sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O que é mais importante: a pergunta ou a resposta?

Há muitos anos perguntava à Adriana Calcanhotto o seguinte (antes de saber que o Vínícius de Moraes era sogro dela: 

- Apesar das sucessivas comparações que tens sido sujeita, principalmente com Elis Regina, eu diria que a tua trajectória como excelente compositora assemelha-se muito mais a Vinícius de Moraes pela erudição do vocabulário, pela forma extraordinária que escreve poesia em língua portuguesa  e pelo veículo das palavras ser a música. Será que daqui a alguns anos serás definida como uma grande poetisa que fez canções maravilhosas? Era assim que gostarias de ser definida?

- Ana, eu detesto comparações (como qualquer artista) mas considero um elogio a analogia que fazes com Vinícius, a quem amo muito. Na verdade eu gostaria mesmo era de ser indefinível, inclassificável, hoje ou daqui a alguns anos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Auto-retrato

Tenho dificuldade em dizer não. Tenho péssima memória para nomes. Eu quase não gosto de música. Compro discos pela capa. Guardo tudo. Adoro ajudar os meus amigos se algo estiver ao meu alcance. Tenho uma natureza franca e directa. Tenho sólidas convicções. Detesto mentiras. Detesto maldade. Tento ser pontual. Detesto acordar cedo. Adoro viver de noite. Adoro ler. Gasto pequenas fortunas em livros. "Os livros e os óculos são o meu emblema". Detesto gente sem humor. Tenho trabalhado muito para exercitar a minha paciência. Dou muitas esmolas. Refilo muito. Detesto ingratidão. Não sei lidar com injustiças. Gosto muito de ouvir. Mas aborreço-me rapidamente com discursos vazios. Sei pedir e peço muitas vezes desculpas. Não guardo mágoas. Sou difícil. Não gosto de dançar. Apesar disso, adoro ballet e Balanchine. Adoro Mondrian, Warhol e Calder. Adoro passar roupa. Preciso ficar sozinha. Gosto do Benfica. Sei jogar cartas muito bem. Fui a Barcelona propositadamente para conhecer a Fundació Tàpies. Adoro leite com café. Adoro calor e dias de sol. Adoro viajar. Adorei Xangai. Gosto das minha mãos. Conheço e reconheço as pessoas pelas mãos. Nunca soube o que fazer com as mãos na presença de pessoas que não conheço. Sou tímida, mas não tão “bicho do mato” como há anos atrás. Mantenho uma fachada distante como medida de protecção. Não vivo sem internet. Adoro coca-cola. Detesto conduzir. Detesto surpresas. Parei de fumar. Tenho superstições. A minha memória mais recôndita é com 2 anos. A primeira palavra que eu li e escrevi foi "Ana". Difícil, hein? Adoro a frase “o meu santo não se cruza com o de...”. Adoro rir de mim mesma. Adoro gente louca. Detesto gente que se leva a sério. Sou bastante disciplinada. Sou muito desorganizada. Detesto gente que se acha. Sou autêntica. Quero muito conhecer o Brasil. A minha cidade é Nova Iorque. Detesto gente deslumbrada. Não vejo bem ao perto. Adio sempre decisões importantes. Adoro vinho. O meu alter-ego adorava gin tónico. Adoro a minha praia. O meu filme preferido é “O Paciente Inglês”. Adoro azuis. Eu sempre digo sim. Nunca soube desenhar. Eu não durmo no avião. Sou muito generosa. Sou uma pessoa em quem se pode confiar. Sei escrever muito bem. Não sou receptiva a elogios. Adoro Susan Sontag, Gertrude Stein, Elizabeth Bishop, Tennessee Williams, Truman Capote, Ernest Hemingway… E Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Valter Hugo Mãe, Clara Ferreira Alves, Antonio Lobo Antunes, Sophia, Al Berto, Mário de Sá Carneiro....E ainda João Cabral de Melo Neto, Caetano Veloso, Manuel Bandeira, Vinícios de Moraes, Eucanaã Ferraz, Ferreira Gullar, Caio Fernando de Abreu e tantos outros. Adoro relógios. Gosto muito das boas coisas da vida mas sou muito simples e muito esquisita ao mesmo tempo. Sou facilmente seduzida pelas coisas boas da vida. Um mundo sem livros não faz sentido. Ando viciada em biografias. Adoro a luz de Lisboa. Dizem que eu mudo muito. Raramente me deixo influenciar. Tendo a julgar-me com muita severidade. Basicamente procuro estabilidade e segurança. Mas não é isso que todos procuram?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Este texto é para a C. que salvou a minha vida duas vezes - Parte II

No início de Janeiro de 2011 fui para Nova Iorque, a cidade que eu escolhera para viver. Foi uma coisa tão planeada, tão desejada, tão preparada e cheia de expectativa. Eu nunca, em nenhum momento, achei que algo pudesse não correr bem. A minha única “pedra no sapato” era o ter que dividir casa com alguém que não conhecia de lado nenhum. E eu confesso, sou muito de primeiras impressões e quando “ o meu santo não se cruza” com o da outra pessoa pouco haverá a fazer, embora existas algumas muito boas excepções. Depois de uma procura desmedida durante várias semanas, e nada encontrar de jeito, uma colega do meu grupo ia regressar de NY quando eu fosse para lá. Algumas pequenas peripécias antes de resolver alugar o apartamento , mas nada de extraordinário. Tenho que admitir, porque mentirosa é coisa que nunca fui nem soube ser, o tal do meu santo não se cruzou com o da fulana. E isto só de ver a foto no Facebook... Passou-se o Natal e a passagem de ano e nos primeiros dias de Janeiro cheguei a NY. Cheguei por volta das 3, um dia lindo, um sol magnífico, a cidade coberta de neve, linda. Mas ao contrário de todas as outras viagens, de todas as chegadas a Houston, eu não estava bem, tinha uma espécie de aperto no peito e não sabia explicar a razão.  Fui de táxi de Newark até ao endereço da minha futura casa (no limite do Upper West Side), na 110 entre a Broadway e Amsterdam.  Chegada à rua começa o primeiro filme. O taxista descarrega-me as malas que eram exactamente duas (daquelas bem enormes)  no meio da estrada. De não esquecer que a estrada estava limpa e o passeio também mas a neve tinha sido atirada em monte para o meio desta divisão. Ou seja, eu tive q literalmente, escalar esta montanha de neve com uma mala de cada vez.  Feito! Segundo desafio: subir os degraus q separavam a entrada do prédio do passeio. Outra aventura... Até que uma alma caridosa deve ter assistido a esta cena e ajudou-me. Ah, claro, esqueci-me de referir que toquei várias vezes no apartamento e a fulana não se dignou a perguntar se precisava de ajuda... para quê? Eu só tinha 2 malas de 25 kgs cada mais uma mochila e tinha que subir 5 andares a pé..



A tal da alma caridosa (dessas pessoas boas que encontramos sempre no mundo e com as quais nunca nos vamos mais encontrar) perguntou-me qual era o andar e levou-me uma das malas. Claro que eu demorei provavelmente o triplo do tempo a subir com uma delas. Eu já não sabia se chorava, se parava e me sentava ali no meio das escadas... Sei que cheguei ao 5º andar e tive logo um ataque de asma.  Depois de tocar várias vezes à porta a tal da pessoa do apartamento onde ficaria nos próximos 6 meses, dignou-se a abri-la. Cumprimentei-a, levei as malas para dentro,  sem qualquer ajuda e disse-lhe apenas que quando a minha colega voltasse que eu tinha ido comprar um cartão para o telemóvel. Fui pela Broadway e na primeira At&T que vi entrei. Os senhores eram tão simpáticos que eu perdi-me com as horas. Soube quando regressei a casa que a minha colega achara q eu andava perdida. Fomos depois jantar ao “The heights” onde param os undergrads de Columbia (aka canalha). Essa minha colega precisou de ficar o mês de Janeiro para terminar o trabalho dela no lab. Então basicamente eu dormia num quarto, a minha colega na sala e a outra no quarto dela. Essa minha colega acabou por me vender tudo o que tinha por 300 euros e lá fiquei eu com um quarto habitável. Cozinhar nunca cozinhei. Desde o primeiro dia percebi que ali nunca cozinharia. Eu cheguei numa quinta e na sexta fui ao lab e tratar de todas as burocracias. Estava um dia cinzento, triste, chuvoso, tal como eu, e que raramente voltei mais a ver em Nova Iorque. A primeira impressão do lab, comparativamente com o meu lab de Houston, não podia ter sido mais oposto. A primeira pessoa com quem falei não foi com a chefe e isso demorou alguns dias a acontecer...Bem, eu senti-me um caos, eu estava triste como a noite, nunca me tinha sentido assim.Acho que foi nessa noite que cheguei a casa e que era suposto ir à festa de anos da N.  e eu estava com uma dor de cabeça tão grande e já tinha tomado tudo o que podia, que a solução foi deitar-me e esperar que fosse outro dia. Eu sempre ouvi dizer que não havia como um dia depois do outro... A verdade é que acordei e estava ainda pior do que no dia anterior, triste, triste, sim, podem rir-se, tipo novela mexicana “tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar”, neste caso era qualquer coisa que me fazia chorar... A C. de manhã ligou-me, ou eu liguei-lhe a ela, n sei. Ela estava em Cambridge e já havíamos combinado que eu iria lá no fim de semana seguinte. Mal ela começou a falar comigo e percebeu imediatamente que eu não estava bem. Disse-me para me vestir e sair. Depois de tomar banho saí. Mal cheguei à rua e liguei-lhe, ainda não tinha chegado ao cruzamento com a Broadway e já estava lavada em lágrimas. E são apenas alguns metros... Ela bem me perguntava o que eu tinha, o que tinha acontecido, o que se passava... mas o que eu apenas conseguia fazer era soluçar  e expulsar muito ranho e lágrimas e mais lágrimas. A verdadeira tragédia.  E eu só imagino o pranto, porque em toda a minha vida, não me lembro de ter chorado tanto!!! E lá fui caminhando Broadway abaixo com dezenas de pessoas que passavam por mim e me viam assim e nada fizeram. Em Nova Iorque consegue estar-se só no meio da multidão. Entrei num Starbucks acho que na 103, com aquela cara que deveria ser difícil de esconder, mas ninguém se importou. Como a conversa entre mim e a C. era um monólogo, ela foi fazendo as perguntas e dando as respostas e lá me fez aquelas avaliações que ela sempre faz quando estamos mal... e tomou mais uma vez conta da situação: “ vais a casa, fazes uma mala para um fds prolongado, enquanto eu compro a viagem para Boston. Já te ligo a dizer a hora que vens!. E assim fiz, fui a casa, preparei uma mochila, avisei que ia passar o fds a Boston e a C. acabara de me dar as indicações para ir para Boston.



Por volta das 7 cheguei a Boston, a South Station e a C. deu-me as indicações direitinhas que tinha de apanhar o metro e sair em Central station  e com aquele  sorriso lindo dela. Mal a vi desmanchei-me outra vez. E ela só gritava, berrava, saltava, abraçava-me e eu já não sabia se chorava de alegria ou de tristeza. Mas ainda acabei a rir-me quando reparei nas pessoas que estavam dentro do starbucks a olhar para nós. E fomos afogar as mágoas. Começamos na Green Street e por aí foi...  zou zou e afins...Falamos, choramos, comemos, dançamos e sei que acordei numa casa que não era a dela. Não me lembro como fui lá parar... Vim a saber depois que era de uma amiga que tinha sido operada a um joelho e a C. estava a ajudá-la. Continuei deprimida nesse e no outro dia. Mas hoje sei, com a devida distância o efeito que estes dias e este conforto de família tiveram em mim. Nestes dias a C. cuidou de mim. 






Soube muito tempo depois o que lhe custou ver-me ir para Nova Iorque ainda combalida. E eu lembro-me que acordava diariamente e dizia-lhe “C, não estou melhor” e ela respondia-me sempre “Não estás mas vais ficar”. E um dia, assim como nascem todos os dias da mesma forma que estava deprimida deixei de estar.. Não sei explicar como aconteceu mas foi um click. A partir deste dia nada mais foi justo para a C. O que sempre haviamos combinado de passar fds alternados em Boston e NY passou a ser apenas um plano... Ela coitadinha, saía de Boston  não me lembro a que horas e eu ia buscá-la a Penn Station (não me lembro se às 9 ou às 10). Os fins de semana eram do mais louco que se poe imaginar. Começavam quase sempre no Zigolinis ou Pao. Mas também fomos ao Mercato e Becco em Hells Kitchen , onde pagavamos $80/garrafa de Chianti. 







A noite começava na “Trash Party “do Wesbter Hall e depois ainda iamos para umas festas maradas para Brooklyn, uns lugares muito manhosos mas que a C. dizia “Então não valeu a pena, até atravessamos a ponte de Brooklyn de táxi à noite! Olha que linda vista!”. Ao sábado, quando a ressaca não era muita iamos para o Soho e para o Fanelli. À noite iamos para o Beauty bar e para o Lit...







Às vezes a C. ficava à segunda e percorriamos Greenwhich Village, West Village, Nolita, East Village, Soho  e Tribeca a pé. Acabavamos sempre no Fanelli ou no Zigolinis. Nós somos pessoas de hábitos. Boston, apesar de ter lá estado algumas vezes, conheço muitoooo mal, Cambridge um pouco melhor. Mas vejam bem que eu sou fanática pelo Alexander Calder e não fui ver a escultura dele do MIT... A minha estadia em NY nos primeiros meses não teria sido tão boa se não tivesse tão perto a C. e sim, se não fosse ela, naqueles primeiros dias eu teria conhecido o que era a loucura.

"Is true love a long walk through Bryant park"









sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A importância da eleição de Obama

Em 2008, quando estava em Houston, acompanhei muito de perto a escolha dos democratas entre Barack Obama e Hillary Clinton. Naquela altura eu fui uma defensora acérrima da Hillary. Nunca gostei muito de rótulos, nem de classificações, nem de definições, nada que pudesse ser redutor. Afinal, há coisas na vida que são inclassificáveis e indefiníveis por palavras. Por tudo isto, o que eu gostava na Hillary não era o facto de ela ser mulher, ou de ser uma minoria, ou ter chegado onde muitos homens queriam ter chegado. Eu gostava da determinação dela, dos discursos que não eram tão cativantes como os do Obama mas que falavam de coisas mais profundas, parecia  que não se importava em dizer apenas o que as pessoas queriam ouvir. Por ex, Obama só apoiou o casamento entre pessoas do mesmo sexo este ano, Hillary já o apoiava em 2008. A Hillary parecia não se importar com o que a maioria queria que ela dissesse, ela tinha ideias e causas próprias e defendeu-as. Mas acima de tudo, o que de mais impressionante há nesta mulher, é que sendo uma mulher de um ex-presidente como foi Clinton, que passou pela humilhação pública do caso Lewinsky, pela chacota mundial, e que mesmo assim não se escondeu e não se deixou humilhar. Muitos apostavam na morte política anunciada dela. A história veio mostrar-se outra. Este é o exemplo de que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher. E eu tenho tanta pena que a Hillary não tenha sido a candidata dos democratas nas eleições de 2008. Continuo a achar que a Hillary é muito melhor que Obama.   E Obama veio a adoptar algumas das coisas que Hillary defendia. Acho que a governação dele ficou muito aquém do que prometeu. Aliás, eu lembro-me que na altura os americanos achavam que ele iria ser o salvador da pátria, um milagreiro. Os anos mostraram que Obama é apenas um humano, apesar de ser uma das pessoas mais poderosas do mundo. Acho que é um tipo bem intencionado, arrasta multidões, inteligente, andou nas melhores universidades do país e é um exemplo de uma criança que foi educado pela mãe e pelos avós maternos, que chegou onde as elites chegam. Esse é o sonho americano. Mas prometer a reforma do sistema de saúde, "nacionalizando" o que é privado...foi muito... Alguém que conhecesse bem o sistema de saúde americano acreditava que ele era capaz de combater o lobby das seguradoras e dar assistência médica para todos? Isto era quase a utopia do sistema comunista leninista. Mas nunca ninguém poderá dizer que Obama não teve uma excelente prestação internacional. Basta ouvir as críticas de Romney sobre a relação actual EUA-Rússia. Ou por ex. a retirada do Iraque, a forma como tem lidado com o Irão, não ter intervido na Síria (não se achando o maior do mundo à Bush). A paz no mundo ficou melhor na era Obama. Mas depois de Bush, qualquer um faria melhor. No entanto, com esta ameaça Romney para presidente dos EUA ia ser a desgraçada. Aquele discurso pró-americano de que a América é a melhor e soberana de todos os países, pró-guerra a lembrar a malograda era Bush, anti-Russia a fazer avivar a nostálgica guerra-fria... e muitos outros exemplos. À boa maneira americana, o povo é de extremos. Felizmente, para o mundo, os americanos decidiram-se pelo seguro. E eu quero acreditar que o mundo com Obama é um mundo mais seguro.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Tenho ficado surpreendida com a quantidade de pessoas que têm lido este blog e o elogiam. Não esperava. E agora debato-me com a questão que durante anos evitei colocar-me: O facto de ter quem me leia muda alguma coisa?

facebook