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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A(s) verdade(s) inconveniente(s)

Este é o tema que qualquer que seja a opinião (quase) toda a gente tem razão.

Devemos ser dos poucos países civilizados em que um investigador doutorado não tem (obrigatoriedade) de ter um contrato de trabalho. Para quem não sabe, vou repetir ad nauseum, um aluno que acabe o doutoramento, até há (bem) pouco tempo, o máximo que poderia ambicionar era uma bolsa de postdoc (1495 €/mês x 12 meses, sem subsídios de férias e de Natal e os descontos para a Segurança Social resumem-se ao Seguro social voluntário (opcional) no valor de aproximadamente 125€/mês. Bolsa esta que não é actualizada há mais de 10 anos.

Há uns anos, começaram os contratos para doutorados da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a que foram dados diferentes nomes pelos diferentes governos. Estes eram poucos mas garantiam estabilidade e valores variáveis consoante idade e experiência durante 3 a 5 anos. Entre avanços e recuos, estes concursos que este governo sugeriu que iam acabar, pelos vistos, irão continuar.

Depois existe a possibilidade, através de projectos (Europeus ou não) de as Universidades contratarem investigadores doutorados por determinado número de anos. Neste caso, não são sujeitos ao regulamento rígido da FCT que só permite que doutorados com 3 ou mais anos sejam elegíveis. Nestes casos, apesar do concurso ser público, e da meritocracia ser alegada, os critérios de selecção são mais discutíveis.

Este governo teve a pertinente ideia de considerar que todos os bolseiros doutorados que eram financiados directa ou indirectamente pela FCT, há mais de três anos, que desempenhem funções em instituições públicas têm direito a um contrato. Quem pode não achar? Para isso propôs que todas as universidades abram concursos para os candidatos elegíveis. O Ministro da Ciência anunciou hoje o princípio de 2018 para iniciar o processo de contratação, a termo, de três mil investigadores doutorados. O diploma, que aguarda publicação em Diário da República, define que a FCT suportará os custos da contratação de doutorados. E aqui começa o eterno problema. Não parece um cenário utópico? Eu acho óptimo. Aplaudo de pé. Mas é (mesmo) verdade? As universidades, nomeadamente de Lisboa e Coimbra, têm alegado constrangimentos orçamentais para a contratação de investigadores doutorados. Eu, só acredito, vendo.

No Domingo, o grande cientista António Coutinho (ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência e actual Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa) escreveu um texto no Observador que dá que pensar. Começa por escrever que "Os dados oficiais da FCT mostram que o orçamento realizado em 2016 (367M€) foi inferior ao do ano anterior (372M€). O investimento na ciência é propaganda política". Quem diz isto é o insuspeito Prof António Coutinho. Faltou ainda dizer que os resultados do concurso dos projectos FCT não estão previstos para antes do início do próximo ano. Este governo vai acabar a legislatura com 2 concursos de projectos atribuído em 4 anos...

Também, no início da semana, a excelsa cientista Maria de Sousa foi galardoada com o prémio da Universidade de Lisboa. Na nota biográfica disponibilizada estava escrito: "Profundamente estimada e muito respeitada na comunidade científica, Maria de Sousa é também uma humanista que cultiva o gosto pelas artes, pela história e pela poesia”. É que tal como dizia Abel Salazar: “Um médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. E esta mulher, intelectual, médica, cientista com a idade que tem é um orgulho. Também, mas principalmente, por ser mulher. Elogiou publicamente os alunos de doutoramento: “Permitam-me um parêntesis de reconhecimento dos nossos estudantes GABBA”. A cientista a não esquecer quem ajudou e quem a ajudou. Diz muito da pessoa que é. E destacou dois momentos: explosão do número de bolsas de doutoramento da responsabilidade do Ministro Mariano Gago e de investigadores da FCT.  Destes últimos, já mais seniores, e que se tornaram directores de grupo (entre os 40 e 50 anos), e que são “ os recipientes de grandes bolsas internacionais” mas “a universidade parece não querer ou não poder integrá-los e o Governo vai implementar um decreto-lei que vai empregar milhares de postdocs com 6 anos de doutoramento”.

Quando dois dos maiores cientistas (jubilados) do nosso país, que podiam estar no conforto do silêncio sobre um problema que não os afecta directamente, falam na mesma semana dos mesmos (e mais) problemas na ciência em Portugal, algo vai muito mal.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Ser cientista

Nunca na minha vida quis ser cientista. A coisa mais perto que quis ser, e esse sim, um sonho de criança que não foi realizado: ser médica.  Acho que nesta vida não nasci para o ser, apesar de tantas e tantas tentativas e de tanto querer. Muita gente acha que os (as) cientistas são aquele estereótipo do Professor Pardal da banda desenhada do tio Patinhas: com óculos, despenteado, mal vestido, engenhocas, sempre no mundo da lua...  Como todos os estereótipos, nada mais redutor. A verdade é que os cientistas trabalham muitas horas e, na maioria das vezes, quando estão a fazer os seus doutoramentos, não têm horas. Dizem, também, que gostam muito de beber e de drogas legais (como diz a Isabel Moreira). Há o lado magnífico e que me foi proporcionado: as viagens. Quando os nossos trabalhos eram seleccionados para apresentação oral nas conferências íamos. E isso era a recompensa do que nós achávamos a “eterna juventude”: conhecer o mundo. Até que um dia percebi que não havia cidade no mundo que valesse os anos de vida e os kgs que perdia antes das apresentações orais.

Nos últimos anos vivi entre Houston, Braga e Nova Iorque. Entre laboratórios, bancadas, batas brancas, electroforeses, PCRs, bioreactores, ratos, biotérios, salas de cirurgia, reagentes, pipetas, microscópios, células, meios, assim foi feito o meu mundo durante anos. E para quem nunca esteve num laboratório e nunca planeou uma experiência, nada mais difícil que explicar o sabor de uma descoberta!

Sou uma leitora compulsiva desde criança. Aos 3 anos queria aprender a ler e ser grande para saber ler!! Aos 3 anos já riscava paredes e caixas e portas com o meu nome e com os das pessoas que conhecia. Nunca fui uma aluna brilhante porque tinha muitos outros interesses para além do que se aprendia na escola (que no meu caso foi sempre um colégio de padres desde os 6 até entrar na Universidade!!). Desde que me lembro como gente, queria ser médica, mas aos 16 anos percebi que nunca teria as notas necessárias porque não conseguia dedicar-me em exclusivo aos estudos e muito menos deixar de ler outras coisas. Sempre achei que o pior dia da minha vida seria o da defesa do meu Doutoramento. Se não foi o pior, andou lá perto. Nunca pensei que sobrevivesse. Na primeira aula que dei, depois de doutorada, na Universidade do Algarve, eu estava muito pior do que quem me assistia. Nesse dia, para disfarçar a minha timidez, usei o meu humor judeu e expliquei (para quebrar o gelo) que eu sou um exemplo de uma pessoa que nunca foi brilhante mas que chegou onde todos podem chegar quando são brilhantes. Queria Medicina, acabei em Biologia e depois tirei o Doutoramento entre Braga (Universidade do Minho)e Houston (Rice University). Fiz um Doutoramento em Engenharia Biomédica sobre materiais para serem usados em Engenharia de Tecidos ósseos. E quando achei que esta área não podia ajudar tantas pessoas como gostaria (também dei este exemplo numa palestra que dei na Universidade do Algarve) mudei para a área cardíaca. E como sempre sonhei  viver em NY, nada melhor que juntar o excepcional dos 2 mundos: ciência no centro do mundo! No tempo que me sobra leio, vou muito a museus, gosto de andar a pé, viajo, adorava fumar mas deixei (ou estou a tentar deixar porque dizem que os viciados são para sempre)...  Escrevo muito, todos os dias, mas não ganho pelo que escrevo. Nada é ficcional, nem inspirado. Apenas resultados! “In God we trust, all the others must bring data”.


Os bolseiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) recebem como alunos de doutoramento 980€ (1710€ quando no estrangeiro) e como Post-docs 1495€ (2245€ quando no estrangeiro) multiplicado por 12 meses. Não recebemos qualquer subsídio, nem de férias nem de Natal. E o valor das bolsas não é actualizado há mais de 10 anos. Num país que atravessa a crise que sabemos nem me atrevo a questionar se sou uma privilegiada .. E ter uma bolsa da FCT é o que mais me enche de orgulho porque significa que a nossa candidatura foi escolhida entre centenas de outras. Escrevo principalmente artigos científicos, apresentações, projectos científicos e capítulos de livro em inglês. O português, apesar de ser a minha língua materna, é o que menos uso diariamente, só para falar.
Nunca é tarde para se aprender a gostar de um ofício!


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Vida precária I


Acabo de ler no Público que o governo quer cobrar IRS aos bolseiros da FCT.  Para ser mais correcta, não é o governo, é o ministério das finanças, porque o ministro da educação e ciência é contra... Isto depois de termos assinado um contrato (no meu caso, renovável anualmente até 36 meses) com a FCT em que numa das alíneas diz exactamente que os bolseiros estão isentos desse pagamento. Eu não seria absolutamente contra se tivéssemos os mesmos direitos de todos os trabalhadores. Somos apenas pagos 12 meses/ano, não descontamos para a segurança social sobre o valor que ganhamos, não temos direito a 13º mês nem subsídio de férias e/ou subsídio de desemprego. Para piorar o cenário, somos talvez a única classe em Portugal que não vê os salários actualizados há 10 anos. De facto, nós não existimos. Duvido muito que hoje algum bolseiro consiga contrair um empréstimo. E vivemos nesta corda-bamba. 

Quem está a começar a carreira científica acha tudo maravilhoso e nem pensa. O futuro é algo muito longe, a euforia dos 20 acompanha-nos e isso de planos a longo prazo não existe. Quando comecei o meu doutoramento nem imaginava no buraco sem fundo que me metia... Aquele entusiasmo inicial de que vamos revolucionar o mundo e que alguém é o arauto das boas novas... Nunca, nessa altura houve pensamentos pessimistas.  Alguém, que pela primeira vez nos dava valor profissional e nos animava a sermos mais, maiores.  Citando o João Lobo Antunes: “tal como os apóstolos, quando ouviram o chamamento, deixamos  tudo e segui-lo”.  E eu comecei o meu doutoramento neste entusiasmo cego, fascinada por resultados, uma vida punk de se passar noites no lab, num tempo em que se podia fumar cigarros em todo o lado, jantar a horas que se deveria estar a dormir, viver de noite e, ainda por cima, de dia. Mas tudo muito divertido, muito companheiro, muita ajuda, tudo a remar para o mesmo lado.. Horas infindáveis, dias e noites que se confundiam, choros de desespero de não se conseguir solucionar um problema antes de uma conferência... Algumas músicas que me acompanharam nesses dias, e hoje quando as oiço, ainda me fazem arrepiar ao lembrar-me desse desespero. 

Depois essa coisa do mundo adulto, viajar e conhecer cidades novas, com pessoas que eram “cool” que nos mostravam o mundo. E nessa altura o objectivo era produzir mais e melhor para sermos seleccionados para apresentações orais nas conferências. E sim, não vou dizer que foi péssimo, que detestei. Não, adorei, na maioria das vezes. O problema era mesmo as apresentações. Eu costumo dizer até hoje que perdi anos de vida. Na minha primeira apresentação oral na Suiça,  era eu ainda um “bebé de fraldas” (na gíria científica) a acabar o meu estágio. Lembro-me até hoje de estar na plateia e dizer ao meu orientador que ia à casa de banho. Quando regressei ele disse-me que estava preocupado e que já estava a prepara-se para fazer a apresentação por mim. Sobrevivi a esse dia e muitos mais haviam de vir. 

Outra das memórias que tenho foi numa cidade no fim do mundo, Memphis. Isto em 2005. Aquilo era uma cidade fantasma, às 6 não havia nada... Lembro-me apenas da Beale Street cheia de clubes de jazz e do rio Mississipi, que fiquei tão desiludida quando vi. Eu a pensar que aquilo era tipo o rio Amazonas... Mas o que queria mesmo falar é que o centro de congressos era gigante, bem à medida das cidades da América profunda. Tudo é grande. Uma das primeiras coisas que o meu orientador fazia era mostrar-nos a sala onde íamos fazer a apresentação para que não caíssemos redondas de surpresa. Bem, quando chego à sala... aquilo não era uma sala, aquilo parecia a FIL. Tinha um palco e dois ecrãs gigantes que parecia que era a Madonna que ia actuar! Eu quase morri. Devia ter ficado com tão mau aspecto que o meu orientador disse-me: “Não te preocupes que vão dividir a sala. Isto é só para a sessão de abertura”. Fingi que acreditei. Chegada a hora lá subi ao palco com o microfone de lapela (tão sofisticada que era a coisa). Percebi rapidamente que os ecrãs eram tão longe do pódio que o laser era imperceptível. O sistema naquela altura já era muito à frente (tipo ipad) tocava-se no ecrã do computador e isso era reflectido nos ecrãs gigantes. Desisti, claro de apontar porque as minhas mãos pareciam dois abanadores. Também aqui sobrevivi. 

A conferência seguinte, nesse mesmo ano foi em Shanghai. A conferência que eu mais queria ir e fui! Só fomos 6 pessoas: 4 alunas e 2 chefes. Foi a conferência e a cidade mais surreal onde estive. Desde os taxistas não entenderem o alfabeto ocidental, sim, porque lá nem ousávamos falar, era mesmo tudo escrito em mandarim! As pessoas ficavam a olhar para nós na rua porque éramos as únicas pessoas não-asiáticas. A nossa companheira inseparável era a máquina calculadora. Tudo era negociado. Marcávamos o preço na máquina e a partir daí começava o negócio. Comemos as coisas mais absurdas: andorinha, tartaruga e afins. Até há uma história da AR que se entusiasmou ao ver o que ela achava ser abacate e mete uma colher cheia à boca... e o que era? Wasabi!!! A aventura de comprarmos meias de vidro para a C porque o tempo passou de tropical a glaciar... Eu nunca fiz tanta mímica na vida! A simpatia das senhoras na loja até hoje me comove. O quão mal fiquei num jantar no hotel porque a ementa estava em chinês e não conseguíamos pedir nada de jeito e depois acabamos a noite num bar a beber vinho tinto. Claro que nem vou descrever o resultado. A aventura ainda maior de nos terem levado para o hotel errado e de nos tentarem explicar em chinês que os nossos nomes não constavam na lista. Mas nós insistíamos que sim, que era aquele hotel... só me lembro de ter acordado a meio da tarde, a recuperar do jet lag, com a M. a dizer que estava noutro hotel e que o nosso era o errado... E foi também nessa semana que eu fiz uma amizade que me ficou para a vida, com uma pessoa, como quase todas as outras, eu não gostei à primeira vista. Estas amizades são o que ficam para a vida e o que me fazem olhar para trás e não arrepender-me das escolhas que fiz. 

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