Ontem, uma sexta que parecia igual à outras. Quente, ventosa
e a última de Agosto. Portugal estava em chamas. À hora de almoço, avistava-se
muito fumo ao longe. Em pouco mais de uma hora as chamam começaram a ver-se. E
nós dentro do edifício, através de uma janela enorme de vidro, assistíamos e comentávamos. Nenhum de nós achava que as chamas chegariam ao Avepark e
atravessariam a estrada. Mas em pouco tempo o que parecia improvável aconteceu.
As chamas estavam em todo o lado. A principal preocupação era proteger o tanque
de propanol e o tanque de azoto líquido. A coisa mais incrível que vi acontecer
foi uma autêntica peregrinação de anónimos a querer ver aquele cenário
dantesco. Famílias inteiras, com crianças inclusivé, só faltava o cão... este
comportamento tão português...
Eu já tinha deixado o meu carro na via rápida que dá acesso
ao Avepark e fui andando em direcção ao Avepark e aproximando-me do edifício do
3B’s. Apesar de eu não poder fazer nada estavam lá amigos meus e queria saber
se aquilo estava controlado. Deram-me uma máscara para me proteger do fumo, que
naquela altura tudo o que se via era cinzentoe o laranja das chamas. Como não
havia nada que pudesse fazer vim embora com mais duas colegas. Começou a dar-me
tosse e eu percebi que a máscara estava a provocar-me dificuldade em respirar.
Era como se a máscara tivesse qualquer coisa. Disseram-me depois que a máscara
não era apropriada para fumo mas para solventes orgânicos. Aquilo tem um
revestimento que parece um tecido e era isso que me estava a provocar a crise
de asma. Sem entrar em pânico, sentei-me e pedi às minhas colegas que chamassem
uma ambulância. Deitei-me no chão e tentei manter a calma. Fechei os olhos para
não me incomodar com as pessoas que me estavam a rodear. Pelo barulho
apercebi-me que deviam ser algumas dezenas. Todos (as) queriam ajudar.
Perguntaram-me se queria um saco para ventilar, se queria café, deram-me a mãe.
Faziam-me festas na testa. Pensei: “Se
morrer já não morro sozinha”! Depois chegou alguém profissional que me dizia
para inspirar pelo nariz com calma. E dizia-me que a ambulância estava a
chegar. Ouvi-a dizer: “A vítima aparenta entre 25 e 30 anos”. O meu estado para
quem me via devia ser deplorável mas lembro-me de ter pensado: “Mesmo nesta
condição não me dão a idade que tenho! Se não morrer vou gabar-me deste trunfo!”.
Lembro-me de ter perguntado se os meus olhos estarem inchados. E lembro-me que
me responderam que estavam um bocadinho mas para não me preocupar com
isso. Chegou a ambulância, lembro-me que
a mão que segurava a minha já era outra.
Lembro-me que a L. me disse “Miúda, vou contigo”. Não tinha documentos,
nem carteira, nem nada. Só eu e o meu telemóvel. As duas bombeiras que me
assistiram colocaram-me imediatamente a máscara e ligaram o O2.
Melhorei um pouco. Estava cheia de sono. Pediam-me que falasse com elas. E eu
pedia-lhes que me aumentasse o O2. Perdi a noção do tempo mas tenho
a sensação que não demoramos mais do que 5 minutos a chegar a Guimarães. Só me
lembro de as bombeiras espetarem-se de um lado para o outro tal era a
velocidade. E eu só pensava: “Não morri da asma vou morrer num acidente”.
Quando parámos lembro-me de ter pensado: “Não foi desta”. Fui assistida imediatamente.
Expliquei à médica que estava com uma crise de asma por causa da máscara e
expliquei-lhe que tinha estado num cenário de incêndio mas que quase não tinha
inalado fumo... ela não ficou muito convencida. Colocaram-me um cateter,
retiraram-me sangue venoso para hemograma, a médica recolheu-me sangue arterial para
gasometria. Esta parte foi dolorosa. Ainda para mais porque não me encontrava a
artéria radial...Injectaram-me um corticoide. Aí fiquei perfeitamente bem. Colocaram-me
um nebulizador com algum tipo de fármaco que perguntei se era normal cheirar
mal... responderam-me que sim. Fui eficientemente bem tratada, desde a
enfermeira à médica foram excepcionais. Quando questionei a médica se podia ir
jantar fora ela respondeu-me: “Claro que sim!”. Eu continuava ali à espera das
análises com a L. ao meu lado. Já estava bem. A médica regressa e diz que tenho
que fazer um RX, análises e outra gasometria porque os valores de O2 estavam
extremamente baixos. E eu lá lhe repeti que não tinha estado exposta ao fumo,
mas ela não quis saber. Quando lhe perguntei quanto tempo demorava respondeu-me
que uma hora e meia... Pedi à L. que fosse buscar o meu carro e o levasse para
Braga. Entretanto, chegou o meu irmão. Neste tempo de espera só vi misérias. Só velhinhos acamados. E uma
bombeira que tinha ficado ferida num incêndio. Retiraram-me o O2 e médica
tirou-me novamente sangue da artéria radial, desta vez no pulso esquerdo.
Fiquei com uma bola altíssima no pulso.... mas não me queixei. Os segundos
resultados da gasometria vieram normais e pude sair apenas com uma receita de
uma bomba de flucasona + salmeterol. Ainda falei no carro com os meus sobrinhos ao telefone que ainda me fizeram rir com frases do Madagascar 2: "uuuuaaaaauuuuaaaa"; "és um gatinho muiiiiitoooo mauuuuu!". Fui jantar fora, como tínhamos
inicialmente planeado, só cheguei atrasada. Tudo fica bem quando acaba em bem!
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