois de almoçar e descansar os pés vou visitar a Catedral de S. Pedro. Há uma fila grande mas bastante rápida porque há vários postos de verificação de segurança. Até na praça de S. Pedro há vendedores. Aqui o negócio são os lenços para cobrir os ombros e as pernas já que é um local sagrado. A Praça de S. Pedro parece-me bem mais pequena do que na televisão. Entro e vou, não a correr (porque há que caminhar com elegância e trata-se de um dos lugares mais sagrados do mundo para mim que tenho fé), directamente à Pietà. Por incrivel que pareça, não estava rodeada de gente. Pude chegar perto. E aí sim, desfiz-me. Não sei se foi o cansaço, se aquela beleza tão perfeita em mármore trabalhada numa só peça, se a imagem de Jesus depois de cruxificado no colo de Maria, se apenas um filho morto no colo da sua mãe dilacerada pelo sofrimento. As lágrimas começaram a cair e eu não as evitei. Coloquei-me em frente, num lugar priviligiado, com o queixo pousado nas mãos  somente a olhar. Não sei quanto tempo fiquei assim mas dei-me esse privilégio. A minha volta, percebi depois, as pessoas so estavam interessadas em tirar selfies. Nunca percebi esta moda de as pessoas visitarem só para tirar uma foto. Não têm curiosidade alguma de olhar, de se emocionarem, de se sentirem tocadas. Chegam e tiram fotos e é tudo. Deixei-me ir. Havia outras três coisas que queria ver: os túmulos dos Papas João Paulo II e João XXI (único papa português, de nome verdadeiro Pedro Hispano) e a estátua de S. Pedro. A estátua de S. Pedro já não se pode tocar mas era visível que o seu pé está rompido de tanto as pessoas passarem a mão.Os túmulos dos Papas foi o mais difícil de encontrar. Acabei por desistir do Papa João XXI depois de várias informações erradas que os diferentes guardas me davam. Finalmente encontrei. Sóbrio, simples um altar com o nome de Sanctus Joannes Paulus II. Já na Praça de S. Pedro, o calor continuava a não dar tréguas. Hora de comprar água. Dois euros a garrafa. Queria ter subido ao topo do castelo de Sant’Angelo mas faltaram-me as forças. Fiquei-me pelo parque e caminhei pelas margens do Tevere.






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