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quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A vida como ela é

Levanto-me com bastante antecedência, apesar de ter feito as malas ontem. Depois de alguns sustos resolvo não arriscar e cumpro, religiosamente, as duas horas de antecedência necessárias nos voos. Uma constipação forte deixou-me em baixo de forma nos últimos dias. Como o frio é muito e a preguiça muita, em vez de andar 500 m até ao ponto de táxis mais próximo, resolvo chamar um táxi usando uma app. A aplicação diz-me que demorará 3 minutos. Resolvo descer,  com a maior velocidade que consigo 4 andares, carregada com duas malas. Mal chego à rua recebo uma mensagem a informar-me que o táxi está atrasado. Está um dia lindo, cheio de sol, mas gelado de congelar passarinhos nas árvores. Espero, espero e nada. O táxi continua atrasado. Passado algum tempo, mais do que justo para um atraso aceitável, desisto e resolvo ir a pé até ao ponto de táxis. Antes disso, ainda tenho tempo de dar todas as moedas que tenho no bolso a um velhote que me cativou desde o primeiro dia que cheguei a Génova. As duas razões foram: ter um cão ceguinho que passou a reconhecer-me e a ladrar sempre que me chegava perto deles é o dono, sempre que me via, dizer "Ciao Bella". Hoje, lá estava ele, sentado no mesmo lugar de sempre mas sem o cão. Há muito tempo que não o via porque agora vou de boleia para o trabalho e não de metro. Como após 8 meses de Itália, pouco ou nada aprendi de italiano, não consegui perguntar-lhe pelo cão. 

No táxi, a caminho do aeroporto, abro o meu email  para confirmar a hora de chegada a Roma e percebo que o vôo é às 10 e não às 11:25, como havia pensado. São 09:35. Podia ter desmaiado, ou ficar com taquicardia, ou com uma crise de asma, ou ter vontade de vomitar, ou... Não, como adulta quase nos 40, inspiro e penso que entrar em pânico não resolverá nada. Que atitude tão sensata! Não me reconheço! Está uma fila imensa de trânsito. Ao lado vejo o que resta da ponte Morandi e ao fundo os Alpes marítimos cobertos de neve. Convenço-me que há sempre coisas piores.

Chegada ao aeroporto, faço o habitual, vou em direcção aos balcões da Alitalia para despachar uma mala. Neste caso, para dizer que perdi o vôo das 10 porque achei que era às 11:25. Ninguém se interessará com a explicação, que neste caso nem faz sentido algum, que uma adulta quase nos 40 ainda confunde a esquerda com a direita, que nunca diz as horas em número maior que 12 porque se confunde com os significados, confunde os dias da semana em italiano e francês... E poderia dar muitos outros exemplos que me encheriam de vergonha, esse sentimento que não me abandonará nunca. A verdade é que toda a gente fará um sorriso forçado de pena e não se empenhará de forma alguma em ajudar.

As funcionárias da Alitalia fazem aquele sorriso piedoso de quem não tem nada a ver com isso e que a resolução não faz parte das funções delas e mandam-me para o balcão da emissão de bilhetes. Aí, como se fosse um favor que me estavam a fazer, dizem-me que não existe nenhuma reserva, que tenho de telefonar para as reservas da TAP e resolver o meu problema. Aqui começa a saga italiana. Mais de hora e meia num telefonema com operadores da TAP que parecem autómatos em vez de humanos. Este telefonema não resolverá nada que não seja a troco de muito dinheiro. Durante estas quase duas horas andei entre o balcão da Alitalia, balcão de emissão de bilhetes, sentada numa cadeira ou de pé às voltas não sei de quê. Hoje, como pratico todos os dias da minha vida, confirmo que apesar de não sermos pagos para ser boas pessoas, seremos sempre melhores se para além de sermos bons naquilo que fazemos, ou pelo menos tentarmos o melhor que sabemos, ajudarmos os outros como pudermos. 

Primeiro falei com uma pessoa do sexo masculino da TAP, que foi bastante simpático, não decorei nem apontei o nome mas ao qual expliquei, muito breve e sucintamente, o meu problema.  Ele garantiu-me que me iria transferir a chamada pra outro operador e que não não iria, garantíramo-nos, perder o vôo de ligação  das 11:25 de Genova para Roma. Este senhor passou-me a ligação para outra senhora, de nome Bárbara Ferreira, que obviamente não por culpa dela, demorou mais de 30 minutos a atender-me. Em vez de fazer um testamento sobre o que me tinha acontecido fui objectivamente ao assunto é expliquei-lhe o que dela precisava. Perdi a noção do tempo que esta senhora precisou para dizer-me o que vem a seguir, mas sem esquecer de referir-lhe que caso demorasse muito eu perderia a hipótese de embarcar no vôo das 11:25. Pois bem, após um tempo que está registado no meu telemóvel e a ouvir a música cantada pela Carminho e Paulo Gonzo (será?) esta senhora diz-me que para eu conseguir os vôos de Génova-Roma e Roma-Lisboa teria que pagar qualquer coisa muito perto de 600 euros e não seria em executiva. O mundo parou. Na terra de Colombo, no país do homem que descobriu que a Terra é redonda e que a terra anda à volta do Sol, o meu mundo parou. Como?! O meu bilhete é em executiva, no último ano fiz uma média de mais de 30 vôos na TAP e o que têm a propor-me é isto? Já que tenho tempo porque o vôo das 11:25 está perdido, e perder mais do que o que já perdi não é possível, decido fazer o melhor monólogo que tenho memória, sem auxílio de qualquer nota. Esta senhora ouviu-me com a atenção dos fiéis na homilia. Relembrei-lhe o quanto a TAP é criticada por tratar mal os clientes, de toda a gente que conheço, viajante assíduo de aviões, ter preferido outras companhias, da minha defesa patriótica da TAP porque às vezes acontece, de ignorar os atrasos, de ignorar os funcionários que só actuam "by the rules" e nunca encontram a melhor solução para o cliente, das 8 H de trabalho dos funcionários que como ela estão no quentinho de uma sala confortável e que têm um trabalho garantido, quer tenham um bom ou um mau desempenho e a descrição minuciosa da história inesquecível com a Lufthansa (*). A Sra D. Bárbara Ferreira aguentou estoicamente e respondia sempre com um pedido de desculpas ou que não podia fazer mais nada.

(*) Há uns meses eu tinha um vôo Lufthansa para Lisboa para ir à Embaixada de Itália. Quando chego ao aeroporto de Génova o vôo para Frankfurt estava atrasado uma hora, o que iria comprometer a minha ligação para Lisboa. Expliquei a situação a uma funcionária, e sei que foi um exemplo excepcional e sem repetição. Esta senhora, sem me conhecer de lado algum, tentou todas as hipóteses para me fazer chegar a Lisboa sem que eu perdesse o meu compromisso. Eu tinha um bilhete em econômica, nada mais. Esta senhora, que não sei o nome mas de quem me lembrarei toda a vida, disse-me para apanhar um táxi para Bolonha onde tinha um reserva para ir para Lisboa. Foram 550 euros de táxi que a Lufthansa me pagou em 3 semanas, tendo como prova um recibo de táxi manuscrito. Querem dizer-me que as empresas de aviação não têm comportamentos diferentes? Ou que os funcionários estão habilitados a resolver os problemas dos clientes de forma a que haja algum entendimento?

A Sra D. Bárbara Ferreira, durante o meu longo monólogo, deve ter colocado uma melhor banda sonora e na sua voz de enfado, daquelas que não ficam melhores uma oitava abaixo, diz-me: "se quiser assegurar os vôos é X". É aí começo a perceber que um problema maior toma conta de mim: perdi o meu telemóvel italiano! Faço um rápido raciocínio e desloco-me aos sítios onde estive. Em nenhum dos lados o encontraram. Mas não posso ligar para esse meu tlm italiano porque estou ao tlm com a Sra D. Bárbara Ferreira. Aqui comecei a relativizar os meus problemas. Como a minha cadela quando faz asneiras, coloca aquela cara de cadela com os olhos mais tristes do mundo e arrastar-se na minha direcção, em bom português, ponho o rabinho entre as pernas e mudo de drama. Ficar sem vôo e discutir  com uma senhora que haveria sempre de me dar a mesma resposta fosse qual fosse o nível dos meus argumentos ou encontrar o telemóvel? Eis a questão. Mudo de rotação. A minha prioridade passa a ser em busca do tlm perdido.

Para quem me conhece, sabe o meu nível de conhecimentos informáticos. Mas há uns meses instalaram-me uma aplicação, caso perdesse o iPhone, para o encontrar. Foi o que fiz. Em poucos minutos sabia que o tlm estava no aeroporto de Génova. Fui a todos os sítios onde tinha estado, que não foram muitos, e não o encontraram. Tinha quase a certeza que tinha caído do bolso das minhas calças. Um clássico! Fui aos “perdidos e achados” e também não tinham entregue tlm algum na última hora. A seguir, fiz o habitual, liguei e esperei. Nas primeiras vezes o tlm tocava mas houve uma vez que foi para o voice mail. Comecei a ficar preocupada. Perdi a conta do número de vezes que subi e desci a escadas do aeroporto de Génova, que separam o segundo do primeiro andar, com duas malas. Como última tentativa tentei a abordagem da segurança. Falei com o responsável da segurança antes do embarque e expliquei-lhe o que me tinha acontecido. Em poucos minutos contactam-no e disseram-lhe que entregaram um iPhone todo partido nos “perdidos e achados”. Era esse mesmo. 

Já em Roma, caminho em direcção à Lounge da Star Alliance. Passa das 4 da tarde e ainda não almocei. Todas as comidas aparentam óptimo aspecto mas a minha constipação e o meu estado febril não me deixam aproveitar. Como apenas alguma coisa. Ainda durante o tempo que me separa do vôo que me levará a Lisboa, não resisto a um aperol Spritz. Dessas horas resultou este texto. O que começa mal pode acabar bem. E foi este o caso. Como me perguntou um amigo: “como te ris?”.  Não tenho nenhum motivo para não o fazer.




quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Dia 3 - Roma


O hotel que escolhi fica na Piazza Vittorio Emanuele. Tinha uma entrada de metro mesmo em frente e ficava a 10 minutos a pé da maior estação de Roma, Termini. O hotel era um pequeno hotel familiar, boutique, simpático, cómodo, silencioso. Mas aprendi, ou antes, confirmei que os hóteis em Itália, com a excepção das cadeias internacionais, quando se reserva um quarto individual implica (sempre) a existência de apenas uma cama individual. E como tal, também, uma só almofada. O quarto era pequeno mas não precisei de maior. Outra coisa menos boa é que a casa de banho tinha um chuveiro com cortina de banho e não com vidro. Para além disso, a tampa da sanita era de plástico. No entanto, quando cheguei tinha uma carta personalizada do director do hotel a dar as boas vindas e um convite para um aperitivo ao fim da tarde no bar.

Depois do pequeno-almoco comecei o dia em direcção à Praça de Espanha. Outro dia infernalmente quente. Domingo. Dia de sol. Outro mar de gente. Saí na paragem mais perto e soube aqui, mais do que nunca, o significado de “todos os caminhos vão dar a Roma”.  Caminhei alguns minutos até ao cimo das escadarias da Praça de Espanha. A primeira persqectiva foi vista de cima. A escadaria estava cheia de gente. Pessoalmente parece mais pequena mas, nem por isso, menos bonita. Ao redor encontram-se algumas das lojas mais exclusivas com preços que não são para toda a gente. Como as cidades também são feitas de cafés históricos, não deixo de entrar no Cafe Greco, o mais antigo café de Itália depois do Florian, em Veneza. Um cappucino e um tiramisu 24 euros. Caro, mas um paraíso, quase sem pessoas. Sem wifi. Só a temperatura certa e a decoração antiga de sofás e cadeiras em veludo cor de vinho. Uma chávena em Porcelana, um copo de água de cristal, um tiramisu que parecia caseiro. Um deleite.





Sigo a pé até à Fontana di Trevi. Muitos alfaiates que vendem fatos por medida. Ruas estreitas. Apesar de haver muito boas indicações, é impossível não seguir o caminho certo. E quando chego lá, apesar da multidão e de ser a hora mais quente do dia, no pico da tarde, não é uma desilusão. Em Roma, mais do que noutra qualquer cidade do mundo, talvez por ser aquela onde mais aglomerados de gente vi, as pessoas querem registar o momento. Os turistas não querem ver nem sentir. Não querem tentar gravar na memória. Não querem simplesmente olhar. Aquilo que antes se atribuia apenas, ou mais, aos turistas japoneses, infectou a maioria dos turistas. A maioria só fotografa, grava, regista. E outra coisa que reparei é que não é apenas registar o monumento, ou o quadro, ou a escultura, ou a pedra. É combinar o retrato com o monumento, o quadro, a escultura ou a pedra. E então, é ver centenas de pessoas a pentear-se ao o telemóvel, a fazer o seu melhor sorriso, a prestar atenção se tem algum resto de pizza do almoço ou talvez um verde da rucula nos dentes. Esta posição de colocar os cotovelos para fora é uma arma branca para os mais distraídos como eu. Perdi a conta das vezes que choquei com cotovelos em Roma. No mais, a Fontana di Trevi, é numa praça pequena, que parece fechada e pequena mas aquele azul piscina é uma maravilha de se olhar, apenas. A sombra das casas que a rodeiam invade a praça. Dizem-me que à noite é uma calmaria e ainda mais bonita. Vejo alguém a vender castanhas assadas debaixo de mais de 40 graus e não quero pensar que depois do verão será outono.







segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dia 2 - Museu Vaticano, Capela Sistina, Catedral S. Pedro, Trastevere

Como só tinha dois dias para visitar a cidade comprei um voucher na empresa citysightseeing para andar 48h sem limitaçoes no autocarro turístico (das 9 da manhã às 11 da noite), comprei o bilhete para o Museu Vaticano e Capela Sistina que incluia não esperar na fila (“skip the line”) e também para visitar o Coliseu e o Palatino (explicarei mais à frente que esta historia de evitar as filas é a verdadeira história “para bói dormir”). Acho que paguei 86 euros.  Uma das paragens do autocarro ficava perto do meu hotel, uns cinco minutos a pé, perto da igreja de Santa Maria Maggiore. Estava previsto ser um dos fins de semana mais quentes do verão. Em todas as paragens que do autocarro era um sem número de vendedores munidos de tudo, incluíndo garrafas de água fresca. Passei de autocarro pelo Coliseu e Palatino e a minha primeira paragem foi perto do Vaticano, do outro lado do rio Tevere. Atravessei a ponte. E aí começa a minha saga da trafulhice romana. A caminho da Praça de S. Pedro vêem-se alguns vendedores e parei no olhar de um rapaz queimado pelo sol. Ar envergonhado, acanhado, com umas pinturas expostas. Não fala nem percebe uma palavra de inglês. Não foi a beleza dos quadros que me fez parar foi o olhar triste dele. Mostra-me mais pinturas, umas maiores e outras mais pequenas. Os pormenores das mais pequenas fazem-me desconfiar. Olho os pincéis, as tintas, as aguarelas. Começo a negociar. Acho que me pedia 40 euros por uma pintura A4 mais duas pequenas. Ofereci 30. Não aceitou. Quando não aceitou, deitou os olhos ao chão, e com um ar de desânimo disse que aceitava. Fui levantar dinheiro a um banco perto. Continuei desconfiada. Quando regressei para pagar, a minha desconfiança até se dessipou com o cuidado que ele teve a acondicionar as pinturas para não se estragarem. Reparo mais uma vez que os pincéis e as tintas estão lá mas estão secas. Quando saio do pé dele faço a prova dos nove: molho o dedo e passo na pintura… Uma impressão a cores num papel de espessura especial… Repararei em todos os cantos, esquinas e ruas de Roma em pinturas iguais às minhas, sobretudo vendidas por migrantes que falam muito pouco italiano e quase nada de inglês. Aprendi a lição.  







Antes de ir para o Museu Vaticano, deparo-me com uma fila de mais de meia hora para trocar o voucher que havia comprado na internet da citysightseein. Nestes mais de trinta minutos ouço um disfarçado engate atrás de mim. Só lhes ouço as vozes masculinas. Muito graves. Arrastadas. Roucas. Olho discretamente para trás e  as vozes coincidem (quase) com a beleza física. A beleza física de um é visivelmente maior. Um é argentino, não terá mais do que 30 anos, tem barba e um porte atlético. O outro já passará dos 50, é grisalho, polaco mas vive na Austrália há 30 anos. Um está sozinho em Roma e o outro (ainda) não consigo perceber. O argentino já viveu em LA. O outro diz que adorou Buenos Aires. Falam de locais que não conheço. Reconheço um nome Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus (Jesuítas). O mais velho disse que ficou impressionadíssimo com as missões. O outro diz nunca as ter visitado. Os dois dizem ter visto o filme “The mission”. Um fala muito mais do que o outro. Fico a saber muito da sua vida. É engenheiro, de origem polaca, com dupla nacionalidade, vive em Sidney. Diz que a  Austrália é um país muito diferente do que era há 30 anos. Era um país de sonho em que era suficiente apenas um trabalhar. Ter uma casa de sonho. Carro. Família. Agora tudo mudou. Tudo se tornou caro. Não é possível apenas um membro do casal trabalhar. Nenhum dos dois revela o que os trouxe aqui. Percebo em poucos minutos que chega a mulher do mais velho. Infelizmente para a mulher, trocaram e-mails há pouco. À minha frente está um casal de americanos com um bebé no carrinho. O bebé, que tem dois dentes mas mal se senta, já come dos dois gelados dos pais. Pouco passa das 11 da manhã. 


Roma é um negócio ao ar livre. Tem quase tantos vendedores como turistas.O Vaticano é onde tudo começa, para mim. Para se chegar ao Museu Vaticano é preciso circular a parte externa da Praça de S. Pedro. Debaixo de um sol abrasador e de uma temperatura de 40 graus e muita humidade, tudo parece penoso. Começo por perceber que vendem bilhetes para o Museu Vaticano e para a Capela Sistina como se fossem coisas diferentes. Ora bem, não se pode ir ao Museu Vaticano e não passar pela Capela Sistina… E vendem o “não esperar na fila” como se não as houvesse. Se eu tiver que aconselhar alguma coisa com a minha experiência é: evitem Roma no verão. O calor é insuportável e os turistas são mais do que muitos. A memória que guardo do Museu Vaticano é um mar de gente, calor insuportável, corredores sem fim, andar empurrada pela multidão. Houve uma altura que eu só me concentrava para não entrar em pânico, principalmente nas escadas apertadas. E tentar abstrair-me.  Lutar contra o movimento era impossível. A entrada de tão grande número de pessoas deveria ser controlada. Visitar nestas condições alguma coisa é apenas um negócio e torna-se uma tortura. Não aproveitei nada. Tentei apenas sobreviver. Na Capela Sistina, que ate estava bastante fresca, tinha centenas de pessoas sentadas nos bancos laterais. Como é um local sagrado, pedia-se silencio mas as pessoas ignoravam. Depois do martírio do quase esmagamento, chega-se a um lugar iluminado e fresco. Não estive lá mais de 5 minutos. Nao foi nada daquilo que sonhei quando olhei para o tecto pintado por Michelangelo, Botichelli entre outros. Nao desmaiei perante tanta beleza. Tudo o que me lembro é de ter respirado de alívio por ter sobrevivido até ali. Toda a minha memória visual da Capela Sistina mantém-se com o conhecimento que adquiri nos livros. Não vale o sufoco de quase morrer esmagada, desculpem-me. So queria encontrar a saída e ar livre. Desci a pé as famosas escadas em forma de caracol do Museu Vaticano e nem me ocorreu fotografá-las, tal era a pressa de sair. Fez lembrar-me o Museu Gugghneim em NY.



Finalmente no exterior caminho de regresso à praça S. Pedro. Quero sentar-me em alguma esplanada. Qualquer uma que nao pareça turistica. Quanto mais escolho menos acerto. Depois de almoçar e descansar os pés vou visitar a Catedral de S. Pedro. Há uma fila grande mas bastante rápida porque há vários postos de verificação de segurança. Até na praça de S. Pedro há vendedores. Aqui o negócio são os lenços para cobrir os ombros e as pernas já que é um local sagrado. A Praça de S. Pedro parece-me bem mais pequena do que na televisão. Entro e vou, não a correr (porque há que caminhar com elegância e trata-se de um dos lugares mais sagrados do mundo para mim que tenho fé), directamente à Pietà. Por incrivel que pareça, não estava rodeada de gente. Pude chegar perto. E aí sim, desfiz-me. Não sei se foi o cansaço, se aquela beleza tão perfeita em mármore trabalhada numa só peça, se a imagem de Jesus depois de cruxificado no colo de Maria, se apenas um filho morto no colo da sua mãe dilacerada pelo sofrimento. As lágrimas começaram a cair e eu não as evitei. Coloquei-me em frente, num lugar priviligiado, com o queixo pousado nas mãos  somente a olhar. Não sei quanto tempo fiquei assim mas dei-me esse privilégio. A minha volta, percebi depois, as pessoas so estavam interessadas em tirar selfies. Nunca percebi esta moda de as pessoas visitarem só para tirar uma foto. Não têm curiosidade alguma de olhar, de se emocionarem, de se sentirem tocadas. Chegam e tiram fotos e é tudo. Deixei-me ir. Havia outras três coisas que queria ver: os túmulos dos Papas João Paulo II e João XXI (único papa português, de nome verdadeiro Pedro Hispano) e a estátua de S. Pedro. A estátua de S. Pedro já não se pode tocar mas era visível que o seu pé está rompido de tanto as pessoas passarem a mão.Os túmulos dos Papas foi o mais difícil de encontrar. Acabei por desistir do Papa João XXI depois de várias informações erradas que os diferentes guardas me davam. Finalmente encontrei. Sóbrio, simples um altar com o nome de Sanctus Joannes Paulus II. Já na Praça de S. Pedro, o calor continuava a não dar tréguas. Hora de comprar água. Dois euros a garrafa. Queria ter subido ao topo do castelo de Sant’Angelo mas faltaram-me as forças. Fiquei-me pelo parque e caminhei pelas margens do Tevere.






terça-feira, 31 de julho de 2018

O amor no meio da multidão

No final do concerto, a sair do Parco della Musica vejo-as mesmo à minha frente. São da mesma altura. De costas são parecidas. Altas, magras, muito bronzeadas, cabelos curtos. Os braços das duas cruzam-se no fundo das costas. Caminham elegantemente mas em passo apressado. Uma tem cabelo curto, calças largas de linho, uma t-shirt sem mangas colada ao corpo e umas havaianas. A outra tem cabelo rapado à Sinead O’Connor, um vestido preto comprido e é a mais nova das duas. Dez anos devem separá-las. Uma deve passar dos 50 e a outro deve estar a chegar aos 40. Devem estar no início da relação. O entusiasmo do começo. O desejo dos principiantes. A sede da descoberta. Têm a cara e o sorriso de quem começa de novo. Sente-se a admiração mútua. Vê-se ali inteligência. Arrisco-me a adivinhar o que as aproxima e o que lhes interessa. A mais velha não exibe a mais nova como um troféu que acaba de ganhar. Nem displicência. A mais nova não venera a mais velha nem a idolatra. Tratam-se de forma igual. Riem e inclinam levemente a cabeça para trás e desfazem o abraço. Dão as mãos. Continuam no ritmo apressado. São italianas, ouço-as. Abrandam o passo e beijam-se. Retomam o passo apressado e perco-as no meio da multidão.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Caetano em Roma

Na verdade eu fui a Roma para ver Caetano. Disseram-me que não tenho independência para julgar livremente a qualidade dos concertos de Caetano porque para mim ele é um Deus. Não desminto. Provavelmente ele até poderia só gritar, como vi um dia Yoko Ono fazer em NY e que alguns acharam aquilo arte, e eu acharia magnífico. Mas quando leio de algumas pessoas que considero que Caetano é um milagre e que sempre se surpreendem a cada concerto, não me parece que seja apenas “endeusamento”. E devo a Caetano muito do que aprendi sobre os mais variados assuntos. Todos os concertos que vi de Caetano foram no Coliseu de Lisboa. Todos eles foram especiais. Com banda, sem banda, sozinho ou em dueto. A relação com o público foi sempre cúmplice. Mas em Roma foi mesmo especial.

Antes do concerto leio que morreu Hélio Eichbauer, o cenógrafo responsável por muitos dos cenários de Caetano, incluíndo este. Para além deste facto, Moreno foi enteado de Hélio, com quem Dedé Gadelha (mãe de Moreno) fora casada durante 30 anos. Moreno, depois de Caetano falar da perda de Hélio, com a voz embargada acrescentou: "Dedicamos este show a ele". Ninguém á minha volta era brasileiro ou português mas conheciam profundamente o trabalho de Caetano. Durante o concerto muitos deles balançaram o pé, bateram muitas palmas, acompanharam o ritmo, tentavam acompanhar as canções. Percebi que Caetano não é um desconhecido em Roma. E gentilíssimo dirigiu-se sempre ao público em italiano. Não quis ouvir “Ofertório” para tudo ser surpresa.  Passavam 9 minutos da hora marcada e Caetano, juntamente com os (seus) meninos, entrou no palco. “Todo o homem” foi para mim a grande surpresa e a música da noite. Zeca Veloso, que Caetano disse que nunca quisera fazer musica, escreveu esta canção tão comovente com voz em falsete, cujo verso "todo o homem precisa de uma mãe” ficou no ouvido. A palavra que resume este concerto é intimidade. Os quatro não parecem estar em frente a uma plateia de milhares de pessoas mas em casa a cantar para uns amigos. Outra das surpresas é uma espécie de rap/funk, no qual todos participam com o piano, com a voz fazendo a batida, a contagem crescente até 12 de Caetano e a dança de pés descalços de Tom. A música que dá o nome ao concerto foi escrita para Dona Canô como se fosse ela a narradora. Na introduçao a esta música, Caetano explica que não é religioso mas que todos os seus filhos são. Os dois mais novos sao cristãos e Moreno é um curioso pelas religioes orientais e afro-brasileiras. Moreno acrescenta:“sou macumbeiro”. A outra que me ficou na memória foi a filosófica da autoria de Moreno “How beautiful could a being be" onde mostrou como sambar bem com ginga e rebolado e levou também Caetano para a frente do palco para uma dança ensaiada. Vozes e instrumentos numa sintonia perfeita. Não faltaram as mais conhecidas "Força estranha”, “Reconvexo” e“Leãozinho”. No primeiro encore, já com o público da plateia todo em pé e encostado ao palco, cantaram a minha preferida “Deusa do amor”. Voltariam mais duas vezes, mesmo depois das luzes acesas e terminaram com “A luz de Tieta”.

Caetano, nesta noite tropical, no anfiteatro ao ar livre de Renzo Piano que não chegou a encher, rodeado das pedras aquecidas pelo sol de Roma entrou em fusão com o público. A noite em que Caetano foi “a chuva que lançou a areia do Saara sobre os automóveis de Roma”.

Aprendi que ninguém no seu perfeito juízo deve esperar o verão para ir a Roma. Mas depois de aqui estar como dizer que não a uma cidade  que chama por nós?

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