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terça-feira, 21 de março de 2017

When breath becomes air by Paul Kalanithi

Nos últimos tempos, várias pessoas têm-me questionado sobre o meu (suposto) conhecimento literário. Essas pessoas, muito mais das letras, ficam sempre muito surpreendidas com a minha cultura literária e com a quantidade de coisas que já li e leio. Cada vez (mais) acho que os estudos e os graus das pessoas dizem cada vez (menos) sobre elas. As pessoas mais interessantes que conheci e conheço não se distinguem pelos graus académicos. E muito menos lhes dão a importância que os outros (acham que) têm. O que me desperta nelas é o interesse por qualquer coisa específica e, às vezes na generalidade, a vida. Afinal o que é ser interessante? O que é ser inteligente? E a importância que isso tem para a vida de cada um de nós? Mas essas são questões que não vou falar neste texto. 

Hoje vou escrever sobre duas pessoas da minha área de conhecimento. Pessoas  que dedicaram a sua vida à medicina e ciência. E com os quais eu aprendi tanto. Um deles é Siddhartha Mukerjee cientista, médico oncologista, professor, escritor sem ordem alfabética e/ou importância. Ganhou um prémio Pulitzer com o livro que é uma biografia magnífica sobre cancro The emperor of all maladies. E o último livro é, o não menos interessante, Gene. É casado com a grande artista plástica Sarah Sze e considerados o casal (mais) brilhante de NY pela Vogue. Para além disso, é giro e inteligente. Como quase todas as grandes figuras, é tímido. Quando eu estava em NY fui a todos os eventos, conferências, conversas só para o ouvir falar. E vi-o (algumas vezes) à espera do metro na 168 e a sair do metro na W4. Só olhar, discretamente para ele, sem que ele se apercebesse era uma maravilha. Um dia num cocktail, com a coragem dada pelo álcool pedi-lhe entre um copo de vinho, que me assinasse a versão inglesa do livro. Um meses mais tarde, numa conferência sobre cancro, na qual só chegou em cima da hora e saiu mal acabou a sua apresentação, corri para que me assinasse a versão portuguesa. Estas coisas são como os novelos, pega-se na ponta e vamos desenrolando até conhecer (mais, muito mais) mundo. Através dele conheci Primo Levi, do qual comprei e li toda a sua obra. E por causa dele conheci a Emily Dickinson, essa grande poeta que nasceu numa vila recôndita de Nova Inglaterra, da qual nunca saiu, não tinha mundo e daquele cérebro saíram aqueles poemas dos quais os olhos tinham visto tão pouco. Se é verdade que muitos dizem que escrever é autobiográfico, a obra de Dickinson mostra exactamente o contrário. Mukerjee deu-me a conhecer outro grande médico, escritor: Abraham Verghese, autor do livro My own country. Nascido na Etiópia, filho de pais indianos, formou-se em Medicina na India e fez a especialidade numa das cidades da America profunda no estado do Tennessee. Trabalhou dois anos em Boston onde o vírus HIV começava a ser conhecido e a vitimar muita gente, no início dos anos 80. E depois, quando foi regressou a Johnson City viu uma outra realidade de pessoas pouco instruídas e rurais infectadas com HIV. É desta experiência que ele fala no livro que lhe deu popularidade.

A segunda pessoa que quero falar é de Paul Kalanithi. Este, não conheci pessoalmente. Li uma das suas crónicas How long have I got left?, no The New York Times, na qual assumia a sua condição de doente terminal. Tal como Siddhartha, era médico (a terminar a sua especialidade em Neurocirurgia em Stanford). Tinha um Mestrado em  Literatura Inglesa, era culto, competente, genial, tinha um profundo amor à escrita e era um ávido leitor, tinha um futuro promissor, e falou sobre tudo isso e muito mais, na sua autobiografia de fim de vida que não chegou a terminar. O prefácio foi escrito por Abraham Verghese.

O primeiro capítulo começa com versos de T.S. Eliot e com a descrição da sua confrontação com a imagem da tomografia que mostrava “inúmeros tumores, a coluna vertebral deformada, o fígado completamente obliterado. Cancro amplamente disseminado”. Neste livro descreve a sensação de se ter  tornado doente e a sua vulnerabilidade. Das diferenças abissais entre ser um médico cheio de confiança e um paciente resignado.Os sinais premonitórios do cancro. O cansaço que o derrotava . As dores intoleráveis. O futuro brilhante com que sempre sonhou, que teria como neurocirurgião, evaporou-se num sopro. O marido e o pai presente em que prometeu tornar-se, e cumpriu, mesmo que por tão pouco tempo e em condições tão adversas. Do sonho que sempre teve de ser escritor. Da infância no Arizona. Das ausências do pai médico. De ter lido 1984 de George Orwell. O seu amor pela linguagem. Antes de entrar na universidade já tinha lido Edgar Allan Poe, Gogol, Dickens, Twain, Austen, Sartre, Shakespeare, entre outros. Para um americano criado no interior da América e médico, convenhamos que é invulgar. Durante a adolescência considerou os livros como confidentes, que lhe deram a mais vasta visão do mundo e que lhe abriram horizontes. Anos mais tarde tirou Literatura Inglesa e  Biologia Humana. Queria encontrar a resposta para a pergunta:  O que dá significado à vida? Por esta altura refere T.S. Eliot, Nobokov e Conrad como grandes referências. Quando fez o Mestrado em Literatura Inglesa em Standford, referiu a sorte que teve em estudar com Richard Rorty, o mais importante filósofo à época. A tese de Mestrado foi sobre Walt Whitman. Passou uma temporada em Cambridge, UK estudar História da Medicina, antes de entrar em Medicina em Yale. Foi aluno de Shep Nuland, um reconhecido e reputadíssimo cirurgião-filósofo, autor do livro sobre mortalidade How we die.  

Descreveu em pormenor o primeiro nascimento que foi também primeira morte a que presenciou. Ensinou-me o que é uma cirurgia Whipple (duodenopancreatectomia) uma operação complexa que consiste na remoção da cabeça do pâncreas, uma vez que o pâncreas se encontra na parte anterior e “coberto” por varias estruturas, envolvendo rearranjo da maioria dos orgãos presentes na cavidade abdominal.

Aprendemos tanto com este livro. Sobretudo sobre vulnerabilidade e humanidade, como andam de mãos juntas. Os médicos vêem as pessoas na sua forma mais vulnerável, assustados e o que há de mais privado neles. Depois, o seu talento para a escrita e as suas referências literárias fazem lembrar-me da grande obra de Tolstoi, Ivan Ilitch, com as devidas diferenças. Tal como em Portugal, nos Estados Unidos, os médicos tendem a escolher as especialidades menos exigentes (Ex. radiologia e dermatologia). No fim do curso de Medicina tendem a focar-se em especialidades que proporcionem uma melhor qualidade de vida, aquelas com menos horas de dedicação, melhores salários e menor pressão. Como 99% das pessoas escolhem o seu trabalho: quanto ganham, ambiente de trabalho e horas de trabalho. Neurocirurgia, como há uns anos o Prof. João Lobo Antunes discutiu em alguns dos seus ensaios sobre a mão, a perfeição do toque, a leveza da mão cirúrgica. Aqui Paul compara-a quase à perfeição. A exigência desta especialidade da Medicina que exige tanta técnica. A necessidade imperativa do treino da mente, das mãos e dos olhos. Da necessidade não só de serem os melhores cirurgiões mas os melhores médicos do hospital. As capacidades cirúrgicas são avaliadas pela técnica e pela velocidade: “Aprende a ser rápido agora. Mais tarde aprenderás a ser bom”. No bloco operatório todos os olhos estão sempre no relógio. Se o tédio é, como argumentou Heidegger, a consciência do tempo a passar, então a cirurgia é o oposto. Do conselho de comerem com a mão esquerda e de terem que aprender a ser ambidestros. Aprendemos pequenas coisas como as funções básicas que o hipotálamo regula: dormir, fome, sede, sexo. A loucura de trabalhar 100 horas por semana durante a especialidade. Viu muito sofrimento. O almoço típico dele, como vi muitas vezes do Presbyterian em NY ou no Methodist em Houston: Diet coke e um gelado. Escreveu sobre o receio que teve de se tornar o estereótipo médico de Tolstoi: apenas preocupado com a forma de tratamento da doença e desleixando a importância da parte humana. A excelência técnica não é tudo. Como neurocirurgião, o seu ideal não era apenas salvar vidas – porque todos acabamos por morrer – mas guiar os doentes e famílias a perceberem a doença e a morte. Todas as grandes doenças transformam os doentes. Deve tentar-se ser preciso, directo e certeiro mas deixar alguma margem para a esperança. Cita Heidegger “a consciência do tempo a passar”. Ensina-nos que a arte de falhar em neurocirurgia define-se por um ou dois milímetros: a ténue diferença entre triunfo e tragédia. A existência de áreas no cérebro que são quase sagradas ou invioláveis. Cita Montaigne: Se eu fosse um escritor iria compilar descrições de várias mortes de homens: deveria ensinar como morrer ao mesmo tempo que ensinaria a viver”. Descreveu ao pormenor as conversas com a médica oncologista, de como não voltaria ao hospital como médico. De como planeou tanto e esteve tão perto de conseguir. De como a oncologista se recusou a discutir com ele as curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier. [A curva de Kaplan-Meier é um método estatístico standard que mede a sobrevivência dos pacientes em função do tempo. É a métrica que permite saber o progresso e que podemos perceber a gravidade da doença. Por exemplo,  no caso do glioblastoma a curva desce vertiginosamente até que apenas aproximadamente 5% dos pacientes estão vivos em dois anos].  De como no início da confirmação de diagnóstico quis saber onde se encontravam os melhores oncologistas de cancro do pulmão, das possibilidades do MD Anderson Cancer Center – Houston e o Memorial Sloan Katering Cancer Center – NYC. Seis dias antes do diagnóstico tinha passado 36 horas no bloco. Como tudo muda num instante. Tornou-se um inválido. Os passos seguintes foram prepará-lo, e tudo à sua volta, para a mudança abrupta de condição: de médico para doente. Com o passar dos dias, com a repetição de exames, com a teraputica, até mesmo os médicos, tão profundamente cientes da gravidade da sua condição, permitem-se ter (alguma) esperança. Discute que a palavra hope  combina ao mesmo tempo confiança e desejo. Somente 0.0012 % de pessoas com 36 anos têm cancro de pulmão. Paul tinha planeado uma vida de 40 anos entre ser médico e escritor. Os primeiros 20 como neurocirurgião e os últimos 20 como escritor. Como tudo se precipitou por causa do cancro terminal ele queria saber quanto tempo mais lhe restava para tomar decisões relativamente à sua carreira: “Se tivesse 2 anos de vida, escreveria. Se tivesse 10, voltaria à cirurgia”. Mas vida e morte não são uma ciência exacta. Cita Darwin e Nietzsche. Houve uma melhora após 6 semanas de tratamento com Tarceva. O cancro estabilizou. Voltou a ler literatura: Tolstoi, Kafka, Montaigne, memórias de doentes com cancro, tudo o que tivesse relacionado com mortalidade: “Foi a literatura que me trouxe de volta à vida durante esse tempo”. Cita Hemingway, Beckett. Ainda voltou ao trabalho. Faria uma cirurgia por dia, não acompanharia os doentes fora do bloco e não estaria on call. Ouvia bossa nova Getz/ Gilberto. O primeiro caso foi uma lobectomia temporal, uma das suas cirurgias predilectas. Passou a noite anterior a rever livros de texto de cirurgia e anatomia e todos os passos dessa cirurgia. Descreve com uma beleza única como decorreu o procedimento. Como Lobo Antunes referia repete a “forma mais elegante” de proceder. Para se aguentar tomava antieméticos, Tylenol e anti-inflamatórios não esteróides. “A morte pode ser um evento mas viver com uma doença terminal é um processo... Se soubesse que me restavam 3 meses passava-os com a família. Se fosse 1 ano escreveria um livro. Se me dessem 10 anos, voltaria e trataria doenças. Mas a verdade é que viver um dia de cada vez não ajuda”. Tinham passado 9 meses e operava até tarde ou até de amanhã. Chegava a casa tão cansado que nem conseguia comer. Decidiram ter um filho. Engravidaram por fertilização in vitro.

Repetiu a tomografia 7 meses depois de voltar a operar. Seria a última antes de terminar a especialidade. Antes de ser pai e de o futuro se tornar real. Apareceu um novo tumor, grande. Foi o seu último de no hospital como médico. Começou a quimioterapia. E com ela vieram os efeitos secundários: fadiga, fastio, vómitos, diarreia. Ler era impossível. Obrigava-se a comer. Foi internado para ser hidratado por via intravenosa. As metástases ósseas causavam-lhe muitas dores. Quase morreu quando a filha tinha 38 semanas. Esteve nos cuidados intensivos uma semana. Perdera 20 kgs desde que fora diagnosticado, 7 deles nessa semana horribilis. Cita Graham Green. A filha nasceu. Tinha o desejo de viver tempo suficiente para que a filha se lembrasse dele. O seu desejo não foi cumprido.

Morreu 22 meses depois de ter sido diagnosticado com um cancro de pulmão metastizado no estadio IV, aos 37 anos. Não terminou o livro. Não teve tempo nem vida para o terminar. Chorei como uma Maria Madalena. Então no epílogo escrito pela mulher Lucy, desfiz-me. Morreu no hospital 8 meses depois do nascimento da filha rodeado da família.


sábado, 25 de fevereiro de 2017

O imiscível

No labiríntico hotel, tentando pela primeira vez não me perder, vou à recepção avisar que deixei a minha mala no quarto. Agora que escrevo é que me dou conta que escusava de ter feito isso in persona. Perderia menos tempo e seria mais eficiente, se telefonasse. Recado dado, nada feito. Tenho que voltar ao quarto para buscar a mochila porque tenho que fazer check out e entregar a chave. Volto para os corredores labirínticos. Mal saio, tenho que parar porque estão duas pessoas a impedir-me a passagem. Um é o senhor que carrega as malas e a outra é ela. Felizmente, estão de costas e como o chão é alcatifado, não dão por mim e eu espero, pacientemente, para retomar o meu passo. Reconhecia-a imediatamente, mesmo de costas. Talvez pelo cabelo muito curto. Aqui, hoje, não é (mais) uma diva. É uma pessoa normal. E como as pessoas normais, está vestida como as pessoas normais a esta hora do dia. Um blazer preto, uma camisa aos quadrados de flanela, jeans apertados e sapatos oxford camel. A única coisa que é (mais) diferente nela é a brancura. Como ela é extremamente branca. Mais branca do que pareceu ser em todas as outras vezes. Talvez pela proximidade. De um branco que reluz. Na mão tem um pequeno saco de compras da Gulbenkian com o que parecem ser um ou dois livros. Ela caminha pelo corredor enorme, vira à esquerda e eu sigo, perdida mas à espera de acertar, em frente, para o meu quarto. Pontualíssima para o evento que começa daí a 15 minutos.Como um dia escreveu Anabela Mota Ribeiro:  "não é uma brasileira do samba, de pele morena, de jeito dengoso. É uma mulher que conjuga o verbo flanar com frequência. Que regressa a casa com as malas cheias de livros. E que gosta de dançar no Lux e de ouvir fado em Alfama. Imensamente requintada, sofisticada. Delicada". Subscrevo na totalidade.

As minhas questões, que não me abandonavam: Quem se lembrou de juntar estas duas pessoas? E a segunda, por consequência era: Como é que ela aceitou o convite? Nunca fui politicamente correcta, para o bem e para o mal.

Se a moderação, os convidados da mesma mesa, e/ou o público não forem adequados, acaba por ser decepcionante. E eu que tinha (quase) a certeza que seria, tive que fazer a prova dos nove. Pagar para ver. Então, juntar uma cantora consagrada, que a maioria conhece (apenas) de cantar mas desconhece as suas outras artes como escrever, compor, desenhar, compilar e o excelso domínio da língua portuguesa.  Um moderador que é praticamente desconhecido, que eu desconfio que ninguém naquela sala conhecia, à excepção do anfitrião (e algumas pessoas que se podiam contar pelos dedos de uma mão). E finalmente,  “o gajo que escreve cenas”, como o próprio se descreve e parece gostar. Quem se define assim já não pode ser alguém cuja qualidade literária é algo muito aprofundado. Ela tira um livro, um ipad, iphone, talvez um caderno e um lápis. Os outros nada. Eu sei que deve haver algum lugar para o improviso. Mas nada? Ela lê talvez dois poemas de amor do Fernando Pessoa.

“O gajo das cenas” é só piadas. Cita uma carta de amor, eleita a melhor de todos os tempos, pelos americanos. O americano comum não é nenhum sinónimo de qualidade. Com um humor tão fácil e tão popular. Tem a mania que é engraçado. Um cita Machado de Assis e outro cita Johnny Cash. Se, pelo menos, citasse Leonard Cohen ou Dylan. A necessidade de fazer rir toda a gente (mesmo que não tenha piada nenhuma, para mim), um palhaço (no mau sentido da palavra). E toda a gente se ri. Serei apenas eu que não tenho vontade de me rir? Será que não tenho sentido de humor? Sou eu apenas que já não me consigo rir do que não é sofisticado? Vende, dizem-me, um número inacreditável de livros por semana. Um best seller, portanto. Mas seja lá o que isso for. Neste país não é preciso grande coisa para se ser best seller. Não me interessa escritores nem livros cujas citações que fazem são de Johnny Cash e das músicas dos Clã e das escritas de Carlos Tê. Percebi hoje, finalmente, o sucesso deste pseudo escritor. Pelo menos tem a noção que é ridículo. "Gosto de ti como de arroz". Usa exemplos de de futebol. Que vergonha, para mim, juntar estas pessoas à mesma mesa. Com tanto de tão bom em Portugal. Mas sala está cheia para o ver. Essa é a verdade. A plateia está cheia de gente muito produzida para esta hora da manhã e para este dia da semana. Dirão que 97% são mulheres e 3% são homens. 

Ela tenta em vão elevar o nível de discussão. Cita um verso de uma música sua, cuja letra foi escrita pelo António Cicero:"Faço longas cartas para ninguém". Nos tempos mortos, em que ouviu mais do que falou, rabiscou e citou Oswald de Andrade: "Amor/ Humor". Termina a dizer que a sua representação do amor é a palavra "revolução". Os exemplos de cartas de amor que citou: as cartas que enviava para a avó quando chegou ao RJ, as cartas que alguém na Central do Brasil quando não se sabe escrever.

Uma das coisas mais bonitas que ouvi, e a melhor intervenção, foi a história de uma senhora que contou a história da avó que era analfabeta e que aprendeu a escrever, já depois dos 40, para escrever cartas de amor para o avô.

O que me chocou foi o politicamente correcto do Luís Osório, que supostamente pertence à elite, e que o elogiou dizendo que gostou muito de o ouvir. Pois eu não. Lamento. E não tem nada que ver com muita gente ler os livros dele e da maioria dos livros dele serem lidos maioritariamente por mulheres. Tem que ver com cuidado, com profundidade, com a forma com que se aborda a temática. Aquilo que se chama estilo. Uma forma de escrever. Eu quando leio estou à espera de aprender, de melhorar, de me surpreender, de admirar. Não quero ler e achar que eu poderia ou saberia fazer melhor. Não me interessa uma literatura acessível, mediana, sem aprofundamento de nada, com um monte de futilidades e banalidades.  Estou farta desta conversa de cosmética e circunstância, do desejo e necessidade que se tem, permanentemente, de se evitar confrontos. 

Nada tenho contra o pseudo escritor, que eu acharia melhor definir como pessoa que escreve, não sei se livros. Simpatizei com a pessoa. Não o achei pretensioso ou à espera de ser mais do que aquilo que é. Achei-o genuíno e sincero. Sem pretensões.

Agora juntar estas duas pessoas foi um erro, desculpem.

Não parece mais tão tímida como diz ser ou como dizem que é. Tira constantemente os óculos para as fotografias. Ninguém lhe pede nada para assinar. Somente fotos. Ela é toda sorrisos e palavras delicadas. Mesmo cheia de pressa, não diz que não a ninguém. Promete encontro (por aí) de tarde. 

Copyright: Isabel Worm

Copyright: Isabel Worm

Copyright: Isabel Worm

Copyright: Isabel Worm

Copyright: Pierre Aderne




segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O ego(centrismo)

Ego em demasia deve ser dos piores defeitos que se pode ter. Tal como, paciência, é uma das melhores virtudes que se deve ter. Os egocêntricos não sabem que o são, na sua maioria. E tendem a achar que até são modestos. Mas, o auto-elogio fica mal. É feio. É saloio. Há coisa (muito) melhor do que ser elogiado pelos outros? Os egocêntricos são muito vaidosos, superiormente vaidosos. No fundo, são uns deslumbrados. Nunca pedem desculpa porque nunca erram. Ou se erram, não admitem. São incapazes de admitir erros, a coisa mais humana de todas. Pessoas que se acham. Homens que até são bonitos mas na sua crença acham-se a última coca-cola do deserto. Pessoas que são banais mas acham-se Deus. Pessoas medianas mas que acham que são o Einstein. Pessoas que até lêem mas... Pedro Chagas Freitas e Margarida Rebelo Pinto. Pessoas que acham que a literatura brasileira é Paulo Coelho. Pessoas que não conhecem Clarice Lispector, nem Annie Leibovitz. Pessoas que se acham mas não sabem quem foi João XXI nem que António Gedeão era um pseudónimo. Que não sabem que Torga era médico nem que José Afonso morreu de esclerose lateral amiotrófica. Cientistas que não sabem as razões pelas quais Marie Curie recebeu os prémios Nobel de Química e Física. Nem que a angiografia não foi o motivo de Egas Moniz ser galardoado com o Nobel de Medicina. Como dizia Abel Salazar: “um médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. Cientistas que nunca leram a biografia de Henrietta Lacks, nem a origem do nome HeLa, com as quais trabalham todos os dias. Psiquiatras que não sabem que quem descobriu o lítio foi um português. Doutorados que não sabem escrever, sem dar erros, na sua língua nativa. Com o passar dos anos fico boquiaberta com a quantidade de exponencial de pessoas desinteressantes que conheço. Nunca conheci tanta gente limitada cultural e intelectualmente. O Cruzeiro Seixas, um grande artista plástico surrealista, de 95 anos, vivo, dizia estes dias que tinha ido a um jantar “em que estavam pessoas muito simpáticas, imensa gente, a comida era muito boa, tudo muito bom, e não havia ninguém que falasse de um livro, de um quadro, do futuro a um nível superior. As pessoas contam as suas histórias pequeninas, do dia-a-dia, e nisso se completam, não tem mais ânsia do que essa”. Gente com quem não é possível conversar sobre nada. Gente que não se sabe rir de si própria. Gente sem humor. E quando não é possível rir, o que resta? Respirar? 

Claro que existe o outro lado.  Tendemos, nesta sociedade de parecer mais do que ser, a sobrevalorizar em demasia a inteligência (desculpem-me o pleonasmo). Existem tantas pessoas (superiormente) inteligentes mas profundamente estúpidas e incapazes de compreender coisas tão (insignificantemente) elementares, com uma falta de talento inato para as emoções, para a vida, para a bondade, entre outras.

Como acredito no humor (quase acima) de todas as coisas e tento a cada dia, mais e mais não levar-me a sério, fica a reflexão. Cada um de nós, mais ou menos importantes, com mais ou menos pessoas dependentes no mundo, somos uma peça da engrenagem, não a máquina. Não somos autosuficientes nem podemos viver isolados. Se não houver os outros, nós não existimos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O meu problema com Bob Dylan

O meu problema com o Bob Dylan é quase o mesmo que os outros galardoados com o Nobel da Literatura. Não o conheço (bem). Sei que é um grande (e conhecido cantor, para muitos) e um grande compositor. Não sei apreciar a sua qualidade musical. Mas sei dizer que detesto a voz fanhosa e aguda dele com aquele sotaque do sul (Minnesota). Aquele ar superior, de estar a “cagar-se para o mundo”, enerva-me. E achei espectacular o facto de ele não ter falado (ainda) com a Academia Sueca. Ele não rejeitou o galardão. Pura e simplesmente ignorou-o, que é muito pior. A justificação da Academia Sueca para atribuir o Nobel da Literaura a Bob Dylan baseou-se no facto de ele “ter criado um novo modo de expressão poética na grande tradição da música americana”.

A minha questão é mais: Não havia quem mais merecesse nessa categoria. A tradição de premiarem poetas é quase inexistente. Se a ideia foi premiar “escritores de letras de músicas” acho muito bem. Não distingo poetas de “escritores de letras de músicas”. Retiremos a melodia desses poemas e veremos que o poema resisterá sem música e será igualmente grande. Mas nessa categoria podemos questionar-nos: Vinícius de Moraes não mereceria muito mais? Um grande poeta que escreveu músicas extraodinárias. Um menino que sonhava ser poeta. Nunca sonhou ser outra coisa. Foi um dos grandes percursores de um revolucionário estilo musical: a bossa nova. Ok, mas está morto e a Academia não premeia mortos. O mesmo poder-se-á dizer sobre David Bowie. Mas, e sobre Leonard Cohen ou Patti Smith? Esta pergunta não tem resposta certa. Gosto, apenas, da pergunta. Serve, apenas, para pensar.

A coisa mais improvável que me aconteceu em relação ao Bob Dylan foi que conheci primeiro quem era Dylan Thomas antes do Bob Dylan... E eu gosto tanto do Dylan Thomas que até já fui a todos os loscais e ruas que ele frequentou em NY. As únicas duas músicas que coheço de Bob Dylan são. “Knocking on heaven’s door” e “Mr tamborine man”. A primeira um hit da minha geração popularizada pelos Guns N’ Roses.

Depois, outra coisa, o mercado livreiro está de tão boa saúde que atribuir o prémio de literatura a alguém que vive da música, parece-me injusto. Mas provavelmente eu não consigo esboçar uma opinião neutra porque não gosto, especialmente, do Bob Dylan. Alguém que nem o próprio nome assina...o tal “bardo romântico judeu do Minnesota”, como escreveu Caetano Veloso.


Senhores, desculpem-me, mas eu nunca fui de concordar com a maioria. Esta é a minha opinião. Não pretendo convencer ninguém.

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