Estava com medo. Havia um
infinitésimo receio. Mas nunca, nos meus piores pesadelos, imaginei que Trump
ganhasse. Não achava essa hipótese possível. Arrogância. Excesso de confiança.
Chamem-lhe o que quiserem. Mas o povo americano quis pagar para ver. Mantive
quase toda a noite a esperança numa vitória de Hillary Clinton, ou quis
acreditar. Tudo por puro medo do detestável, arrogante, malcriado, imprevisível
e perigoso Donald Trump. Mas a realidade não quis nada comigo, e pouco passava
das 4, já a desgraça se anunciava. Apenas os estados ditos “letrados” da costa
leste e oeste, onde a América é uma excepção, ex. como Califórnia, NY, Washington D.C. ou
Massachussets, foram ganhos. E perdeu inexplicavelmente na
Florida, na Carolina do Norte, na Pensilvânia e em estados há muito democratas
como Michigan ou Wisconsin.
O dia da queda do muro de Berlim. O dia escrito igual ao que os americanos usam para o 11 de Setembro (9/11, o mês seguido do dia) igual ao que
usamos em Portugal (9/11, o dia seguido do mês).
Hoje, para quem não conhece a realidade americana, ficou a conhecer-se a
verdadeira América. Os EUA não são NYC nem Boston. A América na sua maioria é
conservadora, racista, que até à metade do século passado distinguia as pessoas
com base na sua cor de pele. O país que não permitia a Rosa Parks sentar-se no
autocarro. O país do Ku Klux Klan. O país que permitiu a imortalização das
células HeLa retiradas, sem autorização, sem consentimento prévio, as células
de uma neoplasia cervical de uma mulher negra chamada Henrietta Lacks.
Muitos dizem que a América se revoltou. Que foi um voto de protesto. Que
não foi Trump que ganhou mas Hillary que perdeu. Mas eu acho que é muito pior
do que isso. O resultado destas eleições são o fruto de gente desinteressada
que acha que a política tem uma varinha mágica que lhes resolva a vida. Trump
disse coisas tão absurdas como: “vamos acabar com a guerra na Síria”, “Vamos
irradicar o ISIS”, “Vamos expulsar os imigrantes”, “não vamos permitir a entrada de muçulmanos”, “vamos
construir um muro na fronteira com o México”, “Vamos tornar a América grande
outra vez”.... E estes eleitores acreditaram que ele é o salvador. E quem são
estas pessoas que votaram Trump? Não me venham dizer que são apenas red necks, a classe média caucasiana, o
comum trabalhador que se sente ameaçado pelos imigrantes ilegais que ganham
menos e trabalham mais. O
voto branco pobre. O voto menos letrado. Não é só. São também os
pobres de espírito. Os frutos do séc XXI que vivem nas redes sociais e só lêem frases feitas com 150 caracteres e ouvem (apenas) sound bytes. Os filhos de uma
segunda geração de imigrantes que vive (bem) melhor que os pais, que se
esqueceu e finge que não sabe como os pais viveram enquanto foram ilegais. Que
dizem que são americanos e não imigrantes. Que são filhos de imigrantes, não
imigrantes. E o que mais me envergonhou hoje foi ver na plateia do Trump muitas
mulheres, negros e hispânicos a exibirem a sua alegria. Aqueles por quem Trump
destila o seu ódio de estimação.
Foi a vitória do populismo, do racismo, da misoginia, da
xenofobia, da homofobia, da estupidez, da ignorância, do deboche e da
piada. A capacidade de se dizer aquilo que as
pessoas querem ouvir. Nada motiva tanto as
pessoas como o ódio, o medo e o desespero. Outra da lição que poderemos
retirar é que a ignorância, a inconsequência e a falta de instrução têm efeitos
devastadores para um país. O partido Republicano manteve a maioria no Senado e
no Congresso.
E isto é o pronúncio do que (ainda) está para vir. Provavelmente daqui a
uns tempos teremos a Marine Le Pen no poder em França e isto é só espalhar e
começar a cair como um desmantelar de um baralho de castelo de cartas.
Até há pouco ria da Venezuela e da ascenção democrática de Chavez e do
seu fato de treino à la Republica Boliveriana. Ficava perplexa pela hegemonia dos bispos da IURD e seitas evangélicas no Brasil. E o poder de ditadores como Putin ou
Erdogan. Não dá para rir mais. "It's not funny anymore".
Outra coisa que me irrita profundamente é dizerem que a Hillary era
fraca e que a derrota se deve a ela. Que o Bernie Sanders é que devia ter sido
escolhido. O Bernie Sanders, o revolucionário lá do sítio? Um homem, cuja
competência não duvido, mas cujas ideias são ultra revolucionárias para a
América conservadora. E não, a Hillary não é fraca. É talvez das mulheres mais bem preparadas da sua geração para Presidente dos EUA. A América perdeu, perdemos
todos, por consequência. Que pena a América desperdiçar Hillary assim. O tempo,
com toda a certeza, vai mostrar tudo.
Os votos valem o mesmo. São todos iguais. Tal como no nascimento e na
morte.“Democracy is a bitch”. Os grandes ditadores foram eleitos
democraticamente. Olhemos para trás. O mundo, tal como o conhecemos, acabou
hoje. Só espero que não termine como a canção “Anunciaram e garantiram que o
mundo ia se acabar...”.
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