Mostrar mensagens com a etiqueta TNSJ. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta TNSJ. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 30 de março de 2016

As raposas (The Little Foxes)

A peça é sobre dinheiro, poder, valores. “Não quero ser só rico, quero ser milionário”. A luta pelo poder dentro da família. Tão actual. Tudo gira à volta de um grande negócio que uma família quer fazer para aumentar a sua riqueza. Três irmãos, dois homens e uma mulher: Regina (Luísa Cruz), Ben (Virgílio Castelo) e Óscar (Marco Delgado) .  Revelam-se diferentes maneiras de pensar e agir: quem olha a meios, quem não quer olhar a meios mas tem medo, e quem só olha a fins. Os sonhadores, os sentimentais, os pragmáticos. 
Regina tem pretensões de ir para NY e apesar de parecer neutra quer ter uma palavra a dizer neste negócio. Tem a vantagem de os dois irmãos precisarem do dinheiro do seu marido, Henrique (João Perry) que está na Suiça há algum tempo a tentar tratar-se do coração.
As melhores interpretações são as dos veteranos João Perry cuja papel é o do marido doente que tem dinheiro mas que subiu a pulso. Era empregado do banco e depois tornou-se dono dele. Está muito doente do coração e é do bem. Dá uma lição à mulher quanto ao que ganha não é quem joga a última carta. Não há fins perfeitos. Um João Perry que aparenta nesta peça ser mesmo doente e acabado. A  melhor aimulação de um ataque cardíaco que vi até hoje. Apetecia saltar para o palco para ajudar. Morre de ataque cardíaco por não conseguir alcançar o medicamento que a mulher não lhe dá. Regina, mantém-se inerte, sentada no sofá, a vê-lo morrer em agonia.
Outra grande interpretação é de Gracinda Nave, a Betty. A mulher boneca, a tonta, aquela que só sabe tocar piano e que não pode ter opinião sobre nada. Bebe demasiado para esquecer. O seu marido parece ter casado com ela por interesse, apenas para juntar fortunas.
Esta é uma adaptação para os dias de hoje de uma peça dos finais dos anos 30 de Lillian Hellman. Com o elenco: Diana Nicolau, Eurico Lopes, Gracinda Nave, João Perry, Luisa Cruz, Marco Delgado, Pedro Caeiro,  Sofia Cabrita e Virgílio Castelo.
Virgílio Castelo, aquele que interpreta talvez o mais cínico, aquele que dizia as palavras da mãe “Consegue-se tudo com um sorriso”, reconhece que perdeu mas que há mais vida para além deste negócio, mais virão.
O desfecho é dramático e aberto. Nada do que foi um dia voltará a ser.





Copyright: Teatro Aberto

sábado, 5 de março de 2016

"Doce pássaro da juventude" de Tennessee Williams

Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth) como Um eléctrico chamado desejo (A streetcar named desire) a personagem principal é vítima da passagem do tempo. O desaparecer da beleza. Uma actriz decadente, alcoólica, envelhecida, com pouca ou nenhuma esperança no futuro que bebe e droga-se para (simplesmente) esquecer. Alexandra Del Lago, a “Princesa” (Maria João Luís), acompanha Chance Wayne (Ruben Gomes), um gigolô de 29 anos com aspirações a actor, à cidade onde nasceu, St Cloud, no sul dos Estados Unidos. Percebe-se que tem praia pelo som das gaivotas. Este texto maravilhoso  de Tennessee Williams, um dos que vai mais longe na abordagem à degradação humana. Encenado por Jorge Silva Melo. Uma grande interpretação de Maria João Luís. Uma das grandes vozes do teatro nacional.

Um rapaz, Chance Wayne, de regresso à terra de onde partiu há anos à conquista do mundo (de uma forma fácil). Já não tão novo assim, apira a uma carreira de actor, embora seja mediocre. Quer um futuro com o seu amor, Heavenly. É Páscoa, mas não haverá ressurreição. Todos procuram voltar a um passado que imaginaram feliz. Mas nada do que foi voltará a ser. O tempo passa e não se pode recuperar o que passou. "Tempo... Quem o pode combater, quem o pode vencer?... O tempo que rói". Irrepetível. Heráclito. de

A cena começa num quarto de hotel. Chance acorda ressacado enquanto a Princesa/Alexandra Del Lago aproveita os últimos minutos de sono, com os olhos cobertos. A noite foi difícil, percebe-se. Regada a muito álcool. Incluiu óculos partidos e garrafas de vodka. 
Chance está a queimar os últimos cartuchos da sua juventude. Os anos estão a passar e com eles a levar a juventude e a beleza que foi o seu sustento. Tem 29 anos e o cabelo começa a cair-lhe. Era o rapaz mais bonito, encantador e mais querido de St Cloud, cidade onde nasceu.
Queria ter sido actor: "Tive mais oportunidades do que os dedos da minha mão, e quase o consegui...há sempre qualquer coisa que me bloqueia". Critica a vidinha que as raparigas e os rapazes do seu tempo têm: "As raparigas tornaram-se donas de casa, jogam bridge, e os maridos pertencem à Câmara de Comércio...uma chatice". Ele gaba-se da boa vida que viveu: " talvez a minha única é verdadeira vocação: fazer amor... Dormi com todo o jet-set de NY!... Às pessoas de meia-idade restituía uma sensação de juventude. Às raparigas solitárias, compreensão, apreço! Às pessoas tristes, perdidas, algo de leve e revigorante! Aos excêntricos, tolerância...".  Passou os últimos tempos a "pôr bronzeador nas costas de milionárias gordas". Revela o insucesso da carreira militar quando foi chamado para o Exército: "fui para a Marinha porque me agradava mais a farda de marinheiro. A farda era a única coisa que me agradava... Não era capaz de suportar a maldita rotina, a disciplina... Tinha vinte e três anos. Estava no auge da minha juventude e sabia que a juventude não durava para sempre... Comecei a ter maus sonhos, pesadelos e suores frios durante a noite, e tinha palpitações. Quando ia de licença, embebedava-me e acordava nos lugares mais estranhos, e ao meu lado estavam rostos que nunca vira.... Por motivo de doença, fui dispensado e voltei para casa à civil. E nesse momento reparei como estavam diferentes, a cidade e as pessoas. Educadas? Sim, mas não cordiais. Não havia títulos nos jornais, só umas linhas, uma coisa de nada ao fundo da quinta página.... A dizer que Chance Wayne passara honrosamente à disponibilidade da Marinha devido a doença e que vinha para casa convalescer... Foi então que Heavenly se tornou mais importante para mim do que tudo no mundo".
O sonho de Chance é ter o impossível: a juventude de volta, intacta e honrada. E isso, ninguém poderá voltar  ter. O tempo passa e não volta.

Alexandra Del Lago foi em tempos uma bem sucedida actriz. Uma vedeta de Hollywood. Uma artista. Experimenta agora o declínio, suportado por muito álcool e drogas. O tempo também passou por ela. A sua aparência jovem desapareceu. Segundo ela, cometeu a loucura de regressar, "regresso triunfal". Foi  uma decepção. As pessoas ficaram surpreendidas com o aspecto dela, ficaram chocadas: "aquilo é ela?". Fugiu, qual Gata Borralheira, e tropeçou nas escadas: "caí, rolei como uma puta bêbada até ao fundo... Mãos piedosas sem rosto, ajudaram-me a levantar".

Heavenly, filha de Boss Finley, o político mais poderoso da região. Tinha quinze anos quando Chance Wayne a "possuiu". "Houve uma altura em que me podia ter salvo, se me tivesse deixado casar com um rapaz que ainda era jovem e honesto, mas em vez disso mandou-o embora, expulsou-o de St Cloud... Tentou ser tão importante como esses figurões com os quais o papá quis usar-me, ele foi-se embora. tentou. Mas como as portas certas não se abriram foi às erradas... Se o papá casou por amor porque não deixou fazer o mesmo, quando ainda estava viva por dentro e ele ainda era honesto e decente?"
Heavenly, depois da doença sexualmente transmitida por Chance, "uma doença de putas", teve que se sujeitar a uma operação que lhe cortou a juventude do corpo. "Fez dela uma mulher velha, estéril. Seca, gélida, vazia como uma velha". Espera terminar a vida num convento.

Boss Finley, o político mais poderoso da região. Chegou a St Cloud de pés descalços aos 15 anos. Ostenta o orgulho branco do Sul dos Estados Unidos. Considera que a filha vale cem mil vezes mais do que Chance. Viúvo. Foi sempre infiel enquanto a mulher ainda era viva. Mas, mostra que no fundo, até os maus tem qualquer coisa de bom: "lembras-te dessa jóia? A última que lhe dei antes de morrer.... Quando a comprei sabia que ela estava a morrer. Custou-me quinze mil dólares. E sabes porquê? Para que ela pensasse que ia ficar boa... Quando a pus na sua camisa de noite, coitada, começou a chorar...". Queria convencê-la que ninguém daria um diamante tão grande a alguém que estaria a morrer. " sentou-se na cama, feliz com um passarinho com a sua jóia, recebeu visitas durante todo o dia, riu, brincou com elas, ali com o diamante, e com ele morreu antes da meia-noite. E até ao último instante da vida acreditou que o diamante era a prova que não estava a morrer".

Em Chance e na Princesa observamos um destino comum, o destino da perda. Tal como Chance, ela não pode fazer o relógio voltar para trás. O relógio não pára para nenhum deles, como não pára para nenhum de nós. "" Para Princesa, parece no final, haver um regresso à glória e fama passadas, embora pareça muito transitório: "eu sei que estou morta como o antigo Egipto".

A peça termina com um monólogo de Chance virado para o público: "Não vos peço piedade de, apenas compreensão... Não, nem isso. Apenas que me reconheçam em vós próprios, e reconheçam o inimigo comum: o tempo, o tempo em todos nós".







terça-feira, 8 de outubro de 2013

Boris Yeltsin

Saímos já tarde de Braga e ainda foi o caos para entrar no Porto. Tínhamos mesa marcada no Kyoto na Baixa para as 8 e conseguimos chegar às 8:45!!! A peça, começava às 9:30. O desespero era tanto que implorávamos que tínhamos que sair às 9:25... A verdade é que conseguimos... levar a comida num "taparueco". Conseguímos, evidentemente, chegar atrasadas...

Encontro entre o encenador Nuno M. Cardoso e o dramaturgo Mickael de Oliveira, "Boris Yeltsin" é uma incursão teatral feita de humor negro e mordaz ironia pelo lado b da vida doméstica, mas também pelo espectáculo da discricionariedade política e suas devastadoras consequências num mundo em que se festeja a falência moral e económica.

“É um relato de uma família disfuncional, com um pai, Argaménon (António Durães), vindo do ultramar, de um Portugal já longínquo, com uma visão um pouco extremada, ainda com linhas fascistas e conservadoras; uma mãe (Luísa Cruz) que ficou em Portugal, com uma visão socialista da realidade e consegue lidar melhor com a mudança e que gosta de casos extraconjugais; e um filho, Orestes, na casa dos trinta, interpretado pelo actor Albano Jerónimo, que é médico mas que vive não se sabe de quê. A família vive num conflito geracional, económico, social, político, eco do Portugal contemporâneo, entre pai e filho, onde a mãe tenta, sem sucesso, desempenhar um papel conciliador, que culmina no momento trágico da morte do primeiro às mãos do filho. Este momento trágico simboliza o gatilho de mudança para outro registo completamente diferente, que de outra forma nunca seria possível. Tal como a personagem que dá nome à peça, Argaménon está preso e é vítima de um processo que escapa ao seu controlo: o facto de o poder político não conseguir alterar realmente as coisas. 


O que está descrito acima é o que li depois da peça. Há coisas que durante a peça não percebi. Se quiserem ver o Albano Jerónimo nu durante muitos minutos aproveitem. Faz bem aos olhos! Habitualmente, dizem que as pessoas costumam ser melhores vestidas do que nuas. A Mafalda Lencastre é o contrário. Vestida fica aquém do que sem roupa. Até parece mais gorda, quando na realidade tem a magreza da juventude. Quando a peça acabou fiquei a pensar “que peça marada!”. Há por ali muito complexo de Édipo pelo meio. São claras as ligações às tragédias gregas.

E no final, como era a estreia, ainda fomos à festa no bar do Teatro Nacional São João. A S. apresentou-me o António Durães, que por sua vez, nos apresentou o Albano Jerónimo: "Olá, muito prazer, eu sou o Albano".... Dah!!! Claro que sei!!! 






facebook