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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Democracia em vertigem


Vi, finalmente, o documentário “Democracia em vertigem” da Petra Costa. Sem saber, vi muitas vezes, repetidamente, aquela menina tímida, tão nova, a perguntar a Caetano Veloso o significado da canção “Cajuína” que conta o episódio do encontro de Caetano Veloso com o pai de Torquato Neto, em Teresina. A letra que começa com aquela questão existencial “Existirmos, a que será que se destina?”.


E agora, descubro que aquela menina da pergunta é a cinesasta Petra Costa. O documentário que estreou no Festival de Sundance e foi tão elogiado pelo The New York Times é de uma sensibilidade e está tão bem feito que é uma roleta russa de emoções. A revolta, a surpresa, vergonha e incompreensão quando se vê as manisfestações violentas contra Dilma e Lula, quando se assiste aquela palhaçada que foi a votação no Senado do impeachment de Dilma Rousseff e que eu vivi para ver em directo na televisão. E a preocupação de quem vê uma país à beira do precipício: “O que vão pensar de nós”? E a profunda emoção despoltada quando Dilma Rousseff chora no discurso no dia do impeachment. E a serenidade de quem nada teme: “Hoje só temo pela morte da democracia”. Esta mulher guerreira, que não chorou quando foi torturada e que assiste, como todos nós, sem nada que a democacia possa fazer, à derrocada de um Brasil que não existe mais. O Brasil de Lula da Silva que eu aprendi a respeitar porque foi um  Brasil pensado, um Brasil sonhado. Um sonho que se cumpriu. Um país da América Latina onde foi possível ver pessoas que foram ajudadas pelo “Bolsa Família e “Minha Casa minha Gente”. Poder ver os seus filhos estudar, entrar nas universidades, estabelecer uma classe média, onde os ricos ficaram incomodados por ver tanta gente andar de avião, viajar, adquirir poder de compra, conseguir direitos trabalhistas. Uma sociedade com mais igualdade que ameaçou a hegemonia dos ricos. Este país menos desigual não interessava aos privilegiados. Mas como Lula disse antes de ser detido: “Ninguém pode prender um ideal”. Esse viverá com toda a gente que acreditou e acredita porque ninguém poderá prender toda a gente. Como disse Obama: “This is the man”. O político trabalhador metalúrgico, que nunca desistiu, que perdeu muito para poder ganhar, filho de uma mãe analfabeta do nordeste que chegou ao cargo mais alto do Brasil. Ficará para a história por bons motivos e será sempre lembrado. Eu que não gostava de Lula da Silva, com toda esta perseguição política de anos, aprendi a respeitá-lo. E convenhamos, alguém como o Lula que ganhava milhares de euros por palestra, que é uma vedeta na política mundial, ser subornado por uma casa no meio do fim do mundo ou um apartamento numa praia suburbana? Sabemos, agora, que tudo não passou de um plano muito bem feito. E sim, mais vale tarde do que nunca, eu digo #lulalivre. No dia da votação do impeachment de Dilma Rouseff, o então deputado Jean Willys, hoje exilado político disse tudo em pouco menos de um minuto: “Eu me sinto constrangido por participar nesta farsa, conduzidapor um ladrão, urdida por um traidor conspirador e apoiada por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos. Em nome da população LGBT, do povo negro exterminado nas periferias, dos trabalhadores da cultura, dos sem tectos, dos sem terra, eu digo não ao golpe. Durmam com essa, canalhas”.




domingo, 4 de novembro de 2018

O que aí vem

Passou-se uma semana e ainda não estou refeita da escolha feita pelos brasileiros. Aprendi muito nesse mês de campanha eleitoral no Brasil. Mais até no segundo turno. Li muito, vi muito, ouvi muito, discuti muito, zanguei-me muito. E apaguei muitas pessoas. Não quero ter pessoas que frequentam os meus dias que sejam racistas, ignorantes, violentas, xenófobas, misóginas, classistas, que tenham "ódio no coração", que não respeitem e que não sejam democratas. Repetiram-me muito, apoiantes de Bolsonaro, que eu não sei nada, que não sei do que falo, que sou uma privilegiada portuguesa de um país seguro e pacífico que sempre viveu protegida pela academia. E a minha resposta, hoje, já que não consegui mudar um voto, é: "vão-se foder porque quem não entende nada são vocês que vivem num país que fez o 25 de Abril, e quer eu goste ou não, mas respeito a decisão democrática permitida pela constituição, é governado por partidos de esquerda.

Como é que alguém no seu perfeito juízo acredita nesta solução simplista de "matar os maus" e dessa forma acabar com a violência? Ou armar melhor "os bons" em vez dos "maus". Esta gente já parou para pensar que para mudar alguma coisa só educação. Estas pessoas já pensaram em que mundo nascem os pobres no Brasil? Que numa mesma casa vive uma mãe jovem com muitos filhos e muitos netos e ainda não chegou aos 50 anos? Acham que laqueação forçada é a solução? Não entenderam nada. Vejam o filme "A que horas ela chega?" E perceberão alguma coisa. 

Infelizmente, fenómenos como Bolsonaro estão a surgir em todo o mundo. A extrema-direita ou neo-fascista está a aparecer ou a sair da toca em todo o lado. Quando eu achava que nada podia ser pior do que Trump, ou que não se podia descer mais, eis que surge Bolsonaro. As suas ideias tão básicas e tanta ignorância fazem parecer o seu discurso uma piada. É mau e mal preparado demais para ser verdade. Junta a ignorância, com o exagero, com a palhaçada. Nunca achei possível que fosse eleito. Tive esperança até à última hora. Um homem com um discurso de ódio e que resolve tudo com a maior das simplicidades. Elimina-se, executa-se, mata-se, faz-se desaparecer, nega a ditadura militar é problema resolvido. Infelizmente, nada disto é novo. Já todos vimos e foi-nos explicado, nas aulas de História, como Hitler subiu ao poder. Nunca nos esqueçámos que Hitler foi eleito democraticamente quando a Alemanha atravessava uma grande crise pós-guerra. Hitler, bem menos ignorante e mais bem falante do que Bolsonaro, com os seus discursos nacionalistas e populistas conseguiu que votassem nele. Não neguemos que os alemães não tiveram culpa é não sabiam ao que iam. Bolsonaro nem português sabe falar. E eu que não oiça nunca que os brasileiros foram enganados ou que não apoiavam o discurso dele. Se há coisa que Bolsonaro nunca escondeu foi ao que vinha.

Tive muita pena que Haddad não tenha sido eleito Presidente. Confesso que me conquistou. Acho-o um homem bom. Mas ele e o PT cometeram o erro de não aceitar a prisão de Lula e para além de uma ideia quiseram transformá-lo num mártir. Nunca gostei do Lula mas acho, depois de tudo o que tenho visto, que ele não foi o pior que o Brasil produziu. Tenho muita pena que, como os apóstolos, o PT e Haddad tenham largado tudo e seguido o mestre (neste caso, Lula). A história encarregar-se-á dos julgamentos mas o grande erro do PT, ou de Haddad, ou de ambos, ou de todos feijão terem abdicado de Lula. Haddad seria muito melhor Presidente do que Lula seria hoje. Lula, que como os grandes egos, em vez de se deixar descrever pelos erros, descreve-se a si próprio, já não é um homem é uma ideia. Pode até ser. Mas já era tempo de ter deixado a luta para os outros. O tempo de Lula acabou e ele devia ter percebido. Haddad foi a segunda escolha. Sempre colado à péssima imagem que a maioria dos brasileiros tinha de Lula. Tarde e mal assumiu e desculpou-se pelos erros do PT. Haddad, um homem bem formado, democrata, ponderado, com ideias. Acima de tudo um professor. Que oportunidade desperdiçada, Brasil.

Depois, ciro Gomes, que se eu fosse brasileira e votasse, teria sido a minha opção no primeiro turno.que desilusão. Que decepção é o engano. Ciro Gomes mostrou que o ego é uma merda. Como as pessoas normais, e não como os grandes estadistas devem ser, Ciro Gomes não soube aceitar os resultados que lhe deram o terceiro lugar e amuou. Abdicando da sua privilegiada posição e de milhões que acreditaram e votaram nele, viajou para a velha Europa, o exterior, como gostam de dizer. Ciro Gomes assinou a sua morte política com esta decisão. Nunca se vira as costas aos eleitores e ao país quando tanto está em causa. Embora ele ache que tenha jogado certo e apostado na futura candidatura em 2022. Só que Ciro Gomes jogou mal é errado. Se houver eleições democráticas em 2022, que desconfio que possa acontecer, os seus eleitores se tiverem memória, não voltarão a confiar num candidato que só quer é aceita ganhar. Para mim, Ciro Gomes morreu politicamente. Como escreveu Drummond: "Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida das minhas retinas fatigadas". Ciro Gomes perdeu a oportunidade de ficar do lado bom é certo da história. Que triste que foi.

O acesso à educação dos mais pobres e a ascensão social que a educação permite, intimida os privilegiados. Salazar, esse "pai" dos pobres e pregador das vantagens de se ser pobrezinho mas limpinho dizia: "um lugar para cada pessoa é cada pessoa no seu lugar". Não foi por acaso que Portugal em 74 tinha uma taxa de analfabetismo gigantesca e as pessoas não concorriam às universidades, inscreviam-se. Quem é que lá chegava? Os ricos, privilegiados, educados ou um pobre que com um rasgo de muita sorte é uma série de coisas que correram bem conseguia chegar ao topo. A verdade, por mais que digamos mal de Portugal é que conseguimos de 74 até hoje democratizar o ensino. Só não houve necessidade de cotas porque somos uma maioria branca. Ainda estes dias discutia isso com um amigo aqui em Itália. Somos uns privilegiados porque somos brancos. De boca fechada ninguém sabe que não somos italianos. Sim, é assim que está Itália, a transformar-se rapidamente num ninho de apoiantes da extrema-direita. E Salvini ainda há pouco chegou à Ministro. esperem para ver.

E depois, quando todas as previsões e sondagens insistiam em dar a vitória a Bolsonaro, eu insistia em não acreditar. Eu tive esperança até ao fim tal era o clima de mudança é manifestações tão bonitas. A esperança é teimosa. Achei possível uma viragem. A democracia vencer contra o ódio e contra a violência.

Flores e livros. Que melhores símbolos podiam representar um candidato? Apesar de nunca ter gostado do Lula, num ter sido sua apoiante, e nunca ter votado num partido com a ideologia é tão à esquerda como o PT, teria votado em Haddad de olhos e coração bem abertos.

E na hora da derrota, o discurso de conforto e sem confronto.um discurso de abraço e de comunhão. Um discurso tão bonito, de improviso, emocionante, sentido. "Não tenham medo". E como li há pouco, no livro do João Guimarães Rosa "Grande sertão veredas", que tanto queria e me foi dado sem eu esperar e pelo qual me tinha apaixonado por causa de Diadorim na voz de Maria Bethânia: "o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".

Hoje, sábado, já depois de saber que Sergio Moro aceitou ser Ministro da Justiça e da Segurança Pública torna tudo mais triste. Afinal, Sergio Moro acaba de desmentir tudo o que disse de nunca aceitar nenhum cargo político. De facto, o ego é uma merda. E Sergio Moro acaba de transformar Lula num mártir e de legitimar a tese do PT de perseguição política. Mais, se houvesse algum resto de respeito por Moro acabaria quando aceita o convite de uma pessoa tão anti-estado de direito. O eleito governador do Rio de Janeiro, um magistrado associado com seitas religiosas defende a "matança d bandidos" com tiros certeiros na cabeça por snipers. É nesta guerra que o Brasil se transformou. 

Mas depois oiço a música de Caetano Veloso, que considero adequada para este momento, e que ganhou a melhor versão que ouvi até hoje acompanhada apenas pelo piano e cantada pela Adriana Calcanhotto (que infelizmente retirou do repertório de "a mulher do pau Brasil" mas que eu tenho a esperança infinita que seja reposta), talvez de resistência em democracia, sem violência e sem ódio: "Mas ela ao mesmo tempo diz que tudo vai mudar/ Porque ela vai ser o que quis, inventando um lugar/ onde a gente é a natureza feliz vivam sempre em comunhão/ E a tigresa possa mais do que o leão".

sábado, 27 de outubro de 2018

O dia da virada

Ontem, discutia que achava impossível haver um fenómeno Bolsonaro em Portugal. Pelo simples facto que um neo-fascista palhaço e ignorante não encontraria muitos apoiantes em Portugal. É que Bolsonaro é ainda pior que Trump. Posso estar muito enganada mas Bolsonaro comparado com Trump é muito pior. Antes de ser eleito, Bolsonaro não engana ninguém e diz ao que vem. A última é tirar o Brasil da ONU. Não perdeu tempo a ameaçar os seus opositores “cadeia ou exílio”, coisa que nem a ditadura militar se atreveu. Defensor, sem qualquer vergonha, da tortura.  E teve a desfaçatez de dizer que o erro da ditadura militar foi não ter eliminado umas 30 mil pessoas. Depois defende coisas absurdas como o conceito de família normal mas tem uma família constituída por marmanjos que vivem e enriqueceram da política. O nepotismo no seu melhor. E foi “batizado” em adulto por uma das seitas que mais poder tem no Brasil. Fala e expressa-se mal em língua portuguesa, imaginem nas outras. É um ignorante em todas as matérias técnicas. Não é por acaso que deve ter sido um dos únicos candidatos em todo o mundo a recusar debates com o seu adversário.  Dizem que é contra a corrupção mas há muitos anos que vive da política e vê o seu património, e o da família, aumentar exponencialmente. É um homem grotesco. O absurdo em pessoa.
 Depois de Trump achei que não se podia descer mais baixo. O problema é que o buraco parece não ter fundo. E quando se instiga à violência e ao ódio e se provoca medo, não há como não votar em Haddad. mesmo que não se seja de esquerda, mesmo que não se concorde, mesmo que não se goste, nem que seja o mal menor, ou de olhos fechados. E eu que nunca votei em Portugal num partido da ideologia do PT digo com toda a convicção e com os olhos e o coração nem aberto, eu apoio Haddad. Que pena ter sido a segunda escolha do PT. Quem sabe, com mais tempo, não houvesse segundo turno e o inominável não estivesse cheio de esperança.

E Ciro Gomes foi a desilusão. Amuado, pegou nos votos das pessoas que confiaram e acreditaram nele e veio descansar para Paris. Tão fácil? Independentemente do que se passará amanhã não haverá Ciro em 2022. 

Mas erros todos cometemos e Ciro Gomes ainda está a tempo de ficar ligado ao lado bom da história. Todos contamos com o apoio e as palavras de Ciro Gomes. O Brasil fará história amanhã, dando uma grande lição ao mundo de como a ditadura não passará? Eu quero acreditar que sim. Pela língua portuguesa, pelos meus amigos que não quero ver exilados, pelos artistas que quero continua a ver terem voz sem medo, pelos esquecidos , pelos que não têm voz, pela esperança num Brasil melhor, eu serei sempre pelos candidatos democratas. Eu sou Haddad. Contra o ódio e a favor da democracia no Brasil!

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

"Eu vejo o futuro repetir o passado"


Ressacada do resultado das eleições democráticas no Brasil com Bolsonaro quase a não precisar de uma segunda volta, sinto-me como os versos de Caetano: "Estou triste, tão triste/ Por que será que existe o que quer que seja... sinto o meu prato vazio e ainda assim farto". E para piorar, Bolsonaro teve 59% dos votos dos brasileiros em Portugal. Apetece dizer, no calor da coisa, mudem-se para esse país que vocês idealizam porque vocês devem merecer. Depois recupero alguma lucidez e penso que o Brasil perdeu uma tão boa oportunidade de eleger um homem bem preparado tecnicamente, com ideias, com um programa bem explicado, que fez uma campanha informada e que já foi ministro e governador do Ceará, Ciro Gomes. Mas pelos visto, desta vez, parece que o que os brasileiros queriam era uma guerra ou um combate à dois. Avaliação de forças.  Como se justifica esta dicotomia Bolsonaro vs Haddad? 


Nunca simpatizei com Lula da Silva. Já escrevi muito sobre isso. Mas não há como negar que o primeiro governo de Lula tirou muita gente da miséria. E muitos, pela primeira vez na vida, puderam sonhar. No entanto, quando em 2015 estive em São Paulo, pude constatar que era uma cidade de extremos. Uma cidade com a maior favela da América Latina com restaurantes com preços mais altos que NY. Hotéis 5 estrelas que tinham tantos empregados como hóspedes, pessoas cujo trabalho era abrir a porta e dizer: "cuidado com o degrau". Apartamentos em pleno século XXI ainda construídos com separação entre patrões e funcionários. Mulheres mestiças e negras a quererem parecer brancas e alisar os cabelos e a pintá-los de loiro. Médicos  e cientistas que não dominavam a língua inglesa. Brasileiros de classe média a invadir as lojas em Miami e NY.



O maior erro do PT foi manter-se refém de Lula da Silva. E não ter querido ouvir os protestos de um país. Concordo que Haddad é um bom candidato. Bem preparado. Foi um grande Prefeito da cidade Pde São Paulo com ideias progressistas como diminuição da velocidade e fecho de ruas ao trânsito e implementação de outros meios de transporte como a bicicleta. É unânime que foi também um bom Ministro da Educação. Tinha tudo para ter um bom resultado. No entanto, o PT preferiu não fazer o mea culpa e achar que tudo no Lava Jato foi uma "armação". E como todos os mártires, Lula decidiu ir até ao fim e medir forças com a justiça. Acabaram a perder todos. Haddad que foi a segunda escolha e quase não fez campanha como principal candidato. Perdeu o PT porque quando se assume culpas ganha-se o respeito dos seus eleitores e perdeu o Brasil que poderia não estar agora a um passo do abismo. Poderemos sim, para sempre, culpar o PT por este erro estratégico.



Obviamente que Bolsonaro,um péssimo candidato, péssimo político que viveu os últimos 27 anos na e da política e tão pouco contribuiu para ela, sendo ignorante, racista, sem ideias, sem planos, sem projecto de governo, homofónico, xenófobo, misógino, defensor da violência, primário na resolução dos problemas, só podemos concluir que o resultado obtido é um voto de protesto. Os brasileiros estão fartos.
Pobreza, desemprego, desigualdade, violência, falta de oportunidades. É disto que os brasileiros mais se queixam.



Foi assim que Hitler chegou ao poder. E é assim que chegam ao poder (quase) todos os ditadores. Como alguém disse os democratas deviam ter-se unido na primeira volta para derrotar o fascista Bolsonaro. Infelizmente, o meu optimismo não abunda, e acredito que milagres só Deus e os santos. 



Mas o mais revoltante é ver que 59% do emigrantes brasileiros que vivem em Portugal (e não, não são só ricos e milionários) votaram em Bolsonaro! Como é possível os alvos de Bolsonaro votarem a favor dele?! Perceber que São Paulo, a maior cidade do Brasil e mais cosmopolita elegeu novamente o palhaço Tiririca e Alexandre Frota, um ex-actor pornográfico, a quem um dia Bolsonaro disse ser a sua escolha para Ministro da Cultura. Como Cazuza cantou há 30 anos e é tão actual: "eu vejo o presente repetir o passado".Agora, com 20% de vantagem sobre Haddad, Bolsonaro só precisa de continuar igual a si mesmo. E a mim resta-me tentar convencer os meus amigos brasileiros que votaram em Bolsonaro ou Ciro a mudar o voto. Porque apesar dos muitos tiros nos pés de Haddad, como continuar sob a batuta de Lula (o que foi aquela visita a Lula no dia seguinte às eleições? Precisa da autorização do mestre?). Mas mesmo assim, confirmo convictamente que nunca votaria num candidato de extrema-direita, apoiante da ditadura, defensor da tortura e da violência, tecnicamente ignorante, misógino, racista, xenófobo, homofónico. Por isso, a solução é o mal menor. Esqueçam os pecados do PT, votem de olhos fechados, votem no mal menor como um dia Paulo Portas se referiu ao apoio de Cavaco Silva na primeira candidatura à Presidência da República. Não consigo imaginar um Brasil regredir em pleno século XXI.Que país é esse?

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

#elenão


No dia em muitas das cidades do Brasil, e incluíndo outras como Lisboa, vão manifestar-se contra Bolsonaro eu também digo: “ele não”. Bolsonaro é o exemplo de que pode sempre existir pior. Está na hora de a sociedade brasileira perceber que Bolsonaro à frente dos destinos do Brasil será uma desgraça. E não confiemos no absurdo da possibilidade. Arrisco-me a dizer que Bolsonaro é ainda pior do que Trump. Bolsonaro, o homem que fala abertamente e sem vergonha em resolver a violência matando; que deseja a morte de adversários políticos; que tem como ídolo um torturador; que nega a existência de ditadura; que insulta mulheres, que ameaça bater-lhes; que é apologista da tortura, que incita ao uso de armas, que se mostra publicamente a fingir empunhar uma arma; que apesar de viver num país de extremos económicos não aceita como solucão a reformulação dos privilégios dos políticos; que acha que ter uma filha é uma fraqueza, que se vangloria de só ter filhos homens; que não acredita na educação como mudança de uma sociedade; que acha melhor ter um filho drogado do que um filho gay, que acredita na cura gay; que enriqueceu com a política e que todos os filhos vivem da política; e por aí vai.

Um homem sem qualidades. Um político sem ideias, sem plano, sem estratégia. Um político que é o pior que a política pode ter como exemplo: um homem sem preparação alguma, sem qualidade técnica, sem empatia. Um homem que vive da descrença de um povo e de sound bytes. Um homem que nem falar sabe.

Hoje e até ao dia das eleições no Brasil é importantíssimo que os grandes exemplos não fiquem calados e usem a sua importância como “influenciadores” de opiniões e também digam “ele não”!   

Como estou fora de Portugal só  acompanho as notícias pelas redes sociais e o que me contam. Soube há poucos dias, com o sentimento que a humanidade de facto falhou, que juizes do Porto consideraram consentida a violação de uma mulher inconsciente. Para além  de repugnar a decisão destas pessoas supostamente acima de qualquer suspeita e superiormente educadas, o que leva seres humanos, seres bípedes com suposta inteligência violar uma pessoa inconsciente? Que prazer há nesse cenário mórbido? Uma pessoa inconsciente, que não responde a estímulos ser abusada por duas pessoas? Estes pseudo humanos não têm mães, irmãs, filhas, mulheres que respeitam e de quem gostem?  Que sentido faz isto? Isto não se passou no Brasil ou na Índia aconteceu em Portugal em pleno século XXI. Mostremos a nossa indignação. Falemos, ensinemos, gritemos que tudo se baseia em consentimento e respeito. Nem os animais irracionais são capazes de tal aproveitamento.,


quinta-feira, 10 de maio de 2018

O mal menor


Há uns anos, quando Cavaco Silva foi pela primeira vez candidato a Presidente da República contra Jorge Sampaio, Paulo Portas subira ao púlpito da Assembleia da República para apoiar o “mal menor”. Ele que tinha sido um dos principais alvos e manchetes d´O Independente no período político conhecido como “cavaquismo.  É esta a analogia que faço com Lula da Silva.

Nunca gostei do estilo. Nem das amizades. Nem de quem se rodeou. Nem dos silêncios. Nem dos desconhecimentos. Nem do mau-gosto. Nem do apoio a Chavez. Nem da apresentação do livro de Sócrates. No entanto, com tanto anti-Luluismo, até eu me rendi. Lula da Silva é o mal menor. Não vou dizer, como li muito, que “roubou mas fez”. Não sei se roubou. Não sei se foi corrompido. Cabe à justiça esse papel. O(s) crime(s) de que é acusado já foram confirmados em duas instâncias,  mas não transitou em julgado. O principal crime de que é acusado é um triplex no Guarujá. Ou seja, o equivalente em Portugal a ter um apartamento no Barreiro. Não é um apartamento em Ipanema ou no Leblon ou uma mansão em Trancoso ou Fernando de Noronha. Mas se é verdade, demonstra um imenso mau gosto e a aptidão para “vender-se” por pouca coisa. No entanto, até hoje, não vi prova nenhuma que demonstre que o apartamento era realmente seu. Mais, a ser verdade, 12 anos? É inegável que Lula da Silva tem imensos opositores, principalmente a alta burguesia e alta sociedade brasileira que vive no século XXI mas com tiques de século XVIII. Esta elite branca, de direita, milionária, priviligiada, que vive como (quase) nenhum lugar do mundo. Talvez algo comparado a alguns países de África em que só há miséria e fome e do outro lado esbanjamento. Esta elite perdeu direitos com a subida de Lula ao poder. Em vez de 5 a 7 seres humanos para tarefas domésticas correntes que incluiam: motorista, jardineiro, porteiro, faxineira, diarista, cozinheira, babá pagos a preços abaixo de electrodomésticos, começaram a ter que diminuir os seus luxos. Estas pessoas começaram a ter direitos e a não serem tratados como antes da abolição da escravatura.

Agora façamos o exercício de ser verdade que Lula da Silva é corrupto. Outros políticos como Aécio Neves que tem uma ligação difícil de explicar com um helicóptero com 500 kg de cocaína e que foi apanhado em escutas telefónicas a sugerir matar alguém que sabia muito. Temer que é Presidente sem ter sido eleito e suspeito de muitos crimes mas não foi a julgamento porque a política, nomeadamente o Congresso brasileiro permitiu que assim fosse. Aquele Congresso eleito pelos brasileiros, em eleições livres e democráticas, votou pelo impeachment de Dilma e não permitiu que Temer fosse julgado. Não sei quem naquele congresso brasileiro é isento de mácula.

A Isabel de Moreira que se intitula como Constitucionalista ter com cartazes “Lula livre” é uma anedota. Aliás, acho que a Isabel Moreira está no partido errado. De facto, ela deveria ser coerente e filiar-se no Bloco de Esquerda.

Ter visto José Sócrates, acusado de crimes semelhantes em Portugal em muito maior, comentar a prisão “política” de Lula da Silva foi lindo. Não conhecesse a excelente capacidade de argumentação combinada com a mentira compulsiva e eu acharia que estava a ouvir um dos mais brilhantes pensadores do séc XXI.

O mais curioso é que as pessoas que usam os argumentos anti-direita, que eu corroboro na íntegra, se esqueçam das situações políticas em Cuba e Venezuela. Os eternos mitos que estampam t-shirts por todo o mundo com as caras de Fidel e Che. Uma ditadura de quase 60  anos que fez milhares de exilados políticos e causou milhares de mortes no mar em fugas clandestinas. Nunca nos esqueçamos de Reinaldo Arenas. E a Venezuela, senhores? Primeiro Chavez, depois Maduro. Preciso de descrever a situação que lá se vive e que a comunidade internacional insiste em ignorar e a esquerda não aborda deliberadamente?

sexta-feira, 30 de março de 2018

Seremos todos (algum dia) Marielle


O EUA é esse país capaz do melhor e do pior. A mais antiga e mais usada linha celular foi criada sem consentimento da sua dadora, Henrietta Lacks, uma mulher negra, pobre, nos anos 50 que sofria de cancro. O país da Rosa Parks que se recusou dar o lugar a um branco mas que ainda existe o Klu Klux Klan. O país que viu nascer e morrer assassinados John F. Kennedy, Martin Luther King e Malcolm X. O país que foi capaz de eleger o primeiro Presidente negro mas foi também o país que preferiu um louco para Presidente em vez de escolher uma mulher. O país onde na semana passada o The New York Times reconstruiu, baseado em imagens de comeras de hotel, os dias do atirador que matou dezenas de pessoas em Las Vegas. Carregou várias dezenas de malas, durante vários dias, com tudo planeado, alugou dois quartos e foi o responsável pelo maior número de mortes resultante de um tiroteio. Um país onde entre 2006 e 2009 me era pedida identificação para comprar cigarros mas onde comprar uma arma ou várias era (mais) fácil. O país onde várias pessoas mataram outras pessoas em tiroteios só porque sim, por razões políticas, por ódio, por racismo ou sem se saber a razão e porque qualquer pessoa pode ter acesso a uma arma. Um país cuja capital parou para dizer não às armas. Um país que tem adolescentes capazes de se mobilizarem e de discursos como os que se fizeram na semana passada em Washington é um país com futuro e onde a esperança não está (de todo) perdida.

Depois, na América do Sul, temos o Brasil. Há anos que se morre por nada. A vida (lá) vale muito pouco. Tenho um amigo que é um acérrimo defensor de Lula. Por causa dele, diz ter conseguido estudar e chegar a um dos mais altos graus académicos. Ele que é, como se apresenta, por desordem alfabética: brasileiro, pobre e preto. Pior, no Brasil, só se fosse mulher, favelado e homossexual. Há umas semanas foi executada uma vereadora Câmara do Rio de Janeiro, do partido político PSOL. Ainda não se sabe quem foi nem a razão. Sabe-se (apenas) que foi uma execução política. Nunca tinha ouvido falar dela. Mas conhecia Marcelo Freixo o candidato a Perfeito do Rio de Janeiro e o deputado federal Jean Wyllys. Marielle que reunia tudo o que uma pessoa no Brasil de agora não pode ser: nasceu pobre, na favela da Maré, era preta, mulher e lésbica mas estudou e chegou a vereadora. Era uma activista, uma voz incomoda, (quase) sem medo. Ousou denunciar a extrema violência da polícia militar nas zonas pobres e era a personificação de que estudar vale a pena.  Mas quando pessoas que apesar de estereotipadas têm voz são silenciadas, já não basta só ter medo nem vir para as ruas. Nunca gostei de Lula mas tenho que aceitar que de tudo o que aconteceu nos últimos anos foi o melhor. Quando no Brasil existem políticos com o baixíssimo nível que vemos na televisão todos os dias, quando o Perfeito do Rio é um Bispo da IURD cheio de cirurgias plásticas e cabelo pintado que quer tornar a cidade mais bonita pintando as fachadas das casas das favelas, quando se ausenta da cidade no Carnaval, a época mais crítica da cidade, e quando insiste num estado sem ser laico; quando um dos possíveis candidatos à Presidência do Brasil é um reaccionário, apoiante da ditadura militar, que numa discussão pública afirmou que uma deputada merecia ser violada, que acha que a solução da violência no Rio está em bombardear as favelas; Quando os maiores intelectuais brasileiros dizem que os alunos saem das escolas analfabetos funcionais. Quando quem não está a favor, está contra. Quando não existe meio termo. Quando as pessoas destilam ódio e ameaças nas redes sociais. Quando se é julgado e seleccionado pela cor de pele... resta perguntar: o Brasil (ainda) tem solução? É  por isso que eu sendo branca, não sendo de esquerda, muito menos caviar, de não ser burguesa, digo: devemos ser todos Marielle!

domingo, 25 de março de 2018

O Feliciano


Se eu quisesse ser má diria que alguém com este nome não augura nada de bom. O Feliciano, tal como o Relvas, o Vara, o Sócrates, mais outros tantos políticos menos conhecidos, e assessores  dos aparelhos partidários são o resultado do “chico-espertismo” português. Um país onde o tratamento por “doutor” e “engenheiro” chegou (quase) ao nível do Brasil. As universidades privadas proliferaram como fungos nos anos 90. Venderam licenciaturas aos betos jotas dos partidos que não tinham notas para entrar nas universidades públicas, aos betos que não conseguiam terminar os cursos nas universidades públicas, aos trintões que queriam uma licenciatura que lhes concedesse o tratamento pelo grau e/ou lhes legitimasse a desempenho profissional. Para melhorar tudo, esta semana, ficamos a saber que os licenciados pré-Bolonha vão ter equivalência a Mestrado. Estamos conversados quanto a facilitismos.

Voltando ao Feliciano, é outro dos casos que envolve a dupla maravilha de combinar um curso tirado numa universidade privada com a demora da obtenção do curso. Dir-me-ão que a conclusão desta combinação é uma generalização e um preconceito. Pode ser, mas convido quem tiver tempo e paciência a analisar os políticos e os seus boys que tiraram os cursos em universidades privadas. Infelizmente, a política portuguesa está cheia destas ervas daninhas que ajudam a sustentar os partidos e os governos.

Não é preciso ter tirado um doutoramento numa universidade americana ou em colaboração com uma universidade americana para saber que quando se é aluno de doutoramento ou aluno de doutoramento visitante, o processo começa com uma carta/convite da universidade americana em inglês, nunca em português. Juntamente com isso vem a obtenção do DS e do visto J1. O esperto do Feliciano não só demorou o dobro dos anos da duração da licenciatura numa universidade privada como se aproveitou de uma carta de uma Professora de Berkeley em português a dizer que orientaria o seu doutoramento. Como todos os espertos, aproveita-se de tudo o que pode. Dizem à boca pequena que mal fala inglês e que, quando contrariado, diz mal de toda a gente e que queria chegar a Ministro, coisa que nunca aconteceu. Mas, pasme-se, chegou a Secretário de Estado em dois governos e foi chefe de gabinete de Passos Coelho (que não gostava dele... imaginem se gostasse). Li das coisas mais anedóticas sobre este senhor desde ter publicado mais de 20 livros a fazer-se anunciar no Bombarral à sua chegada com buzinadelas do motorista oficial.

Mas onde eu quero chegar é que Felicianos há muitos. E o exemplo do Feliciano é um dos exemplos de como se ascende na vida. Depois, também há os que sem mácula e sem nada que se lhes aponte têm uma biografia irrepreensível e repleta de graus mas subiram na vida porque se encostaram às pessoas certas. Porque se é verdade que há muita gente que não consegue tirar uma licenciatura sem ter sido paga, há muita gente que não se pode gabar de grande inteligência mas ter conseguido tirar um doutoramento. É célebre a frase: “um burro com livros é sempre um burro”. Há muitos anos uma pessoa que era respeitadíssima, e que caiu anos depois em desgraça, dizia uma coisa que nunca esqueci: “ não interessa o que diz a tua tese mas quem é o teu orientador”. De facto, a vida depois de 38 anos ensinou-me que é (quase) uma verdade absoluta.  Com raras excepções, nunca chegaremos a lado nenhum  sem um telefonema ou sem uma (boa) carta de recomendação.

Pedro Passos Coelho chegar ao topo da hierarquia académica pelo simples facto de ter sido Primeiro-Ministro causou grande indignação.  Um licenciado por uma universidade privada, depois dos 30, leccionar numa Universidade pública com a equiparação a Professor Catedrático Convidado? Que sacrilégio! Concordemos ou não, não é ilegal. Podemos lembrar-nos de outros como Vitor Constâncio e Guilherme de Oliveira Martins.  O que a mim me causa perplexidade e azia não é ele ser professor catedrático convidado numa universidade pública, que é legal,  mas eu não poder fazer o mesmo. E nunca me esqueço do comentário infeliz que fez sobre aconselhar os melhores qualificados a emigrar. Foi o que fiz. Na inevitabilidade de não conseguir no meu país um emprego, conseguiu-o no estrangeiro, aos 38 anos pela primeira vez. O que me faltava?

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Onze de Outubro de 2017

Ontem, onze de Outubro de 2017 foi o dia em que “o Ministério Público, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, deduziu acusação contra 28 arguidos, 19 pessoas singulares e 9 pessoas colectivas, no âmbito da designada Operação Marquês”. José Sócrates foi acusado de 31 crimes (3 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 crimes de branqueamento de capitais, 9 crimes de falsificação de documentos e 3 crimes de fraude fiscal qualificada). A ser verdade este enredo/tese, difícil de explicar e de perceber, e que os jornais e televisões (muito eficientemente) tentam explicar em esquemas simples, deve envergonhar-nos a todos. Há uma coisa que toda a gente sabe que é verdade: o Sócrates é um mentiroso compulsivo, se é ou não uma patologia só os psiquiatras poderão avaliar. Alguém se esqueceu da célebre entrevista à Clara Ferreira Alves, cuja capa é uma foto de Sócrates casual no Altis de Belém, de blazer, jeans e botins? Ainda ontem, a Clara Ferreira Alves dizia que não se considera mal informada (e até ela foi magistralmente enganada nesta entrevista) na qual Sócrates garantia que a única fonte de financiamento tinha sido um empréstimo bancário de 120 mil euros da CGD (que segundo as contas que fizeram acabaria em 4 meses pelo volume de despesas que tinha). Já nesta altura pensei como é que ele conseguia enganar toda a gente. Mas como diz o nosso Primeiro Ministro “há o tempo da política e o tempo da justiça”. E pelos vistos, não se compadecem um com o outro. Ofuscou, claro, o anúncio das candidaturas do “Menino guerreiro” e do “Barão de Azeitão”. Deixou de se falar dos fogos que queimam tudo o que aparece pela frente. E da qualificação de Portugal para o Mundial. Mais a Madonna que, coitadinha, não encontra casa em Lisboa.

Acho que o tempo é essencial para tudo. Há um tempo certo. Santana Lopes estava tão bem com Provedor da Santa Casa. Fez um óptimo trabalho e até criou os Prémios Santa Casa para a área das Ciências da Saúde. Acho que foi um ingénuo quando aceitou substituir o inqualificável Durão Barroso (que abandonou o barco em troca de trono melhor) sem sei eleito. Acabou a perder tudo, quando ganharia facilmente, se em vez de nomeado fosse eleito. Mas Sampaio, Durão e ele próprio não entenderam assim e Sócrates foi eleito por maioria absoluta. Lembram-se? Perdeu a liderança do PSD contra Ferreira Leite. Perdeu as eleições à Câmara de Lisboa contra António Costa. Volta a ser candidato à liderança do PSD. O que o motiva?

Rui Rio quase não o conheço para além de ter estado 12 anos à frente da Câmara do Porto. Dizem que é um homem sério, austero e granítico (como a cidade de onde é). Deixou as contas em ordem, toda a gente lhe reconhece o trabalho, mas fez do Porto uma cidade apagada, principalmente, culturalmente. É dele a célebre frase que não se podia gastar mais em cultura do que em acção social. Esquece-se, contudo, que a cultura e a educação não são frutos que se colhem no tempo de duração de um ou dois mandatos. No resto, tem alguns dos piores defeitos de um bairrista. Se tivermos que comparar, tem muitas semelhanças com Passos Coelho, é obstinado com números e contas, não é empático, não governa para a comunicação social, não é mobilizador. Tudo o que o PSD não precisa neste momento.

José Eduardo Martins, que participou na escrita do projecto político do PSD para a Câmara de Lisboa, lançou ontem um “Manifesto PSD 2017 Nós, Sociais-Democratas”.  É um nome a ter em conta para os próximos anos se o PSD não quer ficar agarrado aos mesmos do costume e se quer renovação que não inclua gente sem qualidades como Hugo Soares e Duarte Marques. Tudo me afasta desta gente. Vamos ver em quem agora esta canalha se vai pendurar.

O que os militantes do PSD deveriam querer saber é qual dos dois candidatos se rodeará de gente mais competente e afastará (de vez) os Hugo Soares, Duarte Marques, Miguel Relvas, Marco António Costa, José Manuel Fernandes, e os arguidos Miguel Macedo, António Vilela (faltar-me-ão muitos nomes, com certeza, mas ando desinformada politicamente) e outros tantos desta vida. Já não tenho paciência para aqueles Luís Filipe Arnaut, que estão sempre prontos para voltar aos lugares de poder e que são eternos “ministeriáveis”. Mas como eu não voto, a minha opinião, vale o que vale. 

Ontem, dia marcante para a justiça portuguesa, fez um ano que vi fazer-se justiça e a continuar a acreditar que não podemos deixar a esperança morrer. Nunca devemos esmorecer nem deixar de lutar por aquilo que acreditamos, leve o tempo que levar. 

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Adeus Passito

A derrota do PSD era expectável. Pedro Passos Coelho tinha a seu favor as baixas expectativas.  Mas uma hecatombe desta dimensão deixou muita gente surpreendida. A começar por mim. Ficar abaixo da CDU é uma catástrofe. Só uma visão deturpada e uma cegueira intratável justificam o mundo paralelo em que Passos vive desde o dia 4 de Outubro de 2015. Toda a gente sabe que foi Passos que ganhou as eleições legislativas. Toda a gente sabe que a formação da “geringonça” foi o golpe que Passos até hoje ainda não aceitou. Toda a gente sabe que o fim do mundo não chegou e que não haverá eleições legislativas antecipadas como Passos desde o primeiro dia da tomada de posse de António Costa ambicionou. Toda a gente sabe que o diabo não chegará. E como diz João Miguel Tavares: “Já várias vezes escrevi que o país muito lhe deve, e que a História lhe fará justiça. Mas agora é hora de pendurar o retrato na Rua de São Caetano à Lapa e dizer adeus”. Acrescento o que disse Manuel Ferreira Leite “atónita e chocada com os resultados demasiadamente maus”. José Miguel Júdice, que entregou o cartão de militante do PSD, disse que este não é o partido de Sá Carneiro e nem consegue perceber qual a actual ideologia.
Os candidatos do PSD em Lisboa e no Porto eram fraquíssimos e nascem de erros de avaliação, de segundas e tardias escolhas e teimosia do seu líder. Começou com o erro de não ter apresentado um candidato vencedor antes de Cristas e, depois, não ter reconhecido isso e errar pela segunda vez não apoiando Cristas em Lisboa e não ter apoiado Rui Moreira no Porto. Tenho muita pena que o José Eduardo Martins, crítico interno de Passos, aceitasse ter escrito um programa eleitoral que estava derrotado à partida. Tenho pena, também, da Teresa Leal Coelho que aceitou a tarefa ingrata de não ser a primeira escolha e ter-se sujeitado a este papel. Até admiro a frontalidade dela como deputada e as opiniões anti-racismo que expressou, sozinha, durante as eleições. Mas, não conseguiria pensar em candidata tão fraca e com tão pouco entusiasmo durante a campanha. No entanto, acho que ela é a menor das culpadas.
Braga continua completamente irrelevante sob o ponto de vista político nacional. Braga, que  tantos dizem estar no mapa e que é a terceira cidade do país, nunca o é nem nas eleições nem  nas previsões meteorológicas. Com a maioria, pela segunda vez consecutiva, vamos ver se Ricardo Rio saberá usar melhor depois de ter sido, segundo disse, condicionado pelo estado das contas que encontrou no município. Este era um resultado esperado. Primeiro porque uma governação jurássica do Partido Socialista já não acrescentava nada a Braga e a oposição pouco mais fez do que críticas avulsas. Acrescenta-se um PS totalmente descaracterizado, com os arguidos apoiantes de Mesquita Machado de um lado e um Miguel Corais orgulhosamente só do outro. No entanto, existem muitas coisas que têm que melhorar nos próximos anos. É indiscutível como a cidade ganhou vida nos últimos 4 anos. A relação com a Universidade é notória e de salutar. As actividades culturais são muitas e diversificadas. A procura e oferta turística tiveram um aumento exponencial. A revogação de alguns péssimos negócios como o edifício das convertidas é um grande exemplo. A decisão sobre o S. Geraldo depois de muita pressão pública foi outra das grandes decisões a mostrar que esta coligação não está de costas voltadas para a população. As reabilitações do Parque Exposições de Braga (PEB) e do mercado Municipal foram dois dos grandes investimentos desta coligação. No entanto, há coisas que não se percebem: como não se cria mais verde naqueles espaços à volta do parque da Ponte, mais ciclovias e passeios?Como é que aquele parque pode ter tão pouca vida? O que se fez nas margens do Rio Este nestes últimos 4 anos? Uma das promessas da coligação “Juntos por Braga” era a revogação do  aumento de ruas com estacionamento pago. A minha rua fazia parte das ruas acrescentadas cujo estacionamento é totalmente pago. Há uns tempos critiquei publicamente a forma como o actual Presidente da Câmara prometera revogar a decisão da ESSE no que respeita ao aumento do número de ruas com estacionamento pago. Fui corrigida, posteriormente, pela sua Chefe de Gabinete (pessoa que prezo e tenho consideração) que a acção teve parecer positivo do Tribunal mas que a ESSE recorreu. É neste ponto que estamos. O pagamento continua a ser cobrado. Eu sou residente numa rua cujo estacionamento é pago mas eu não tenho garagem. Ou seja, qual a justiça de se cobrar o estacionamento a residentes que não têm lugar de garagem. O que me sugerem é que pague a avença mensal? Tenho centenas de euros por pagar. O que proponho: devia ser criado um dístico isento de pagamento para residentes sem estacionamento. É o mínimo que se pede num país civilizado e cujo cidadão comum paga por tudo o que usufrui. Será pedir muito? Uma das promessas desta coligação é mudar a recolha dos lixos domésticos. Pois bem, para quem conhece a recolha do lixo em Braga é qualquer coisa que considero indescritível para o século XXI. O lixo é colocado nas calçadas à porta dos prédios. Será  que vai mudar em 4 anos?
O resultado de Isaltino em Oeiras  é anedótico. O concelho com maior percentagem de licenciados e doutorados do país elegeu, com um resultado esmagador, um senhor julgado, condenado e preso por crimes praticados no tempo em que era presidente da câmara. O exemplo de Oeiras faz-me lembrar a piada que conto muitas vezes que os maiores burros que conheci na vida são doutorados. A democracia (também) é isto?
Inês de Medeiros derrotar o bastião do PCP em Almada foi outra surpresa, para mim. Uma candidata sem nenhum peso político, como Inês de Medeiros, é a prova de que tudo corre bem ao PS. O estado de graça chegou para ficar.
A frase tantas vezes repetida, a mesma frase tantas vezes lida “não me demito” não é sinónimo de coragem nem inteligência. É sinónimo apenas de teimosia e não saber sair de cabeça erguida. Tomasse como bom exemplo o de Paulo Portas, e quem sabe, pudesse voltar um dia. Desta forma, ficará como o pior exemplo da história de agarrado ao poder. Nunca devemos ser nós a acharmos que somos (sempre) indispensáveis. Os outros é que devem opinar por nós e deverão fazer esse julgamento. Como tudo na vida devemos sair quando estamos a mais e não esperar que nos empurrem.O grande problema do PSD é quem quer ir para o lugar mais indesejável do país? Rui Rio é um homem provinciano, bairrista, dizem que  equilibrou as contas no Porto mas nunca a cidade esteve tão apagada e tão invisível como no seu tempo. Um homem sem visão é tudo o que o PSD não precisa. 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Uma declaração política (ainda) necessária no séc. XXI

Há uns anos, Alexandre Quintanilha disse numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro: “Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho que explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. [...] Temos que nos reinventar e dar a noção a outros gay de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos – isto parece uma treta... – que o mundo, se tivermos boa vontade, e se funcionarmos de boa fé, vale a pena”. É por estas palavras que (ainda) acho que declarações políticas como as da Secretária de Estado da Modernização Administrativa são tão importantes.

Palmas para a Graça Fonseca que falou “mesmo de tudo”.

A Graça é o exemplo da pessoa que deve estar na política. Chegou tarde mas dá-lhe o seu melhor. Uma pessoa inteligente, competente, bem formada, sóbria, discreta, honesta e “militantemente optimista” é o que destaco dela. Esta entrevista só lhe acrescenta a dimensão humana que eu já tinha. Tendo (tantas) qualidades, e o seu o percurso profissional exemplar, destaca-se ser a primeira mulher da política portuguesa a assumir-se como homossexual.

No séc XXI não devia ser notícia, de facto, até porque em Portugal o casamento e a adopção são permitidos a todas as pessoas sem  descriminações.  Mas num século em que ainda são mortas pessoas por amarem alguém, estas palavras da Graça, devem ser lidas e viralizadas: “ ... se as pessoas começarem a olhar para políticos, pessoas do cinema, desportistas, sabendo-os homossexuais, como é o meu caso, isso pode fazer que a próxima vez que sai uma notícia sobre pessoas serem mortas por serem homossexuais pensem em alguém por quem até têm simpatia. E se as pessoas perceberem que há um seu semelhante, que não odeiam, que é homossexual, isso pode fazer que a forma como olham para isso seja por um lado menos não querer saber se essas pessoas são perseguidas, por outro lado até defender que assim não seja”.

E depois temos palavras como as do Carlos Abreu Amorim que, infelizmente, é Vice-Presidente do Partido que eu um dia simpatizei: Não demonstra coragem, diferença ou novidade. Só exibe que não tem mais nada para dizer. [...] Quando um governante dá uma entrevista é porque tem alguma coisa importante a dizer ao país. Deve ter mensagens políticas acerca daquilo que fez e faz, sobre os seus planos para o futuro. Não age bem um governante que apenas fala de si, que usa a entrevista para tentar projectar-se a si mesmo, a sua vida privada e a sua sexualidade, como uma espécie de modelo de comportamento público”. A sério que o Carlos Abreu Amorim escreveu que a Graça Fonseca quis projectar-se?

O PSD precisa mesmo, muito mesmo, de uma limpeza. Devemos nunca esquecer que foi Sá Carneiro que dizia que se a Snu Abecassis (por quem assumiu publicamente o seu amor e só não se casou com ela porque não lhe foi dado o divórcio) não fosse convidada ele não ia. Assim sendo, 36 anos depois da morte de Sá Carneiro, este reaccionário dizer frases destas, é insultuoso. Desde quando é que num mundo, onde ainda morrem pessoas por assumirem a sua homossexualidade, é visto como propaganda pessoal? Depois há os que se calam e não comentam. 

Mas depois, felizmente, ainda há pessoas do PSD como o Carlos Moedas, que actualmente é Comissário Europeu da Ciência, Investigação e Inovação, com estas palavras: "A coragem da @gracafonseca é importante para os que lutam por uma sociedade mais justa. Obrigado Graça."

O que eu espero? Já que temos um investigador da geração de 70 que é Ministro, espero ver em breve uma mulher, que também já foi investigadora, e da geração de 70 chegar brevemente a Ministra. Go, go, Graça!



Copyright: Jorge Amaral/ Global Imagens

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Não há desculpa

Há anos, no tempo da Presidência Bush (filho) ouvia: “Bush é Presidente dos EUA, como posso sentir-me segura?”. Sou uma optimista mas sempre achei que haveria pior do que Bush. O buraco pode sempre ser mais fundo. Esta América elegeu democraticamente um Presidente que defendeu a construção de um muro para separar dois países, que diz “nós e eles”, sendo esses “eles” os maus, a causa do crime, do insucesso, da delinquência, que a inexistência desses “eles” seriam a salvação do país.  O Presidente que ousou dizer que não aceitava trans no exército. O Presidente que ignora os homossexuais. O Presidente que ousou um dia duvidar e questionar a nacionalidade de outro Presidente. O Presidente que pinta o cabelo de loiro e quer parecer sempre bronzeado ao estilo Miami beach. O Presidente que precisou de dois dias para comentar o que se passou em Charlottesville. “Let’s make America great again”? Mesmo? Nunca nos poderemos esquecer que este Presidente foi eleito democraticamente. Esta América que deu grandes lições ao mundo, foi a mesma que elegeu o presidente mais xenófobo, homofóbico, racista e idiota que a América conheceu. Pior do que isto é impossível. A história já nos mostrou como se dão, democraticamente, as grandes tragédias da humanidade.

Sobrevivente do Holocausto @Union Square-NY

Aqui no nosso cantinho, o PSD de Sá Carneiro, com o qual me identifiquei um dia, não sei onde está ou o que resta dele. O Pedro Passos Coelho, que na sequência do acontecimento da Virgínia poderia ter, no mínimo, algum recato lançou esta pérola: “Não podemos acolher toda a gente”. O que é toda a gente? Por acaso, PPC já foi emigrante alguma vez? Soube o que é ser olhado de lado por ser identificado pelo sotaque não nativo? Ou ser descriminado pela cor da pele? Não. PPC teve a sorte de nascer branco, homem, heterossexual, loiro, alto e na classe média. E não conseguirá, nunca, colocar-se na pele dos outros. PPC que já soube o sabor amargo da crítica à sua trajectória pessoal (terminou a licenciatura bastante depois dos 30 e numa universidade privada). Este PSD foi o mesmo que elegeu para líder da sua bancada o Hugo Soares que há uns anos mostrou que em política vale tudo. Para quem não se lembra, o Hugo Soares, depois da votação na generalidade da lei da co-adopção e adopção de crianças por casais homossexuais, achou que um referendo é que era.  [Não esquecer que Teresa Leal Coelho demitiu-se do cargo de vice-presidente da bancada parlamentar do PSD nessa altura  por ser a favor da co-adoção e considerar que esta matéria não devia ser referendável]. Estes reaccionários ultraconservadores não me representam e o que me deixa ainda mais triste é haver (ainda) gente mais nova do que eu a pensar assim... 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Mário Soares,1924-2017

(Escrito no dia em que morreu: 7/01/2017)


Nunca votei Soares. Quando andava na primária usei e abusei do "Soares é fixe e o resto que se lixe", mal sabia eu o que era política. Mas ninguém pode negar a importância dele na política portuguesa. Depois, sempre respeitou muito Sá Carneiro e reconciliou Amália com Portugal,conseguindo prestar-lhe a homenagem que ainda viu em vida. Um homem culto, moderno, visionário, leitor voraz.Um conhecedor e admirador de arte, admirava as coisas belas. Um defensor da ciência e dos cientistas. O político português mais conhecido no mundo. Errou Ao candidatar-se ao Parlamento Europeu e ao recandidatar-se a PR, contra a vontade até dos seus amigos e familiares. Numa época em que a política é inundada de gente sem qualidades, Soares é um exemplo. Fui a maior das críticas da Fundação Mário Soares, ainda em vida. Não é porque na morte toda a gente é boa mas porque é merecido. Abomino as destilações viscerais de muita gente com pouco o que fazer no anonimato das redes sociais.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O triunfo das mulheres

Sou suspeita para falar de Madonna. Acho que é o verdadeiro icon pop. Transgressora. Revolucionária. Autora de uma grande música chamada Music que tem apenas um acorde (o máximo da simplicidade na linguagem musical). Autora de várias músicas que são verdadeiros hinos. E autora de músicas, que de alguma forma, toda a gente conhece. E é, nas suas próprias palavras “uma má feminista”. Madonna está a dois anos de fazer 60 e acaba de ganhar, esta semana, o prémio de “Mulher do ano”. Destaco o seu discurso de aceitação e agradecimento. Um discurso emocionante, verdadeiro, íntimo, revelador, sincero, cru e doloroso.

Com o seu conhecido humor começou o seu discurso centrado, principalmente, no facto de ser mulher. Começou por referir que hoje, com as novas tecnologias, as pessoas não precisam de ter coragem de insultá-la “cara-a-cara”. Falou da sua experiência de se mudar para NY, ainda adolescente, em 1979, ano em que eu nasci. Ao contrário de hoje, NY era uma cidade assustadora. No primeiro ano, apontaram-lhe uma arma, foi violada num terraço com uma faca na garganta e o apartamento foi tantas vezes assaltado que deixou de fechar a porta. Nos anos que se seguiram, perdeu quase todos os amigos com SIDA, drogas, ou tiros. Estes acontecimentos avassaladores, não só a tornaram na mulher que é hoje, mas também lhe relembra o quanto é vulnerável. Afirmou, claramente, que não é dona dos seus talentos, que não é dona de nada. Tudo o que tem é um presente de Deus. Para os crentes, esta é a maior das humildades. Depois falou especificamente na questão de género, no facto de ser mulher. Quando começou a escrever não pensava nisso. Mas depois começou a sentir como isso era importante. Se se é mulher é permitido ser-se bonita, gira, sexy. Mas não se pode ser muito inteligente. Não é permitido que se tenha uma opinião diferente do status quo. Não é permitido envelhecer. Envelhecer é um pecado. Falou de quando o álbum Erotica e o livro Sex foram lançados. E o que escreveram sobre ela. Uma das manchetes comparou-a ao Diabo. E nessa mesma época, o Prince andava de saltos altos, baton e mostrava o rabo... mas era homem. Falou de como se conseguiu recompor de todas as críticas e de todos os insultos, encontrando força na poesia de Maya Angelou, na escrita de James Baldwin e na música de Nina Simone. Deu como exemplo a Camille Paglia uma escritora feminista, que em vez de a apoiar a criticou. E terminou a dizer o mais importante: que as mulheres devem apoiar-se mutuamente.

E nesta semana, este discurso é especialmente importante, porque coincide com a atribuição de um pretigiadíssimo prémio a duas colegas do meu laboratório em Portugal. O que é de destacar é que não foi apenas um prémio mas dois prémios atribuídos a duas mulheres do mesmo grupo de investigação, e consequentemente, da mesma universidade. Estes prémios foram especificamente duas bolsas ERC Consolidator Grants de quase 2 milhões de euros para cada uma e é  um dos maiores reconhecimentos científicos a nível monetário e de mérito. Duas mulheres. Esta é a parte importante. Não sou amiga nem íntima de nenhuma delas. Somos mais de 100 pessoas no mesmo edifício. Uma delas conheço-a desde o dia que entrei no lab, há mais de 13 anos. Como mulheres que são, com toda a certeza, já as acusaram de tudo. E o facto de não ter nenhuma ligação a não ser profissional, faz este comentário ser (ainda) mais legítimo e verdadeiro. Tiveram e têm um director que é sábio, visionário, que acreditou nelas e que apostou nelas. Sem isso não seria possível. E não só nelas mas noutras tantas que compõem o seu grupo. É um director que aposta em mulheres e que acredita, sobretudo, nelas. Os números do seu grupo não enganam. Quem sabe esse seja talvez a razão do sucesso deste laboratório? Tal como no discurso da Madonna, nós mulheres, deveríamos sempre ficar contentes com o sucesso de outras mulheres e saber reconhecer-lhes isso. Não porque são mulheres mas pelo difícil que é conquistar o sucesso em igualdade de competição com os homens.

Não podemos esquecer-nos que em quase 30 anos de Prémio Pessoa somente 5 mulheres, num universo de 29 premiados foram mulheres: Maria João Pires, Menez, Irene Flunser Pimentel, Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.

No entanto, os  números  são animadores e mostram-nos que as mulheres são as que entram em maior número nas universidades, as que têm melhores notas e as que concluem os cursos com sucesso. Mostram-nos um presente brilhante e um futuro muito promissor.

Na política, uma vergonha. Um parlamento que tem que ter cotas para que haja um número mínimo de mulheres. O antigo governo com 14 ministros, apenas 4 eram mulheres: Maria Luís Albuquerque, Anabela Rodrigues, Paula Teixeira da Cruz e Assunção Cristas No actual governo o cenário piora, num universo de 17 ministros, 4 são mulheres: Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e Ana Paula Vitorino. No entanto, a Fundação Champalimaud tem como presidente uma mulher, Leonor Beleza e a Fundação Calouste Gulbenkian terá como próxima presidente Isabel Mota. Nem tudo é mau, portanto. Temos, também, na ciência e na academia grandes mulheres que lideram instituições como Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota. Como diria Madonna, o importante é não desistir continuar a persistir. Um dia, as coisas mudarão.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Infelizmente, não estivemos prontos para Hillary

Não nos esqueçamos nunca que Hillary Clinton teve a maioria dos votos populares. Richard Zimler, que eu muito aprecio e que é um cidadão americano e um profundo conhecedor da realidade americana, dizia-se com “uma sensação física de dor”.

Ao ouvir, ver e ler os dois discursos de Tim kaine e Hillary Clinton chorei ontem pela segunda vez. Talvez pela sensação profunda de uma grande oportunidade perdida. Há muito que sou uma ferverosa apoiante de Hillary. Li muito, talvez (quase) tudo sobre ela, o bom o mau, o feio e o bonito. As biografias autorizadas, as não autorizadas as autobiografias. E foi, talvez depois disso, que a minha convicção se consolidou. Hillary Clinton é uma pessoa inteligente, bem preparada, grande política, foi uma competente advogada, Primeira-Dama do Arkansas e dos EUA, Secretária de Estado, Senadora de NY e que podia ter sido a próxima Presidente dos Estados Unidos da América.

Uma das minhas amigas dizia-me que o discurso da “derrota” tinha sido tão bom e muito melhor do que todos os que tinha feito durante a campanha. Outro dos meus amigos dizia-me que eu escusava de a endeusar porque Hillary não era tudo isso. O que eu refiro em cima não são louvores, são factos! Ela foi e é isso tudo. Custa acreditar, eu sei.

Quem não  gosta ou não simpatiza (como diz o meu pai quando não gosta mas quer usar um eufemismo) não aprecia Hillary Clinton diz para desclassificar e terminar a discussão que ela é uma burocrata, betinha, nerd, sem um pingo de carisma, que aceitou as infidelidades do marido e que tem telhados de vidro (ou aparenta ter). Outras opiniões ainda piores consideram-na uma imperialista, criminosa, oportunista e cínica .Há também quem diga que Trump e Clinton representam os mesmos interesses políticos e económicos, estando ao serviço de uma elite gananciosa e acumuladora que quer a cada dia mais poder. Para esses, não demorará muito a perceberem o quão errados estavam. Oiçam e leiam o discurso de Hillary Clinton e imaginem o quão bom poderia ter sido tê-la como próxima Presidente.

Tim Kaine fez um discurso improvisado, sincero, emocional e lindo. terminou com uma frase do William Faulkner: “"They killed us, but they ain't whopped us yet." Quem cita um escritor num final de um discurso de derrota só pode ser um intelectual e alguém que tem muito para dar.

Hillary fez um discurso carregado de emoções, grato mas ao mesmo tempo triste. Que pena não ver esta mulher e esta equipa de gente na Presidência dos Estados Unidos. Começou por dizer, de forma honesta, que este não era o resultado que esperava e que tinha muita pena de não ter vencido principalmente por causa dos valores que partilhava com os seus eleitores e pela visão que tinha para o país.  Que sabia o quanto estávamos desapontados porque ela sentia o mesmo. E que 10 milhões de americanos investiram as suas esperanças e sonhos nestas eleições: “Isto é doloroso e se-lo-á por muito tempo”. Fez um apelo, dirigido especialmente aos jovens, ressaltando que durante a sua vida adulta tinha tido sucessos mas também contratempos, alguns deles muito dolorosos e que isso faz parte da vida, que estas perdas magoam muito. Terminou com palavras de esperança e de força para que os americanos não abandonassem aquilo em que acreditam.

Não sei se o violeta foi propositado. Hillary apareceu com um fato com apontamentos roxos e Bill com uma gravata da mesma cor. Era assim que eu me sentia, de luto.

Depois de uma directa a acompanhar minuto a minuto os resultados das eleições americanas passei um dia mau. Triste, inconformada, chocada, descrente. Como se fosse um sonho mau. Sem acreditar na realidade. Mas foi o que foi. Como disse Hillary: “vai doer por muito tempo”. Resta-nos conformar. E o que seria, nunca o saberemos.


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