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domingo, 15 de dezembro de 2013

O fim de semana ideal

Fui buscar os meus sobrinhos a casa da mãe na sexta. Estava com a S. Os meus sobrinhos adoram o meu carro. E toda a conversa a caminho de Braga foi à volta disso. A S. conheceu-os nesse dia. Fartou-se de rir com eles principalmente quando o meu afilhado lhe disse:
-Gosto de tudo de carros, de chaves de carros e de lavar carros!

Quando chegamos a casa dos meus pais, o meu irmão já tinha ido buscar a Bu. Os meus sobrinhos deliram com a Bu. E o mundo para a Bu pára quando vê os meus sobrinhos. Pediram para ficar com ela. E eu não tive como não deixar porque ela é uma vendida e troca-me, sem nenhuma dificuldade, por eles.

Ontem, os meus sobrinhos foram passear com o meu irmão pelo centro e encontraram muitos amigos. Quando chegou a vez de andarem no comboio de Natal, o motorista não queria deixar a Bu entrar. Ao que o meu irmão lhe disse:
-Ou entramos todos ou não entra ninguém.
Perante este cenário, o motorista não teve outro remédio a não ser autorizar a Bu entrar...
Quando chegou a hora do conto na Centésima Página, o meu irmão teve que levar-me a Bu a casa porque, aí sim, não tinha hipótese de entrar. O meu afilhado, perante este cenário, já não queria ir à hora do conto. Queria ficar em casa comigo e com a Bu. Lá tive que entrar no carro e ir com eles. O meu irmão ficou com a Bu a passear nos jardins da Avenida Central e eu fui com os meus sobrinhos à livraria. Chegamos atrasados, como quase sempre, e o conto tinha terminado. Mas ainda chegamos a tempo de uma actividade. As crianças todas sentadas num tapete a construir uma colagem de um anjo de Natal.

O K. é uma simpatia. Mal chegou, entrou no meio da roda de meninos, sem qualquer receio. Sem ninguém lhe perguntar nada disse, em voz alta, o nome dele, que tinha uma cadela que se chamava Bu, e ainda apontou para trás para mostrar a titi e o irmão. O meu afilhado é o oposto. Não se quis sentar junto aos meninos se eu não estivesse com ele. É um anti-social como a madrinha. Para ele uma dezena de meninos é uma multidão. Passamos o resto do tempo a colar o anjo de Natal e o meu afilhado ainda desenhou a cara. Quando os meninos todos sairam fiquei eu, o K., o afilhado e ainda um pai com um filho com uns 9 meses. Os meus sobrinhos adoram bebés. E o introvertido do meu afilhado perdeu a vergonha com o pai do menino que se chamava Vasco.
- o meu avô chama-se Vasco - disse o afilhado
- E tenho uma cadela que se chama Bu e que faz muitas asneiras. Fez cocó no sofá da avó e roeu o tlm da titi, até comeu a tampa!
O pai do Vasco só se ria e o Vasco saltava enquanto o pai o segurava debaixo dos braços. O meu afilhado ainda teve coragem para mais uma coisa:
- Posso pegar no Vasquinho?
E o Vasquinho lá andou, com a ajuda do pai, entre os colos o K. e afilhado.

Depois de jantarmos na casa dos avós fomos para casa. Queriam ver o aviões mas por problemas técnicos acabaram a ver montagem de legos no tablet. Eu no meio, e os dois homens da minha vida, um de cada lado. Eu, que costumo ser uma friorenta, parecia estar nos trópicos, tal era o calor! Quando o afilhado adormeceu, o pai veio buscá-lo para a cama dele. A Bu, ignorando quem é a dona e quem a salvou de um futuro que não parecia muito risonho, trocou-me facilmente para ir dormir no quarto do afilhado. Ainda fui chamar por ela mas ignorou-me completamente. Acabei a dormir com o K. que é um verdadeiro aquecedor mas que, felizmente, não ressona. Adormeci tarde, como sempre, depois de muito ler.

Sei que o toque de alvorada foi pouco depois das 7 porque tenho uma vaga memória de ter ouvido, ao longe, o meu afilhado e o meu irmão a tomarem o pequeno-almoço. Eu continuei a dormir acompanhada pelo mais velho que dormia ocupando quase a cama toda.... e eu sem reclamar. Por volta das 11 acordamos com a Bu a saltar para cima de nós.

Fomos almoçar com os avós e à tarde os meus sobrinhos foram ao cinema com o pai ver "Frozen". Nem preciso descrever a cena da Bu de cada vez que os meninos se vão embora. Dá dó! Chora, soluça, uiva, raspa as patas na porta... nunca vi devoção maior.

copyright: Centésima Página

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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

valter hugo mãe no 14º aniversário da Centésima Página

A apresentação do livro “Desumanização”, o mais recente de valter hugo mãe, começou pela classificação de estranho. Para quem conhece os livros de valter, este é muito diferente e é isso que causa a tal estranheza. A principal diferença centra-se na deslocalização no espaço. O hino  à portugalidade e Portugal que são sempre tão caros a valter, desaparecem neste livro. A escrita fluída dos seus livros também não existe neste. Os personagens são islandeses. Daí a impossibilidade de qualquer comparação. Nada pode separar tanto um povo. Depois, a imagem visual é quase um inédito. As palavras neste livro parecem mais escolhidas. Este livro parece um grande poema . Quase uma oração ou evocação.

Quando o valter começou a falar referiu a intensa relação que tem com a Centésima Página. Uma relação pessoal, segundo ele, muito antiga que “antes de ser conhecido já as pessoas desta livraria acreditavam em mim”. E disse também  que acha que esta livraria é uma das mais bonitas do mundo.

Valter começou por dizer sobre este novo livro que procura escrever livros que não sejam redundantes, que não sejam um livro “parte 2”. Procura escrever livros onde “não haja receitas”. Segundo o próprio, andava há muito tempo a ganhar coragem para escrever um livro que não parecesse um português a escrever sobre a Islândia, mas um islandês. Acrescentou que os livros não vivem do relato puro e simples. A trama deste livro não é a grande questão. O que lhe interessa é a intensidade e que os personagens sejam reais.

Cresceu a pensar que a Islândia era um país de fantasias, crendices estranhas, mitologia e do universo fantástico. Realçou que os islandeses foram capazes de derrubar um governo e fazer os banqueiros pagar a crise. A Islândia tem um inverno agreste e um verão que é uma tristeza. É um país interior, enclausurado. Tem 300000 habitantes, menos que a população do Porto, mas é o país que tem o maior número de orquestras do mundo.Toda a gente fala inglês fluente “com o sotaque da Bjork”. São uma comunidade absolutamente letrada. Foi o único país do mundo que fez um referendo no Facebook. É um país totalmente desburocratizado, com uma “anarquia prática” a “piscar o olho aos EUA”. Os islandeses viajam para a Dinamarca, para o sul de Espanha e para NY. Os islandeses não são nada simpáticos mas são extremamente eficientes no seu local de trabalho. No horário de trabalho, um pedido é sempre atendido. Os códigos de intimidade dos islandeses não são iguais aos nossos. São muito pouco receptivos.

A morte está muito presente neste livro. Muito mais do que em qualquer outro livro anteriormente escrito pelo valter. Quando lhe perguntam sobre a morte: “Tudo na vida tem que ver com a morte”. Literariamente tenta que a morte seja boa. A morte pode ser a nossa grande oportunidade”.


Sobre o amor, diz que ficou de tal maneira sufocado por este que o próximo livro que escrever não terá amor nenhum.Será muito pragmático e seco. (Apesar de eu achar que era a brincar). Disse que se sentia “um triste”. Que inventa todos estes “amores assolapados” e depois vai para casa “chuchar no dedo”.





terça-feira, 2 de julho de 2013

Paulo de Morais: o arauto

Este post devia ter sido escrito há dois dias. Não o foi porque coincidiu com a recta final da escrita de um projecto da FCT, cujo prazo de submissão, termina hoje. Passei o fim de semana a terminá-lo e submeti-o ontem, 24 horas antes do fim do prazo.

Adiante, no sábado fui à apresentação do livro de Paulo de Morais na Centésima Página. Já li o livro “Da corrupção à crise – Que fazer?” no sábado.  Não vou resumir o livro mas aconselho-o entusiasticamente a toda a gente para perceberem coisas, que como eu não imaginava, e para compreender melhor o estado a que chegamos. Temos vários problemas: 1) dívida pública deve-se principalmente ao desperdício, economia desestruturada, predomínio da banca sobre a política e corrupção; 2) dívida privada que se deve principalmente ao imobiliário. Paulo de Morais referiu que o urbanismo é uma máfia semelhante ao tráfico de droga, com a diferença que no tráfico de droga apreende-se a droga, mas no urbanismo não há nenhuma apreensão de prédios. Alguns, segundo Paulo de Morais, até recebem medalhas no 10 de Junho. O imobiliário é a verdadeira bola de neve que não tem fim. A venda de apartamentos foi sobrevalorizada. Hoje as casas valem menos 40%. Existem 2 milhões de casas vazias em Portugal: 500000 de ocupação sazonal (Algarve) e as restantes pertencem a fundos de investimento, imobiliário fechado, têm isenção de IMI e IMT e não são colocadas no mercado porque se assim fosse as rendas no mercado baixariam. 

Agora prestem atenção a este escândalo para perceberem como chegamos até aqui. Durante anos, o que se passou com o imobiliário e as relações promiscuas entre banqueiros, câmaras e promotores imobiliários foi o seguinte: um promotor imobiliário comprava um terreno agrícola por 100, ia a uma câmara e transformava esse terreno agrícola em terreno com grande capacidade de construção. Depois ia a um gabinete de engenheiros e arquitectos e mandava fazer um projecto. Saía de lá com um power point, ia ao BPN e um terreno que tinha custado 100, por via da valorização da câmara, passava a valer 1000. O projecto passa a valer 4000 e pedem um empréstimo sobre o projecto. E o que deixavam lá de garantia? O terreno que valia 100!!!! É destas vigarices que o BPN está cheio. Projectos financiados que nunca passaram do power point!

Um dos exemplos que Paulo de Morais deu, recuando aos tempos dos Descobrimento, foi o de D. João II. Como conseguimos fazer os Descobrimentos?  D. João II, o Príncipe Perfeito, que introduziu o primeiro livro em Portugal e fez o Tratado de Tordesilhas, derruba a conspiração de Viseu e mata o Duque de Viseu, Duque de Bragança e Duque de Beja. Esta “guerra” contra os fidalgos, com o confisco de bens, permitiu resolver o problema da fazenda pública (vejam como vem de longe e parece crónico ou genético) e lançar os Descobrimentos.

Portugal parece estar como o Brasil, em que há meia dúzia de pessoas, a aproveitar-se do Estado e a perpetuar a riqueza à custa dos portugueses. E estes parecem ser intocáveis. 70% da nossa dívida privada deve-se a estes senhores, 15% crédito ao consumo e apenas 15% para toda a actividade do país. Estes números fazem sentido? Temos de acabar de uma vez por todas com estes promiscuidade entre a política e a banca! Este meu texto parece muito desanimador mas não é. A verdade é que as coisas podem ser mudadas e existem soluções. Fica aqui a minha sugestão para comprarem e lerem o livro de Paulo de Morais.

A outra analogia pode ser também ser feita, com o Sermão de Santo António aos Peixes (tema do post anterior): «...Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande..».

Para terminar, soubemos ontem que o Prof. Vitor Gaspar se demitiu do governo. Toda a gente bate palmas. O tempo, que ensina tudo e que é sábio, dirá se foi bom ou mau ministro. Apesar de há algum tempo o nome deste ministro estar nos remodeláveis, esta demissão surpresa, faz-me perguntar o que se passou para um homem que parecia aguentar tudo ter atirado a toalha ao chão. Para os entusiastas, que tanto acreditavam que a saída de Gaspar seria a solução de todos os nossos problemas, fica a questão se não estaremos a caminho de uma nova Grécia...



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Centésima página

Falo pouco da cidade onde nasci e vivo. Talvez por nostalgia de um tempo que já não existe, por ter sido uma cidade que tinha tudo para ser e perdeu-se com os anos... Quem não se lembra de Braga nos anos 90? Dos projectos musicais, das artes, da vida nocturna? Era a vanguarda a contrastar com o extremo conservadorismo da cidade dos padres, arcebispos e afins. Esta vanguarda cultural perdeu-se com os anos, a cidade foi crescendo sem projecto e sem organização para as freguesias periféricas como cogumelos. Não vou nomear cidades suburbanas parecidas para não ferir susceptibilidades. A verdade, é que com esse crescimento exponencial dos ditos jovens, não significou nem mais cultura nem mais nada. Quem não se lembra do Club 84, Sardinha Biba (o verdadeiro), Trigonometria, Pacha, Deslize, Insólito...? Eu sei que pareço aquelas velhas que dizem que o mundo está perdido e que no tempo delas é que era. Ou talvez uma "velha do Restelo"...

Tudo isto para dizer que há pouco regressada de mundos maiores, tenho redescoberto a cidade. A “Centésima Página” que está a comemorar 13 anos, como me disseram este fim de semana, é do melhor que já vi. Quanto mais vou lá mais gosto de voltar. A C. e o R. adoravam ir para lá escrever. Passavam tardes lá com os computadores no jardim. Agora no inverno, outros pormenores se descobrem. Mesas e cadeiras espalhadas pelo espaço a convidar as pessoas a ficarem. Visualmente é incrível, com aqueles livros todos a subir pelas paredes altíssimas. Sentar ali, sem fazer nada, nem que seja só olhar e perceber os livros a impregnar-nos. Essa sensação é indescritível. E lá encontra-se quase de tudo e o que não se encontra encomenda-se. Ali ninguém pergunta por um livro de Caio Fernando Abreu, Ferreira Gullar, Al Berto e ninguém nos responde com um “Como se escreve?”. Para quem gosta de chás e infusões é uma perdição, há também contos para crianças aos fins de semana, as apresentações de livros com os nossos melhores escritores é mais do que frequente. Era isto que queria dizer, uma livraria onde nos sentimos em casa e onde as nossas dúvidas são sempre simpaticamente respondidas. O que é bom e nos orgulha também é para se publicitar. E numa altura de crise em que só ouvimos discursos pessimistas e maus exemplos, e pessoas mal dispostas, tempos tristes, há que divulgar este espaço que é um orgulho! Posso dizer que não há muitas pessoas que conheçam tantas livrarias como eu. E comentava com a minha mãe na “Centésima Página” que esta livraria é incrível e que não há muitas no mundo assim.






 P.S. Acabei, também no fim de semana, o “Diários” do Al Berto com mais de 500 páginas.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

António Lobo Antunes em Braga


Tenho uma amiga, a C., que adora música e os grandes compositores da geração beat e afins, e o que alguns escrevem, mas não tem a mínima curiosidade sobre as pessoas, sobre o que elas são, ou o que elas pensam. Ou seja, deve detestar biografias. Interessa-se apenas pela obra. Isto é o que pensa António Lobo Antunes.

Na sexta-feira, às 7 da tarde, bem atrasado, entrou na Centésima Página, com aquele ar distraído, desta vez a olhar os livros, com a cara fechada e com aspecto alienado. Começou por falar de como Braga era uma cidade importante para ele. As origens da família paterna eram de perto da Póvoa de Lanhoso. Uma família muito humilde e que o trisavô partiu para o Brasil e fez lá a sua vida mas que no fim veio aqui morrer. Falou mais uma vez do avô, António Lobo Antunes, a pessoa que mais gostou, a ele lhe deve a ternura e o carinho que lhe deu, ao contrário dos pais que nunca lhe deram, por questões de educação.

Depois falou que detesta a arrogância francesa e de como acham que somos apenas um país de porteiras e de mulheres a dias. No entanto, referiu que foi lá que recebeu dos mais importantes prémios literários.

Falou da morte da primeira mulher em 1999 e das cartas que nunca releu e que lhe escreveu de África. E de como as filhas o convenceram a publicá-las antes da sua morte: “Para que essas putas com quem o pai anda saibam de quem o pai gostava era da mãe”.

Não se esqueceu de referir os amigos, principalmente o Eugénio de Andrade, que era tão bonito, e que a doença modificou tanto. Que tinha sempre tanta delicadeza com ele, tão terno, e que quando o visitava tinha sempre uns miminhos como uns biscoitos e vinho fino. António Lobo Antunes disse estar arrependido até hoje de não o ter visitado nos últimos dias porque soube tempos depois que ele o esperava. A senhora que cuidava dele disse-lhe:
-Sr. Dr., O Sr Eugénio dizia-me sempre : “Ponha aí o fatinho que o meu amigo vem ver-me”. Falou também do Miguel Veiga e da colecção enorme de livros que tem, que não sabe como “parecem estar a reproduzir-se entre eles”.

Lamentou também que a crise limita os bons leitores e que quem lê é a burguesia, pequena e média. Os ricos segundo ele leêm revistas de golfe e revistas de economia e as mulheres deles lêem revista de moda francesas.
Falou também do quanto adora Caminha.

Como já tinha referido, acho-o muito menos distante, muito mais bem-disposto, como se a sua presença neste tipo de sessões não fosse um frete. Está muito mais confessional e acho que até mais interessado com os seus leitores. Como se necessitasse de lhes dar uma palavra e ser agradável com eles.

Quando me assinou os livros eu era a última pessoa. Perguntou-me o que fazia e essas coisas que nos levaram a NYC e falou de como gostava da cidade, e da editora na 5ª Avenida, que passou uma temporada lá a escrever na casa do irmão João numa cidade em New Jersey (que ele me perguntou se eu conhecia e que eu nem sequer nunca ouvi falar). Falou de Columbia e de quando o irmão João voltou de lá. Eu disse-lhe que o João Lobo Antunes tinha uma cadeira no Instituto de Neurociências, ele desconhecia...Agradeceu-me por ser uma leitora tão interessada e lá seguimos para o jantar. A idade aos homens ou lhes faz muito bem ou muito mal. A Lobo Antunes, a idade, está a torná-lo mais doce, mais grato. Aquele ar tão característico dele de zangado, irónico, desinteressado, enfadado, já não se lhe reconhece.







À Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva chegou mais de uma hora atrasado. Quem conversou com ele foi o Sérgio Guimarães de Sousa. Falou que a escrita para ele é um  ofício, que precisava de mais 12 anos para fazer tudo aquilo que precisa fazer, que tem muitos problemas em falar dos seus livros. “Porque é que os dias quando somos pequenos são tão lentos e quando somos adultos são tão rápidos?”.
Um dos maiores prazeres da vida foi o encontro extraordinário com o George Steiner em Cambridge, que considera um homem inteligente, com os afectos dentro da inteligência, que tem um piano de Bach em casa e cartas de Freud ao seu pai. “Sabem que ele é judeu, não sabem?”. “E sabem porque é que os judeus nõ se suicidam?”.  “Porque não podem ler o jornal de amanhã”.

Falou que gosta do livro “Monte dos Vendavais” que acha um livro histérico e kitch mas que gosta dele. Falou também do casamento, e de como estes são complicados. As mulheres gostam de variar os restaurantes. Os homen não gostam de variar. E as pessoas acabam de estar presas umas às outras numa rede de mentiras:
-Não gosto de ti (mulher)
- Não é que não goste de ti mas preciso de pensar (homem)
-O problema não está em ti, está em mim (homem)
- Então, rua! (mulher)

Mostra-se muito mais animado, muito mais humorado, muito mais risonho, mais aberto. E não larga os cigarros, que os fuma em todos os lugares proibidos.

Há quem refira que os livros do António Lobo Antunes ou se gostam ou se detestam. Os primeiros livros que editou eram sempre considerados os piores livros do ano. O editor de NYC, sem ler nada da sua obra disse: “Você vai conquistar o mundo”. Estátraduzido em mais de sessenta idiomas.

Depois do livro estar pronto, de tantas revisões, de tanta correcções, de passar pelo “detector de merda” nunca mais olha para ele. Nunca leu nenhum dos seus livros porque tem medo.
Confessa-se admirador de Bach e Schubert. Que é um homem  de poucas lágrimas, é como as grutas, chora para dentro. Chorou quando a mãe das filhas morreu, quando o pai morreu. Não seria capaz de voltar a ser médico, não por medo, mas pela enorme sensação de vazio.
Quando esteve doente há 6 anos um dos pintores amigos dele foi o único que lhe pareceu dizer a verdade: “Aguenta-te”. Recebeu mais de 5000 cartas dos seus leitores. Mas a que mais o marcou foi a de um rapaz do Minho que dizia “Não admito que o meu ídolo se vá abaixo das canetas”. “Fiquei muito comovido”.

Falou que as paredes da sua casa são repletas de estantes com livros. E que a sensação que mais gosta é ter as paredes cheias de livros e deixar impregnar-se por eles. Diz-se uma pessoa metódica e com horários. As pessoas pensam que a arte é feita por iluminados, mas não, é muito trabalho.

Contou também que a mãe era um apessoa muito bonita mas que o pai não. E perguntou-lhe:
-Porque é que a mãe casou com o pai que é tão feio?
-Porque tem uma voz que me transtorna.
Disse também que a mãe não tinha ciúmes e que isso chateava o pai. Uma das vezes, a mãe estava a fazer café enquanto fumava um cigarro e o pai a fumar cachimbo:
-A Maluda quer pintar-me o retrato.
-Está bem-disse a mãe.
-Nú.
(Sem resposta da mãe).
-Da parte de baixo
-Da natureza morta? –perguntou a mãe.
Diz ter cada vez mais orgulho de ser português mas que se recusou a estender a mão ao Primeiro-Ministro na Feira do Livro de Lisboa.
No final, quando começava a preparar-se para assinar os livros das pessoas ainda me viu sair e disse-me:
-Ana, já nos conhecemos há 3 horas!







quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

António Lobo Antunes no Festival LER

No Domingo ao fim da tarde ainda corri para conseguir assistir ao encerramento da 1ª edição do Festival Ler no Cinema São Jorge. Por volta das 5, quando cheguei ainda me cruzei com Gonçalo M. Tavares e consegui comprar uma 1ª edição do livro do António Lobo Antunes “Não é meia noite quem quer”. Enquanto esperava e as pessoas iam aglomerando-se à espera que a sala abrisse, passou por nós um distante, carrancudo, distraído, antipático, ou quem sabe, somente tímido, Lobo Antunes.

A primeira vez que conheci pessoalmente António Lobo Antunes foi em Braga na Centésima Página e apesar de adorá-lo como escritor achei-o irónico, distante, antipático, revoltado, desinteressado, gozão... e na altura, a conversa foi tediosa, desinteressante, queixosa, pessimista...Aliás, achei que estava a ouvir um louco saído do Miguel Bombarda... e se não fosse as dezenas de livros que carregava comigo teria saído antes de acabar.

Anos depois, no domingo, ia com essa falta de expectativa mas quando começo a ver o início da conversa com a simpatia e sorrisos do Carlos Vaz Marques comecei a pensar que o Lobo Antunes ficasse cativado. E foi o que aconteceu. Eu acho o Carlos Vaz Marques o melhor entrevistador/ conversador deste país depois da ausência da Margarida Marante (noutro estilo). [Fazendo um parêntesis, foi depois de uma entrevista do António Lobo Antunes à Margarida Marante sobre o “Esplendor de Portugal” que comecei a ser uma fiel leitora dele]. Nesta conversa falou-se de tudo. Elogiou a voz do Carlos Vaz Marques dizendo “é a voz mais bonita que conheço”. Falou de tudo, de sentimentos, da família, de escritores, de livros, de escrita, da doença... Um incomum Lobo Antunes mais descontraído, confessional e que conseguia para além do seu humor característico, contar piadas e rir-se. Cada vez mais nota-se uma abertura nas suas conversas, fala cada vez mais da família e do pai. Nota-se que apaziguou de um período de afecto conturbado. Disse ter sido muito injusto com muita gente, principalmente com a família. E disse também que pediu desculpa a Vasco Graça Moura “um grande poeta”. Elogiou Scott Fitzgerald mas disse que achava grandes escritores chatos como Thomas Mann e Kafka. Mencionou que Garrett e Herculano eram escritores que escreveram maravilhosamente bem. O filme que mais viu na vida foi “Joselito, o pequeno cantor”. Adora filmes piegas.Assumiu para ele o maior defeito é a ingratidão. Afirmou também que viveu sempre aterrorizado com o tempo desde menino, que sempre sentiu que tinha muito pouco tempo e viveu e vive com esse medo.“as mentiras que os outros exigem que nós digamos”. Citou frases mal feitas de vários livros: “Quando acordou estava morta”; “Era uma praia perto do mar”.

No plano auto-confessional disse aos 14 anos disse aos pais que queria deixar de estudar  e ser escritor. “Teria ficado um Prado Coelho se fosse para letras. Já que não foi para letras foi para medicina. Escolheu medicina por pertencer a uma família de médicos. Sempre estudou jogadas de xadrez, estudava tudo menos Medicina. Falou da guerra e de como os generais sempre foram para com ele muito generosos, leais e honestos. Confessou que a pessoa que mais gostou foi do avô materno, a pessoa mais tolerante que conheceu. Fazia-lhe carinhos, ao contrário dos pais que nunca o fizeram. Os seus amigos eram sempre mais velhos e os melhores foram Cardoso Pires, Eugénio de Andrade e Ernesto Melo Antunes. “Quando um amigo morre fica um vazio”.

Quando esteve doente há 6 anos, o cirurgião pegou-lhe na mão e ele, dessa forma, achava que não ia morrer. O quanto esse gesto foi importante para ele.



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