quarta-feira, 31 de julho de 2019

Rodes


Rodes, que não conheci muito bem porque estive 5 dias fechada numa conferência, é a ilha grega mais oriental. A primeira impressão é de uma ilha que parou no tempo. Parece o Algarve nos anos 80. Os táxis não têm taxímetro. Todos os locais falam várias línguas. As infraestruturas não são muitas. O turismo é a principal fonte de rendimento. A parte da ilha onde fiquei era extremamente ventosa. A praia não tem areia mas pedras grandes, redondas e lisas. A temperatura do mar Egeu ronda os 20 graus no fim de Maio. E o sol é potentíssimo. Os turistas variam entre holandeses, franceses e uma mescla de nacionalidades de leste que não se chega a perceber exactamente o país. A cor do mar é a do Mediterrâneo e das águas quentes. Uma mistura entre um verde esmeralda e um azul transparente.

Fui à Acrópole de Rodes. Eu que nunca vi ruínas gregas, pessoalmente, o único desejo que tinha era esse: visitar as ruínas gregas. E talvez, como em Roma, nunca em lugar nenhum do mundo senti o peso da civilização. Deixaram-nos no que parecia ser um descampado abandonado. Era fim de Maio mas a cor da vegetação parecia do pico do verão. Parecia um deserto. Um descampado deixado à sua sorte. As ruínas gregas eram as únicas coisas que queria ver em Rodes. Não a cidade velha. Nem a cidade Medieval. Nem o lugar onde supostamente um dia existira o Colosso de Rodes, a gigantesca estátua de Apolo, nas portas da cidade, junto ao mar. Mas o que restou da Grécia Antiga. Chega-se perto das ruínas, ao que parece ser semelhante ao que se vê na internet: duas enormes colunas. No entanto, aquilo que avisto são duas colunas tapadas por andaimes. Isto é o que resta do suposto Templo de Apolo. O resto é pó, pedras, abandono, plantas forasteiras e tempo, muito tempo. Descobre-se o caminho seguindo os turistas acompanhados por um guia. Descemos caminhos selvagens apenas marcados pela passagem de poucos turistas. Algumas coisas estão bem conservadas. Sento-me no cimo e olho o mar. A imagem que se tem do mar numa ilha é sempre diferente. O mar Egeu, visto daqui, azul cobalto. Como os olhos, este mar muda de cor. Entre o verde esmeralda, o azul céu e o mais escuro do azuis a parecer o Atlântico. Debaixo de um sol da tarde que parece queimar tudo. Nenhuma sombra. Tudo agreste. Selvagem. Nú. Subo e desço escadas. Sinto as pedras. Sento-me no meio delas, no que resta das ruínas. No desleixo que permite que eu, turista, esteja ali sem pagar pelo tempo que me apetecer. 

Depois, chega-se a um muito bem cuidado teatro ao ar livre. Odeon. Um teatro de mármore para uns 800 espectadores. Os turistas contam-se pelos dedos mas de cima lembro-me da passagem de Sophia pela Grécia, que no seu diário escreveu sobre a visita ao Teatro de Epidauro e quis ouvir o eco da própria voz. E onde ela recitou os primeiros versos da Ilíada de Homero: “Forma perfeita e funcional: a acústica é inacreditável. Dos degraus de cima oiço nitidamente as vozes de baixo. É uma acústica que não só “transporta” as palavras mas que as recorta, as distingue, sílaba por sílaba, som por som. Despois desço (...) Fico por um instante quasi sozinha no centro da orquestra e digo: “Menin aeide, Thea, Peleiadeo Aquileos”. Então oiço duas vezes a minha voz, uma voz ao pé de mim e outra no ar subindo todos os degraus de ar, nítida, livre, clara, recortada.” Eu abraçada ao livro de Sophia “O nu na antiguidade clássica/ Antologia de poemas sobre a Grécia e Roma”.  Quando o meu pensamento é interrompido por uma voz que pede em inglês a alguém que está no centro do teatro que diga qualquer coisa. E eu ali na Grécia, em Rodes, numa tarde do último dia de Maio, ouço em unísseno a voz de quem está no centro do teatro e a voz de quem está no cimo a dizerem uma passagem do coro de Henrique V de Shakespeare:

“O for a Muse of fire, that would ascend
The brightest heaven of invention,
A kingdom for a stage, princes to act
And monarchs to behold the swelling scene!

E depois ainda se vê o estádio, onde os locais correm ao fim da tarde. E eu caminho por entre as bancadas, e sento-me de novo, apenas a olhar. Estas pedras onde estou sentada, estas pedras da antiguidade, misturadas com os turistas e com os locais que correm. Aquelas ruínas ficam impregnadas com aquilo que aconteceu, acontece e acontecerá ali. E, contrariamente ao que devia, ainda trouxe umas pedrinhas. Ou não tão “inhas" assim. Desta vez, o excesso de peso não foram os livros mas pedras. Passaram despercebidas na segurança em Rodes. Mas, por falta de cuidado meu, em vez de colocar as pedras na mala de porão, coloquei-as na mala de mão, tal o valor simbólico delas. Afinal foram apanhadas nas ruínas em Rodes. Em Roma, ao passar novamente na segurança, a minha mala foi inspeccionada. Abrem o saco com as pedras e perguntam-me para que servem. E eu respondo que não servem para nada que são apenas uma recordação de Rodes. Não houve argumento possível. As pedras do tamanho da palma de uma mão, talvez com milhares de anos antes de Cristo, que a tudo sobreviveram, acabaram entre risos de troça e um barulho ensurdecedor, num caixote do lixo (de plástico) no aeroporto Leonardo Da Vinci em Roma. A ironia. As pedras da Grécia Antiga, acabaram na Roma Antiga. Mas talvez com pena da minha cara que era só desânimo deixaram-me trazer o resto das pedrinhas inofensivas para se juntarem a tantas outras numa das mesas lá de casa.

Templo de Apolo (copyright:Wikipedia)

Teatro Odeon (copyright:Wikipedia)

Estádio (copyright:Wikipedia)

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Democracia em vertigem


Vi, finalmente, o documentário “Democracia em vertigem” da Petra Costa. Sem saber, vi muitas vezes, repetidamente, aquela menina tímida, tão nova, a perguntar a Caetano Veloso o significado da canção “Cajuína” que conta o episódio do encontro de Caetano Veloso com o pai de Torquato Neto, em Teresina. A letra que começa com aquela questão existencial “Existirmos, a que será que se destina?”.


E agora, descubro que aquela menina da pergunta é a cinesasta Petra Costa. O documentário que estreou no Festival de Sundance e foi tão elogiado pelo The New York Times é de uma sensibilidade e está tão bem feito que é uma roleta russa de emoções. A revolta, a surpresa, vergonha e incompreensão quando se vê as manisfestações violentas contra Dilma e Lula, quando se assiste aquela palhaçada que foi a votação no Senado do impeachment de Dilma Rousseff e que eu vivi para ver em directo na televisão. E a preocupação de quem vê uma país à beira do precipício: “O que vão pensar de nós”? E a profunda emoção despoltada quando Dilma Rousseff chora no discurso no dia do impeachment. E a serenidade de quem nada teme: “Hoje só temo pela morte da democracia”. Esta mulher guerreira, que não chorou quando foi torturada e que assiste, como todos nós, sem nada que a democacia possa fazer, à derrocada de um Brasil que não existe mais. O Brasil de Lula da Silva que eu aprendi a respeitar porque foi um  Brasil pensado, um Brasil sonhado. Um sonho que se cumpriu. Um país da América Latina onde foi possível ver pessoas que foram ajudadas pelo “Bolsa Família e “Minha Casa minha Gente”. Poder ver os seus filhos estudar, entrar nas universidades, estabelecer uma classe média, onde os ricos ficaram incomodados por ver tanta gente andar de avião, viajar, adquirir poder de compra, conseguir direitos trabalhistas. Uma sociedade com mais igualdade que ameaçou a hegemonia dos ricos. Este país menos desigual não interessava aos privilegiados. Mas como Lula disse antes de ser detido: “Ninguém pode prender um ideal”. Esse viverá com toda a gente que acreditou e acredita porque ninguém poderá prender toda a gente. Como disse Obama: “This is the man”. O político trabalhador metalúrgico, que nunca desistiu, que perdeu muito para poder ganhar, filho de uma mãe analfabeta do nordeste que chegou ao cargo mais alto do Brasil. Ficará para a história por bons motivos e será sempre lembrado. Eu que não gostava de Lula da Silva, com toda esta perseguição política de anos, aprendi a respeitá-lo. E convenhamos, alguém como o Lula que ganhava milhares de euros por palestra, que é uma vedeta na política mundial, ser subornado por uma casa no meio do fim do mundo ou um apartamento numa praia suburbana? Sabemos, agora, que tudo não passou de um plano muito bem feito. E sim, mais vale tarde do que nunca, eu digo #lulalivre. No dia da votação do impeachment de Dilma Rouseff, o então deputado Jean Willys, hoje exilado político disse tudo em pouco menos de um minuto: “Eu me sinto constrangido por participar nesta farsa, conduzidapor um ladrão, urdida por um traidor conspirador e apoiada por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos. Em nome da população LGBT, do povo negro exterminado nas periferias, dos trabalhadores da cultura, dos sem tectos, dos sem terra, eu digo não ao golpe. Durmam com essa, canalhas”.




segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Robert Mapplethorpe: Pictures


23 de Dezembro de 2018

Já tinha estado no auditório de Serralves em várias conferências. Mas nunca visitei a Casa de Serralves nem os jardins. Desta vez, visitei o Museu, e continuo sem conhecer a casa e os jardins. Já era noite e faltava menos de duas horas para fechar. Na compra dos bilhetes disseram-nos que não teríamos tempo para visitar a exposição do Miró. Fui propositadamente para ver a exposição das fotografias do Robert Mapplethorpe que já tinha visto nos Estados Unidos. Como na altura não achei tão escandalosas como a polémica e os comentários que suscitaram em Portugal, queria ver o que de tão diferente tinha esta exposição. De relembrar que esta exposição provocou a demissão do Director artístico do Museu de Serralves, João Ribas. Algumas das fotografias foram colocadas numa sala à parte com a admissão permitida apenas a maiores de 18 anos. As fotografias presentes nessa sala restrita são essencialmente de “nús não canónicos” e práticas sexuais sadomasoquistas. Honestamente, tirando duas fotos, não achei nada do que vi naquela sala incompreensível para menores de 18 anos. Existem outras fotos fora desta sala restrita igualmente provocadoras. Mas a exposição não são só as fotografias mais polémicas. A maioria são retratos de pessoas mais ou menos famosas e anónimas, autoretratos, flores e estátuas. Esta exposição era muito maior do que a que tinha visto anteriormente. Algumas das fotos que vi anteriormente não estavam nesta e outras que estavam nesta não as tinha visto anteriormente.


Iggy Pop (copyright: Robert Mapplethorpe Foundation)
Isabella Rossellini (copyright: Robert Mapplethorpe Foundation)


Robert Mapplethorpe (copyright: Robert Mapplethorpe Foundation)

Deborah Harry (copyright: Robert Mapplethorpe Foundation)

Louise Bourgeois (copyright: Robert Mapplethorpe Foundation)

Robert Mapplethorpe (Copyright: Solomon R. Guggenheim Museum)

Robert Mapplethorpe (Copyright: Solomon R. Guggenheim Museum)




No jardim da entrada do museu tinha ainda uma instalação "Descent into Limbo" do artista Anish Kapoor, a única que vi. No interior do museu havia uma série de preparações e experiências que o artista fez e também uma quantidade de estruturas tridimensionais em ponto pequeno das obras dele, inclusive a "Cloud Gate" de Chicago.

"Descent into Limbo" Anish Kapoor



sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Dia 1 - Florença

Florença, 9 de Dezembro 2018

Venho pela primeira vez a Florença para ver a exposição da Marina Abramovic "The cleaner". Para além disso, apesar de todas as maravilhas que me disseram sobre a cidade, dos monumentos, da história, da paisagem, da atmosfera, da comida, dos vinhos, da arte, Florença nunca esteve entre as cidades italianas que tinha mais interesse em conhecer. Como já disse alguém, vim (apenas) para ver e andar por aí. (Mas) ledo engano! E fiquei fascinada pela cidade, pelo ritmo, pelas decorações de Natal, pela proibição de carros em muitas ruas do centro histórico, pelo vinho, pela comida, pela quantidade de pessoas que andam de bicicleta, pela conservação dos edifícios, pela limpeza (comparativamente com outras cidades italianas). 

Saí de Genova às 18:52 no comboio Frecciabianca. Os bilhetes, comprados com a devida antecedência, numa modalidade Super economy (que não permite mudanças nem reembolsos), vale muito a pena, principalmente , em primeira classe. A viagem foi directa de Genova à estação de Campo de Marte em Florenca. Teria, depois que mudar para um comboio regional que me levasse à estação de Santa Maria Novella, mais no centro da cidade e onde o meu hotel ficava. A viagem correu muito bem. A carruagem quase vazia, que é o que se pretende quando se escolhe a primeira classe. Dormi parte do caminho, o que é uma raridade. O comboio saiu a horas, em direcção a Roma. Tudo a parecer perfeito. Já estávamos na primeira estação de Florenca quando percebemos que algo se passava. Uma avaria qualquer numa das linhas que nos deixou parados mais de 50 minutos. O que fazer a não ser esperar? Após quase uma hora, o comboio lá retomou o trajecto e cheguei à estação de Campo de Marte. Quase ninguém. Passava das 11 da noite. Todos os comboios atrasados. Saí em direcção à entrada da estação e nenhum táxi disponível. Chamei um táxi com uma aplicação que uso em Genova e em aproximadamente 5 minutos tinha um táxi. Chovia. Cheguei ao hotel rapidamente, já que a distância não chegava aos 5 km. Paguei 20 euros.  Fiquei no hotel Diplomat da cadeia C-hotels. Escolhi este hotel pela localização, mesmo ao lado da estação de S. Maria Novella, e porque gostei do preço, do estilo minimalista do hotel e dos comentários. Só não vou dar 5 estrelas porque o funcionário da recepção não foi a simpatia em pessoa. De resto, o hotel foi aquilo que prometia. O quarto não era muito grande mas tinha uma cama de casal, uma vista agradável, com um chuveiro bom. Nada a reclamar. 

Acordei antes das 7 da manhã, ainda vi o o sol nascer. Voltei para a cama porque ninguém merece madrugar ao fim de semana, mesmo quando Florença nos chama lá fora. Acordei a tempo de tomar o pequeno-almoço e voltei para a cama. Por volta das 11 saí e não quis saber dos conselhos, das dicas, do Lonely planet, dos mapas... Saí para ver, apenas. Fui em direcção ao rio Arno, sem saber. Exactamente na Ponte antes da Ponte Vecchio. Estava um dia lindo. Céu azul. Temperatura amena. Caminhei ao longo do Arno, passei junto ao Museu Galileo, mas não entrei. Tirei a foto da praxe com a Ponte Vecchio ao fundo. Não passei pela ponte. Demasiada gente, demasiada confusão. No Uffizi está patente uma exposição do Leonardo da Vinci sobre um dos códigos. Debaixo dos claustros, os emigrantes de leste fingem que são pintores. Deixei-me enganar em Roma, não serei enganada mais. Vi as estátuas dos grandes: Dante, Leonardo, Michelangelo. [Aprendi com o meu colega de gabinete, de nome Pietro, nascido em Florença, a quem também chamam Ulisses, com cabelo e um longa barba ruiva, que em Florença referem-se a Leonardo Da Vinci como Leonardo e não Da Vinci]. Foi aqui que comecei a achar Florença mais do que esperava. Na Piazza della Signoria é de ficar de boca aberta com as reproduções de David, Hércules, Porseus e Neptuno (que está a ser reconstruído). Sento-me no chão apenas a olhar. E reconheço que preciso rapidamente de um dicionário de personagens mitológicas gregas. Esqueço-me do tempo. Daqui sigo para a casa de Dante. E depois sigo as ruas até ao Duomo. Não porque queria ver o Duomo mas porque queria ver a famosa cúpula. E especificamente queria ver a cúpula desde a Caffetaria delle Oblate situada na Bilioteca com o mesmo nome. Quando chego perto do Duomo e vejo aquela maravilha e o tamanho daquela obra de arte, rendo-me. Que obra explêndida. Não consigo fechar a boca tal é a minha surpresa. Não houve nenhum livro, foto, descrição, publicidade que descrevessem o que o Duomo é na realidade. Só vendo ali. Não há como a duas dimensões reproduzir a magnitude e a beleza de tão maravilhoso monumento. Ainda continuo em choque. Foi das coisas mais bonitas que vi na vida. Mesmo. E daqui sigo para a tal cafetaria que tem uma das vistas mais bonitas do Duomo, ou pelo menos, da mundialmente conhecida cúpula do Duomo de Florença. Não são mais do que 5 minutos a pé. Mas o que descubro? Dia 8 de Dezembro, feriado. Não só está fechado nos feriados como aos domingos. Voltarei. Mas como a desilusão é grande, não como desde o pequeno almoço e já passa das 4 da tarde, entro no primeiro restaurante que vejo. Espreito pela janela. Tem umas bonitas toalhas de pano aos quadrados brancos e vermelhos e umas peças de carne que darão origem ao famoso bistecca alla fiorentina. São 200 a 400 g de carne. Teria que estar faminta para conseguir comer essa quantidade, e mesmo assim, duvido. Não sei o que me fez entrar. Mas pareceu-me agradável, aconchegante, com uma luz discreta (como a Blanche Dubois gostaria). A essa hora ainda havia gente a almoçar e quem me atendeu foi muito simpático e prestável. Vi várias garrafas em cima do balcão e pedi opinião sobre qual deveria optar. Decidi-me por um Chianti, seguindo a sugestão. Depois pedi uma bruschetta que estava maravilhosa de tão simples. Não estava esfomeada, o que melhora a qualidade da apreciação. Eram três fatias de pão (com uns 3 cm) sem sal (como é típico em Florença), com quadrados pequenos de tomate com sal e azeite. Só isto, simplesmente. Acho que o segredo era a qualidade dos produtos. E pedi, também, uma tábua de queijos que veio acompanhada de uma compota de alperce e mel. Na maioria das cidades turísticas, entrar num restaurante assim às cegas, sem uma recomendação, pode revelar-se uma péssima experiência. Não foi o caso. Este restaurante de nome “Lo scudo”, mesmo junto ao Duomo, foi uma escolha muito acertada.


Depois, andei pelas ruas a ver e a entrar nas lojas. As ruas estavam repletas de gente e muito bem decoradas com enfeites e luzes de Natal. Gostei especialmente de uma loja Legami (www.legami.it) que é semelhante à Tiger mas ainda melhor, para pessoas viciadas como eu em esferográficas, cadernos, lápis, borrachas... No fim do dia fui tomar um aperitivo ao Eataly.














quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

"The onion" Marina Abramovic


Na televisão vê-se Marina Abramovic a trincar, mastigar, deglutir até ao fim uma cebola grande com a casca e ouve-se em simultâneo a sua voz a dizer este texto:
"Estou cansada de mudar de aviões com tanta frequência, esperar nas salas de espera, estacões de autocarro, estações de comboio, aeroportos. Estou cansada de esperar pelos intermináveis controlos de passaporte.
Compras rápidas em centros comerciais. Estou cansada de mais e mais decisões de carreira, inaugurações em museus e galerias, intermináveis recepções, estar em pé com um copo de água na mão a fingir que estou interessada nas conversas. Estou tão cansada das crises de enxaqueca, quartos de hotel solitários, lençois sujos, serviços de quarto, chamadas telefónicas de longa distância, filmes maus na televisão.
Estou cansada de me apaixonar sempre pelo homem errado; cansada de ter vergonha do meu nariz ser tão grande, do meu rabo ser enorme; envergonhada pela guerra na Jugoslávia. Quero ir embora, para um lugar tão distante que não possa ser contactada por telefone ou fax.
Quero envelhecer, ser tão velha, que nada importa mais.
Quero entender e ver claramente o que está por trás disto tudo. Quero não querer mais".

Dia 2 "The Cleaner" - Marina Abramovic no Palácio Strozzi em Florença

Dezembro de 2018

Marina Abramovic é conhecida pelas suas performances perigosas, arriscadas, na maioria das vezes, chocantes. Na maioria delas os seus limites físicos e psicológicos são testados. Ver o trabalho de Marina Abramovic é sobretudo uma experiência sensorial. Sentir e experimentar. Quando me perguntaram quantas horas se demora a visitar a exposição respondi que é o tempo que quisermos. Ou nos deixamos mergulhar naquele universo ou sairemos muito rapidamente.

Cheguei ao Palácio Strozzi por volta das 11 da manhã e esperei  uns 20 minutos para comprar o bilhete para a exposição, que custava 12€ , mas com o desconto da Booking custou 9.5 €. Subi umas escadas e a primeira coisa com que  nos deparamos é uma sala separada por uma parede de vidro, pela qual saberei depois, se pode entrar. Do outro lado da parede de vidro estão duas pessoas nuas em pé debaixo do que simula uma porta. Um rapaz e uma rapariga com alturas muito diferentes. Ele muito alto e ela baixa. Ambos são caucasianos. Ambos são muito jovens. Olham-se nos olhos. Nus. Entre eles há um pequeno espaço físico que só permite a passagem de uma pessoa de lado e que obrigatoriamente terá que tocar em um deles ou nos dois. Do lado de cá do vidro olho sem pressa e aprecio as pessoas que têm coragem de passar entre eles. Depois observo pequenos pormenores como nenhum dos dois estar completamente depilados. E como apesar de serem os dois magros seriam muito mais bonitos vestidos. Os dois tinham caras muito jovens e bonitas. Ele tinha bigode e barba de vários dias. Tinha também vários piercings e brincos na orelha. Um deles era no mamilo. Ela não tinha qualquer piercing nem tatuagem. Uma pele jovem e muito branca debaixo da luz. Ele tem uma pila grande e ela tem a pubis coberta de pêlos. As pessoas vão passando entre eles e a concentração deles mantem-se inalterada. Comparo com as performances, que vi da própria Marina Abramovic com o Ulay há muitos anos atrás, no  youtube. E também com as fotos que vi no seu livro autobiográfico. Esta performance chama-se Imponderabilia. Por aqui comecei e nela acabei quando terminei de visitar o primeiro andar da exposição. Passadas mais de uma hora, o casal era outro. A diferença de alturas era grande também. Ele não era bonito e não era tão jovem. Ela era muito bonita e seria tão bonita vestida como nua. Ela também não era tão nova mas o tempo não lhe deixou marcas nefastas no corpo. Ele não era bonito nem tinha um corpo bonito, tinha muitos pêlos e uma pila que parecia a cópia do David do Michelangelo.

Muitas das performaces estão a ser mostradas a preto e branco em televisões. Muitas delas conhecia-as de exposições anteriores, do youtube e da autobiografia. "Relation I" em que Abramovic e Ulay estão a dar estalos um ao outro, à vez, com maior ou menor intensidade. "AAA-AAA" é uma performance de 1978 que dura 15 minutos na qual grita até perder a voz. "Breating in/breathing out", tal como a descrição em inglês indica é uma performance em que Abramovic e Ulay colam as bocas, semelhante a um beijo, e respiram de lábios colados. Em "Rest energy" Abramovic puxa o arco da flecha com a mão e deixa-se inclinar pelo peso do corpo à medida que puxa o arco e ao mesmo tempo Ulay, do outro lado, puxa a flecha. Outro dos vídeos mostra Abramovic e Ulay nus a correrem em direcções opostas contra colunas e o público a assistir. A separação de Abramovic de Ulay é também mostrada, quando os dois decidem atravessar a muralha da China, cada um começando a caminhada do lado oposto do outro e encontrando-se no caminho. Esta é uma das descrições mais sensíveis que me lembro da autobiografia. Pode ver-se também a performance de quando desenhou uma estrela na barriga e depois se cortou com uma lâmina de barbear. Não falta, talvez a mais conhecida de todas, aquela que a tornou uma das mais famosas artistas contemporâneas, e que a consagrou: “The artist is present” no MoMa em 2010. Nesta performance Marina Abramovic sentou-se durante 8 horas numa cadeira, diariamente, vestida com um longo vestido vermelho ou preto, com apenas uma mesa a separá-la da outra pessoa. No Palácio Strozzi são mostradas em simultâneo as caras das milhares de pessoas que por lá passaram acompanhadas pela expressão de Marina Abramovic.

“The house with the ocean view”, interpretada in loco, uma pessoa vive numa espécie de mezzanine com escadas de facas com a lâminas como degraus e existem  três divisões de uma casa incluíndo um quarto e uma casa de banho.

Outra das performances sobre a qual tinha lido, uma das mais recentes e que implica a intervenção do público e da qual ela tão detalhadamente fala na sua autobiografia é: “Counting the rice”.  Montes de grãos de arroz branco e preto estão em cima de uma mesa na qual várias pessoas se podem sentar. Coloca-se os auscultadores. Segue-se as intruções. Conta-se grãos. Separam-se grãos. O conceito de “faz tu mesmo”. O silêncio como companhia e o tempo a passar. Este é o objectivo de Marina Abramovic no instituto que criou em em Hudson perto de NY.






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