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sábado, 5 de março de 2016

"Doce pássaro da juventude" de Tennessee Williams

Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth) como Um eléctrico chamado desejo (A streetcar named desire) a personagem principal é vítima da passagem do tempo. O desaparecer da beleza. Uma actriz decadente, alcoólica, envelhecida, com pouca ou nenhuma esperança no futuro que bebe e droga-se para (simplesmente) esquecer. Alexandra Del Lago, a “Princesa” (Maria João Luís), acompanha Chance Wayne (Ruben Gomes), um gigolô de 29 anos com aspirações a actor, à cidade onde nasceu, St Cloud, no sul dos Estados Unidos. Percebe-se que tem praia pelo som das gaivotas. Este texto maravilhoso  de Tennessee Williams, um dos que vai mais longe na abordagem à degradação humana. Encenado por Jorge Silva Melo. Uma grande interpretação de Maria João Luís. Uma das grandes vozes do teatro nacional.

Um rapaz, Chance Wayne, de regresso à terra de onde partiu há anos à conquista do mundo (de uma forma fácil). Já não tão novo assim, apira a uma carreira de actor, embora seja mediocre. Quer um futuro com o seu amor, Heavenly. É Páscoa, mas não haverá ressurreição. Todos procuram voltar a um passado que imaginaram feliz. Mas nada do que foi voltará a ser. O tempo passa e não se pode recuperar o que passou. "Tempo... Quem o pode combater, quem o pode vencer?... O tempo que rói". Irrepetível. Heráclito. de

A cena começa num quarto de hotel. Chance acorda ressacado enquanto a Princesa/Alexandra Del Lago aproveita os últimos minutos de sono, com os olhos cobertos. A noite foi difícil, percebe-se. Regada a muito álcool. Incluiu óculos partidos e garrafas de vodka. 
Chance está a queimar os últimos cartuchos da sua juventude. Os anos estão a passar e com eles a levar a juventude e a beleza que foi o seu sustento. Tem 29 anos e o cabelo começa a cair-lhe. Era o rapaz mais bonito, encantador e mais querido de St Cloud, cidade onde nasceu.
Queria ter sido actor: "Tive mais oportunidades do que os dedos da minha mão, e quase o consegui...há sempre qualquer coisa que me bloqueia". Critica a vidinha que as raparigas e os rapazes do seu tempo têm: "As raparigas tornaram-se donas de casa, jogam bridge, e os maridos pertencem à Câmara de Comércio...uma chatice". Ele gaba-se da boa vida que viveu: " talvez a minha única é verdadeira vocação: fazer amor... Dormi com todo o jet-set de NY!... Às pessoas de meia-idade restituía uma sensação de juventude. Às raparigas solitárias, compreensão, apreço! Às pessoas tristes, perdidas, algo de leve e revigorante! Aos excêntricos, tolerância...".  Passou os últimos tempos a "pôr bronzeador nas costas de milionárias gordas". Revela o insucesso da carreira militar quando foi chamado para o Exército: "fui para a Marinha porque me agradava mais a farda de marinheiro. A farda era a única coisa que me agradava... Não era capaz de suportar a maldita rotina, a disciplina... Tinha vinte e três anos. Estava no auge da minha juventude e sabia que a juventude não durava para sempre... Comecei a ter maus sonhos, pesadelos e suores frios durante a noite, e tinha palpitações. Quando ia de licença, embebedava-me e acordava nos lugares mais estranhos, e ao meu lado estavam rostos que nunca vira.... Por motivo de doença, fui dispensado e voltei para casa à civil. E nesse momento reparei como estavam diferentes, a cidade e as pessoas. Educadas? Sim, mas não cordiais. Não havia títulos nos jornais, só umas linhas, uma coisa de nada ao fundo da quinta página.... A dizer que Chance Wayne passara honrosamente à disponibilidade da Marinha devido a doença e que vinha para casa convalescer... Foi então que Heavenly se tornou mais importante para mim do que tudo no mundo".
O sonho de Chance é ter o impossível: a juventude de volta, intacta e honrada. E isso, ninguém poderá voltar  ter. O tempo passa e não volta.

Alexandra Del Lago foi em tempos uma bem sucedida actriz. Uma vedeta de Hollywood. Uma artista. Experimenta agora o declínio, suportado por muito álcool e drogas. O tempo também passou por ela. A sua aparência jovem desapareceu. Segundo ela, cometeu a loucura de regressar, "regresso triunfal". Foi  uma decepção. As pessoas ficaram surpreendidas com o aspecto dela, ficaram chocadas: "aquilo é ela?". Fugiu, qual Gata Borralheira, e tropeçou nas escadas: "caí, rolei como uma puta bêbada até ao fundo... Mãos piedosas sem rosto, ajudaram-me a levantar".

Heavenly, filha de Boss Finley, o político mais poderoso da região. Tinha quinze anos quando Chance Wayne a "possuiu". "Houve uma altura em que me podia ter salvo, se me tivesse deixado casar com um rapaz que ainda era jovem e honesto, mas em vez disso mandou-o embora, expulsou-o de St Cloud... Tentou ser tão importante como esses figurões com os quais o papá quis usar-me, ele foi-se embora. tentou. Mas como as portas certas não se abriram foi às erradas... Se o papá casou por amor porque não deixou fazer o mesmo, quando ainda estava viva por dentro e ele ainda era honesto e decente?"
Heavenly, depois da doença sexualmente transmitida por Chance, "uma doença de putas", teve que se sujeitar a uma operação que lhe cortou a juventude do corpo. "Fez dela uma mulher velha, estéril. Seca, gélida, vazia como uma velha". Espera terminar a vida num convento.

Boss Finley, o político mais poderoso da região. Chegou a St Cloud de pés descalços aos 15 anos. Ostenta o orgulho branco do Sul dos Estados Unidos. Considera que a filha vale cem mil vezes mais do que Chance. Viúvo. Foi sempre infiel enquanto a mulher ainda era viva. Mas, mostra que no fundo, até os maus tem qualquer coisa de bom: "lembras-te dessa jóia? A última que lhe dei antes de morrer.... Quando a comprei sabia que ela estava a morrer. Custou-me quinze mil dólares. E sabes porquê? Para que ela pensasse que ia ficar boa... Quando a pus na sua camisa de noite, coitada, começou a chorar...". Queria convencê-la que ninguém daria um diamante tão grande a alguém que estaria a morrer. " sentou-se na cama, feliz com um passarinho com a sua jóia, recebeu visitas durante todo o dia, riu, brincou com elas, ali com o diamante, e com ele morreu antes da meia-noite. E até ao último instante da vida acreditou que o diamante era a prova que não estava a morrer".

Em Chance e na Princesa observamos um destino comum, o destino da perda. Tal como Chance, ela não pode fazer o relógio voltar para trás. O relógio não pára para nenhum deles, como não pára para nenhum de nós. "" Para Princesa, parece no final, haver um regresso à glória e fama passadas, embora pareça muito transitório: "eu sei que estou morta como o antigo Egipto".

A peça termina com um monólogo de Chance virado para o público: "Não vos peço piedade de, apenas compreensão... Não, nem isso. Apenas que me reconheçam em vós próprios, e reconheçam o inimigo comum: o tempo, o tempo em todos nós".







sexta-feira, 15 de março de 2013

Dia 8 na Grande Maçã (Parte II)


Fui jantar ao City Sandwich. Escolhi “Henrique” (alheira, mozzarella, couve, tomate e cebola). Jantei cedo porque às 8 tinha bilhetes para a peça “Cat on a hot tin roof” do Tennessee Williams com a Scarlett  Johansson. Gostei mas não posso dizer que foi extraordinário. Falarei com mais detalhe noutro post. Acabei na JM num deli perto do teatro a falar da vida.







quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Um eléctrico chamado desejo" - Tennessee Williams


Em 2010 vi "Um eléctrico chamado desejo" no Teatro Nacional Dona Maria II encenado pelo Diogo Infante com Alexandra Lencastre, Albano Jerónimo, Lúcia Moniz, Pedro Laginha e Paula Mora nos papéis principais. Depois de um dia de trabalho no já nem lembrado "Portugal Tecnológico", um dos exemplos do despesismo do governo Sócrates, rumei de um hotel no Parque das Nações ao Rossio de táxi. Esta peça marcava o regresso da Alexandra Lencastre ao teatro, quando era "mais " conhecida pelos seus papéis na tv. Foi a primeira vez que a vi no teatro. Foi uma noite mágica. Na altura não tive a certeza se isso se deveu à qualidade dos actores, à qualidade da encenação ou à qualidade da tradução. Hoje, 2 anos depois, e depois de ter assistido à mesma peça em NYC, posso afirmar e ter a certeza que as representações da  Alexandra Lencastre no papel de Blanche Dubois e do Albano Jerónimo no papel de Stanley Kowalski foram memoráveis.

Esta obra prima da dramaturgia do séc XX consagrou Tennessee Williams como um dos maiores escritores americanos. Aqui retrata-se o confronto entre os valores tradicionais do sul da América e o materialismo agressivo da América moderna. 

Blanche Dubois, uma frágil e solitária sulista, decide visitar a sua irmã Stella que vive nos bairro pobre de New Orleans. A célebre frase de Dubois "Eu não quero realismo, eu quero magia"reflecte a história de uma mulher literalmente atormentada pelo passado e a viver num mundo de fantasia que só existe na cabeça dela. Fisicamente, apesar de nunca admitir, é visível o passar do tempo "Apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso!". Quando questiona  a irmã sobre o seu aspecto e tendo ela respondido que estava óptima: " Uma mentira piedosa! Nunca a luz do dia mostrou uma ruína tão completa"(...) "Detesto lâmpadas sem quebra-luz". É uma mulher extremamente frágil, com um medo terrível da solidão: " As pessoas frágeis têm de brilhar. Têm de usar cores suaves, cores de asas de borboletas, abafar a luz com uma lanterna de papel... Não chega ser suave. tem que ser suave e atraente. E eu já estou a murchar! Não sei por quanto tempo consigo manter a ilusão!" (...) e que tem o álcool como grande companheiro: "Vá, não te preocupes, a tua irmã não se tornou numa alcoólica, está apenas abalada, cheia de calor, abalada e suja". E está sempre a ouvir piadas do cunhado Stanley: "O whisky desaparece com o calor. Há pessoas que quase não tocam no whisky, mas o whisky toca-as a elas." 

Com o desenrolar da história percebe-se que teve um grande desgosto de amor e que o amava insuportavelmente quando descobriu que o seu marido estava na cama com um homem mais velho. Depois disso fingiram que nada se tinha passado. Um dia, muito bêbados e a dançar a Varsoviana, ela disse-lhe saber de tudo e que tinha visto. O marido parou de dançar e saiu e após isso ouviu-se um tiro... Após essa tragédia: "a luz do mundo apagou-se outra vez e nunca, desde então, por um só momento, houve luz mais intensa do que esta... vela de cozinha...". O Stanley  (marido de Stella) é nas palavra se Blanche :" Um animal, comporta-se como um animal, tem comportamentos de animal, come como um animal, mexe-se como um animal, fala como um animal... é um sobrevivente da idade da Pedra... e talvez te bata e grunha... Stanley é o arauto da tragédia, é ele que vai desmascarar Blanche: "Devias saber o que ela tem contado ao Mitch...ele pensava que ela nunca tinha ido além dos beijos com nenhum homem...é tão famosa como o Presidente dos Estados Unidos, com a diferença de não ser respeitada por ninguém!”. A decadência, solidão e loucura de Blanche vai-se percebendo até se tornar catártica. E termina com a frase: “Eu sempre dependi da bondade de estranhos”.


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