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terça-feira, 18 de setembro de 2018

Resultados Investigador FCT

Ontem recebi um telefonema sobre os resultados do concurso FCT IF. Aqui já era noite e tinha deixado o meu carregador na minha mesa do instituto. Não pude saber do meu resultado até hoje de manhã. Quando soube os resultados do laboratório onde fiz o meu último Pós-Doc fiquei surpreendida com o elevado número de contratos atribuídos. Afinal, desta vez, aquele grande instituto com apenas 20 anos não precisa de ter um nome inglês para se destacar. Finalmente o reconhecimento começa a surgir em Portugal quando há muito já o era fora de portas.E já não se poderão queixar do esquecimento de uma terriola do norte recôndito, provinciano, escondido, com muito pasto, onde está a sua sede e que meia dúzia de kms entre duas das cidades mais próximas demoram mais de meia hora. Provavelmente, estes excelentes resultados do concurso IF FCT foram uma alegre excepção à regra da maioria dos institutos, unidades e grupos portugueses.

Muitos (500 investigadores) estarão mais felizes do que nunca. E dei comigo a pensar que, pelo menos estas dezenas de pessoas, não terão o coração nas mãos nos próximos anos. Muitos deles já com família constituída e vida estabelecida em determinado local. E fiquei, momentaneamente, feliz por eles. Mas depois pensei que em 4000 candidaturas somente 500 tiveram contratos. No meio da alegria de muitos há (sempre) os vencidos. Os não contemplados. Os tristes. Os esquecidos. Os injustiçados. Não vou analisar resultados, nem estatísticas, nem fazer críticas, nem dizer que este governo é melhor ou pior do que o anterior. Vou falar de mim. Porque foi de mim que me lembrei há quase dois anos atrás quando queria muito ter tido um contrato em Portugal e não consegui. Eu não queria mais do que isso. Queria o que via começar a acontecer à minha volta. Investigadores da minha geração que começavam a ver, e muito bem, as suas bolsas trocadas por um contrato pela primeira vez na vida. Era tudo o que eu queria. Um contrato a termo, com 14 meses/ano, descontos para a segurança social e (se possível) ADSE. Mas isto, que eu considerava muito, e muitos acham pouco, nunca tive no meu país. Aos 39 anos, depois de um doutoramento em que passei parte a fazê-lo em Houston, no Texas,  depois de 8 anos de Pós-Doc que incluíram vários períodos em Columbia University em NY, 10 papers como primeira autora, 1 projecto em colaboração, não foram suficientes para conseguir uma posição, digamos, mais estável. A verdade é que o que parece muito currículo era menos do que alguns dos meus colegas no grupo a que pertencia. Não vou dizer nunca que foi fácil não ter tido um contrato naquela altura. Nem mesmo o tempo fez com que me esquecesse. Com a distância de quase 2 anos consigo compreender que novos caminhos podem surgir. Mas não me apetece relembrar o quão difícil foi. Os critérios de escolha, mesmo conhecidos, não são nunca compreendidos pelos que não são contemplados. Somos humanos e não conseguimos na maioria das vezes separar a razão do coração. E eu, provavelmente, tão bem como muitos ou melhor do que muitos sei, porque senti na pele o que é não ser uma das escolhidas quando não existem muitas opções. E é isto que acontece à maioria dos meus colegas investigadores/ cientistas.  Hoje, mais do que nunca estou solidária com os 3500 que não conseguiram um contrato. E damos connosco, erradamente, a culpar alguém.  A culpar os estrangeiros que conseguem mais facilmente quando nem o trabalho, nem CV, nem qualidade são melhores do que os nossos; as pessoas que são apadrinhadas pelas padrinhos certos e que conseguem ter mais papers em colaboração;  os preferidos, não necessariamente os melhores, que conseguem (mais) alunos de doutoramento...

E depois, concluo que aos 39 anos consegui uma posição competitiva não só pelo meu CV, entrevista, plano de trabalhos, apresentação, mas também porque o meu orientador na época apoiou a minha candidatura. Porque esse apoio, mais do que tudo, mesmo que o nosso desempenho seja perfeito e irrepreensível, será a chave da decisão final. E expiro de alívio por não ter, hoje mais uma vez, o coração nas mãos. Mas para isso mudei de cidade, de país, de colegas, de trabalho. Deixei a minha casa, a minha família, a minha cadela, os meus amigos, o meu carro e comecei de novo. Do princípio, do inicio, do começo e com tudo o que ser desconhecida e começar de novo implica. E percebi, sim, à minha custa, que a crítica sem acções não nos levará nunca a lado nenhum. Porque aquela velha máxima que aprendemos desde crianças que tudo na vida resulta de acções justas, não passa disso mesmo, de apenas uma frase como outra qualquer. A verdade é que uns mais do que outros, dependendo de muitas variáveis ao longo do caminho, teremos mais ou menos sorte mais ou menos sucesso e que isso dependerá (sempre) mais dos outros do que nós próprios. E depois, o pensamento foge-me, mais uma vez, para o futuro. Que no fim deste contrato estarei mais uma vez de coração nas mãos e tudo começará de novo e de novo e de novo. Até não haver mais início.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A(s) verdade(s) inconveniente(s)

Este é o tema que qualquer que seja a opinião (quase) toda a gente tem razão.

Devemos ser dos poucos países civilizados em que um investigador doutorado não tem (obrigatoriedade) de ter um contrato de trabalho. Para quem não sabe, vou repetir ad nauseum, um aluno que acabe o doutoramento, até há (bem) pouco tempo, o máximo que poderia ambicionar era uma bolsa de postdoc (1495 €/mês x 12 meses, sem subsídios de férias e de Natal e os descontos para a Segurança Social resumem-se ao Seguro social voluntário (opcional) no valor de aproximadamente 125€/mês. Bolsa esta que não é actualizada há mais de 10 anos.

Há uns anos, começaram os contratos para doutorados da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a que foram dados diferentes nomes pelos diferentes governos. Estes eram poucos mas garantiam estabilidade e valores variáveis consoante idade e experiência durante 3 a 5 anos. Entre avanços e recuos, estes concursos que este governo sugeriu que iam acabar, pelos vistos, irão continuar.

Depois existe a possibilidade, através de projectos (Europeus ou não) de as Universidades contratarem investigadores doutorados por determinado número de anos. Neste caso, não são sujeitos ao regulamento rígido da FCT que só permite que doutorados com 3 ou mais anos sejam elegíveis. Nestes casos, apesar do concurso ser público, e da meritocracia ser alegada, os critérios de selecção são mais discutíveis.

Este governo teve a pertinente ideia de considerar que todos os bolseiros doutorados que eram financiados directa ou indirectamente pela FCT, há mais de três anos, que desempenhem funções em instituições públicas têm direito a um contrato. Quem pode não achar? Para isso propôs que todas as universidades abram concursos para os candidatos elegíveis. O Ministro da Ciência anunciou hoje o princípio de 2018 para iniciar o processo de contratação, a termo, de três mil investigadores doutorados. O diploma, que aguarda publicação em Diário da República, define que a FCT suportará os custos da contratação de doutorados. E aqui começa o eterno problema. Não parece um cenário utópico? Eu acho óptimo. Aplaudo de pé. Mas é (mesmo) verdade? As universidades, nomeadamente de Lisboa e Coimbra, têm alegado constrangimentos orçamentais para a contratação de investigadores doutorados. Eu, só acredito, vendo.

No Domingo, o grande cientista António Coutinho (ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência e actual Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa) escreveu um texto no Observador que dá que pensar. Começa por escrever que "Os dados oficiais da FCT mostram que o orçamento realizado em 2016 (367M€) foi inferior ao do ano anterior (372M€). O investimento na ciência é propaganda política". Quem diz isto é o insuspeito Prof António Coutinho. Faltou ainda dizer que os resultados do concurso dos projectos FCT não estão previstos para antes do início do próximo ano. Este governo vai acabar a legislatura com 2 concursos de projectos atribuído em 4 anos...

Também, no início da semana, a excelsa cientista Maria de Sousa foi galardoada com o prémio da Universidade de Lisboa. Na nota biográfica disponibilizada estava escrito: "Profundamente estimada e muito respeitada na comunidade científica, Maria de Sousa é também uma humanista que cultiva o gosto pelas artes, pela história e pela poesia”. É que tal como dizia Abel Salazar: “Um médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. E esta mulher, intelectual, médica, cientista com a idade que tem é um orgulho. Também, mas principalmente, por ser mulher. Elogiou publicamente os alunos de doutoramento: “Permitam-me um parêntesis de reconhecimento dos nossos estudantes GABBA”. A cientista a não esquecer quem ajudou e quem a ajudou. Diz muito da pessoa que é. E destacou dois momentos: explosão do número de bolsas de doutoramento da responsabilidade do Ministro Mariano Gago e de investigadores da FCT.  Destes últimos, já mais seniores, e que se tornaram directores de grupo (entre os 40 e 50 anos), e que são “ os recipientes de grandes bolsas internacionais” mas “a universidade parece não querer ou não poder integrá-los e o Governo vai implementar um decreto-lei que vai empregar milhares de postdocs com 6 anos de doutoramento”.

Quando dois dos maiores cientistas (jubilados) do nosso país, que podiam estar no conforto do silêncio sobre um problema que não os afecta directamente, falam na mesma semana dos mesmos (e mais) problemas na ciência em Portugal, algo vai muito mal.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A minha lista de 10 (sobre cultura geral)

Medicina era o objectivo desde sempre. Mas não tive o comprometimento e dedicação exclusiva que as notas necessárias para a entrada no curso, à época, exigiam. Então, no secundário, percebi, muito cedo, que não seria uma candidata à altura. E em vez de me tornar uma sonhadora frustrada, desisti à partida e não à chegada. Fiquei sem segundo plano. E tornei-me uma aluna universitária medíocre. Com a permanente ideia de desistir. Entrei no que deu. E ao contrário de muitos, apesar das constantes ideias de desistência, consegui terminar o curso. Deve ser algo genético a capacidade de não ter desistido. Não atribuo a qualquer mérito meu, que dependesse da minha acção voluntária. Então, entre ser médica, ou qualquer outra profissão que incluísse os meus gostos pessoais, sobravam coisas que não davam para viver nem ter qualquer profissão que os pais sonham para os filhos. Esses gostos incluíam muita coisa, de temáticas muito diferentes umas das outras, muitas vezes até indefiníveis e até pouco coincidentes entre si. Então como isso não dava dinheiro, tornei-me cientista (que é uma profissão que inclui segurança, emprego para a vida e total realização pessoal... Not). Tornei-me cientista por obra total do acaso. Por causa apenas de um professor, do seu entusiasmo, da sua juventude e do seu grupo de investigação, e a uma das poucas aulas teóricas a que fui assistir numa tarde de sexta feira (manhãs não eram para mim). Descobri no decorrer destes anos que em vez de me ter tornado numa pessoa frustrada, aprendi o lado bom da investigação. Permitiu-me viajar, conhecer pessoas incríveis, mundos novos, pessoas que tratam de pessoas, doentes que são curados, outros que morrem mas não em vão, museus, restaurantes, arquitectura, paisagens, livros, escritores, cientistas, comidas, artistas, prémios Nobel, malucos, nerds, e as melhores universidades do mundo. Baseado no supra referido, segue-se a minha lista (por ordem cronológica):

1- Lisboa, a cidade mais bonita do mundo. Apaixonei-me por esta cidade quando a visitei pela primeira vez aos 3 anos. Nunca mais me esqueci de como tudo era alto e grande. Foi o impacto da diferença entre Lisboa e Braga (cidade onde nasci) à época. O sol não brilha em nenhuma cidade do mundo como aqui. A luz e as cores de Lisboa dos telhados e janelas dos quadros de Maluda. O clima perfeito. O Tejo, com dimensão de mar. As colinas. A baixa pombalina. As avenidas novas. A Gulbenkian. A cidade do meu querido António Lobo Antunes. Dos caracóis. Da bica. Do Lux. Das intermináveis e loucas noites do Bairro Alto. De Belém, de onde os portugueses saíram à descoberta do novo mundo.

2 - Na adolescência li a obra completa do Eça de Queirós, à qual volto repetidamente de tempos a tempos, e que continua a ser um dos escritores da minha vida.

3 - Amália intérprete/letrista/poeta dos seus poemas e dos grandes poetas de língua portuguesa (Camões, O’Neill, Homem de Melo, Mourão Ferreira, Régio). Amália é talvez a pessoa que mais lamento não ter conhecido pessoalmente. Talvez a mais importante figura da cultura pop  portuguesa do séc XX e mais conhecida no mundo (esta sim, verdadeiramente, em todos os lugares por onde passei). Sou fascinada pela vida dela. Uma menina que nasceu pobre, que não passou da 3ª classe, que tinha um dom “que Deus lhe deu”, que se alimentava das palmas do público, que se instruiu, que ousou cantar grandes poetas, apreciadora de arte, que escolheu um dia morrer em NY (como uma diva, e bem ao jeito da catarse da tragédia grega, felizmente arrependeu-se a tempo), que amava flores (como a minha mãe). Verdadeira autodidacta.

4 - Clara Ferreira Alves que leio desde 95 no Expresso. Com ela tive verdadeiras aulas de cultura geral. Descobri e apaixonei-me por Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Susan Sontag, Graham Green. Fascinei-me pelo Médio Oriente e por desertos. Interessei-me por política e por muitas outras coisas que não cabem nestas linhas. Faz-me sentir que nunca conseguirei ler à velocidade do que (ainda) gostaria de ler e reler. Mas faz-me ter essa meta e, sobretudo, não desistir.

5 - Maria de Sousa, talvez das poucas pessoas que não conheço pessoalmente, mas que mudou a minha vida. Ela que é uma médica que se tornou bióloga e eu que sou uma bióloga que queria ser médica (mas a vida não é tão fácil assim e não deu, lamento). Com ela aprendi que é possível ser-se cientista e gostar de coisas que não têm nada que ver com ciência. Senti-me muito menos só no mundo quando soube que ela gostava de poesia, de tocar piano, de escrever na parte de trás das folhas em que só um lado estava usado. Através dela cheguei a Garcia de Orta, Abel Salazar, António Damásio, Espinoza, Auden, Cummings e por aí vai.

6 – Adriana Calcanhotto – Quase não oiço música porque não consigo fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo. Mas tal como Vinícius e Caetano, Adriana, é muito mais do que uma intérprete. Preferi dá-la como exemplo por ser uma mulher e a mais nova dos três, mais perto, portanto, da minha geração. O que não quer dizer que me interesse menos pelos outros dois. A autobiografia de Caetano é um livro que já li 4 vezes. Aprendi muito sobre o Brasil, sobre a cultura brasileira e sobre o tropicalismo. Quem mais do que Caetano teria a bagagem cultural, o dom e a capacidade para escrever uma canção como Alexandre?”. Uma autêntica lição sobre o Rei da Grécia Antiga.
Adriana, reúne muitos talentos. É uma autodidacta, curiosa, conhecedora, intelectual, moderna e sofisticada. É uma artista multifacetada que desenha e pinta bem, escreve, fala e canta melhor, e dizem que toca bem mais do que melhor. Depois, partilha o mesmo interesse que eu por livros e livrarias.Tal como outros antes, incluíndo Amália, pegou em grandes nomes da poesia brasileira e portuguesa, musicou os seus poemas e deu-os a conhecer através da música (Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Bandeira, António Cicero, Mário de Sá-Carneiro, entre outros). Musicou até uma resposta de Joaquim Pedro de Andrade ao Liberation à pergunta Pourquoi filmez-vous? Há uns anos fiz-lhe a seguinte pergunta: “Apesar das sucessivas comparações a que tem sido sujeita, principalmente com Elis Regina, eu diria que a sua trajectória como excelente compositora assemelha-se muito mais a Vinícius de Moraes pela erudição do vocabulário, pela forma extraordinária como escreve poesia em língua portuguesa e pelo veículo das palavras ser a música. Será que daqui a alguns anos a Adriana será definida como uma grande poeta que fez canções maravilhosas? Era assim que gostaria de ser definida?” Ao que ela respondeu: “Ana, eu detesto comparações (como qualquer artista).  Mas considero um grande elogio a analogia que você faz com Vinícius, a quem amo muito. Na verdade, eu gostaria de ser indefinível, inclassificável, hoje ou daqui a alguns anos”. Interessa-me muito mais o que ela tem a dizer e o que o que escreve do que a melodia das canções, que quase nada entendo. Talvez por achar que a música seja o tipo de arte que menos me interessa.

7 - Houston, a cidade onde fiz quase toda a minha investigação de doutoramento. A cidade improvável. No sul dos Estados Unidos. Perto do México, recheada de mexicanos ilegais, republicana convicta, conservadora, perto da praia mais feia do mundo (Galveston), do centro espacial da NASA onde nasceu a frase "Houston, we have a problem", do maior centro médico do mundo, do mais importante hospital para o tratamento de cancro do mundo (MD Anderson Cancer Center), onde tudo é gigante (principalmente as distâncias e as doses de comida) e onde é impossível andar a pé. No entanto, foi a maior e mais feliz surpresa da minha vida. Andei kms de bicicleta que era o meu meio de transporte, apesar de ter arriscado a vida muitas vezes. E foi lá pela primeira vez que descobri o verdadeiro significado de saudade. Percebi e dei valor a coisas que até aí relativizava: que gostar de flores e apreciar comida bem feita são também formas de arte. Estas duas aprendi com a minha mãe e só à distância é que as compreendi. Descobri a Rothko Chapel e o The crab do Calder. Para atirar mais lenha para a fogueira, descobri o bairro de Montrose, o denominado bairro estranho, um verdadeiro oásis naquela cidade, onde tudo é possível e onde tudo pode acontecer. Durante quase estes 2 anos, a música do ipod e a bicicleta foram as minhas mais presentes companhias. O grande exemplo de como é possível ser-se muito feliz numa cidade feia e com um calor infernal.

8 - Nova Iorque, a cidade que eu escolhi para viver. A cidade onde se pode fazer tudo. A cidade onde tudo é possível. A melhor cidade do mundo para se andar a pé. Onde realizei os sonhos inimagináveis de ver Black Swan pela New York City Ballet, de ver Placido Domingo como maestro de Madama Butterfly no Metropolitan Opera e os vitrais de Chagall. Onde vi a exposição inesquecível Savage Beauty de Alexander Mcqueen  e o quadro The great wave de Hokusai no The Met Museum of Art, onde morei a poucos metros da primeira casa de Susan Sontag e frequentei os lugares que ela frequentou, onde fui ao lançamento de Just Kids e Banga de Patti Smith, onde eu li muito no metro, do maior numero de livrarias por metro quadrado, das inúmeras galerias em Chelsea. Dos fabulosos estúdios do Soho. Ia a Times Square quando me sentia sozinha. Onde vi quase todos os quadros que tinha visto nos livros, onde me apaixonei mais ainda por Hopper. Onde vi as fotos de Annie Leibovitz. E onde assisti duas vezes a Wit, o monólogo magnificamente interpretado por Cinthia Nixon sobre uma professora de literatura inglesa, especialista em Donne, que está com um cancro terminal. Aqui também li quase todas as biografias que encontrei de Marie Curie, a cientista que ganhou dois prémios Nobel de Física (pela descoberta da radiação) e Química (pela descoberta dos elementos químicos radio e polónio) e que se apaixonou por um discípulo que era casado e foi um escândalo. Da tardia descoberta de Brooklyn.

9 - Um eléctrico chamado desejo no Teatro Nacional D. Maria II, encenado por Diogo Infante com a brilhante interpretação de Alexandra Lencastre (de volta ao teatro tantos anos depois) no papel de Blanche DuBois (a mais bela representação desta personagem, de todas as que vi) e Albano Jerónimo no papel de Stanley.

10 – Fundação de Serralves – Não sou grande admiradora do Porto como cidade. Não gosto da cor (permanente) cinza nem da temperatura. Não gosto do interminável síndrome de inferioridade, do bairrismo da cidade pequena e/ou das sucessivas comparações com a capital. No entanto, acho que uma cidade que tem um museu como Serralves e viu nascer Sophia, não precisa de mais nada. Já valeria a pena só por isto.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O triunfo das mulheres

Sou suspeita para falar de Madonna. Acho que é o verdadeiro icon pop. Transgressora. Revolucionária. Autora de uma grande música chamada Music que tem apenas um acorde (o máximo da simplicidade na linguagem musical). Autora de várias músicas que são verdadeiros hinos. E autora de músicas, que de alguma forma, toda a gente conhece. E é, nas suas próprias palavras “uma má feminista”. Madonna está a dois anos de fazer 60 e acaba de ganhar, esta semana, o prémio de “Mulher do ano”. Destaco o seu discurso de aceitação e agradecimento. Um discurso emocionante, verdadeiro, íntimo, revelador, sincero, cru e doloroso.

Com o seu conhecido humor começou o seu discurso centrado, principalmente, no facto de ser mulher. Começou por referir que hoje, com as novas tecnologias, as pessoas não precisam de ter coragem de insultá-la “cara-a-cara”. Falou da sua experiência de se mudar para NY, ainda adolescente, em 1979, ano em que eu nasci. Ao contrário de hoje, NY era uma cidade assustadora. No primeiro ano, apontaram-lhe uma arma, foi violada num terraço com uma faca na garganta e o apartamento foi tantas vezes assaltado que deixou de fechar a porta. Nos anos que se seguiram, perdeu quase todos os amigos com SIDA, drogas, ou tiros. Estes acontecimentos avassaladores, não só a tornaram na mulher que é hoje, mas também lhe relembra o quanto é vulnerável. Afirmou, claramente, que não é dona dos seus talentos, que não é dona de nada. Tudo o que tem é um presente de Deus. Para os crentes, esta é a maior das humildades. Depois falou especificamente na questão de género, no facto de ser mulher. Quando começou a escrever não pensava nisso. Mas depois começou a sentir como isso era importante. Se se é mulher é permitido ser-se bonita, gira, sexy. Mas não se pode ser muito inteligente. Não é permitido que se tenha uma opinião diferente do status quo. Não é permitido envelhecer. Envelhecer é um pecado. Falou de quando o álbum Erotica e o livro Sex foram lançados. E o que escreveram sobre ela. Uma das manchetes comparou-a ao Diabo. E nessa mesma época, o Prince andava de saltos altos, baton e mostrava o rabo... mas era homem. Falou de como se conseguiu recompor de todas as críticas e de todos os insultos, encontrando força na poesia de Maya Angelou, na escrita de James Baldwin e na música de Nina Simone. Deu como exemplo a Camille Paglia uma escritora feminista, que em vez de a apoiar a criticou. E terminou a dizer o mais importante: que as mulheres devem apoiar-se mutuamente.

E nesta semana, este discurso é especialmente importante, porque coincide com a atribuição de um pretigiadíssimo prémio a duas colegas do meu laboratório em Portugal. O que é de destacar é que não foi apenas um prémio mas dois prémios atribuídos a duas mulheres do mesmo grupo de investigação, e consequentemente, da mesma universidade. Estes prémios foram especificamente duas bolsas ERC Consolidator Grants de quase 2 milhões de euros para cada uma e é  um dos maiores reconhecimentos científicos a nível monetário e de mérito. Duas mulheres. Esta é a parte importante. Não sou amiga nem íntima de nenhuma delas. Somos mais de 100 pessoas no mesmo edifício. Uma delas conheço-a desde o dia que entrei no lab, há mais de 13 anos. Como mulheres que são, com toda a certeza, já as acusaram de tudo. E o facto de não ter nenhuma ligação a não ser profissional, faz este comentário ser (ainda) mais legítimo e verdadeiro. Tiveram e têm um director que é sábio, visionário, que acreditou nelas e que apostou nelas. Sem isso não seria possível. E não só nelas mas noutras tantas que compõem o seu grupo. É um director que aposta em mulheres e que acredita, sobretudo, nelas. Os números do seu grupo não enganam. Quem sabe esse seja talvez a razão do sucesso deste laboratório? Tal como no discurso da Madonna, nós mulheres, deveríamos sempre ficar contentes com o sucesso de outras mulheres e saber reconhecer-lhes isso. Não porque são mulheres mas pelo difícil que é conquistar o sucesso em igualdade de competição com os homens.

Não podemos esquecer-nos que em quase 30 anos de Prémio Pessoa somente 5 mulheres, num universo de 29 premiados foram mulheres: Maria João Pires, Menez, Irene Flunser Pimentel, Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.

No entanto, os  números  são animadores e mostram-nos que as mulheres são as que entram em maior número nas universidades, as que têm melhores notas e as que concluem os cursos com sucesso. Mostram-nos um presente brilhante e um futuro muito promissor.

Na política, uma vergonha. Um parlamento que tem que ter cotas para que haja um número mínimo de mulheres. O antigo governo com 14 ministros, apenas 4 eram mulheres: Maria Luís Albuquerque, Anabela Rodrigues, Paula Teixeira da Cruz e Assunção Cristas No actual governo o cenário piora, num universo de 17 ministros, 4 são mulheres: Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e Ana Paula Vitorino. No entanto, a Fundação Champalimaud tem como presidente uma mulher, Leonor Beleza e a Fundação Calouste Gulbenkian terá como próxima presidente Isabel Mota. Nem tudo é mau, portanto. Temos, também, na ciência e na academia grandes mulheres que lideram instituições como Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota. Como diria Madonna, o importante é não desistir continuar a persistir. Um dia, as coisas mudarão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

João Lobo Antunes

João Lobo Antunes, como diria Pessoa, “tinha o mundo dentro dele”. Foi o primeiro Lobo Antunes que conheci e li. Li “Um modo de ser” no ano em que foi galardoado com o Prémio Pessoa, em 1996. Depois desse, quase todos os livros. Conheci a realidade de NY através dele, e Washington Heights, muito antes de achar que algum dia frequentaria aquelas ruas. Foi com ele que descobri o meu amor por NY. Foi assim que escolhi a universidade de sonho em NY e que achei que seria apenas isso: um sonho. E foi através dele que quis ir viver para lá. Através dele aprendi antes de ser uma new yorker “emprestada” a differença entre a opera e o museu. The Metropolitam Opera e The Metropolitan Museum of Art. A sigla Met. Quando finalmente fui para NY, para Columbia, mostraram-me  a cadeira com o nome dele no Neurological Institute of NY. Através dele apaixonei-me por Edward Hopper, principalmente aquele homem numa noite sob a sombra da luz (Night shadows). E depois disso fui a todos os museus de NY que têm obras do Hopper: Met, Whitney, MoMa e Brooklyn Museum. O americano que mais pintou o quotidiano. Com ele descobri a humanidade que deve existir em todas as profissões tão bem descrita na “Morte de Ivan Ilitch” de Tolstoi. O livro que talvez ele mais citava. O livro que todos os médicos deveriam ler. E o livro que eu mais li e ao qual volto sempre. Com o Professor aprendi que as mãos são a marca do ser humano. Aquilo que talvez mais nos distingue das outras espécies. As mãos, essa parte anatómica que denuncia a nossa idade. Aquela que ninguém consegue fazer regredir os anos. A mão que é o instrumento de trabalho mas que também afaga e consola. O peso da mão. E a beleza e delicadeza que as mãos cirúrgicas têm. Já apreciaram a beleza e a dança das mãos numa neurocirurgia. Os gestos delicados, o detalhe, a leveza? Já apreciaram as mãos de um neurocirurgião? Já pararam para apreciar o quanto umas mãos bonitas são talvez das mais belas partes do corpo humano?

João Lobo Antunes foi sempre um aluno brilhante. Dizem que fazia tudo bem. Tinha qualidades invulgares para um homem só. Escrevia exemplarmente bem, era um acérrimo leitor, apreciador de todas as artes e tinha uma cultura invulgar. Para além de tudo isso, foi o mais brilhante neurocirurgião da sua geração. Como ele disse um dia, aqui é famoso mas foi para NY onde era um “small fish in a little pond”. Há maior banho de humildade do que este? Exaltava como maiores virtudes do ser humano a compaixão, decência e carácter. Conheci, não pessoalmente a sua fama como neurocirurgião. Mas sobre o que posso opinirar é sobre a escrita. Que bem que ele escrevia. Ensaios e memórias, sobretudo. Espero ansiosa pelo registo  das suas memórias a que se dedicou nos últimos tempos.
Morreu em casa como Ivan Ilitch, mas não como ele. Com toda a certeza que rodeado da família, com compaixão, respeito e amor.

Nenhum dos livros que tenho dele estão por ele assinados. Não por falta de oportunidade mas por falta de coragem. Ele para mim estava num pedestal. Transparecia ser tímido, de poucas palavras, reservado, cerimonioso, educadíssimo. Aquilo que se dominaria de um “homem à antiga”. Daqueles que ainda beijam a mão. Um príncipe.

Era sabido que estava doente. Não sabia o quanto nem que fosse tão rápido. Se é verdade que na morte, todos são bons, a gigantesca quantidade de mensagens de pesar e a unanimidade no elogio, emoção  e na  admiração pelo médico e pelo homem é de ressaltar.

A Medicina, a Ciência e a Cultura portuguesa ficam mais pobres. Foi-se um dos grandes intelectuais do país.

Copyright: Correio da manhã
Copyright: The Metropolitan Museum of NY

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um banho de humildade

Tudo na minha vida profissional sempre me indicou que não podia ser (demasiado) optimista. Quando achei (alguma vez) que tinha alguma coisa para o ser, o universo encarregou-se de mostrar-me o meu devido lugar. Fiz um doutoramento sem nunca ter tido uma bolsa da FCT. Perdi as vezes que concorri e não tive. Acho que bati o recorde: no número de vezes que alguém concorreu e que não conseguiu. Podia entrar para o Guiness. Talvez tenha sido esse facto que treinou a minha paciência e a minha “não desistência”. Nunca desisto de nada antes de achar que acabou. A célebre frase: “se o fim não foi bom é porque não acabou”. Depois, quando acabei o doutoramento, uma ideia revolucionária dada por um grande amigo e a leitura obsessiva sobre o assunto durante um mês, resultou numa das maiores alegrias da minha vida profissional: uma bolsa de pós-doutoramento da FCT. Essa bolsa permitiu-me arriscar numa nova área, viver na cidade que sempre quis, trabalhar com quem quis e evoluir. Comecei de novo. Do zero. E com isso, com todo o banho de humildade de aos 31 anos começar a (re)aprender tudo de novo. Sem vergonha de questionar, de não saber, de pedir. Ao contrário da maioria dos pós-docs do meu laboratório, fui para fora e apostei numa nova área. Com todos os contras que isso implicava, teve as suas vantagens: ensinou-me muito e permitiu-me independência. Perder a vergonha foi o maior ensinamento. E o outro foi acreditar nas minha capacidades. A minha auto-estima profissional cresceu muito. Quando o elogio vem de pessoas que defendem e acreditam na meritocracia, esse é o desfecho.


No ano passado concorri pela primeira vez a Investigador FCT. A saga das rejeições regressou. Não tive. Este ano concorri novamente. Passei à segunda fase. Um dia antes das férias recebo o veredicto. Foi a maior pancada profissional deste ano. Foi um KO imediato. Não o resultado mas o comentário. Para mim, não existe nada pior do que a crítica injusta. Aceito (quase) tudo mas não lido bem com a injustiça e a ingratidão. Nesse dia fui para casa e fechei-me. Uma amiga disse-me “Podes gritar. Eu deixo-te”. Não consegui. Nem  gritar nem chorar. Mas uma dor imensa tomou conta de mim. É nestas alturas, em que o nosso ego é posto em causa, que vacilamos e descemos à nossa humilde condição de humanos. Olhamos em frente, relativizamos e descobrimos que a melhor maneira de continuar é não nos levarmos muito a sério. Por cada vitória e conquista teremos sempre uma proporção imensa do outro lado da moeda. A vida é assim. E a melhor recuperação é pensar sempre que não há nada como dormir porque amanhã será outro dia.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

A dignidade de se passar de bolseiro de pós-doutoramento a investigador de doutoramento

A ANICT, associação que representa investigadores doutorados (bolseiros ou contratados), que trabalham em Portugal, está a fazer um questionário nacional que pretende averiguar a opinião dos investigadores doutorados sobre a eventual conversão de bolsas de pós-doutoramento em contratos de trabalho a termo. “A passagem de bolsas a contratos está associada a um aumento dos custos de recrutamento. A ANICT defende que o rendimento líquido anual dos atuais bolseiros de pós-doutoramento não pode sofrer cortes, aquando desta mudança. Este fato, irá implicar um aumento de custos na ordem dos 33%. A ANICT defende que os orçamentos dos projetos financiados pela FCT, assim como a sua duração, sejam compatíveis com esta nova realidade”. A pergunta é ouro sobre azul. Questionam os investigadores se concordam ou não com um contrato que mantenha os mesmos valores da bolsa pós-doc. Em letrinhas quase ilegíveis pode ler-se que isto implicará que em cada 3 bolseiros pós-doc apenas 2 terão contrato.

Obviamente que questionar um bolseiro pós-doc, talvez a posição mais precária de toda a carreira académica, que não têm qualquer aumento do valor da bolsa há mais de 12 anos, que não descontam para a Segurança Social (a não ser através do precaríssimo Seguro Social Voluntário), que em caso de não renovação da bolsa não têm direito a subsídio de desemprego, acenar com um contrato, quem poderá dizer que não?

A questão sobre se os bolseiros pós-doc concordam ou não com um contrato deveria ser seguida da explicação. Eu concordo, em absoluto, que haja contratos para pós-docs. Mas isso, quem não concorda? A questão é: a qualquer preço? Não! Eu sou daquelas que não serão beneficiadas por estes possíveis contratos. Sou bolseira há 6 anos e pelas actuais regras, não estarei incluída neste pacote.
Mas eis o que eu questiono:
1)   Que haja obrigatoriedade de contratos pós-doc. Como nos habituam em ciência, a célebre questão do mérito e do merecimento. Quem merece e quem não merece? Como se faz essa avaliação? Os “protegidos” estarão sempre nos 2/3 a contratar. A questão é para onde vão os restantes 1/3?

2)  O que acontecerá aos investigadores pós-doc após 3 anos? Esta parte não está explicada. O que pretendem a ANICT e a FCT propor após 3 anos? Que o investigador pós-doc continue a concorrer para contratos sucessivos de 3 em 3 anos mantendo o valor de 1450€/ano + SS + subsídio de alimentação?
3) Que diferenciação de valores terá um investigador pós-doc após 3, 6 ou 9 anos?

4) No que se baseará a diferenciação entre investigador pós-doc e os actuais contratos de investigador FCT?

5)  No que se baseia a FCT e o Ministro da Ciência para cada 3 bolseiros de pós-doc atribuir apenas 2 contratos de investigador pós-doc? Partindo do princípio que quem financiará isto é o governo. Implicando, de facto, um aumento de 33% por cada investigador em impostos, esses mesmos valores retornarão para a máquina do Estado. Ou seja, não há qualquer perda. O dinheiro só se deslocará dentro do mesmo Estado entre diferentes Ministérios. Aqui residem as minhas maiores reticências. Deverão os bolseiros pós-doc aceitar os contratos a qualquer preço? Não deverão reflectir mais nesta questão? Não existirão, de facto, maiores gastos para o Estado/bolseiro.

Se se trata de discutir, e a decisão ainda não está tomada, aqui ficam as minhas opiniões que são só minhas e que não representam ninguém além de mim.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Os altos e baixos da ciência

Nas últimas semanas que se lê em todos os jornais e se vê em todas as televisões e se ouve todos os comentadores falar nos cortes de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, no decréscimo abrupto do investimento em ciência, na pouca transparência dos concursos da FCT, eu desta vez não fui afectada. Mas no tempo das “vacas-gordas”, no tempo em que todos tinham bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, eu fui talvez das pessoas que mais concorreu a bolsa de doutoramento da FCT e não conseguiu. Fiz o meu doutoramento paga por um projecto europeu. Agora, assisto a milhares que se sentem injustiçados, como eu várias vezes, durante muitos anos, me senti. Confesso que neste momento não tenho dados suficientes para ter uma opinião a favor ou contra sobre a questão. Sei que as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento foram reduzidas em  valores superiores a 40% e que as taxas de aprovação foram em média de 10%. Sei também que a FCT criou os programas doutorais e sei também que no concurso para investigadores aumentaram os contratos de 80 para 220. Paremos para pensar. Reflectir sobre os dados. Um país sem educação e sem cultura é um país menos competitivo e mais pobre. É no investimento em educação e cultura que se formam gerações mais preparadas.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Nicholas Peppas

Na semana passada esteve na Universidade do Minho um dos melhores cientistas área, Nicholas Peppas. Foi o orientador de doutoramento de um dos meus orientadores de doutoramento. Começou por dizer que não faz ciência para publicar artigos. No entanto, tem 1300 artigos publicados e tem 63 anos.

Fez uma palestra que começou a falar de pessoas e acabou a falar de pessoas. Este é o objectivo da ciência e da investigação: descobrir qualquer coisa que melhore a vida das pessoas. Falou de coisas tão banais como gostar há anos atrás de passar fins de tarde na biblioteca, no tempo em que não havia acesso digital aos jornais científicos. Como devemos falar de negócios com investidores. Como um cientista pode fazer figura de parvo quando explica a sua descoberta a um investidor.

Nicholas Peppas é um grego com nacionalidade americana, tem o dom da palavra como só os americanos têm. E ele, grego de nascimento, aprendeu o melhor dos americanos: o dom da palavra.Saiu da Grécia para se doutorar. O objectivo era voltar à Grécia e ser o melhor professor na sua área. Nunca mais voltou definitivamente. Conta histórias, mesmo que muitas vezes pareçam ser tiradas do argumento de um filme. E ainda por cima é culto. Conhece muito bem opera e até já escreveu livros com essa temática. Tive um professor no secundário que dizia que ser bom escritor na área das letras era muito fácil, excelente era ser bom escritor quando a formação era em ciências. Exemplos dessa grandeza são os nossos Miguel Torga, António Gedeão (Rómulo de Carvalho), António Lobo Antunes.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Toward fixing damaged hearts through tissue engineering

É sempre muito bom quando vemos o nosso trabalho reconhecido. Este é o resultado de um ano de investigação em NY, Columbia University. Muitas horas de discussão, muita reformulação de ideias, algumas hipóteses, muito trabalho, muitas horas, muitas leituras. Este trabalho foi também muito inspirado pelos doentes que por mim passavam no Presbyterian Hospital. Pensar diariamente nos milhares de doentes que sofrem de doença cardíaca e em todos os que poderemos ajudar, isso é o que me faz não desistir e lutar diariamente conta as adversidades. Como me dizia um colega hoje "Afinal o dinheiro que foi investido na tua investigação parece que não foi mal gasto". Não há nada melhor do que termos o reconhecimento dos melhores. Para ler mais, aqui fica o press release da American Chemical Society:

Biomacromolecules
In the U.S., someone suffers a heart attack every 34 seconds — their heart is starved of oxygen and suffers irreparable damage. Engineering new heart tissue in the laboratory that could eventually be implanted into patients could help, and scientists are reporting a promising approach tested with rat cells. They published their results on growing cardiac muscle using a scaffold containing carbon nanofibers in the ACS journal Biomacromolecules.
Gordana Vunjak-Novakovic, Rui L. Reis, Ana Martins and colleagues point out that when damaged, adult heart tissue can’t heal itself very well. The only way to fix an injured heart is with a transplant. But within the past decade, interest in regenerating just the lost tissue has surged. The trick is to find materials that, among other things, are nontoxic, won’t get attacked by the body’s immune system and allow for muscle cells to pass the electrical signals necessary for the heart to beat. Previous research has found that chitosan, which is obtained from shrimp and other crustacean shells, nearly fits the bill. In lab tests, scientists have used it as a scaffold for growing heart cells. But it doesn’t transmit electrical signals well. Vunjak-Novakovic’s team decided to build on the chitosan development and coax it to function more like a real heart.
To the chitosan, they added carbon nanofibers, which can conduct electricity, and grew neonatal rat heart cells on the resulting scaffold. After two weeks, cells had filled all the pores and showed far better metabolic and electrical activity than with a chitosan scaffold alone. The cells on the chitosan/carbon scaffold also expressed cardiac genes at higher levels.
The authors acknowledge funding from Fundação para a Ciência e TecnologiaPOPH-QREN—Advanced Formation, the European Social Fund, the National Fund and theNational Institutes of Health. The work was a collaboration between Columbia University and 3B´s - University of Minho, Portugal.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ser espiritual – da evidência à ciência de Luís Portela

Há duas semanas fui à apresentação do livro “Ser espiritual – da evidência à ciência” do Luís Portela apresentado pelo Nuno Sousa. O Nuno Sousa, médico, e investigador na área das neurociências, a apresentar um livro assim parecia uma antítese. Afirmou que este livro não é anti-ciência e refugiou-se no senso-comum da questão: “o que é uma boa obra?”. E no caso pessoal, citou um seu professor: “Como sabes que desta uma boa aula?”. Referiu que uma boa aula é aquela que desperta a curiosidade, que nos leva a procurar. E terminou a dizer que depois de ter lido este livro sentiu-se curioso.

O Luís Portela começou por elogiar o Nuno Sousa, a quem chamou “força da natureza”. Disse que este era “o seu livro”. Dedicou-se à Bial. Foi escrevinhando uns textos para a Visão e para o JN que foram posteriormente compilados em livro. Sentiu que aos 60 anos tinha o direito de fazer na vida aquilo que lhe desse mais prazer. Intensificou a busca  que lhe interessou nos últimos 50 anos. Referiu que gosta desde os tempos da juventude de religião, ciências nestas áreas, yoga, budismo e leitura comparada da Bíblia. Mistérios e milagres que não tinham resposta lógica aos olhos da ciência convencional. Foi para Medicina para explicar muitas das dúvidas espirituais e que a ciência pudesse dar resposta. Foi professor de psicofisiologia e ia fazer o doutoramento em Oxford. Devido à morte prematura do pai, aos 27 anos foi para a presidência da Bial. Prometeu a si próprio que iria apoiar a investigação nesta área. Após 5 anos, a Bial criou o Prémio Bial. Após 10 anos, criaram a Fundação Bial para apoiar projectos de investigação científica, principalmente na área da Psicofisiologia. O conselho científico da fundação é constituído por 30 personalidades do mundo científico e são eles que seleccionam os projectos.

A primeira razão da escrita deste livro, para Luís Portela, foi a partilha da sua forma de pensar, o prazer dessa partilha. Este livro pretende ser um sinal de alerta. O que andamos aqui a fazer. Um esforço para se entender de onde se vem e para onde se vai. Levanta o tema que cabe à ciência descortinar, levantar o véu da verdade, cabe à ciência dar um esclarecimento. Defende que estamos neste mundo para aprendermos e que cada pessoa vai evoluindo mais ou menos consoante se esforça mais ou menos. Não acredita no acaso. Acredita no passado. Afirmou que desde a antiguidade existem descrições de pessoas que vêem imagens, que ouvem e sentem coisas que a maioria não vê, não ouve e não sente. Descrições de contactos com um mundo para além do mundo físico. Existem inúmeras descrições de pessoas que passaram por condições perto da morte. Pessoas que viram o seu corpo físico mas não se reconheceram e observavam-se fora dele. Relatam os túneis. E depois consciencializam-se que a sua missão ainda não acabou e regressam ao mundo físico. Falou de cientistas que estudaram apenas crianças em vários locais do mundo que referiam vidas passadas. Defendeu que a ciência pode até ser relutante em aceitar estes casos mas que não percebe a razão de não os estudar. Falou ainda de psiquiatras que usam a regressão para explicar situações traumatizantes e descreveu duas situações impressionantes que ele próprio assistiu. Para além disso, referiu a transcomunicação instrumental, que nunca tinha ouvido falar. Teve a humildade de dizer que este livro não tem nenhuma verdade científica final mas factos que precisam de ser mais estudados. Falou-se ainda da parapsicologia que não é ainda uma ciência mas uma disciplina da ciência. Citou-se ainda Abel Salazar: “Nada do que é estranho ao Homem pode ser estranho à Medicina”.


E eu termino a fazer a pergunta que queria ter feito mas não houve tempo para a colocar: o que distingue afinal um esquizofrénico de uma pessoa que vê, ouve e sente coisas que a maioria não consegue?




terça-feira, 23 de julho de 2013

Ser cientista

Nunca na minha vida quis ser cientista. A coisa mais perto que quis ser, e esse sim, um sonho de criança que não foi realizado: ser médica.  Acho que nesta vida não nasci para o ser, apesar de tantas e tantas tentativas e de tanto querer. Muita gente acha que os (as) cientistas são aquele estereótipo do Professor Pardal da banda desenhada do tio Patinhas: com óculos, despenteado, mal vestido, engenhocas, sempre no mundo da lua...  Como todos os estereótipos, nada mais redutor. A verdade é que os cientistas trabalham muitas horas e, na maioria das vezes, quando estão a fazer os seus doutoramentos, não têm horas. Dizem, também, que gostam muito de beber e de drogas legais (como diz a Isabel Moreira). Há o lado magnífico e que me foi proporcionado: as viagens. Quando os nossos trabalhos eram seleccionados para apresentação oral nas conferências íamos. E isso era a recompensa do que nós achávamos a “eterna juventude”: conhecer o mundo. Até que um dia percebi que não havia cidade no mundo que valesse os anos de vida e os kgs que perdia antes das apresentações orais.

Nos últimos anos vivi entre Houston, Braga e Nova Iorque. Entre laboratórios, bancadas, batas brancas, electroforeses, PCRs, bioreactores, ratos, biotérios, salas de cirurgia, reagentes, pipetas, microscópios, células, meios, assim foi feito o meu mundo durante anos. E para quem nunca esteve num laboratório e nunca planeou uma experiência, nada mais difícil que explicar o sabor de uma descoberta!

Sou uma leitora compulsiva desde criança. Aos 3 anos queria aprender a ler e ser grande para saber ler!! Aos 3 anos já riscava paredes e caixas e portas com o meu nome e com os das pessoas que conhecia. Nunca fui uma aluna brilhante porque tinha muitos outros interesses para além do que se aprendia na escola (que no meu caso foi sempre um colégio de padres desde os 6 até entrar na Universidade!!). Desde que me lembro como gente, queria ser médica, mas aos 16 anos percebi que nunca teria as notas necessárias porque não conseguia dedicar-me em exclusivo aos estudos e muito menos deixar de ler outras coisas. Sempre achei que o pior dia da minha vida seria o da defesa do meu Doutoramento. Se não foi o pior, andou lá perto. Nunca pensei que sobrevivesse. Na primeira aula que dei, depois de doutorada, na Universidade do Algarve, eu estava muito pior do que quem me assistia. Nesse dia, para disfarçar a minha timidez, usei o meu humor judeu e expliquei (para quebrar o gelo) que eu sou um exemplo de uma pessoa que nunca foi brilhante mas que chegou onde todos podem chegar quando são brilhantes. Queria Medicina, acabei em Biologia e depois tirei o Doutoramento entre Braga (Universidade do Minho)e Houston (Rice University). Fiz um Doutoramento em Engenharia Biomédica sobre materiais para serem usados em Engenharia de Tecidos ósseos. E quando achei que esta área não podia ajudar tantas pessoas como gostaria (também dei este exemplo numa palestra que dei na Universidade do Algarve) mudei para a área cardíaca. E como sempre sonhei  viver em NY, nada melhor que juntar o excepcional dos 2 mundos: ciência no centro do mundo! No tempo que me sobra leio, vou muito a museus, gosto de andar a pé, viajo, adorava fumar mas deixei (ou estou a tentar deixar porque dizem que os viciados são para sempre)...  Escrevo muito, todos os dias, mas não ganho pelo que escrevo. Nada é ficcional, nem inspirado. Apenas resultados! “In God we trust, all the others must bring data”.


Os bolseiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) recebem como alunos de doutoramento 980€ (1710€ quando no estrangeiro) e como Post-docs 1495€ (2245€ quando no estrangeiro) multiplicado por 12 meses. Não recebemos qualquer subsídio, nem de férias nem de Natal. E o valor das bolsas não é actualizado há mais de 10 anos. Num país que atravessa a crise que sabemos nem me atrevo a questionar se sou uma privilegiada .. E ter uma bolsa da FCT é o que mais me enche de orgulho porque significa que a nossa candidatura foi escolhida entre centenas de outras. Escrevo principalmente artigos científicos, apresentações, projectos científicos e capítulos de livro em inglês. O português, apesar de ser a minha língua materna, é o que menos uso diariamente, só para falar.
Nunca é tarde para se aprender a gostar de um ofício!


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Oliver Smithies: a curiosidade que não acaba

Oliver Smithies é um dos galardoados com o prémio Nobel em Medicina, 2007 e que veio dar uma palestra à Universidade do Minho na passada sexta-feira e ontem participou numa conferência com outros laureados na Culturgest. Assistir a uma palestra de um prémio Nobel nunca pode ser decepcionante. Todas as que vi não foram e esta também não. Este cientista de 88 anos só o aparenta porque as pernas são o seu elo mais fraco. Fala com o entusiasmo de um jovem. Prende a atenção dos que o assistem. Conta histórias da infância, da terra onde nasceu, cativa a audiência. Mostra fotos dos originais dos seus 150 cadernos, onde até hoje, continua a escrever. Considera-se um cientista de bancada e não um administrador. Os olhos ainda brilham a falar de ciência. Diz que é muito importante tirar bons apontamentos e escrever o mais possível de pormenores. Confessa que não almoça. Mas diz que dormir é muito importante. Muitos dos dias que passa no laboratório são aos fins de semana. Achei impressionante uma pessoa que tem a juventude mental de um jovem cientista aos 88 anos. Questiona-se com as mesmas coisas e continua a achar que devemos fazer o que gostamos. Terminou a dizer que a curiosidade dele nunca acaba.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Domingo em Lisboa

Apesar do tempo atípico para Lisboa, que amanheceu nublada e com um imenso nevoeiro, que nem dava para ver o majestoso Tejo, continuava com aquela luminosidade que só esta cidade tem. Aqui estamos, eu, e Lisboa num reencontro, como se fosse a primeira vez. O que eu não gosto nesta cidade são dos taxistas. Quase sempre parecem mudos e com cara de poucos amigos, conduzem mal e têm carros péssimos. Parecem que estão habituados a corridas de carro. Não poucas vezes discutem com os outros condutores  Na sua maioria fazem sempre o trajecto mais comprido e gostam muito pouco de dar trocos. Foi o que aconteceu, mais uma vez, desta vez entre o Parque das Nações e o Campo Pequeno. Nestas alturas lembro-me tanto do meu querido C. que me salvou tantas vezes de perder o comboio, que me levou a mim e à C. a casa nas muitas noites em que não levávamos carro ou o deixávamos algures pela cidade. Ainda hoje quando não me pode ir buscar manda-me o melhor dos seus amigos e telefona-me a saber se já estou no comboio.

Encontrei-me com as queridas S. e R. na entrada do Campo Pequeno. Fomos almoçar demoradamente ao “Rubro”. Muito bom. Comemos várias tapas, não me lembro quais (se não as fotografar é o que acontece) e bebemos um excelente vinho espanhol “MURUVE”. Estes almoços e jantares são sempre demorados, carregados de risos e sorrisos, de memórias, de histórias, de disparates e sempre regados a excelentes vinhos e com óptima comida. São as nossas maratonas gastronómicas, como disse um dia a S. Bebi demais, como quase sempre, e nada melhor do que deambular por livrarias onde não conseguia ler nada!! Fomos a várias livrarias no centro de Lisboa para comprar um livro que não encontrei. No fim da tarde atravessamos a minha amada Lx para o meu regresso a casa.



1º Encontro PARSUK/ PAPS/ FIIP - Percursos em Ciência: Diversidade contra a Adversidade – Parte II

A Maria Mota, que eu também só conhecia da televisão, pela malária, como o nosso amigalhaço (não é caríssima?!) Miguel Che Soares. A Maria disse que no 5º ano já sabia o que queria ser quando olhou para um esfregaço de sangue. E que antes de entrar para a faculdade foi visitar com a mãe as duas faculdades de medicina do Porto, uma vez, que era de V.N. Gaia. Gostei desta coisa de ela assumir que é de Gaia e não fazer como todas as pessoas que são de Ermesinde, Gondomar, Maia e afins, dizem que são sempre do Porto. Entrou em Biologia no Porto e disse que detestava ecologia e acordar cedo para ver as aves e isso. Mas como vinha de uma família rígida, o que se começava era para acabar. Contou que ela mais uns amigos, naqueles anos de “vacas gordas” candidataram-se a “fundo perdido” de milhares de escudos para desenvolver umas plantas. E aquilo até ia dar certo. Até que um dia, quando passava num dos corredores do ICBAS viu um anúncio de Mestrado que lhe chamou a atenção. Foi para a entrevista, com a Maria de Sousa (pelo que tenho ouvido dizer bastante intimidadora) e a meio da entrevista mudaram para inglês, que ela não dominava. Saiu a achar que tinha corrido muito mal, que não seria aceite e nem sequer contou a ninguém. Mas afinal enganou-se, foi aceite. E para ela foram meses fantásticos, foi muito duro mas maravilhoso. Foi para Londres e o chefe de laboratório era fantástico, inteligentíssimo mas só esteve com ele de Jan de 1995 a 8 Set de 1995. Reformou-se depois disso. Teve toda a liberdade do mundo. O doutoramento foi “o prazer da descoberta”. Muda-se depois para NYC para fazer o post-doc, aí, foi “o amadurecimento e o entusiasmo extrovertido”. Voltou para Portugal, para o IGC, onde continuou a ter “completa liberdade”. Três anos mais tarde mudou-se para o IMM com muitos investigadores muito jovens, todos têm o prazer pela descoberta. Não falou do regresso a NYC... Reparei, como todos os investigadores tem um vício, o de roer as unhas.

O Nelson Lopes, o outro orador, é médico, farmacêutico e é o responsável pela divisão de ensaios clínicos na BIAL. Começou por dizer que a ideia que as pessoas têm da indústria: “uma investigação de terceira, com trabalho de segunda e ordenado de primeira”. Disse que a indústria recruta cientistas de alto calibre. A carreira dela não foi um percurso convencional para um médico. Entrou em Farmácia, que não gostou. E tal como a Maria Mota, também é de V.N. Gaia e de uma família rígida. Andava numa fase romântica com as leituras do Camilo Castelo Branco. E nessa altura teve uma conversa com um grande amigo, Dr. Jorge Ferreira, grande pneumologista português que lhe disse que ele tinha duas opções: doutoramento ou Medicina. O que ele queria era investigação, algo mais aliciante. Entrou em Medicina na Universidade de Lisboa com o objectivo de seguir investigação clínica.

O Nuno Arantes de Oliveira que eu conheci há muitos anos numa conferência de células estaminais no IST, disse nunca ter sido um aluno brilhante, ao contrários dos oradores anteriores. Apesar de ter feito Biologia, nunca se considerou biólogo, mas a mãe ainda hoje diz que ele é biólogo. Foi a uma entrevista no IGC com o Prof. Coutinho para doutoramento em Biologia e Medicina e foi aceite. Mas ainda sem saber o que queria ser. Escolheu a UCSF em San Francisco. A escolha teve a ver  com a cidade (olha outro como eu!!!)  porque laboratórios fantásticos conheceu ele pelo mundo fora. A cidade para ele era fantástica. O seu doutoramento foi feito na área do envelhecimento e a pergunta a que queria responder era “Porque é que as pessoas morrem?”. Fez um Post-doc na área de inovação. Formou a ATGC/Alfama, empresa de desenvolvimento de fármacos.

Depois ainda houve outros oradores, menos interessantes, na sua forma de cativar a plateia e de contar a sua história.

Gostei de ouvir falar o Carlos Caldas que é oncologista e tem um laboratório no Cambridge Research Institute. Nunca teve fama em Portugal. Primeiro foi para Dallas, depois para Baltimore, Londres e ficou em Cambridge, onde conseguiu a cátedra. Segundo ele “subiu à procura da excelência”. Citou várias vezes poemas, a que não me esqueci foi tirada do “Livro do desassossego” de Fernando Pessoa: “ Saber não ter ilusões” e ainda parafraseou o “Comboio descendente”:

No comboio descendente.
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não

Fernando Pessoa

Um investigador que gosta de poesia, só pode ser bom! E ainda apareceram por lá o Carlhos Fiolhais e o Mariano Gago.

Do segundo da esquerda para a direita: Nelson Lopes, Nuno Arantes Oliveira, Diana Marques, Irene Fonseca e Maria Mota 


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

1º Encontro PARSUK/ PAPS/ FIIP - Percursos em Ciência: Diversidade contra a Adversidade – Parte I

Este primeiro encontro, com lotação esgotada, em Lisboa, no Pavilhão do Conhecimento realizou-se no sábado dia 22. Estavam lá os que mandam na Ciência em Portugal: o Ministro da Educação e Ciência (Nuno Crato), a Secretária de Estado da Ciência (Leonor Parreira) e o Presidente da FCT (Miguel Seabra). Foi surpreendente ver estas pessoas, qque deveriam ter muito mais o que fazer em véspera de Natal, estar presente neste evento. Acho que não está tudo perdido! Falaram que aumentaram ligeiramente as bolsas de pós-doutoramento e diminuíram as bolsas de doutoramento. Querem saber a minha opinião? Acho muito bem.

Começar um doutoramento está a tornar-se a única saída para muitos, mas uma saída ilusória e temporária. É como aqueles candidatos a programas de música que cantam muito mal e que perante um juri percebem que nunca ninguém lhes disse o quão mal cantavam.  Isto dava pano para mangas. Mas com uma população envelhecida, com a falta de incentivos à natalidade, é de perceber que cada vez menos alunos entram nas universidades  e que o número de professores funcionários públicos não diminui, e por isso há que criar novos Mestrados e Programas Doutorais para manter  o sistema. Não sei como isso se resolve. Não tenho uma solução, mas também não acho, como muitos, que existe uma solução a muito curto prazo. As mudanças são dolorosas, envolvem lobbies, e situações estabelecidas intocáveis.

O presidente da FCT disse que o financiamento dos projectos aumentou de 70 para 90 milhões. Eu de números não percebo nada, mas como ninguém na sala contestou, eu acredito.  Ele disse também que a FCT antigamente era um multibanco e  é agora muito mais gestão. Falaram na habitual meritocracia e de um sistema de boas práticas de avaliação. Propôs uma coisa que eu já há muito pensei. E o Ministro falou para aquela sala de investigadores que era um luxo podermos fazer ciência em Portugal, porque não estávamos no 3º mundo. No Uganda não deve haver dinheiro para comer, quanto mais para ciência. Claro, e eu por mim falo, que ninguém imagina o quanto um doutoramento feito, em parte no estrangeiro, nos enriquece. A questão é que um país como o nosso, não se pode dar ao luxo de patrocinar na totalidade bolsas, ajudas de custo, propinas e afins. O mais justo seria um sistema de co-financiamento, mecenatos ou projectos. Eu, com muito desgosto meu, não fiz o doutoramento à custa da FCT, que a única coisa q me pagou no meu doutoramento foi a impressão das teses. Mas fiz o doutoramento porque alguém acreditou em mim e me deu uma bolsa equivalente à da FCT e que arranjou um acordo com um laboratório estrangeiro (que é comum no meu grupo) para o qual vamos pro bono mas as experiências são sustentadas pelo lab de acolhimento.


Da esquerda para a direita: João Íncio, Leonor Parreira. Nuno Crato, Miguel Seabra e Tiago Fleming Outeiro

O orador seguinte foi o António Coutinho, ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência. Acho que nunca o tinha ouvido falar pessoalmente. Pelo sotaque notei ali qualquer coisa do norte, achei que fosse do Porto, confirmo agora na wikipedia que é de Aveiro. Começou por dizer a piada que um colega indiano lhe dissera que o presidente e o primeiro-ministro indiano sabem calcular uma derivada. Formou-se em Medicina e o internato complementar na FMUP e queriam que fosse para a tropa, e como ele não queria foi para fora. Esteve 30 anos fora. Como ele disse, não percebia nadinha de investigação e o primeiro orientador dele disse-lhe: “You go around and talk to the people, I´m not here to teach technitians”. “You need to know what you want to do”. Segundo ele, os estudantes têm que saber fazer e convencer o orientador sobre a sua ideia. Claro que ele criticou esta nova forma de fazer doutoramento em 3 anos que é totalmente não-inovadora. Os alunos não desenvolvem a sua ideia, desenvolvem a ideia dos seus orientadores, que é a coisa pior que se pode fazer, proibir os jovens de pensar por eles próprios. O Prof. Coutinho disse que em 1972 trabalhou dia e noite e não fez nada que se visse, nada de jeito, isto no Karoliska Institute. Mas depois de resolver o problema, as coisas acabam sempre por acontecer.
Depois, mudou-se para Basileia para fazer o Post-Doc e as questões mudaram e já eram 3:
What you want to know? Then, is just to think about it all the time and to find the most acute continuation;

Uns anos mais tarde foi nomeado catedrático de Medicina- Head of Department.Não havia ninguém lá dentro.  Nunca tinha feito administração nenhuma na vida a não ser dos seus ratos. Mas afirmou que lá foram passados os melhores anos da vida dele. Arrisquem, foi o que disse.

Na sua opinião é uma excelente altura para se voltar para Portugal. O dinheiro está a diminuir mas a execução está a aumentar, as farpas lançadas. As posições da FCT são livres, por mérito.

O IGC por muitas críticas que se façam, tem n laboratórios individuais, com n PIs, tem uma média de publicação incrível em termos de Factor de Impacto, as ERC atribuídas a iniciantes são imensas. E ele diz uma coisa, claro que é mais importante e tem mais valor um Science ou um Nature ser conseguido aqui do que em qualquer outro lab do mundo. Quando falou de publicações, referiu sempre que era o factor de impacto que contava e não o número.
Fez uma crítica directa aos painéis de avaliação da FCT, que não compreendia, como é que as pessoas que estão nos conselhos científicos são as mesmas que estão a concorrer para essas mesmas grants.

E terminou a dizer “Deus nos livre ou o Menino Jesus de pormos a nacionalidade à frente da qualidade científica”. E eu termino a dizer que quem me dera que o CV dos estrangeiros fosse avaliado como o nosso e não pelo facto de ser estrangeiro já ser bom! Mas eu sei do que é que ele está a falar, daquelas “cabeças” estrangeiras que estão no IGC e que o seu CV fala por eles.
António Coutinho

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