terça-feira, 21 de julho de 2015

São Paulo, por mim

Tinha muita curiosidade. Queria ver como era. E queria ver como era de perto. Dizem que São Paulo não tem horizonte só fila de trânsito. A eterna selva de pedra. E o muito do que vi em São Paulo foi pela janela do táxi.


Há qualquer coisa que senti em São Paulo que parece semelhante ao apartheid ou ao fantasma mal resolvido da colonização. A subserviência do funcionário em relação ao cliente que nunca vi em lugar nenhum do mundo, a arrogância da elite, a forma displicente com que se dirigem aos funcionários  a quem chamam de “moço”. Os clientes nos restaurantes não agradecem nem pedem desculpa. A diferença de tratamento entre classes é gritante.  Mais do que racismo, xenofobia, homofobia, o que eu vi em São Paulo foi classismo. Nem sei se essa palavra existe. Nos shoppings que entrei (Morumbi e Market Place) só vi brancos com excepção dos funcionários, o mesmo no restaurante onde jantamos. Roupa branca, pelo que percebi, é sinónimo de subalterno, farda para babá, diarista, faxineira...Não vi ninguém da dita classe alta com óculos. E na minha inocência achei que todos em São Paulo veriam bem. Contudo, explicaram-me que não. Nem todos vêem bem, como é óbvio. A elite e a alta burguesia ou usa lentes ou são operados! E os que nem condições têm para comprar óculos tem a triste sina de ver mal. Em que outra cidade do mundo existe elevador social  e elevador de serviço nos prédios? Em que outra cidade do mundo é mais barato ter uma faxineira e/ou uma diarista em vez de ter máquina de lavar roupa e máquina de lavar louça? Outra coisa que estranhei: ninguém usa cabelo encaracolado. Numa cidade de um país em que a mistura de raças é a característica e a regra, não ver ninguém de cabelo encaracolado, surpreendeu-me. Toda a gente tem o cabelo impecavelmente liso. Cadê o black power? Este subdesenvolvimento social que observei em São Paulo disseram-me que, felizmente, não é generalizado a outras cidades do Brasil.

Para o dinheiro dos portugueses andar de táxi é barato. Uma ida do nosso hotel no Morumbi até à Avenida Paulista não ultrapassa os 35 reais. Mas fomos veemente aconselhados a não andar de onibus nem de metrô. Apesar destes transportes serem rejeitados pela burguesia paulista, mas ser o transporte democrático e de todos em NY, em que neste transporte não existem ricos nem pobres, brancos, pretos, hispânicos, asiáticos, bonitos e feios, em São Paulo é um diferenciador social. Como em São Paulo não se anda a pé, ciclovias quase não existem, a elite, alta burguesia e a classe média têm helicópteros e carros, quem anda de transporte público? A esta pergunta até os meus sobrinhos de 6 anos respondem. Triste realidade esta.

E se houve coisas que gostei realmente em São Paulo, como a arquitectura, as muitas livrarias, os preços dos livros e dos CD’s, a boa comida, as frutas, os sucos, o clima primaveril do inverno paulista, o Parque Ibirapuera... Não me consigo acostumar com os prédios cercados de grades, às vezes duplas, e com arame farpado electrificado...  Um mundo onde ricos e pobres não se misturam, um mundo em que a identidade é a miscigenação e as pessoas têm falta desse orgulho, há com certeza muito a fazer. E a primeira delas é os brasileiros aprenderem a ter orgulho na sua identidade.

Tenho o maior respeito pelo Brasil e sempre tive admiração e algumas das suas cidades foram algumas das que sempre quis conhecer em todo o mundo. Cresci e vivi  com os livros de Machado de Assis, Clarice Lispector, Jorge Amado, Vinícius, João Cabral, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Caio Fernando de Abreu, Eucanaã Ferraz. Só oiço música dos brasileiros João Gilberto, Tom, Vinícius, Caetano, Maria Bethânia, Gal Costa, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto. Os grandes arquitectos que deixaram marcas na cidade como Lina Bo Bardi (SESC Pompeia, MASP), Paulo Mendes da Rocha (Museu Brasileiro de Escultura, reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, reforma da Estação da Luz e Museu da Língua Portuguesa),  e Oscar Niemeyer (Parque Ibirapuera, Edifício Copan, Memorial da América Latina). A pintora Tarsila do Amaral, Cândido Portinari...  e chegar a São Paulo e ver esta realidade foi como uma bofetada na cara. Como se o Brasil que me foi dado a conhecer nos livros não existisse (mais) e fosse (apenas) ficção.

Confesso que fiquei até admirada que numa cidade em que as diferenças de classe são tão gritantes e tão fenotipicamente visíveis, a violência não seja (ainda) maior. Como explicar que alguém que vem do Nordeste está fadado à sua sina de excluído da sociedade, pobre, nordestino e que nunca  ascenderá socialmente? São Paulo parece ainda feudal e socialmente parece não ter saído do tempo do colonialismo.

Que cidade é esta?


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