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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Democracia em vertigem


Vi, finalmente, o documentário “Democracia em vertigem” da Petra Costa. Sem saber, vi muitas vezes, repetidamente, aquela menina tímida, tão nova, a perguntar a Caetano Veloso o significado da canção “Cajuína” que conta o episódio do encontro de Caetano Veloso com o pai de Torquato Neto, em Teresina. A letra que começa com aquela questão existencial “Existirmos, a que será que se destina?”.


E agora, descubro que aquela menina da pergunta é a cinesasta Petra Costa. O documentário que estreou no Festival de Sundance e foi tão elogiado pelo The New York Times é de uma sensibilidade e está tão bem feito que é uma roleta russa de emoções. A revolta, a surpresa, vergonha e incompreensão quando se vê as manisfestações violentas contra Dilma e Lula, quando se assiste aquela palhaçada que foi a votação no Senado do impeachment de Dilma Rousseff e que eu vivi para ver em directo na televisão. E a preocupação de quem vê uma país à beira do precipício: “O que vão pensar de nós”? E a profunda emoção despoltada quando Dilma Rousseff chora no discurso no dia do impeachment. E a serenidade de quem nada teme: “Hoje só temo pela morte da democracia”. Esta mulher guerreira, que não chorou quando foi torturada e que assiste, como todos nós, sem nada que a democacia possa fazer, à derrocada de um Brasil que não existe mais. O Brasil de Lula da Silva que eu aprendi a respeitar porque foi um  Brasil pensado, um Brasil sonhado. Um sonho que se cumpriu. Um país da América Latina onde foi possível ver pessoas que foram ajudadas pelo “Bolsa Família e “Minha Casa minha Gente”. Poder ver os seus filhos estudar, entrar nas universidades, estabelecer uma classe média, onde os ricos ficaram incomodados por ver tanta gente andar de avião, viajar, adquirir poder de compra, conseguir direitos trabalhistas. Uma sociedade com mais igualdade que ameaçou a hegemonia dos ricos. Este país menos desigual não interessava aos privilegiados. Mas como Lula disse antes de ser detido: “Ninguém pode prender um ideal”. Esse viverá com toda a gente que acreditou e acredita porque ninguém poderá prender toda a gente. Como disse Obama: “This is the man”. O político trabalhador metalúrgico, que nunca desistiu, que perdeu muito para poder ganhar, filho de uma mãe analfabeta do nordeste que chegou ao cargo mais alto do Brasil. Ficará para a história por bons motivos e será sempre lembrado. Eu que não gostava de Lula da Silva, com toda esta perseguição política de anos, aprendi a respeitá-lo. E convenhamos, alguém como o Lula que ganhava milhares de euros por palestra, que é uma vedeta na política mundial, ser subornado por uma casa no meio do fim do mundo ou um apartamento numa praia suburbana? Sabemos, agora, que tudo não passou de um plano muito bem feito. E sim, mais vale tarde do que nunca, eu digo #lulalivre. No dia da votação do impeachment de Dilma Rouseff, o então deputado Jean Willys, hoje exilado político disse tudo em pouco menos de um minuto: “Eu me sinto constrangido por participar nesta farsa, conduzidapor um ladrão, urdida por um traidor conspirador e apoiada por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos. Em nome da população LGBT, do povo negro exterminado nas periferias, dos trabalhadores da cultura, dos sem tectos, dos sem terra, eu digo não ao golpe. Durmam com essa, canalhas”.




segunda-feira, 29 de julho de 2013

José e Pilar

Há muitos anos, antes de Saramago receber o Nobel, fui assistir a uma conversa dele. Já era um escritor consagrado mas eu não conhecia muito bem a obra dele. Lembro-me que nesse dia a minha opinião sobre ele mudou totalmente. Eu que achava Saramago austero, antipático, parco em palavras e até um pouco bruto, naquele dia, surpreendeu-me. Um homem delicado, atencioso, apesar das imensas filas. Nesse dia, se tinha muitas dúvidas sobre o comunismo, terminaram todas ali. Saramago, comunista convicto, usava uma gravata Pierre Cardin. Afinal, até os comunistas são capitalistas!

Muitos anos depois fui ao cinema ver “José e Pilar”. E se há retrato tão fiel de Saramago é esse. Eu que privei com Saramago meia dúzia de minutos e que ele atendera a todos os pedidos que eu lhe fizera, reconheci-o totalmente no documentário do Miguel Gonçalves Mendes. Um homem que surpreende quem não o conhece: bem-humorado, meigo, de sorriso fácil. Quem não viu o filme, é melhor não ler este texto, porque todos os “segredos” serão desvendados. Mas eu, não me canso de o ver!

Este texto esperou 3 anos para acabar de ser escrito. Nunca o achei suficientemente bom, e hoje, não é excepção. Mas acho que chegou a hora, não pode esperar mais.
O documentário começa com José e Pilar abraçados, tendo como cenário, as montanhas escuras de Lanzarote... “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer... morreria muito mais velho do que quando chegar a minha hora...”. Esta declaração de amor não é linda?  Este documentário centra-se sobretudo na história de amor de José e Pilar. O dia-a-dia comum entre dois egos e personalidades extremamente fortes. O cânone e a pessoa que organiza toda a sua vida. As dedicatórias de todos os livros após ter conhecido Pilar mostram que Saramago não seria o mesmo se ela não tivesse aparecido na sua vida: “A Pilar, que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”; “A Pilar, que não deixou que eu morresse”; “A Pilar, até ao último instante”; “A Pilar, minha casa”; “A Pilar, os dias todos”; “A Pilar, o meu Pilar” e somente “A Pilar”. Vê-se, repetidamente, cenas de carinho entre os dois, mãos dadas, abraços, ou simplesmente, a verem televisão juntos. Saramago diz também que se não tivesse conhecido Pilar tinha morrido muito mais velho.

A narrativa deste documentário segue a escrita do livro “A viagem do elefante”. Este livro, que eu comprei pouco depois de ter visto o filme no cinema, e que li em NY. Deixei-o algures numa mesa em NY. Isto sou eu: esquecer-me de tudo em todo o lado! “A viagem do elefante” (que eu chamava “A viagem do Salomãozinho”) conta a jornada verdadeira do elefante Salomão (oferecido pelo Rei D. João III ao arquiduque Maximiliano da Áustria) desde Lisboa até Viena. Este livro é uma metáfora da inutilidade da vida. Que triste fim, o de Salomão. Aquelas patas que tinham andado tanto e acabam a servir de bengaleiro. A epígrafe deste livro é linda: “Sempre chegamos ao sítio onde nos esperam”.

Vê-se a casa de Saramago em Lanzarote que tem escrito “A casa” em azulejos. Como é que Saramago escrevia? Num escritório com muita luz, com grandes janelas, mesa grande, rodeado de livros, sentado à frente de um computador, a ouvir música clássica.... Num dos momentos mais bem humorados, há uma cena em que Saramago parece estar a escrever e o que se vê depois? Saramago a jogar “Paciência”, segundo ele, para evitar o Alzheimer!!!
Mais à frente vê-se 3 jovens italianos, nervosíssimos à espera de entrevistar o seu ídolo na biblioteca em Lanzarote. Estas imagens fazem lembrar-me da descrição de Susan Sontag quando, finalmente, conheceu o seu ídolo Thomas Mann. Os jovens treinam para impressionar Saramago mas a simplicidade e simpatia deste, desarma-os.

As viagens de Saramago assemelham-se a de uma digressão de uma estrela pop. Saramago, apesar da avançada idade, não o aparenta. Fusos horários, viagens, aviões, táxis, carros, esperas de aeroportos, autocarros, ruas do mundo, hotéis, filas intermináveis de pessoas para autógrafos, conferências, leituras, apresentações, horas e horas. Tanta coisa que só de escrever cansa! Mas que Pilar insiste que para cansaço já chega os jovens que estão cansados, que andam o dia todo cansados e que já nascem cansados. Que “para descansar existe a eternidade, que é um tempo que nem nos passa pela cabeça”. E pergunta: se queriam que Saramago se sente com um cobertor a tapar as pernas e ela que fique em casa a limpar as pratas? Adoro quando Pilar diz que recusa-se a estar deprimida, ou triste, ou sem esperança: “tomamos comprimidos e vamos trabalhar, ponto! Sou a favor dos fármacos!Uma vida inteira a sofre com dores, quando agora temos fármacos?! O que faz mal é passarmos mal!”. Quando lhe perguntam numa das sessões de autógrafos se quer parar para descansar, responde: “O que ganho se parar?” Outra das cenas engraçadas é assistir ao “cochilo” de Saramago e Garcia Marquez numa apresentação no México.

No decorrer do documentário vê-se um Saramago muito doente, extremamente debilitado e magro. E o apoio incansável de Pilar e da âncora da sua família. Na homenagem de Saramago na Azinhaga, terra onde nasceu, é uma das situações em que se vê um Saramago comovido: “Se vocês não fossem tantos eu já estava a chorar. Mas vocês são tantos que eu nem chorar posso!”. A outra situação em que Saramago chora mesmo é na projecção privada de “Blindness”, onde agradece a Fernando Meirelles: “Ganhamos o dia!”.

Mas o momento em que me lembro de chorar de rir, da primeira vez no cinema, foi quando um brasileiro que estava numa fila para falar com Saramago, de tanto preparar-se, fala assim: “Saramago, me desenha um hipopótamo!” ahahahahahahah


Quando se perguntava a Saramago o que queria mais: “Tempo. Vida!”. O que pretendia Saramago com a fundação? Continuar-se!


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