sexta-feira, 3 de julho de 2015

Segundo dia em São Paulo

O dia começa outra vez antes de o alarme tocar. Ainda não são 6:30. O dia nasce. Começa a clarear. A tv está ligada. O assunto principal é a morte de um cantor sertanejo que morreu de acidente de viação. A importância que todos os canais brasileiros dão a um cantor cujos versos de uma música são “Bara bara bara bere bere bere”, que eu nunca ouvi falar, deixa-me boquiaberta.
A manhã segue com palestras. Se ainda não tinha percebido, comprovo que a língua que se fala no Brasil é realmente diferente. Aprendo novas palavras a cada hora: experimento, peritóneo, acumúlo, escalonamento, coletar, liberado... Custa-me tanto constatar, também, que a ciência que se faz no Brasil está a anos luz daquela que eu conheço. Senti-me quase sempre numa aula do secundário em vez de estar num congresso internacional. E perceber que os investigadores, médicos e cientistas brasileiros não falam inglês deixou-me envergonhada e triste, para não dizer pior. Perceber que o estereótipo que se tem generalizado é de facto verdade, custa. Queria não ter razão.

À tarde ainda tivemos tempo de ir ao Morumbi Shopping. Mais duas livrarias e mais alguns livros: Saraiva e FNAC. Depois escolhemos ir à Avenida Paulista. O ambiente e a realidade das cidades conhecem-se nas ruas. Se não tínhamos quase tempo nenhum, a minha condição, para além das livrarias, era ver pessoalmente alguma obra da Lina Bo Bardi. Nada melhor que o MASP (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Esse era o destino. Táxi até lá. O taxista já era melhor que os primeiros. Passamos pelo shopping JK Iguatemi, sumptuoso, gigante, soberbo, brilhante. Trânsito. Ruas desertas de pessoas. Trânsito caótico. As pessoas parecem não caminhar nelas. Não se avistam bicicletas. Os carros param no sinal vermelho. Vidros escuros em todos os carros. Todos os edifícios, casas, prédios estão rodeados de grades, por vezes duplas. Arame farpado e electrizado. Que choque. Que contraste. Achava que isto era mito. Não. É mesmo assim. Só passamos por bairros nobres. Prédios e mais prédios. Porteiros. Motos. Motorboys. As árvores são tropicais. Tudo é gigante. A sensação eminente de perigo ou de insegurança é nula. Mas não se vê polícia. Hospital Sírio-Libanês.  Parque Trianon. MASP. Chegamos. Edifício vermelho-sangue e cinzento. É bonito. Este edifício da arquitecta italiana Lina Bo Bardi era uma das poucas coisas que sempre quis ver em São Paulo juntamente com o SESC Pompeia. Como não deu para ver os dois, um já não foi mau!




Andamos pela avenida. Aqui há pessoas. Mas não se atropelam. Não parecem moscas. O dia começa a chegar ao fim. A temperatura está amena. O L. está de manga curta mas a maioria veste-se como se fosse inverno. Prédios bonitos. Arquitectura bonita. A ciclovia vai ser inaugurada. E eu pergunto-me: “Se uma cidade onde as pessoas têm medo de andar a pé, que os carros não param no sinal vermelho, que quem usa autocarro ou metro são os desfavorecidos, quem nesta cidade anda de bicicleta?”. Mas louvo a iniciativa. A educação das pessoas faz-se assim, pelo início. Criando condições, impregnando o micróbio das boas práticas. E um dia, depois de muito tempo, isso não será questionável. Passamos por várias livrarias. Na volta, não resisto a entrar numa dela. Livraria Martins Fontes é o seu nome. Não parece uma livraria parece uma biblioteca. Não tenho muito tempo para explorar mas consigo finalmente encontrar “O Anjo Pornográfico” de Nelson Rodrigues. Encontro também correspondências da grande Clarice. Não resisto e junto mais este. Encontro um livro de entrevistas do Lobo Antunes que procuro há anos em Portugal e nunca o encontrei. Só desisto dele pelo peso e pelo preço que me daria para comprar o dobro dos livros que comprei em São Paulo. Na caixa, quando estou a pagar os livros, olho para o nome da Livraria Martins Fontes não resisto a perguntar: “Esta é uma livraria portuguesa?”. Resposta: “Oi?”. Reformulo: “O nome desta livraria Martins Fontes é português por acaso o dono é português?”. Resposta: “Ah... não sei. Boa pergunta. Nunca tinha pensado nisso, mas vou tentar saber”. 



Saímos e andamos até encontrar um sítio onde se bebia. Não sei se foi o indicado mas tinha bebida e comida. Chamava-se Cafe Creme em plena Paulista. Antes do jantar lançamos-nos nos pães de queijo e no chope da Brahma. Levezinho, quase sem álcool, geladinho. Gostei. 



Apanhámos um táxi. Já tinha escurecido. Próxima paragem: Mercearia. Uma mistura de bar e restaurante. Aqui o encontro era com a I. Que já não via há muito tempo (o tema será abordado noutro post). Pedimos imediatamente caipirinhas. Portugueses, já tinha ouvido falar mas comprovei. A caipirinha de Portugal não é a caipirinha do Brasil. A original é do melhor que há. Começa na qualidade da cachaça que é mineira! O gelo não é picado mas aos cubos, o que faz que a diluição alcoólica seja muito mais lenta. Tem muita mais lima (no Brasil chama-se limão) alguma dela às rodelas e outra desfeita. Tem muito menos açucar e não é do amarelo. Provamos a picanha. O sabor nada a ver com a picanha que se come em Portugal. Tudo estava perfeito, desde o ponto de sal, ao ponto da carne e ao sabor característico da picanha. Do melhor que já comi. Provamos também os tão famosos pasteis que não são parecidos com nada que já tivesse comido. Provamos as coxinhas e mais coisas que não lembro mais. Fica difícil quando a bebida é caipirinha. Daqui seguimos para o bar Wall St.  Aqui bebi mais caipirinhas e uma garrafa de 600 ml de SKOL. Depois disto sem condições para ir para a balada mas com a promessa que acordaria daí a umas horas para irmos à Catedral de São Paulo e ao centro....



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