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segunda-feira, 30 de julho de 2018

Caetano em Roma

Na verdade eu fui a Roma para ver Caetano. Disseram-me que não tenho independência para julgar livremente a qualidade dos concertos de Caetano porque para mim ele é um Deus. Não desminto. Provavelmente ele até poderia só gritar, como vi um dia Yoko Ono fazer em NY e que alguns acharam aquilo arte, e eu acharia magnífico. Mas quando leio de algumas pessoas que considero que Caetano é um milagre e que sempre se surpreendem a cada concerto, não me parece que seja apenas “endeusamento”. E devo a Caetano muito do que aprendi sobre os mais variados assuntos. Todos os concertos que vi de Caetano foram no Coliseu de Lisboa. Todos eles foram especiais. Com banda, sem banda, sozinho ou em dueto. A relação com o público foi sempre cúmplice. Mas em Roma foi mesmo especial.

Antes do concerto leio que morreu Hélio Eichbauer, o cenógrafo responsável por muitos dos cenários de Caetano, incluíndo este. Para além deste facto, Moreno foi enteado de Hélio, com quem Dedé Gadelha (mãe de Moreno) fora casada durante 30 anos. Moreno, depois de Caetano falar da perda de Hélio, com a voz embargada acrescentou: "Dedicamos este show a ele". Ninguém á minha volta era brasileiro ou português mas conheciam profundamente o trabalho de Caetano. Durante o concerto muitos deles balançaram o pé, bateram muitas palmas, acompanharam o ritmo, tentavam acompanhar as canções. Percebi que Caetano não é um desconhecido em Roma. E gentilíssimo dirigiu-se sempre ao público em italiano. Não quis ouvir “Ofertório” para tudo ser surpresa.  Passavam 9 minutos da hora marcada e Caetano, juntamente com os (seus) meninos, entrou no palco. “Todo o homem” foi para mim a grande surpresa e a música da noite. Zeca Veloso, que Caetano disse que nunca quisera fazer musica, escreveu esta canção tão comovente com voz em falsete, cujo verso "todo o homem precisa de uma mãe” ficou no ouvido. A palavra que resume este concerto é intimidade. Os quatro não parecem estar em frente a uma plateia de milhares de pessoas mas em casa a cantar para uns amigos. Outra das surpresas é uma espécie de rap/funk, no qual todos participam com o piano, com a voz fazendo a batida, a contagem crescente até 12 de Caetano e a dança de pés descalços de Tom. A música que dá o nome ao concerto foi escrita para Dona Canô como se fosse ela a narradora. Na introduçao a esta música, Caetano explica que não é religioso mas que todos os seus filhos são. Os dois mais novos sao cristãos e Moreno é um curioso pelas religioes orientais e afro-brasileiras. Moreno acrescenta:“sou macumbeiro”. A outra que me ficou na memória foi a filosófica da autoria de Moreno “How beautiful could a being be" onde mostrou como sambar bem com ginga e rebolado e levou também Caetano para a frente do palco para uma dança ensaiada. Vozes e instrumentos numa sintonia perfeita. Não faltaram as mais conhecidas "Força estranha”, “Reconvexo” e“Leãozinho”. No primeiro encore, já com o público da plateia todo em pé e encostado ao palco, cantaram a minha preferida “Deusa do amor”. Voltariam mais duas vezes, mesmo depois das luzes acesas e terminaram com “A luz de Tieta”.

Caetano, nesta noite tropical, no anfiteatro ao ar livre de Renzo Piano que não chegou a encher, rodeado das pedras aquecidas pelo sol de Roma entrou em fusão com o público. A noite em que Caetano foi “a chuva que lançou a areia do Saara sobre os automóveis de Roma”.

Aprendi que ninguém no seu perfeito juízo deve esperar o verão para ir a Roma. Mas depois de aqui estar como dizer que não a uma cidade  que chama por nós?

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Luana Carvalho

As pessoas que me conhecem bem sabem o quanto a música está ausente na minha vida e o quanto sou ignorante neste tema. Ouço cada vez menos, menos, menos música. E acho que há cada vez mais música desnecessária e que só polui o mundo. E com o passar dos anos, não me consigo concentrar na presença dela. Uso-a apenas para “mascarar” o barulho quando me incomoda, no ginásio (que vou com muita pouca frequência) e a andar de bicicleta (que era o meu meio de transporte em Houston). Para piorar os meus conhecimentos musicais, saio cada vez menos à noite e a pouca música nova que vou conhecendo limita-se à obra do acaso. Ou à grande transposição de resistência que às vezes concedo às músicas que os meus amigos me enviam.

A Luana foi uma das grandes surpresas do último ano. Conheci-a, e a sua voz, num fim de tarde lindo em Óbidos. Fiquei encantada. Falou bem, cantou bem e vim a saber que escreve (ainda) melhor. Acompanhada da poeta Alice Sant’Anna, do baterista e baixista da banda Tono. Foi daqueles encontros memoráveis e irrepetíveis que ficam apenas gravados na memória, em que tudo parece ser perfeito. Ali era apenas a Luana. Com as letras, as canções, a voz, a música, os óculos e o violão. Lembro-me, para sempre, que se falou de Machado de Assis, de baleias, de mar, de Moby Dick, da Mangueira...

Em Outubro foi convidada especial do Moreno Veloso no S. Luiz. Cantou “Deusa do amor” e “Invente-me” que serão para sempre a imagem dela, para mim. E no final do concerto foi-me apresentada pela Anabela Mota Ribeiro. Pessoalmente Luana é tal e qual como a cantora que se revelara no palco, como leitora de poesia dela e dos outros, como compositora, como instrumentista: gentil e delicada. Disse-me que os discos seriam lançados em Janeiro, e assim foi. Cumpriu-se.

“Sul” saiu saiu primeiro em todas as plataformas digitais. Ouvi do princípio ao fim, repetidamente, sem me cansar. Tem sido a minha companhia, como barulho (bom) de fundo. A capa, na primeira vez que a vi, lembrou-me “Moby Dick”. Não sei se era essa a intenção. E estão lá, tão perceptíveis a guitarra de Pedro Sá e o violoncelo de Moreno Veloso. “Invente-me” é de morrer de amores. E já sei o significado de “cabrocha”.

“Branco” é diferente. Parece-me um trabalho muito mais experimental e autoral, muito decantado. Um conjunto de sons e palavras cuidadas que não se parece com nada. Talvez daí o nome branco. Ou um zero (não absoluto). Algo no disco me fez (re)lembrar da sonoridade de “Cantada” de Calcanhotto. Sou só eu que achei?

Este trabalho duplo da Luana não é só música, nem canção, nem interpretação. É muito mais. Mais além. Para lá. Muitas expressões artísticas numa só. O muito que se transforma em pouco. A simplicidade tão difícil de conseguir, atingida. A beleza da arte como uma coisa só.


quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Uma noite linda daquelas com Moreno Veloso

Dia de manif de taxistas em Lisboa. Eles chamaram de greve, eu chamo de bloqueio. Aeroporto caótico. Filas e filas. Pessoas e mais pessoas. Um mar de gente. Metro congestionado. A verdadeira democracia. Gente de todas as idades e estratos sociais como sardinha em lata. Mas tudo acaba dando bem. Em Lisboa não se vê um único táxi.

O concerto está marcado para as 9. Vou de metro até ao Chiado e vou comer qualquer coisa ao Mini Bar do José Avillez. Quero ficar ao balcão, como sempre quando estou sozinha. O balcão é do bar, para se aguardar enquanto não se tem mesa, mas fazem-me a vontade sem eu pedir muito. O que mais gostei foi da luz. Aquela iluminação de meia-luz como tão bem descreve Blanche DuBois em "Um eléctrico chamado desejo".: "Apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso! (...) Detesto lâmpadas sem quebra-luz (...) As pessoas frágeis têm de brilhar. Têm de usar cores suaves, cores de asas de borboletas, abafar a luz com uma lanterna de papel". O bar é ao estilo daqueles bares trendy de NYC onde se vai depois do trabalho, ou beber um copo antes ou depois do teatro e, por último, a mais comum das hipóteses, afogar as mágoas em grande estilo a beber uma pipa de massa (para depois garantir uma ressaca daquelas). 
Aqui a iluminação está focada nas garrafas e o que vi preparar leva-me a dizer que voltarei em breve (a minha intenção era voltar no fim do concerto para uma Margarita ou um mojito, mas nem tudo corre sempre como queremos e/ou esperamos. Devagar, dizem. O caminho faz-se caminhando. Paciência é a melhor virtude que podemos ter). Escolhi o mini hambúrguer porque só queria qualquer coisa para segurar o copo de vinho branco José Avillez. Entrei quase às 8:30 e perguntei se conseguia comer qualquer coisa até antes das 9. Disseram-me que sim. Irrepreensível. Às 8:55 já estava a pagar. Simpatia mais do que muita. Humor em doses idênticas e disponibilidade do melhor.



O Teatro São Luiz estava composto. A sala, para quem não conhece, é muito bonita no estilo do Teatro Nacional São João. As cortinas estão fechadas. Não esperamos muito para o início. Algumas caras conhecidas na plateia: Anabela Mota Ribeiro, Matilde Campilho, um dos músicos da banda Cê, achei que vi o Domenico Lacellotti (mas como sou pitosga, não aposto).
As cortinas abrem e lá está Moreno Veloso e a banda (Pedro Sá, Rafael Rocha e Bruno Di Lullo). Estão debaixo de uma iluminação de várias cores com uma espécie de vários candeeiros de luzes pequeninas. Eu não conhecia o Moreno no palco. Nem nunca nos cruzamos na vida. Mas este menino de 44 anos tem uma doçura misturada com um riso lindo e uma alegria que deve vir da Bahia. Não imaginava que fosse tão extrovertido. Sentia-se em casa, era notório. E rodeado de amigos. Um menino grande. Um despojado. É daqueles concertos que não se vai para cantar nem para reconhecer mas apenas para ouvir. Foi o que fiz. Não me lembrei do telemóvel. Perdi a noção do tempo. Não reconheci todas as músicas, nem esse era o objectivo. Mas cantou Mambeado aquela que diz: “Que lindo es estar en la tierra/ después de haber vivido el infierno”. Fechei os olhos e ouvi, somente.Que bem que o Moreno a canta.  Depois, chamou ao palco Luana Carvalho que tudo o que cantou eu gostei. E eu que quase não oiço música e que não gosto de quase nada. Cantaram juntos, a tão esperada por mim, Deusa do Amor, um verdadeiro hino ao Carnaval de Salvador mas com batida suave, uma melodia de amor, que eu tenho ouvido em loop: uma verdadeiracantada”: “Tudo fica mais bonito quando você está por perto/ você me levou ao delírio por isso eu confesso/ os seus beijos são ardentes/ quando você se aproxima o meu corpo sente/.../ Balanço o alicerce mais forte que tem nesse mundo/ O cupido me flechou”. Não é lindo? Não são necessárias grandes metáforas e eufemismos para descrever o maior dos sentimentos. Luana Carvalho que eu não conhecia nem nunca ouvi falar, imagino que a maioria também não. Vi-a pela primeira vez no Folio, em Óbidos num showcase de música e poesia (para ler mais aqui e aqui). Não se esqueçam, esta menina ainda vai dar muitas cartas! É só talento. Muitos, numa só. Depois, sozinho, cantou Coisa boa a canção de ninar para os seus “filhinhos”, Mar português de Pessoa, Noite de Santo António. Dançou muito com Luana Carvalho. Mostrou que sabe dançar. Tem swing. Dança muito! Uma alegria. Voltou duas vezes ao palco, incluiu Arriverdeci e Leãozinho.
No final do concerto saimos felizes e de bem com a vida. A felicidade num instante. É isto, apenas.






Todas as fotos, com excepção da primeira, foram gentilmente cedidas pela Catarina Henriques


E no dia seguinte seria talvez o dia mais feliz da minha vida. Mas esse merece um texto à parte. Aguardem. Eu gostava de dizer que sou inspirada e que escrever é inspiração. Mas para mim é trabalho, tempo, inspiração e disponibilidade. Conjugar estas coisas é uma tarefa hercúlica, para mim. Desculpem, para quem pede muito e mais e mais.

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