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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Caetano apresenta Cristina

6 de Setembro. São quase 9 da noite. A temperatura na rua ultrapassa os 30 graus. Dizem ser o dia mais quente do ano. O Coliseu está praticamente vazio. O calor é mais que muito. E eu adoro calor. Só se fosse para ter o efeito da música: “Calor que provoca arrepio/ Toma esta canção/ Como um beijo”. O Coliseu demora a encher. Perto da hora do concerto começar, a lotação não estava a metade. A conhecida pontualidade dos portugueses. A temperatura subia exponencialmente, quase infernal. Pensei ser para o ar condicionado não afectar as vozes. Antes de começar o concerto eu já tinha bebido duas garrafas de água com gelo, compradas no bar. Cheguei, também, a pensar que esse seria o objectivo. O lucro extra com a venda de bebidas. O concerto começou 30 minutos depois da hora marcada. Este que foi o concerto extra. Sendo a primeiro dos dois. Quase esgotado.

As cortinas abriram e Caetano surge sozinho: "Este espectáculo se resume a uma cantora, um violonista é um compositor. Mas diz tudo sobre a extensão e a profundidade do samba. E por isso eu quero chamar ao palco Carlinhos 7 cordas e Teresa Cristina". Teresa Cristina é uma cantora praticamente desconhecida aqui e eu só a conheço por cantar uma música da Adriana Calcanhotto Beijo sem Aquele samba que fala de uma saída à noite para afogar as mágoas da "dor de corno": "vou á Lapa, decotada, viro todas, beijo bem...". Desta vez, Teresa Cristina vem cantar Cartola. Não posso dizer que adorei. Mas a simpatia, sinceridade, emoção e generosidade dela foram marcantes. Falou do sonho que tinha desde a infância de cantar em Portugal e que por isso era "um sonho com laço rosa". Disse também que o Coliseu foi o sítio mais lindo onde cantou. E os elogios não ficaram por aqui. "Tudo aqui é lindo, a rua, a padaria, a farmácia". E a emoção que é cantar falar numa língua que os outros entendem. Um discurso emocionante e emocionado que incluiu lágrimas. E ela própria sofreu com o calor quando aceitou a oferta e de um leque de uma senhora da primeira fila. 

Copyright: Catarina Henriques
Copyright: Catarina Henriques
Caetano entra e o figurino resume-se a um banco e um violão. Ele, que vem formal, de "paletó" castanho alaranjado, camisa, umas calças chinos e sapatos pretos de atacadores. O concerto dele começou com Um índiouma canção arrebatadora para lá de linda:

"Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás, todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
(...)
É aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico 
Mas pelo facto de ter estado sempre oculto
Quando terá sido o óbvio

Seguiram-se Os passistas, Menino do Rio, Minha voz minha vida, Meu Bem, Meu Mal, Esse Cara, por desordem alfabética e de alinhamento, ao sabor minha memória. Caetano, um baiano do Recôncavo, mostra que continua a ser um menino do Rio e que no alto dos seus 74 anos, como o vinho do Porto, melhora com o passar dos anos, como a canção: “Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista/ O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece”. Como o Coliseu está mais do que quente, "mais quente do que no Rio", Caetano não resistirá  a tirar o paletó "bonito” (not!). Nesta noite não haverá gritos de "Fora Temer" mas muitas vaias. Introduzirá um samba com: "Recentemente o presidente que era interino até poucos dias atrás no Brasil fez um discurso utilizando mesóclise e a imprensa sacaneou muito porque achou que era uma coisa, sei lá, formal. A mesóclise é uma forma considerada estranha para o coloquial brasileiro mas é bonita. E nesse samba eu faço duas mesóclises: Se desbotássemos, outros revelar-nos-íamos no Carnaval// (...) Amor,/ onde quer que estejamos juntos/ multiplicar-se-ão assuntos de mãos e pés/ e desvãos do ser.”

Copyright: Pedro Gomes
Copyright: Catarina Henriques

Mostrou também que é um poliglota genial e que domina (exemplarmente) no mínimo 3 línguas: Cucurucucu Paloma (do aclamado filme de Almodovar Hable com ella),  London London (uma irmã de Englishman in New York, a mostrar o quão difícil é ser estrangeiro numa grande metrópole: “I know no one here to say hello/ I know they keep the way clear/ Iam lonely in London without fear/ I’m wandering round and round here nowhere to go), Love for sale  (cantada  a capella) e por fim Libertação. Esta última, um fado cantado por Amália sobre um poema de David Mourão-Ferreira e que Caetano disse nunca se sentir preparado para cantá-la em palco. Não foi o que pareceu. O sotaque português beirou a perfeição.

Copyright: Catarina Henriques

Depois não podiam faltar as aclamadas Reconvexo, Leãozinho, Força estranha, Sozinho, talvez as mais aplaudidas e acompanhadas da noite e terminou Luz de Tieta.
Voltou para um primeiro encore, acompanhado: a fabulosa Tigresa (inspirada na Zezé Motta que frequentava a lendária boite Dancing Days que era uma amálgama social: “Me falou que o mal é bom e o bem cruel... Ela me conta, sem certeza, tudo o que viveu/ Que gostava de política em 1966/ E hoje dança no Frenetic Dancing Days /.../ Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher/ Que tem muito ódio no coração, que tem dado muito amor/ E espalhado muito prazer e muita dor...) Miragem de Carnaval, Como 2 e 2 (que é tão linda e que diz: "Meu amor, Tudo em volta está deserto tudo certo, Tudo certo como dois e dois são cinco"), Desde que o samba é samba. E voltou para terminar, de vez, com Odara. já com toda a gente fora dos seus lugares, junto ao palco e de telemóveis em punho. Momentos inesquecíveis, memoráveis, fantásticos. Bom demais!
Copyright: Nuno Ferreira Santos
Copyright: Nuno Ferreira Santos
Copyright: Catarina Henriques
Copyright: Catarina Henriques


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