quarta-feira, 25 de maio de 2016

E a Venezuela, senhores?

Começo com um título, parafraseando uma grande artista brasileira que nos seus espectáculos usa sempre um respeitoso: “Boa noite, senhores”. Pois bem, nos últimos tempos, amigos, mais amigos, menos amigos, conhecidos, gente que gosta muito de mim, do contra que gosta menos, que me apoia, que discorda muito, perguntam-me: “E a Venezuela?”. Toda a gente que me conhece (muito bem) sabe que quando eu deixo de falar de uma coisa repetidamente, sistematicante, até que os outros se cansem muito, eu perdi a esperança. Revelo o pior de mim, desisto. A Venezuela é um dos casos. Tenho dois grandes amigos venezuelanos com quem aprendi muito e com quem aprendi, de uma forma privilegiada, a realidade venezuelana. Isso foi sempre o que me ligou à Venezuela, a amizade. De outra forma, seria (apenas) mais um país da América Latina. Um país que não tem nada de muito mais importante a dar ao mundo, a não ser o “ouro negro”. E até esse, que nos últimos tempos perdeu o valor que lhe davam, reduziu muitos à sua insignificância. Ao contrário, por ex. do Brasil, a Venezuela não tem uma elite cultural (sequer) parecida. Não foi o berço de nenhum tipo de música. Não é o maior país onde se fala castelhano, ao contrário do Brasil que é o maior país onde se fala português. Não é um país de escritores, nem de arquitectos, nem de artistas. A sua culinária não é conhecida mundialmente. E até no mau não tem comparação. Não tem Carnaval, nem a mulata, nem as famosas favelas, nem os mais procurados bandidos, nem os mais milionários, nem os mais corruptos. No entanto, tem de igual modo, belíssimas praias, a floresta amazónica e grandes rios. E muito menos gente. Tem o mesmo subdesenvolvimento dos países de terceiro mundo. Os muito ricos e os muito pobres. Mulheres muito arranjadas que cuidam do cabelo e pintam as unhas. Mas que vivem numa favela e têm mais do que três filhos, preferencialmente de homens casados, a quem o pai não é obrigado a dar o nome.

A Venezuela foi governada durante anos pela direita que não fez muito a não ser enriquecer (mais) a si mesma. A esquerda, a grande esperança dos desgraçados, dos miseráveis dos pobres, daqueles que não tinham nada, além de não os ensinar a pescar ainda lhes deu pouco peixe. A Venezuela,  ao contrário do Brasil, não elevou os pobres a uma classe média ambicionada há muito, não levou os seus filhos para estudar nas universidades públicas a partir do seu mérito, não se desenvolveu, não criou riqueza. Os venezuelanos, ao contrário dos brasileiros, não passaram a viajar em massa para o exterior nem passaram a viver melhor do que viviam.

Não vou comparar Chavez a Lula porque um já morreu e não morro de amores pelo outro. Mas a verdade é que não se pode comparar a afronta de Chavez em relação aos ricos com o que se passou no Brasil. Nunca vi no Brasil os discursos de esquerda inflamados como os que vi na Venezuela. A Venezuela não foi projectada para o mundo, ao contrário do Brasil. O que eu achei que nunca aconteceria na América Latina, temo que aconteça na Venezuela, uma guerra civil.

Na semana passada o The New York Times publicou uma reportagem sobre as condições indescritíveis dos hospitais venezuelanos. Quando vi aquelas fotos e aqueles textos achei que tinham sido cuidadosamente seleccionados pelos media americanos ( que muitos dos meus amigos acusam da sua tendencial preferência pela burguesia e capitalismo). Não, não é mentira nem é exagero. Aquilo está mesmo assim. Não há medicamentos básicos, os medicamentos para tratar neoplasias há muito desapareceram e só se traficam no mercado negro. Não há quase nada importado. As pessoas estão nas filas para tudo. Não há segurança (embora isso nunca houvesse muito). Pessoas presas sem razão. Presos políticos. As instituições não funcionam. Tudo se compra e se vende. Não existe Democracia. Maduro comporta-se como um coronel nas antigas fazendas no tempo da escravatura.

Muitos pensavam que a morte de Chavez acabaria com a ditadura boliveriana. Chavez não parecia jogar com o baralho todo. Mas Maduro conseguiu o impossível: mostrar que o buraco pode sempre ser mais fundo. Enquanto a Venezuela se vai destruindo e limitando-se apenas aos pobres e miseráveis (porque os ricos já saíram quase todos), os restantes poderes de  esquerda dos países da América do Sul ou assobiam para o lado ou (fingem) acreditar que os EUA estão a apoiar um golpe.


Onde está a elite Venezuelana e a oposição? Onde está o mundo que não denuncia e não se importa com a Venezuela?
Copyright: Reuters

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Dilma

Faço aqui uma declaração de interesses: Não simpatizo com o PT, não partilho da ideologia política e não tenho particular admiração por Lula. A mesma coisa achava de Dilma. Não achei a sua eleição (no primeiro mandato) tudo aquilo que escreveram. Não fiquei comovida por ter sido a primeira mulher presidente do Brasil. E não concordei com o título de “Presidenta” em vez de “Presidente”. No entanto, depois da segunda eleição, que ela ganhou no limite, considerei ter sido o mal menor. A sua oposição era constituída por gente menos preparada do que ela e por gente mal relacionada e/ou ligada a coisas menos sérias. Depois da segunda eleição comecei a admirar a força desta mulher que tem lutado estoicamente contra tudo e contra todos. Como as árvores, Dilma escolheu morrer politicamente de pé. Com a destituição de Dilma ficamos a saber o que há muito desconfiamos: os políticos brasileiros são na sua maioria corruptos, o poder é passado de geração em geração como se de uma Monarquia se tratasse, a política serve para enriquecer, na política vale tudo, a maioria dos deputados são analfabetos funcionais, os evangélicos têm um dos maiores poderes no Brasil ( o domínio e o aproveitamento sobre a ignorância de um povo), os políticos brasileiros são muito bem pagos e têm regalias incomparáveis com o cidadão comum. Apesar de tudo isso, a corrupção e as acusações sobre quase todos os políticos não os envergonha. Não se demitem por nada, seja qual for o teor da acusação. São como lapas. Seguem de cabeça erguida como se nada fosse. E como os vermes, em vez de se recatarem pelo mal causado, lançam ameaças de não caírem sós. Analisando a vida, a biografia, o CV e o percurso de cada político brasileiro poderemos contar pelos dedos aqueles sobre quem nada paira. Quase não existem imunes ou intocáveis. No entanto, apesar de todas as perseguições, de todo o escrutínio, depois de todas as investigações, a Dilma parece um oásis no deserto. Se ela é perfeita? Não. Se está bem rodeada? Não. Se seguiu a política que devia? Não. Mas é o mal menor, de facto. A questão é que tudo está mal. Num país com os milhões de pessoas que tem o Brasil, onde a educação e a saúde não é igual para todos, “quem tem um olho é Rei”. As classes mais desfavorecidas, das periferias, dos morros, do sertão, do interior, dos subúrbios serão sempre facilmente enganados e cativados pelos políticos mais populistas e que nada farão por eles. Servirão, apenas, como um degrau para a sua escada para chegarem ao topo da pirâmide. Um país em que a elite caucasiana, será sempre instruída, continuará a viajar para o estrangeiro, para fazer compras em Miami e NYC, continuarão a comprar apartamentos em Lisboa nos metros quadrados mais caros, continuarão a viver em condomínios fechados resguardados por grades electrificadas e separadas do mundo real, continuarão a viver no séc passado em que existe o mundo para a elite eo mundo para o subalterno, continuarão a ter contas na Suiça e a fugir aos impostos, continuarão a viajar em primeira classe e em executiva. Mas apesar disso continuarão a não ser evoluídos nem educados: o carro continuará a ser o que mais poluí, continuarão a atirar lixo para o chão para alguém de uma classe inferior apanhar, continuarão a perpetuar o desperdício, os seus cães continuarão a sujar as cidades para alguém as limpar, continuarão a ter cozinheira, faxineira, diarista e motorista, continuarão a passear pelas cidades com as babysitters atrás vestidas de branco. Enquanto a elite não se envergonhar destes comportamentos e perceber que o mundo mudou e que estamos no séc XXI, nada mudará. Enquanto a elite não perceber que comportamentos assim envergonham uma sociedade, serão sempre a piada do exterior. Enquanto a elite não perceber que os caucasianos não são o povo eleito e que toda a gente tem possibilidade de ascender socialmente, não há como esperar melhoras. O Brasil só mudará quando a elite não se sentir ameaçada. O Brasil só mudará quando os privilégios acabarem para quem teve a sorte de nascer caucasiano. O Brasil precisa ter orgulho de ser negro. E apostar na educação. Demora gerações, mas a mudança será visível. Enquanto a menor percentagem da sociedade continuar a comandar os seus destinos e tiver este tipo de poder, o Brasil continuará condenado. 

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