quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A volta a Portugal Simplex

A sessão está marcada para as 9:30 no GNRation. Um edifício lindíssimo visto de dia. Eu, que apenas o tinha visto de noite, não me recordava o quão labiríntico era. Algumas escadas e corredores depois, eis que chegamos à box. Uma sala preta que parece realmente uma caixa. Apesar de ser um edifício novo, está um frio "de congelar passarinhos nas árvores". Passam 10 minutos da hora marcada, eu atrasada, como (quase) sempre, mal entro na sala, cruzo-me com a Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara de Braga (CMB) que conheço de outros mundos. Ao longe, vejo a Secretária de Estado (ainda de pé) com o Presidente da CMB. A sala praticamente vazia. Aqui nem dá para empregar as simpáticas frases "meio cheia/ meio vazia". Sento-me nas filas de trás, a imitar os meus tempos de estudante. A sessão começa com o Presidente da CMB e passa rapidamente à Secretária de Estado que está ali mais para ouvir do que falar, nas suas próprias palavras. Na plateia estão maioritariamente homens com idades para serem meus pais. Devem ser, pelo aspecto, empresários, representantes de empresas e associações. Mulheres, poucas. Na plateia vejo também o autarca omnipresente da cidade berço. Aquela pessoa, que em qualquer evento no distrito de Braga e arredores, está sempre lá. Fiquei a saber que trabalhava para o privado e que tirou licença sem vencimento para se dedicar à causa pública. Eu não imaginava que um tipo da minha idade, com uma licenciatura em Filosofia na Faculdade onde entravam todos aqueles que não conseguiam entrar na UM (por não terem notas) se licenciavam, podia ter 10 anos de privado. Estão também autarcas de Barcelos e Póvoa do Lanhoso. 

Eu que não entendo nada de leis, empresas, números, e afins, parecia estar a ouvir chinês. Mas gostei de uma intervenção de alguém do Grupo Casais a apontar alguns problemas. Vou resumindo por pontos as coisas que gostaria de ver melhoradas mas inibo-me de falar porque aquela não é a minha plateia. Iriam achar chinês o que eu tinha para dizer. E provavelmente não achariam piada ao meu humor judeu. E como no início foi-nos dado um questionário, optei por escrever. Dizem que escrevo melhor do que falo. Assim fiz. A Secretária de Estado bem disse que só tinha que estar em Lisboa às 8 da noite e que tinha todo o tempo do mundo. Não resultou. 

Vou resumir o que me ocorre dizer. A iniciativa "Volta a Portugal Simplex" é louvável. Não sei de quem foi a ideia mas conhecendo o historial político da Secretária de Estado na Câmara de Lisboa, apostaria que a ideia foi dela, ou no mínimo, apoiada por ela. Graça Fonseca, como Vereadora da Câmara de Lisboa, não conheço ninguém que a critique. O que já ouvi foram críticas ao facto de ter saído da CML e às mudanças que já são perceptíveis. Jovens criadores e empreendedores já começaram a queixar-se. Mas eu defendo que se se tiver de sacrificar uma autarquia em favor do país, esse é o caminho.  E esta parece ser a grande arma do governo: algumas pessoas muito competentes. É verdade que o número de mulheres que integra o governo é diminuto. Mas nunca fui favorável às cotas. A competência desta Secretária de Estado, eu posso atestar. E depois não sei qual a receita: sempre com uma energia inesgotável, curiosa, interessada. Não está ali apenas para marcar presença. Questiona. Comenta. É acessível. Regista. Aponta. Tem humor.

Totalmente livre. Aberto a toda a gente. Sem necessidade de inscrição. First come, first served basis. Podia de facto estar mais gente e mais jovens mas acredito que o resultado desta volta será visível. Muitos cidadãos, em cidades diferentes, "criticam" as mesmas coisas.

Os maiores problemas da máquina do Estado, na ninha opinião: burocracia, papéis e presença física. O que proponho: um portal que englobe o máximo número de acções, funções, ministérios. Tutoriais explicativos de como se abre uma empresa ou como se preenche um IRS, por ex.

Para um concurso público é necessário requerer (sempre) um registo criminal. Como é que isto se faz? Pessoalmente no tribunal que funciona das 9 às 3 com intervalo de almoço. Não seria mais fácil haver a possibilidade de ser emitido online?
Emissão de passaporte: se há a possibilidade de um passaporte ser emitido num dia qual a razão de ser, habitualmente, emitido numa semana? 
Votação de quem está no estrangeiro. Qual a necessidade do registo ter de ser feito 6 meses antes? E qual a razão do voto ter de ser feito presencialmente na Embaixada? Não pode haver uma solução online? Por este motivo, nos últimos 10 anos votei metade das vezes que devia!

Conheço (mais ou menos bem) o trabalho da Secretária de  Estado como Vereadora na CML. Sei que muitas das coisas bem feitas em termos de industrias criativas, orçamento participativo, ensino de programação nas escolas, alimentação saudável, startup Lisboa, Village Underground, só para dar alguns exemplos, têm o seu cunho pessoal. Além de todos os talentos, como conciliar opiniões, exaltar o bom e dar pouco valor ao negativo, ter um optimismo invencível, uma energia contagiante, escreve bem e fala (ainda) melhor.

As cores saudáveis da Secretária de Estado no inverno de Braga pareciam mais de quem se dedica ao ski nas montanhas suíças ao invés de fazer a "Volta a Portugal Simplex" fechada em auditórios a ouvir pessoas. Estas devem ser as cores de quem gosta (muito) do que faz. Queremos a receita.

Num dos discursos de atribuição do OP nas Escolas, no qual participaram crianças, destacou a importância de escolher e participar, que a decisão depende da vontade da maioria. Que é essa, afinal, a razão maior do voto. Isto, assim, dito às crianças. A importância do voto. Alguns conceitos como este, que no futuro será a arma de cada um, pode ser explicado gradualmente. É assim que se criam futuros cidadãos interessados. Ensinar às crianças coisas tão importantes como o voto, que no futuro, decidirá o caminho de todos nós. Daí que eu termine este texto com um reparo. Andamos na escola até ao 12º ano, se não estou em erro, a escolaridade obrigatória, e nenhuma das disciplinas nos ensina a ser cidadãos. Nenhuma disciplina nos ensina a preencher o IRS. Depois vamos para a Universidade e quem não for para as Economias ou Direito continuará sem saber fazê-lo. E depois aos 30, defendemos o doutoramento, conhecendo todos os continentes, tendo passado e sobrevivido a várias provações da natureza, sabendo mais a cada dia... Mas não sabemos preencher o IRS. Eu, ignorante, confesso-me!

Depois da sessão ainda houve tempo para visitar a StartUp Braga e o Balcão Único. Não conhecia nenhum dos dois. Retenho, no edifício do Balcão Único, os candeeiros no tecto de bom gosto que me fizeram lembrar os que existem na Vida Portuguesa no Intendente.

E agora mesmo para terminar, uma história. O Oliver Sacks, um dos nomes maiores da neurologia, que era um fanático por botânica, por fotografia, por livros e por muitas outras coisas que não incluíam medicina, passou a vida a ouvir e a investigar as histórias dos pacientes. Na adolescência teve um professor perspicaz que disse: "O Sacks vai longe, se não for longe demais". Apesar de não ser vidente, (quase) nunca me engano (mas tenho muitas dúvidas, ao contrário do outro), acho que a Graça Fonseca vai chegar longe. E pessoas competentes e bem formadas assim é que nos fazem acreditar que nem todos na política são iguais. Go, Doc!

Copyright:Sérgio Freitas




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