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terça-feira, 21 de julho de 2015

São Paulo, por mim

Tinha muita curiosidade. Queria ver como era. E queria ver como era de perto. Dizem que São Paulo não tem horizonte só fila de trânsito. A eterna selva de pedra. E o muito do que vi em São Paulo foi pela janela do táxi.


Há qualquer coisa que senti em São Paulo que parece semelhante ao apartheid ou ao fantasma mal resolvido da colonização. A subserviência do funcionário em relação ao cliente que nunca vi em lugar nenhum do mundo, a arrogância da elite, a forma displicente com que se dirigem aos funcionários  a quem chamam de “moço”. Os clientes nos restaurantes não agradecem nem pedem desculpa. A diferença de tratamento entre classes é gritante.  Mais do que racismo, xenofobia, homofobia, o que eu vi em São Paulo foi classismo. Nem sei se essa palavra existe. Nos shoppings que entrei (Morumbi e Market Place) só vi brancos com excepção dos funcionários, o mesmo no restaurante onde jantamos. Roupa branca, pelo que percebi, é sinónimo de subalterno, farda para babá, diarista, faxineira...Não vi ninguém da dita classe alta com óculos. E na minha inocência achei que todos em São Paulo veriam bem. Contudo, explicaram-me que não. Nem todos vêem bem, como é óbvio. A elite e a alta burguesia ou usa lentes ou são operados! E os que nem condições têm para comprar óculos tem a triste sina de ver mal. Em que outra cidade do mundo existe elevador social  e elevador de serviço nos prédios? Em que outra cidade do mundo é mais barato ter uma faxineira e/ou uma diarista em vez de ter máquina de lavar roupa e máquina de lavar louça? Outra coisa que estranhei: ninguém usa cabelo encaracolado. Numa cidade de um país em que a mistura de raças é a característica e a regra, não ver ninguém de cabelo encaracolado, surpreendeu-me. Toda a gente tem o cabelo impecavelmente liso. Cadê o black power? Este subdesenvolvimento social que observei em São Paulo disseram-me que, felizmente, não é generalizado a outras cidades do Brasil.

Para o dinheiro dos portugueses andar de táxi é barato. Uma ida do nosso hotel no Morumbi até à Avenida Paulista não ultrapassa os 35 reais. Mas fomos veemente aconselhados a não andar de onibus nem de metrô. Apesar destes transportes serem rejeitados pela burguesia paulista, mas ser o transporte democrático e de todos em NY, em que neste transporte não existem ricos nem pobres, brancos, pretos, hispânicos, asiáticos, bonitos e feios, em São Paulo é um diferenciador social. Como em São Paulo não se anda a pé, ciclovias quase não existem, a elite, alta burguesia e a classe média têm helicópteros e carros, quem anda de transporte público? A esta pergunta até os meus sobrinhos de 6 anos respondem. Triste realidade esta.

E se houve coisas que gostei realmente em São Paulo, como a arquitectura, as muitas livrarias, os preços dos livros e dos CD’s, a boa comida, as frutas, os sucos, o clima primaveril do inverno paulista, o Parque Ibirapuera... Não me consigo acostumar com os prédios cercados de grades, às vezes duplas, e com arame farpado electrificado...  Um mundo onde ricos e pobres não se misturam, um mundo em que a identidade é a miscigenação e as pessoas têm falta desse orgulho, há com certeza muito a fazer. E a primeira delas é os brasileiros aprenderem a ter orgulho na sua identidade.

Tenho o maior respeito pelo Brasil e sempre tive admiração e algumas das suas cidades foram algumas das que sempre quis conhecer em todo o mundo. Cresci e vivi  com os livros de Machado de Assis, Clarice Lispector, Jorge Amado, Vinícius, João Cabral, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Caio Fernando de Abreu, Eucanaã Ferraz. Só oiço música dos brasileiros João Gilberto, Tom, Vinícius, Caetano, Maria Bethânia, Gal Costa, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto. Os grandes arquitectos que deixaram marcas na cidade como Lina Bo Bardi (SESC Pompeia, MASP), Paulo Mendes da Rocha (Museu Brasileiro de Escultura, reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, reforma da Estação da Luz e Museu da Língua Portuguesa),  e Oscar Niemeyer (Parque Ibirapuera, Edifício Copan, Memorial da América Latina). A pintora Tarsila do Amaral, Cândido Portinari...  e chegar a São Paulo e ver esta realidade foi como uma bofetada na cara. Como se o Brasil que me foi dado a conhecer nos livros não existisse (mais) e fosse (apenas) ficção.

Confesso que fiquei até admirada que numa cidade em que as diferenças de classe são tão gritantes e tão fenotipicamente visíveis, a violência não seja (ainda) maior. Como explicar que alguém que vem do Nordeste está fadado à sua sina de excluído da sociedade, pobre, nordestino e que nunca  ascenderá socialmente? São Paulo parece ainda feudal e socialmente parece não ter saído do tempo do colonialismo.

Que cidade é esta?


terça-feira, 7 de julho de 2015

Terceiro e último dia em São Paulo

Depois das caipirinhas e dos chopes resolvemos ir para o hotel sem ir para a verdadeira balada. Combinamos ir de manhã ao centro de São Paulo que incluiria a catedral e comer uma sandes de mortadela. Acordo, como sempre às 6:30, sem despertador. Acordo de ressaca. A cabeça doi-me e vejo que bebi todas as águas minerais que tinha no quarto. Volto para a cama mas percebo que não consigo voltar a dormir. Daí a pouco tenho o L. a bater-me à porta. Doi-lhe a cabeça mas pelo menos não está enjoado. Depois do banho descemos para o pequeno-almoço. Esqueço-me dos óculos de sol para ofuscar a claridade. E devo ter escrito na testa “ressaca” porque toda a gente me olha. Desta vez não consigo comer mais nada a não ser frutas e mesmo estas são comidas a custo. O suco é de ananás e o café é sem leite. Como só temos tranfer para o aeroporto às 12:30 resolvemos ir ao Parque Ibirapuera, o grande parque urbano de São Paulo idealizado por Oscar Niemeyer e Burle Marx. Subimos para o quarto e tenho cinco minutos para fazer a mala. Atiro tudo. Sem ordem e sem arrumação. As dezenas de livros que comprei, felizmente, cabem todos na mala (quase) vazia que levei.




Chamamos um táxi à entrada do hotel. O taxista tem uns óculos Ray Ban na cabeça e é o mais falador que encontramos nestes dias. No caminho vai servindo de guia turístico. Passamos por uma ponte, que pelos vistos é um viaduto, que deveria ter sido concluído para a Copa mas agora a sua conclusão será (na melhor das hipóteses) em 2018. Por conta disto, conta-nos a história do engenheiro desta obra que foi morto (juntamente com a mulher) pela filha à paulada para ficar com a herança. E a filha não tinha mais do que 18 anos.  Depois disto refere um outro crime, o de uma mulher que matou o marido de origem japonesa e que o desmembrou. Ela que era uma ex-prostituta e que após descobrir que o marido, mesmo depois de casado, continuava com o mesmo vício matou-o. E destas histórias falou-nos das presões brasileiras e de como se as pessoas que assumissem relações dentro das cadeias tinham outras regalias. E aí introduziu-nos na gíria brasileira de viados e sapatões. Fala-nos que ali havia uma favela que foi destruída mas ainda sobram alguns vestígios. Aquilo que se vê na tv e que é o estereótipo: mulheres com filhos no colo nos caminhos ou à entrada das portas e rapazes de chinelo no pé, calção e boné de basket e manga cavada. Fala-nos muito mal do Lula e de como ele mesmo com cancer não morre “Quando toda a gente quer que ele morra”. Eu que achava que o PT era o partido dos trabalhadores e dos desfavorecidos parece-me que tenho à frente um militante do PSDB mesmo sem nunca o ter referido abertamente. Passámos por uma das avenidas que atravessa São paulo, junto do aeroporto de Congonhas. O monumento das vítimas do avião que se despenhou vindo de Campinas e que teve mais de 200 vítimas fica do nosso lado esquerdo. Aqui, ele diz-nos que é bisneto de um português de Almeirim.  Numa manhã de sábado sem trânsito, chegamos ao Parque Ibirapuera, depois de acharmos que ele foi dar uma volta maior do que a que seria necessária. Mas pelo menos contou-nos histórias, foi simpático e conhecemos as estradas de São Paulo.
Chegados ao Parque Ibirapera percebemos o tamanho gigantesco. Tem a bienal, o Museu de Arte Moderna, imensa gente e um lago (o único que vimos). As pistas de bicicletas e de corrida estão inundadas de gente. Existem barracas que vendem cocos. Não perco a oportunidade. Nunca provei e lembro-me dos milagres e dos benefícios que a água de coco terá para a ressaca. Peço um coco e perguntam-me se quero na garrafa ou o coco. Claro que quero o coco, de preferência levá-lo comigo para Portugal. Dizem-me que não, que não posso sair dali com o coco e até me apontam para umas cadeirinhas. Tudo em nome de questões ambientais! O coco não o posso levar comigo mas as garrafas de plástico, que é o maior veneno da humanidade, estão ali à disposição de quem quiser poluir. Mas o coco não. O coco, para meu desgosto, terá que ficar. Agora lembro-me que vi escrito que um coco custava 4 reais mas para mim disseram-me que eram 5... Só me lembro disto agora. Teria dado 5 mesmo que me tivessem cobrado 4... e percebo a maravilha de se ser turista em qualquer parte do mundo. Muita gente corre, muita gente caminha. Bicicletas. Carrinhos de bebé. Skates. Muitos noivos tiram fotos. Vemos uma festa de Doentes de Pompe. Nem de propósito. Uma menina tem um cartaz escrito “free hugs”. Quando falamos com ela responde-nos em inglês apesar de falarmos com ela em português. Continuamos até ao lago gigante. De um lado avista-se os prédios enormes de São Paulo ao fundo e do outro a fauna e a flora brasileira. Os trópicos no seu melhor. O tempo não dá para mais e voltamos para encontrar um táxi.







Pela janela do táxi despedimo-nos de São Paulo. As últimas ruas. Cruzamos com ruas com o nome Portugal, California... O dia está lindo. O taxista parece um saxofonista ou um pastor americano. Está de fato e gravata e chapéu. Tem um perfume tão forte que misturado com a minha ressaca faz-me querer (ainda mais) vomitar. No regresso para Guarulhos percebemos que existem pessoas a morar por baixo dos viadutos. Vemos algumas favelas e vejo novamente o Rio Pinheiros que parece um esgoto a céu aberto. Tem cor de petróleo e não tem corrente. Parece um rio morto. Uma cidade que não cuida da sua natureza e do ambiente, não pode querer ser uma cidade evoluída.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Segundo dia em São Paulo

O dia começa outra vez antes de o alarme tocar. Ainda não são 6:30. O dia nasce. Começa a clarear. A tv está ligada. O assunto principal é a morte de um cantor sertanejo que morreu de acidente de viação. A importância que todos os canais brasileiros dão a um cantor cujos versos de uma música são “Bara bara bara bere bere bere”, que eu nunca ouvi falar, deixa-me boquiaberta.
A manhã segue com palestras. Se ainda não tinha percebido, comprovo que a língua que se fala no Brasil é realmente diferente. Aprendo novas palavras a cada hora: experimento, peritóneo, acumúlo, escalonamento, coletar, liberado... Custa-me tanto constatar, também, que a ciência que se faz no Brasil está a anos luz daquela que eu conheço. Senti-me quase sempre numa aula do secundário em vez de estar num congresso internacional. E perceber que os investigadores, médicos e cientistas brasileiros não falam inglês deixou-me envergonhada e triste, para não dizer pior. Perceber que o estereótipo que se tem generalizado é de facto verdade, custa. Queria não ter razão.

À tarde ainda tivemos tempo de ir ao Morumbi Shopping. Mais duas livrarias e mais alguns livros: Saraiva e FNAC. Depois escolhemos ir à Avenida Paulista. O ambiente e a realidade das cidades conhecem-se nas ruas. Se não tínhamos quase tempo nenhum, a minha condição, para além das livrarias, era ver pessoalmente alguma obra da Lina Bo Bardi. Nada melhor que o MASP (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Esse era o destino. Táxi até lá. O taxista já era melhor que os primeiros. Passamos pelo shopping JK Iguatemi, sumptuoso, gigante, soberbo, brilhante. Trânsito. Ruas desertas de pessoas. Trânsito caótico. As pessoas parecem não caminhar nelas. Não se avistam bicicletas. Os carros param no sinal vermelho. Vidros escuros em todos os carros. Todos os edifícios, casas, prédios estão rodeados de grades, por vezes duplas. Arame farpado e electrizado. Que choque. Que contraste. Achava que isto era mito. Não. É mesmo assim. Só passamos por bairros nobres. Prédios e mais prédios. Porteiros. Motos. Motorboys. As árvores são tropicais. Tudo é gigante. A sensação eminente de perigo ou de insegurança é nula. Mas não se vê polícia. Hospital Sírio-Libanês.  Parque Trianon. MASP. Chegamos. Edifício vermelho-sangue e cinzento. É bonito. Este edifício da arquitecta italiana Lina Bo Bardi era uma das poucas coisas que sempre quis ver em São Paulo juntamente com o SESC Pompeia. Como não deu para ver os dois, um já não foi mau!




Andamos pela avenida. Aqui há pessoas. Mas não se atropelam. Não parecem moscas. O dia começa a chegar ao fim. A temperatura está amena. O L. está de manga curta mas a maioria veste-se como se fosse inverno. Prédios bonitos. Arquitectura bonita. A ciclovia vai ser inaugurada. E eu pergunto-me: “Se uma cidade onde as pessoas têm medo de andar a pé, que os carros não param no sinal vermelho, que quem usa autocarro ou metro são os desfavorecidos, quem nesta cidade anda de bicicleta?”. Mas louvo a iniciativa. A educação das pessoas faz-se assim, pelo início. Criando condições, impregnando o micróbio das boas práticas. E um dia, depois de muito tempo, isso não será questionável. Passamos por várias livrarias. Na volta, não resisto a entrar numa dela. Livraria Martins Fontes é o seu nome. Não parece uma livraria parece uma biblioteca. Não tenho muito tempo para explorar mas consigo finalmente encontrar “O Anjo Pornográfico” de Nelson Rodrigues. Encontro também correspondências da grande Clarice. Não resisto e junto mais este. Encontro um livro de entrevistas do Lobo Antunes que procuro há anos em Portugal e nunca o encontrei. Só desisto dele pelo peso e pelo preço que me daria para comprar o dobro dos livros que comprei em São Paulo. Na caixa, quando estou a pagar os livros, olho para o nome da Livraria Martins Fontes não resisto a perguntar: “Esta é uma livraria portuguesa?”. Resposta: “Oi?”. Reformulo: “O nome desta livraria Martins Fontes é português por acaso o dono é português?”. Resposta: “Ah... não sei. Boa pergunta. Nunca tinha pensado nisso, mas vou tentar saber”. 



Saímos e andamos até encontrar um sítio onde se bebia. Não sei se foi o indicado mas tinha bebida e comida. Chamava-se Cafe Creme em plena Paulista. Antes do jantar lançamos-nos nos pães de queijo e no chope da Brahma. Levezinho, quase sem álcool, geladinho. Gostei. 



Apanhámos um táxi. Já tinha escurecido. Próxima paragem: Mercearia. Uma mistura de bar e restaurante. Aqui o encontro era com a I. Que já não via há muito tempo (o tema será abordado noutro post). Pedimos imediatamente caipirinhas. Portugueses, já tinha ouvido falar mas comprovei. A caipirinha de Portugal não é a caipirinha do Brasil. A original é do melhor que há. Começa na qualidade da cachaça que é mineira! O gelo não é picado mas aos cubos, o que faz que a diluição alcoólica seja muito mais lenta. Tem muita mais lima (no Brasil chama-se limão) alguma dela às rodelas e outra desfeita. Tem muito menos açucar e não é do amarelo. Provamos a picanha. O sabor nada a ver com a picanha que se come em Portugal. Tudo estava perfeito, desde o ponto de sal, ao ponto da carne e ao sabor característico da picanha. Do melhor que já comi. Provamos também os tão famosos pasteis que não são parecidos com nada que já tivesse comido. Provamos as coxinhas e mais coisas que não lembro mais. Fica difícil quando a bebida é caipirinha. Daqui seguimos para o bar Wall St.  Aqui bebi mais caipirinhas e uma garrafa de 600 ml de SKOL. Depois disto sem condições para ir para a balada mas com a promessa que acordaria daí a umas horas para irmos à Catedral de São Paulo e ao centro....



sábado, 27 de junho de 2015

Primeiro dia em São Paulo

Depois de uma noite bem dormida, de ter ido dormir já passava da uma da manhã, acordei sem despertador às seis e meia. Deve ser a influência dos trópicos! Queria que fosse sempre assim! Eu e o L. tínhamos estado a preparar a apresentação durante o voo e quando chegamos ao hotel. Às 7:30 já estávamos a tomar o pequeno-almoço. Começa aqui a saga: "Por favor, onde vai ser servido o pequeno-almoço?". Resposta surpresa com uma pergunta:  "oi?". "Senhores, não entendo". Já a pensar em brasileiro, "cai-me a ficha" e respondo: "Café da manhã, desculpe". O nosso português é mesmo uma língua estrangeira. Ninguém entende nada. Mas começamos a usar o nosso treinado sotaque carioca e a partir daqui é tudo uma maravilha. Os funcionários do hotel são extremamente educados, prestáveis e simpáticos mas a cortesia e o tratamento formal excessivo fazem lembrar-me uma época que felizmente não vivi. Acho que as diferenças sociais extremas aqui podem ser comparáveis ao Portugal esquecido e ostracizado (parafraseando a rábula do Herman) antes da revolução. Os funcionários dirigem-se aos hóspedes pela hierarquia. Alguns não devem estar autorizados a falar porque reagem com muita surpresa quando os cumprimentamos. Tudo aqui tem uma hierarquia. Ou seja, as pessoas não são de facto tratadas de forma igual. Começo a perceber o ridículo das cenas comuns em NY das mulheres brasileiras da alta sociedade serem acompanhadas por uma babysitter fardada de branco atrás a empurrar o carrinho e a "peruas" à frente com a mala Berkin.

O pequeno-almoço é sumptuoso. Tanta escolha faz-me não saber escolher. Seguindo os conselhos que me deram provo as frutas e os sucos. Em Roma sê romano e aqui estou eu num país tropical a trocar o meu habitual pão com manteiga pelas frutas. Os sucos são mesmo naturais de fruta espremida: melancia, ananás, laranja.... As frutas variam do maracujá gigante, papaia, figos, e frutas que nunca vi na vida. Adorei a goiabada!

Após o pequeno-almoço, hora de reunir as tropas no quarto do L. Como o quarto é maior que a minha casa dividimo-nos pelos sofás e cadeiras. Ultimar a derradeira apresentação. Às 11 entramos numa sala de reuniões à americana. Blocos e lápis do hotel. Uma mesa de apoio com garrafas de água, copos, chávenas, café, leite, chá e muffins. A mesa é redonda. Somos quatro portugueses (todos médicos menos eu), o responsável da empresa em Espanha, o responsável do Brasil, um suíço e o chefão dos Estados Unidos ( que por acaso é britânico, e gosta do Manchester United, mas estudou no Canadá). A O. apresenta-nos e faz uma pequena introdução. Imediatamente elogiam-lhe o inglês. E eu lembro-me imediatamente do ditado "em terra de cegos quem tem um olho é rei". A apresentação foi espectacular. Correu muito bem. Fizeram algumas perguntas que antecipamos e causamos uma excelente impressão. Os dados estão lançados. O que nos trouxe aqui está feito. 

Após o almoço, palestras a tarde toda. O que vemos confirma as nossas piores expectativas. As palestras são em português ou espanhol. Só são em inglês no caso de oradores que não falem português e espanhol. E o mais incrível? Há tradução simultânea. O mundo está perdido. As palestras são de um amadorismo gritante. Nada é novo. Parece que estou a assistir a aulas do secundário. O nível é básico mesmo. 

Antes do jantar ainda há tempo para ir a um shopping para comprar os meus tão ambicionados livros. Escolhemos o shopping Market Place que fica a 5 minutos a pé do hotel. Mas como tememos pela nossa vida optamos pelo táxi que no trânsito demora 10 minutos. Foi uma aventura. A taxista era uma mulher. Nunca vi tão pouca simpatia numa pessoa. A mulher estava com umas trombas que metiam medo! O L. ia ao lado dela e eu, O. e M. atrás. Os táxis, assim como a maioria dos carros no trânsito, são Fiat. O táxi é um Fiat Idea. Apesar de ter tv onde só se vê mortes e detenções, a taxista não activa o taxímetro. A condução da mulher é digna de um filme. A O. que ia no meio teve que se agarrar às nossas pernas. As travagens e os arranques e os barulhos da caixa de mudanças eram de rir. Escolhemos o táxi para não morrer de uma bala perdida mas bater com o táxi era uma ideia que nos perturbava. Felizmente, o trânsito era muito mas os arranques e as travagens eram medonhos. Finalmente chegamos ao shopping e a mulher chuta: 20 reais. Não achei nada caro mas verificaríamos depois o quão roubados fomos. 

Entramos no shopping e fomos directos à livraria Cultura. Como o tempo era escasso, já que tínhamos que estar no hotel às 8, decidi dar a lista dos livros em vez de os procurar. Não havia mais de metade dos livros que queria. Os DVDs nenhuns. Fomos rapidamente à loja Americanas. Não vale mesmo a pena. Parece a loja dos chineses com preços mais caros!

Ao voltar para o hotel percebemos o quanto fomos roubados pela primeira taxista que nos cobrou 20 reais e este 8... Está tudo dito. Esta amostragem de taxistas foi esclarecedora: mudos, antipáticos, rudes e têm a tv ligada em canais que só passam desgraças.

Hora de jantar. Oito da noite. Reparo à entrada do restaurante do hotel que existem pelo menos duas pessoas que nos abrem a porta, cumprimentam-nos e dizem "cuidado com o degrau". Isto repetir-se á até ao último dia. Buffet internacional. Com a esperança de que haja comida brasileira só encontro um tipo de empadão com carne seca. O resto é o que se come pelo mundo todo. A minha perdição continua a ser a goiabada com queijo de minas. Na hora de beber vem um senhor com uma bandeja e vejo que o L. tem um copo do que parece ser sumo de maçã mas ele não está na mesa. Então peço: "sumo de maçã" e respondem-me mais uma vez "Oi?". Começo a pensar como posso pronunciar da melhor maneira "maçã" à maneira brasileira... Mas começo a achar que a forma como eu pronuncio "maçã" é igual à dos brasileiros... Então começo a repetir, quase a lotetrar "maçã"... e a resposta foi "ah, maçã!, não temos!". Acabei por perceber, mais tarde, que o que o L. estava a beber era guaraná.

Fui dormir cedo porque era realmente cedo mas o meu corpo sentia como se tivesse corrido todo o dia. Deixei a tv ligada, como barulho de fundo. Quase não se ouve falar da Grécia. De facto, esse país, lá longe, do o lado do mundo que foi o berço da civilização e da democracia continua, como sempre esteve, bem longe. E o assunto principal das tvs brasileiras é a morte de um cantor de música de qualidade duvidosa cujos versos de uma das suas canções é "Bara bara bara bere bere bere". E assim vai o mundo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A primeira impressão de São Paulo

Sempre quis conhecer o Brasil. Há muitos anos, pelos livros de Jorge Amado, uma cidade de Salvador da Bahia que já não deve existir. Mas os cheiros descritos nos livros dele, as paisagens, o calor, a humanidade dos personagens, a realidade, tudo me fazia querer conhecer essa cidade. O Lobo Antunes dizia que o Jorge Amado era muito melhor pessoa do que escritor. Como eu não conheci a pessoa só o posso avaliar como escritor. Pode não ser isso que a maioria e os cânones acham mas eu adoro-o. Acho que é o Hemingway da América Latina. Há anos que adio a viagem à cidade que eu mais quero conhecer: Rio de Janeiro.

Ontem, depois de dez horas de viagem e pela primeira vez ter dormido num avião, cheguei fresca como uma alface a São Paulo. Chegamos depois das 9 da noite. Sem filas e com a mala a chegar rapidamente. A primeira impressão do aeroporto foi a melhor. Um aeroporto de um país de primeiro mundo. Ao passar a alfândega entramos numa gigantesca loja que faz- nos lembrar o piso térreo da Macy's. Luzes, muitas luzes, perfumes, marcas, maquilhagem e muitas pessoas a dizerem-nós que podemos guardar as malas para ir às compras. Pois, sim! Mal saímos temos uma senhora com um cartaz "COLATEL". Depois aparece outra. Verifico em poucos minutos que muitas mulheres não caucasianas têm cabelos loiros oxigenados. Parecem a Nicky Minaj. Saímos do aeroporto e esperamos pela van que nos levaria ao hotel. Surpreendentemente, o caminho do aeroporto para o hotel é-nos familiar. Nada feio, favelas, estradas em más condições nem trânsito infernal. A surpresa é no número de vias na autoestrada. Em alguns trajectos tem duas em cada faixa, o máximo que vamos ver são cinco. Depois a surpresa de ver o número de camiões. Imensos. E depois o rio Pinheiros que nos acompanha do lado esquerdo. Sujo, feio, escuro. Não parece um rio, parece um canal. Um esgoto a céu aberto. E o mau cheiro acompanha o rio. Quando chegamos a Berrini/ Itaim/ Morumbi os prédios são bonitos, altos, muito altos, modernos, luminosos e com uma arquitectura bonita. Mas as paragens de autocarro e de comboio que se cruzam são assustadoras. Percebo que não há ninguém a andar a pé depois das 10 da noite. Os prédios são rodeados de altos gradeamentos e têm arame farpado. Chegamos ao hotel e o número de seguranças à entrada e de concierge é ridículo. Somos menos do que eles! Tudo é em número surpreendente. No balcão da recepção são uns dez. O hotel tem umas escadas rolantes que parece um shopping. Como sou a única que tenho duas malas (quase vazias para regressarem cheias de livros) um dos concierge acompanha-me. Espera pacientemente por mim enquanto faço o check in, entregar-me o livro que a Marina Lima teve a amabilidade de enviar, e faço todas as perguntas. Quando finalmente termino acompanha-me ao quarto e pergunta-nos como correu a viagem. Eu só penso na gorjeta que terei que lhe dar mas não tenho reais e tenho a esperança de ter cinco euros na carteira. Chegados ao quarto coloca a mala num banco que vai buscar propositadamente para aquilo. Mostra-me o quarto que tem vários compartimentos. E eu penso que é maior que a minha casa. Abro a carteira e percebo que a nota mais baixa é de 10 euros. Entre a vergonha de dizer-lhe que não tenho reais e não lhe dar nada, estendo-lhe os 10 euros. O senhor ficou radiante e até me disse: " pode me pedir tudo, menos dinheiro". E eu aproveito: "Então, isto é tão perigoso como dizem?". E ele: "Se forem os quatro durante o dia ali ao Shopping Morumbi não há problema. Mas só de dia. E se fizerem compras regressam de táxi". Pronto, percebi! Todos no hotel são de uma amabilidade que não vi em muitos lugares do mundo. Muito agradavelmente surpreendida. To be continued.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

A classe executiva

24 de Junho. Feriado em Braga e no Porto. Dia 1 de Portugal, em Guimarães. Voo Porto-Lisboa em executiva. Nada diferente das outras vezes a não ser a água servida num copo de vidro e os muitos jornais e revistas que nos são oferecidos. Em Lisboa temos apenas tempo para mudar de avião e pouco mais. Não sei se fui eu que nunca reparei ou se é sempre assim mas existia fila para a classe executiva, apenas com menos pessoas. Já no avião, sentados, reparamos que somos os únicos portugueses. A classe executiva tem 24 lugares e estão todos ocupados. A média de idades deve ser acima dos 50. Com excepção de nós (os 4 portugueses) e os dois casais de recém casados à frente e ao nosso lado. O casal da frente são os típicos patricinhos. Devem pertencer à alta sociedade paulistana. Casados de fresco. Caucasianos, ricos, cabelos claros, mala Berkin. Devem morar num bairro fino e fazer compras na Oscar Freire. Os do lado esquerdo também parecem regressados de lua-de-mel. Mas o nível é diferente. Provavelmente não vivem em São Paulo mas parecem filhos de algum prefeito de uma cidade do interior. Mal chegaram ao avião andaram o tempo todo descalços e sem meias. Ele tem um bigodinho que já passou de moda é um boné a fazer lembrar um rapper americano. Ela é a típica brasileira. A mostrar mais do que o que devia. As restantes pessoas são homens de negócios e casais mais velhos regressados de férias na Europa. A maioria das mulheres fez cirurgias plásticas.


Já tinha a TAP em muito boa conta desde que me mudei para NY. Não conheço a executiva das outras companhias. Em 36 anos é a primeira vez que viajo nesta classe. Nada a apontar, como esperava. As hospedeiras são simpáticas e profissionais. O serviço é irrepreensível. Mal nos sentamos, eu e o L., desatamos a experimentar os botões da cadeira que faz as acrobacias todas de uma cadeira de dentista. Podemos ficar sentados muito altos, quase à altura do tecto até à posição horizontal de cama. Temos uma almofada com fronha de pano e um edredão azul. Depois, distribuem-nos uma caixa de toilette. São quase 4 da tarde, uma hora depois do voo levantar, e começam  a servir o almoço. Primeiro, distribuem uma toalha molhada quente. Segue-se o menu num livrinho. As boas vindas com espumante ou água ou sumo de laranja (estilo vernissage) Não é uma refeição é um banquete. Temos direito a toalha de mesa e guardanapo de pano. Para começar espargo enrolado em pastrami, espetada de camarão com tomate cheiro e avelãs torradas. Uma sopa de cogumelos, saladas que podiam incluir pato, salmão ou fruta. Quatro pratos quentes à escolha que eram: vitela, frango, polvo ou massa. As bebidas são ao estilo bar aberto: tudo o que se quiser (menos dinheiro, como a piada). Os vinhos são Dona Maria e churchill's. Reparo que uma senhora acompanha a refeição com vinho do Porto! Conto-lhe pelo menos três! E invejo-lhe a resistência para a idade que tem. A noiva à minha frente acompanha a refeição com whisky. O marido não bebe álcool. O assistente de bordo até brinca com ela que não tarda e está a cantar o fado! E as piadas não se ficam por aqui... Ainda diz ao marido que para um cair o outro tem que segurar. As sobremesas são várias  e podemos optar por fruta laminada, pastel de nata, arroz doce ou queijo com doce de abóbora.  Para além do que comi bebi 2 copos de Dona Maria e um Porto a acompanhar a sobremesa. Pela primeira vez, desde que ando de avião dormi. Não sei se foi pelas bebidas ou pelo conforto de ter uma cama. A única coisa que tenho a apontar é a disponibilidade de filmes. Ao contrário de outros aviões da TAP, mesmo em económica que se pode escolher filmes de uma lista enorme, neste voo os filmes eram poucos e não grande coisa. Mas quando tudo é excelente, um pormenor destes não conta para nada. Como habitualmente, em todos os voos de longo curso, há a regra de fingir-se noite quando é dia. Como dormi, desta vez não custou tanto. E foram 10 horas! Ainda durante a fingida noite, o L. conversou com um assistente de bordo e perguntou-lhe: "O que é que São Paulo tem de bom para se ver?". E ela: "Nada! Nesta cidade é tudo feio! A única coisa que esta cidade tem de bom são os restaurantes".










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