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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Orfãos

Numa mesa estão sentados Helen e Danny (Isabel Abreu e Tónan Quito). Parecem estar a celebrar alguma coisa. Entra Liam (Romeu Costa), irmão de Helen, coberto de sangue. Liam começa por contar uma história incongruente e depois percebemos que é muito pior. A descida ao inferno. A violência gratuita. O racismo. O preconceito. O acaso. A escolha entre o bem e o mal. A violência a troco de nada. As marcas profundas da infância. Família. Valores. O que faremos nós perante situações limite? Até onde estaremos dispostos a ir? Há limites para defender os nossos? O limite do amor. Desilusão.

Este jantar, dividido em quatro actos, que se separam com luzes psicadélicas e um som ensurdecedor a lembrar o filme “Irreversible” . Descobrimos nesta hora e quarenta segredos, omissões, mentiras, encobrimentos de quem se ama. Qual a fronteira ética e moral? O que são os valores? O que uns fazem pelos outros, o que têm que mostrar para serem aceites e não se desiludirem. Até onde se pode ir? Onde está o limite?

Poderíamos reduzir Liam como psicopata, Helen como má que faz de tudo para proteger o irmão e Danny como o bom, cheio de valores. Mas perceberemos que nada é estático e que o mundo não se divide entre bons e maus. Tudo muda, de repente.

Saímos a pensar no que, por amor, seremos capazes de fazer por alguém.Até que ponto estamos dispostos a ir para proteger ou salvar outra pessoa? Mesmo que não haja salvação possível nem do que fugir.  

Encenação de Tiago Guedes
Texto de Dennis Kelly.
Tradução de Francisco Frazão.





terça-feira, 21 de novembro de 2017

Sopro de Tiago Rodrigues

A vida é feita de improvisos, sem guião.

Parte de quem está na sombra, o ponto, de quem (quase) tudo depende. Cristina Vidal, ponto no Teatro D. Maria II há 39 anos, sai da sombra e do anonimato e junta-se a cinco actores em palco para narrar (também) 28 minutos de “brancas”, histórias reais e inventadas. Pela primeira vez, sobe ao palco e sai da penumbra que é ajudar os actores, soprando-lhes o texto. A diferença entre uma pausa dramática, um silêncio, uma falha de texto. Ela que vive nas sombras, na invisibilidade, escondida nos bastidores: “A discrição do ponto deve ser proporcional à indiscrição do actor”. A Cristina Vidal juntam-se Beatriz Brás, Isabel Abreu, João Pedro Vaz, Sofia Dias e Vitor Roriz.

A peça tem ritmos diferentes. Dá para rir e para chorar. Sabe-se que partes são tragédias antigas, histórias friccionadas, outras, provavelmente, verdadeiras. Nunca saberemos. O tempo passa como um temporal e como o vento.

Há uma cena de uma despedida que é tão física e tão bem feita que é talvez, para mim, o melhor momento da peça. Um abraço desesperado. Quem nunca o vivenciou e sentiu?

A voz alta de Cristina Vidal só se ouve no final para dizer os versos finais de Berenice, os mesmos que foram a primeira branca, o primeiro esquecimento, a primeira falha de texto de uma infalível grande actriz. Termina a ler, com a voz suave e soletrada de quem fuma, a branca e o silêncio que também teve quando não conseguiu ajudar uma actriz. Porque o silêncio lhe pareceu tudo.

Qual o propósito do teatro se não questionarmo-nos e provocar-nos emoções?

É preciso preservar os momentos em que nos dedicamos aos mistérios, em que nos encontramos e dizemos: aqui estamos, talvez poucos, mas certos de que, perante a perspectiva da morte, escolhemos ficar na vida. E sussurrar em vez de gritar, recusar o ruído do mundo, escutar a respiração que emerge do silêncio e que sempre esteve lá, mesmo quando não a queríamos ouvir. Preservar os lugares onde podemos ouvir o vento, o sopro do pensamento, o espírito do lugar, o momento breve e irrepetível em que nos vemos pela primeira vez. E, sobretudo, não morrer".

Desta vez, o ponto, para além de ouvir, sai para receber as merecidas palmas.

Para mim, maravilhoso. Que comoção. Há muito tempo que não me sentia tocada assim.



quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Variações, de António

Teatro Garrett, 21 de Janeiro de 2017

A peça começa ainda com as pessoas a entrarem na sala e acompanhada pelos burburinhos e conversas que não se percebem. No palco está já António Variações que verifica as cortinas. Sai e entra novamente. Coloca-se junto ao microfone. Corpo ligeiramente de lado. Sussurra. Imperceptível o que diz, de olhos fechados. Compenetrado. Quando as luzes se apagam e um foco o ilumina, ouve-se Variações a rezar”Ave Maria”. Prepara-se e ensaia para o espectáculo com Amália, que ele venera. Este será um dos momentos mais importantes da sua vida. 

Um incompreendido, um ET que nasceu antes do tempo e numa terra onde não o entendiam. Um insatisfeito sempre em busca da perfeição. Um sofredor. O excêntrico que nasceu numa terra chamada Fiscal, uma aldeia perto de Braga. Uma terra de uma lonjura infinita até chegar à Feira Nova e depois a Campanhã e só no dia seguinte chegar a noitinha a Alcântara. Este menino que levou o Minho e a sua música para sempre dentro da cabeça. Este menino que nasceu diferente, a querer mais, que conseguiu fazer aquilo com que sempre sonhara. Aquele menino da província que não aceitou a sua sorte de ser marceneiro “e andar todo sujo, de ter uma vida normal, casar com uma mulher e ter filhos”. Este menino que tinha saudades de casa e queria gravar a voz da mãe no gravador.

Que interpretação magnífica do Sérgio Praia. Não conhecia o actor. Fiquei impressionada com as parecenças físicas entre ele e António Variações. A forma física incluída. Quando vi quem era o actor na realidade percebi a transformação. Que trabalho magnífico. Foi também esta magia da transfiguração que deu realismo à peça. Sérgio Praia interpreta excertos de algumas canções de Variações, à capela, no decorrer do espectáculo.

Um monólogo de pouco mais de uma hora em que se chora e e se ri. Uma interpretação magnífica que muitas vezes nos leva a pensar que Variações ressuscitou. Os gestos, a dança, a voz, o timbre, o sotaque. Todo ele é António. Um homem de estatura pequena, musculado que fazia exercício todos os dias, que não fumava nem bebia, que comia saudável e que era considerado por quem ele passava “o maluco”. Nunca teve vergonha da sua origem e nunca renegou a sua identidade. Este homem da província que chegou a Lisboa aos 12 anos para trabalhar como marçano a carregar os cabazes das compras das senhoras finas das Avenidas. Nunca se resignou e lutou sempre por mais, pelo sonho, por aquilo que um dia queria ou poderia ser. Percebe-se o amor visceral à sua terra, ao pai e à mãe. E a Amália.   Em Fiscal dizem que Amália foi uma das poucas pessoas públicas que nunca o abandonou, nem mesmo na morte.

Variações, por ser quem foi, apesar de ter tido uma carreira fugaz e muito curta, como a sua própria vida, ainda hoje é lembrado,  após 35 anos da sua morte. Quando o vemos no palco com aquelas roupas, aquela performance, aquele brinco e a barba descolorada,  percebemos que ainda hoje seria revolucionário. Os mitos morrem (sempre) cedo.





P.S. O que é inadmissível é António Variações ter nascido no distrito de Braga e a sua casa mais emblemática de espectáculos, Theatro Circo, não ter estreado esta peça ou a ter na sua programação...

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Bem-vindo estranho

O espectáculo é baseado na obra "Be Mine", da  britânica Angela Clerkin, e explora a relação entre mãe e filha. Jackie (Regina Duarte), e a sua filha Elaine (Mariana Loureiro) que é advogada, vivem num pequeníssimo apartamento em Londres. É este o cenário da peça: o escuro e as várias divisões do apartamento. A relação delas é conturbada e oscila entre o extremo afecto e o insulto. Percebemos que Jackie teve a filha com 12 anos. Jackie é uma personagem complicada e fascinante. Deve ter sofrido muita para ser assim. Uma mãe manipuladora, profundamente amorosa, quase sufocante de tão apaixonada que é pela filha. Tão carente e tão incapaz de olhar para si mesma e incapaz de viver sozinha sem a “muleta” da filha. Uma egocêntrica nata. É daquelas pessoas que acha que a solidão é a morte e abomina-a. Gosta de ser mimada e de ser o centro das atenções, e consequentemente, usa todos os recursos possíveis para prender a filha junto de si "até que a morte nos separe.” O exagero da Jackie em relação à filha e é que gera o humor. É mesmo muito exagerada. Veste-se sem noção da idade, sai para “tomar todas”, totalmente descontrolada. Chega a ter graça de tão exagerada que é.

Um dia surge um estranho que pode “roubar” a filha. Com a chegada de Joseph (Kiko Bertholini), o misterioso namorado de Elaine, que se prepara para viver no mesmo apartamento provisoriamente, a atmosfera de suspense entra em erupção, levando a um conflito de desejos incontroláveis cujas consequências são imprevisíveis. Joseph, acusado da morte bárbara da namorada,  foi defendido em tribunal por Elaine. E ela conseguiu provar a sua inocência e conseguiu a sua absolvição. Ela acredita, de facto, na sua inocência. Elaine é uma filha carente e insegura e faz o papel da boazinha, de submissa e de certinha.

Humor, suspense e tensão, pautadas por uma banda sonora exemplar. Momentos de um suspense intenso e absorvente misturam-se com um humor muito perspicaz e inteligente. O publico oscila entre o riso e a gargalhada, o susto, a sugestão, o medo e a hipótese. O final é surpreendente, e tal como Regina pediu no final: “não contem pra ninguém”. Regina Duarte já conquistou o papel de diva. É esta a palavra que me ocorre usar. Uma interpretação magistral regadas pelas suas gargalhadas, gritos e voz inconfundíveis. A interpretação é acompanhada pelos enormes talentos dos outros dois actores.

A peça fala do ser humano. De sentimentos, emoções, desejos, frustrações e descontroles de seres humanos. Uma peça do tamanho do talento de Regina Duarte. Uma peça onde ela brilha e faz brilhar os dois outros actores. Regina Duarte mostra que está em plena forma aos quase 70 anos. 











quarta-feira, 30 de março de 2016

As raposas (The Little Foxes)

A peça é sobre dinheiro, poder, valores. “Não quero ser só rico, quero ser milionário”. A luta pelo poder dentro da família. Tão actual. Tudo gira à volta de um grande negócio que uma família quer fazer para aumentar a sua riqueza. Três irmãos, dois homens e uma mulher: Regina (Luísa Cruz), Ben (Virgílio Castelo) e Óscar (Marco Delgado) .  Revelam-se diferentes maneiras de pensar e agir: quem olha a meios, quem não quer olhar a meios mas tem medo, e quem só olha a fins. Os sonhadores, os sentimentais, os pragmáticos. 
Regina tem pretensões de ir para NY e apesar de parecer neutra quer ter uma palavra a dizer neste negócio. Tem a vantagem de os dois irmãos precisarem do dinheiro do seu marido, Henrique (João Perry) que está na Suiça há algum tempo a tentar tratar-se do coração.
As melhores interpretações são as dos veteranos João Perry cuja papel é o do marido doente que tem dinheiro mas que subiu a pulso. Era empregado do banco e depois tornou-se dono dele. Está muito doente do coração e é do bem. Dá uma lição à mulher quanto ao que ganha não é quem joga a última carta. Não há fins perfeitos. Um João Perry que aparenta nesta peça ser mesmo doente e acabado. A  melhor aimulação de um ataque cardíaco que vi até hoje. Apetecia saltar para o palco para ajudar. Morre de ataque cardíaco por não conseguir alcançar o medicamento que a mulher não lhe dá. Regina, mantém-se inerte, sentada no sofá, a vê-lo morrer em agonia.
Outra grande interpretação é de Gracinda Nave, a Betty. A mulher boneca, a tonta, aquela que só sabe tocar piano e que não pode ter opinião sobre nada. Bebe demasiado para esquecer. O seu marido parece ter casado com ela por interesse, apenas para juntar fortunas.
Esta é uma adaptação para os dias de hoje de uma peça dos finais dos anos 30 de Lillian Hellman. Com o elenco: Diana Nicolau, Eurico Lopes, Gracinda Nave, João Perry, Luisa Cruz, Marco Delgado, Pedro Caeiro,  Sofia Cabrita e Virgílio Castelo.
Virgílio Castelo, aquele que interpreta talvez o mais cínico, aquele que dizia as palavras da mãe “Consegue-se tudo com um sorriso”, reconhece que perdeu mas que há mais vida para além deste negócio, mais virão.
O desfecho é dramático e aberto. Nada do que foi um dia voltará a ser.





Copyright: Teatro Aberto

sábado, 5 de março de 2016

"Doce pássaro da juventude" de Tennessee Williams

Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth) como Um eléctrico chamado desejo (A streetcar named desire) a personagem principal é vítima da passagem do tempo. O desaparecer da beleza. Uma actriz decadente, alcoólica, envelhecida, com pouca ou nenhuma esperança no futuro que bebe e droga-se para (simplesmente) esquecer. Alexandra Del Lago, a “Princesa” (Maria João Luís), acompanha Chance Wayne (Ruben Gomes), um gigolô de 29 anos com aspirações a actor, à cidade onde nasceu, St Cloud, no sul dos Estados Unidos. Percebe-se que tem praia pelo som das gaivotas. Este texto maravilhoso  de Tennessee Williams, um dos que vai mais longe na abordagem à degradação humana. Encenado por Jorge Silva Melo. Uma grande interpretação de Maria João Luís. Uma das grandes vozes do teatro nacional.

Um rapaz, Chance Wayne, de regresso à terra de onde partiu há anos à conquista do mundo (de uma forma fácil). Já não tão novo assim, apira a uma carreira de actor, embora seja mediocre. Quer um futuro com o seu amor, Heavenly. É Páscoa, mas não haverá ressurreição. Todos procuram voltar a um passado que imaginaram feliz. Mas nada do que foi voltará a ser. O tempo passa e não se pode recuperar o que passou. "Tempo... Quem o pode combater, quem o pode vencer?... O tempo que rói". Irrepetível. Heráclito. de

A cena começa num quarto de hotel. Chance acorda ressacado enquanto a Princesa/Alexandra Del Lago aproveita os últimos minutos de sono, com os olhos cobertos. A noite foi difícil, percebe-se. Regada a muito álcool. Incluiu óculos partidos e garrafas de vodka. 
Chance está a queimar os últimos cartuchos da sua juventude. Os anos estão a passar e com eles a levar a juventude e a beleza que foi o seu sustento. Tem 29 anos e o cabelo começa a cair-lhe. Era o rapaz mais bonito, encantador e mais querido de St Cloud, cidade onde nasceu.
Queria ter sido actor: "Tive mais oportunidades do que os dedos da minha mão, e quase o consegui...há sempre qualquer coisa que me bloqueia". Critica a vidinha que as raparigas e os rapazes do seu tempo têm: "As raparigas tornaram-se donas de casa, jogam bridge, e os maridos pertencem à Câmara de Comércio...uma chatice". Ele gaba-se da boa vida que viveu: " talvez a minha única é verdadeira vocação: fazer amor... Dormi com todo o jet-set de NY!... Às pessoas de meia-idade restituía uma sensação de juventude. Às raparigas solitárias, compreensão, apreço! Às pessoas tristes, perdidas, algo de leve e revigorante! Aos excêntricos, tolerância...".  Passou os últimos tempos a "pôr bronzeador nas costas de milionárias gordas". Revela o insucesso da carreira militar quando foi chamado para o Exército: "fui para a Marinha porque me agradava mais a farda de marinheiro. A farda era a única coisa que me agradava... Não era capaz de suportar a maldita rotina, a disciplina... Tinha vinte e três anos. Estava no auge da minha juventude e sabia que a juventude não durava para sempre... Comecei a ter maus sonhos, pesadelos e suores frios durante a noite, e tinha palpitações. Quando ia de licença, embebedava-me e acordava nos lugares mais estranhos, e ao meu lado estavam rostos que nunca vira.... Por motivo de doença, fui dispensado e voltei para casa à civil. E nesse momento reparei como estavam diferentes, a cidade e as pessoas. Educadas? Sim, mas não cordiais. Não havia títulos nos jornais, só umas linhas, uma coisa de nada ao fundo da quinta página.... A dizer que Chance Wayne passara honrosamente à disponibilidade da Marinha devido a doença e que vinha para casa convalescer... Foi então que Heavenly se tornou mais importante para mim do que tudo no mundo".
O sonho de Chance é ter o impossível: a juventude de volta, intacta e honrada. E isso, ninguém poderá voltar  ter. O tempo passa e não volta.

Alexandra Del Lago foi em tempos uma bem sucedida actriz. Uma vedeta de Hollywood. Uma artista. Experimenta agora o declínio, suportado por muito álcool e drogas. O tempo também passou por ela. A sua aparência jovem desapareceu. Segundo ela, cometeu a loucura de regressar, "regresso triunfal". Foi  uma decepção. As pessoas ficaram surpreendidas com o aspecto dela, ficaram chocadas: "aquilo é ela?". Fugiu, qual Gata Borralheira, e tropeçou nas escadas: "caí, rolei como uma puta bêbada até ao fundo... Mãos piedosas sem rosto, ajudaram-me a levantar".

Heavenly, filha de Boss Finley, o político mais poderoso da região. Tinha quinze anos quando Chance Wayne a "possuiu". "Houve uma altura em que me podia ter salvo, se me tivesse deixado casar com um rapaz que ainda era jovem e honesto, mas em vez disso mandou-o embora, expulsou-o de St Cloud... Tentou ser tão importante como esses figurões com os quais o papá quis usar-me, ele foi-se embora. tentou. Mas como as portas certas não se abriram foi às erradas... Se o papá casou por amor porque não deixou fazer o mesmo, quando ainda estava viva por dentro e ele ainda era honesto e decente?"
Heavenly, depois da doença sexualmente transmitida por Chance, "uma doença de putas", teve que se sujeitar a uma operação que lhe cortou a juventude do corpo. "Fez dela uma mulher velha, estéril. Seca, gélida, vazia como uma velha". Espera terminar a vida num convento.

Boss Finley, o político mais poderoso da região. Chegou a St Cloud de pés descalços aos 15 anos. Ostenta o orgulho branco do Sul dos Estados Unidos. Considera que a filha vale cem mil vezes mais do que Chance. Viúvo. Foi sempre infiel enquanto a mulher ainda era viva. Mas, mostra que no fundo, até os maus tem qualquer coisa de bom: "lembras-te dessa jóia? A última que lhe dei antes de morrer.... Quando a comprei sabia que ela estava a morrer. Custou-me quinze mil dólares. E sabes porquê? Para que ela pensasse que ia ficar boa... Quando a pus na sua camisa de noite, coitada, começou a chorar...". Queria convencê-la que ninguém daria um diamante tão grande a alguém que estaria a morrer. " sentou-se na cama, feliz com um passarinho com a sua jóia, recebeu visitas durante todo o dia, riu, brincou com elas, ali com o diamante, e com ele morreu antes da meia-noite. E até ao último instante da vida acreditou que o diamante era a prova que não estava a morrer".

Em Chance e na Princesa observamos um destino comum, o destino da perda. Tal como Chance, ela não pode fazer o relógio voltar para trás. O relógio não pára para nenhum deles, como não pára para nenhum de nós. "" Para Princesa, parece no final, haver um regresso à glória e fama passadas, embora pareça muito transitório: "eu sei que estou morta como o antigo Egipto".

A peça termina com um monólogo de Chance virado para o público: "Não vos peço piedade de, apenas compreensão... Não, nem isso. Apenas que me reconheçam em vós próprios, e reconheçam o inimigo comum: o tempo, o tempo em todos nós".







terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Carta de uma desconhecida de Stefan Zweig

A peça começa com a protagonista (Sandra Barata Belo) sentada na primeira fila da plateia, vestida de preto. Simultâneamente, no palco, ainda de cortina fechada houve-se barulhos de bolas de papel atirados ao chão e a coreografia do sofrimento de um homem. Um pianista, vestido de azul, acompanha a peça. A protagonista, começa pelo fim, e diz que o filho morreu. A partir daí há uma analepse e é contada a história de um amor platónico entre uma menina de 13 anos e um homem mais velho e como isso se vai tornando numa obsessão. O que chama a atenção nesta peça, não é o texto, mas a interpretação dos actores, principalmente as duas cenas de sexo. Duas coreografias perfeitas. Violentas. Sincronizadas. Dança pura. Pas de deux. Interpretação. Tudo dito sem palavras. Perfeito. As diferenças significativas entre a primeira noite e quando ele não a reconhece e é (só) puro sexo mecanizado. E no fim de tudo, a morte.











terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Portátil by Porta dos Fundos

Há mais de um mês que tinha comprado os bilhetes. Na altura já ouvira falar que escolhiam uma pessoa da plateia para interagir com os actores. Com o pânico de poder ser a escolhida (já que achava que seriam os actores a escolher), os lugares que comprei não tinham acesso directo nem ao palco nem à plateia. Como seria de esperar, pelo sucesso da Porta dos Fundos, os bilhetes esgotaram rapidamente.

No dia antes do espectáculo vi uma entrevista com o Gregorio Duvivier na Sic Notícias e percebi, que ao contrário do que pensava, a pessoa do público não seria escolhida pelos actores mas seria voluntária.

Como (quase) sempre, não sabia para o que ia. Nem sabia o que me esperava. Pois bem, Portátil é um espectáculo de improvisação com os actores Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, Luís Lobianco e Gustavo Miranda e que conta com a ajuda de um pianista. O cenário é simplesmente um tapete branco, uma tela gigante e quatro cadeiras e os actores estão magnificamente vestidos de Gilda Midani. Nos primeiros minutos os actores dizem o que estão a fazer e apresentam-se, arrancando do público muitas gargalhadas:
- Quando era pequeno eu queria ser grande (Gregorio Duvivier)
- Quando eu era criança eu não queria estar na plateia, queria estar no palco (Luís Lobianco).

A partir daí, começam a fazer perguntas à plateia: “quem é português?”, “quem nasceu em Braga?”, “quem tem filhos?, “quem não tem filhos mas gostaria de ter?”... Depois pedem voluntários.

No Theatro Circo, foi escolhida uma senhora de meia idade a quem foi feita uma breve entrevista na qual falou sobre como os seus pais se conheceram, onde vivia, família, trabalho e o seu maior sonho. Este é o ponto de partida para a peça de improvisação que os actores farão ao longo de 60 minutos. Basicamente, a peça será a história daquela pessoa, resumindo a sua vida. A pessoa escolhida em Braga era chamava-se Luísa brasileira, os pais conheceram-se na Ponta do Caju no Rio de Janeiro, o pai era motorista de ministério e a mãe tecelã, o pai era “brabo” feito “siri na lata”, adorava brincar no milharal, em criança tinha um amigo imaginário, era apaixonada pelos personagens de Monteiro Lobato, era aposentada mas trabalhou como funcionária pública, o maior defeito era dormir muito e acordar tarde e a maior virtude era o senso de localização (como um pombo), era turista em Braga e estava acompanhada pelo genro, o seu maior sonho era voar.

Eu estou a escrever este texto e estou a rir à gargalhada. Eu não me lembro da última vez que me ri tanto como nesta peça. A minha opinião: quem tiver oportunidade, assista. O dinheiro mais bem dado dos últimos tempos.


Sobre o Theatro Circo, Gregorio Duvivier disse ser o “teatro mais bonito do planeta”. 




quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Uma noite na lua

Conhecia o Gregorio Duvivier do “Porta dos fundos” e do evento “Minha língua, minha pátria”, organizado pelo jornal Público em São Paulo, numa conversa com a Matilde Campilho. Ontem, quando fui ver “Uma noite na lua”, sabia apenas que era um monólogo. Nada mais. Chegámos em cima da hora e os nossos lugares eram na primeira fila. Começou pontualmente às 9:30. Tudo escuro e apenas fumo. Depois, a luz ilumina-o. Só isto. Ele vestido de fato, gravata, um sobretudo e um chapéu. E a luz. O cenário é só isto. Minimalista. E durante minutos a frase que ele mais repete é: “Sou um homem em cima do palco pensando”. Nestes minutos ouço muita gente a rir-se. E eu, entre a surpresa de ouvir risos e não perceber porque é que eu não tinha vontade de rir, comecei a achar que o defeito era meu. O resto, é uma interpretação incrível. Fenomenal. Magnífica. A iluminação e a interpretação são quase tudo nesta peça. O tema é tão simples como a luta para reconquistar uma mulher, a Berenice. E mais do que a vontade com que ficamos de nos apaixonar é a vontade de ser uma Berenice por quem este personagem é tão devoto. Que loucura é estar apaixonado e ser deixado. Que doença é essa que não nos larga, que só vemos o objecto de adoração. Tudo pára. Ou tudo parece parar. Nada importa. Só captar a atenção dela, a Berenice. Dudivier canta, dança, grita, deita-se no chão, imita o som do telefone e do aspirador e da música. E quando termina parece ter saído de um mergulho, embora não existisse água em palco. O cepticismo inicial e a surpresa dão lugar a um grande sorriso. Não acredito que alguém tenha saído defraudado. Mais que não seja que o amor é o grande veículo do mundo. Toda a gente sai de coração cheio.

Copyright: Gregorio Dudivier



quinta-feira, 5 de março de 2015

As três (velhas) irmãs - uma memória de Tchékhov

Nesta peça as biografias das actrizes (Graça Lobo, Mariema e Paula Só) combinam-se ou confundem-se com as das personagens do belíssimo texto de Tchekov: a ficção do texto original e a representação da realidade ou a autorrepresentação. Martim Pedroso, encenador da peça, participa também como actor, funcionando como “o ponto” e dando-lhes deixas,  comprimentos, a comida, uma espécie de cuidador". As memórias das actrizes confundem-se com as memórias das personagens que interpretam, as três irmãs: Olga, Macha e Irina, que ainda sonham em ir para Moscovo. Tal como a peça de Tchékhov, esta também acaba mal. As três mulheres não vão para Moscovo e ficam na pasmaceira da sua casa.  Há fotos a preto-e-branco que espalhadas no cenário que destacam os momentos mais importantes da carreira de cada actriz.

Há muito tempo que não me sentia assim depois de assistir a uma peça de teatro! Que privilégio ver a interpretação destas três grandes actrizes. Mostram que a idade não é só velhice mas posto, sabedoria e talento! Tão preocupada em aplaudir que nem tirei fotos...



Copyright: Alípio Padilha

Copyright: Público

sexta-feira, 21 de março de 2014

Ode Marítima

Acompanho há muito a carreira (palavra que não gosta) de Diogo Infante. Ele é várias coisas num só. Para mim, apenas a voz basta. Mas na interpretação supera-se. Comemora este ano 25 anos de actor. Vi-o há muitos anos na peça “Sexo, drogas & rock and roll” num mítico conjunto de oito monólogos. Assisti ao seu brilhantismo como encenador no “Ano do Pensamento Mágico de Joan Didion, um monólogo magnificamente interpretado pela nossa grande Eunice Muñoz. E a melhor encenação de sempre de “Um eléctrico chamado desejo” de Tennessee Williams, quando trouxe de volta aos palcos Alexandra Lencastre, a melhor Blanche Dubuois de sempre. Há pouco tempo vi-o na leitura do “Sermão de Santo António aos peixes”.

Na semana passada, no penúltimo dia, fui ver “Ode Marítima” ao Teatro São Luiz. Não tinha muitas expectativas. Não tinha lido nada. Assumi que fosse uma leitura teatral do grande poema do heterónimo de Pessoa, engenheiro naval, Álvaro de Campos. A voz do Diogo, a sua presença física, Pessoa e a encenação de Natália Luiza, bastavam-me.  Meu Deus, que surpresa! Diogo não lê, interpreta. Um pouco mais de uma hora que nos enche a alma. João Gil, discreto acompanha as palavras e a narrativa de Diogo. Só acrescenta, não atrapalha.
O homem que olha para o horizonte, vê um paquete entrar na barra e faz uma viagem interior. não está aqui a interpretar uma personagem. Este homem não é Pessoa nem Álvaro de Campos. “É a suma de todos os homens. Em primeiro lugar, sou eu, porque não se trata de uma personagem mas de uma energia. É como se o meu corpo, a minha voz e as minhas emoções fossem um veículo para expressar esta transcendência emocional que abarca a dimensão humana. Ele somos todos nós: nas nossas contradições, medos, ânsias, desejo de sentir, de viver. Na catarse do monólogo, Diogo transforma-se, como se ele não fosse ele, como se fosse possuído por algo maior, ele urra, berra, sofre, vira-se ao contrário, expõe-se, põe as suas entranhas em cima da mesa, com tudo o que isso tem de horrível e termina exausto, completamente molhado, como se tivesse saído da água. As pessoas ao meu lado diziam baixinho: “Credo!”. Atira-se para o chão, a voz muda, acalma, compassa.


Depois dos aplausos regressaram ao palco para meia hora de perguntas feitas pelo público presente. A não perder. Estará em breve no Teatro Nacional S. João, no Porto. Fará digressão nacional e seguirá para o Brasil.

Depois de achar que mais ninguém conseguisse ler, interpretar e representar Pessoa melhor do que Maria Bethânia, eis que Diogo Infante superou tudo neste espectáculo "Ode Marítima".












Todas as fotos, com a excepção da última, pertencem a José Frade


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