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quarta-feira, 28 de março de 2018

Uma volta de 180 graus


Tenho 38 anos. Um emprego pela primeira vez na vida. Um contrato por 2 anos, com tudo a que um trabalhador tem direito. Mas, para isso, tive que mudar a minha vida toda. Deixei a minha casa com tudo o que de confortável e conhecido tem. Os hábitos. Uma cadela que encontrei quando ela tinha 4 meses e da qual achei que nunca me iria separar. A família, Os amigos.

Não é a primeira vez que mudo na vida. Já vivi em 3 cidades diferentes. Esta é a quarta. Braga, Houston, NY, Genova. Durante anos, com tantas mudanças de casa e 3 cidades, não me sentia em casa em parte nenhuma. Mas depois de alguns anos seguidos em Braga comecei a sentir que pelo menos aquele apartamento fora sido preenchido à minha imagem. Começar de novo com uma mala de 32 kgs, uma mala de mão e uma mochila. Tudo o resto ficou para trás. Desenhei um cenário catastrófico. Pensei que não ia gostar de nada e criticar tudo. Está a ser mais fácil do que pensava. Diria que são duas coisas muito importantes: o tempo e as pessoas. As pessoas são o melhor. Acolhedoras. Simpáticas. Mesmo sem partilharmos a mesma língua conseguimos perceber-nos. Falam muito com as mãos. Falam alto. Riem muito. São parecidas, nas qualidades com os portugueses. Felizmente, como diria o Eça não têm o aspecto desconsolado dos doentes dos intestinos. Vivo pela primeira vez na vida em frente ao mar. Mas não há a angústia do mar. Apesar de haver dias com ou sem chuva, cinzentos, o mar nao adquire aquela cor depressiva cinza chumbo. Não tenho elevador. Vivo num quarto andar. O local de trabalho é bom. Deram-me um computador, 3 batas brancas e duas azuis. Tenho 2 cacifos e uma secretária. A cantina e o bar são óptimos. Bom, bonito e barato. Comida boa a preço de cantina. Estou viciada em cappuccinos. E na simpatia das senhoras do bar. Sinto-me acolhida. Aqui não tenho carro. Felizmente, dizem os meus amigos. Com as ultrapassagens  que fazem pela direita e esquerda, não demoraria muito a causar uma tragédia com as milhares de scooters. Um destes dias deixaram-me em frente a casa, e apesar do aviso  para ter cuidado com a porta e com as scooters, causei estragos. Ando a pé, de metro e de autocarro. Acho os transportes eficientes, embora o metro feche às 9 da noite, ridiculamente. Os táxis são caros mas muitas vezes, por preguiça, não lhes resisto. Ainda tenho uma casa praticamente vazia, só com o indispensável. Mas dizem-me que agradável, parece uma casa de praia. Ainda não tenho internet ilimitada nem telemóvel italiano. Foi este o grande problema encontrado e que mais demorei a resolver. Todos os outros foram rapidamente solucionáveis. Não tenho televisão nem vou ter, eu que não adormecia sem ela. Não tenho fotografias. Trouxe 10 livros. Ainda me custa olhar para os cães e para crianças e não ter saudades. Falo todos os dias com as mesmas pessoas que falava em Portugal, até mais. Saudade é a palavra que mais me ocorre desde que me mudei. Quem, quando está sozinho, não se intimida com o silencio? Planos, ao contrário do que esperava, não faço a longo prazo. Só (ainda) não consigo conjugar os verbos no futuro. No presente, sempre no presente. Sobre o texto da mudança, uma das minhas amigas achou-o triste. Falhei o objectivo porque nada nele é triste.
Tenho dinheiro, mais do que algum dia. Mas quero coisas que ele não compra.




sábado, 23 de dezembro de 2017

Sete anos sem ele

Estou sentada à espera de ser chamada. Falta de ar. Dia de crise. Bronquite. Bronquite asmática. Asma brônquica. Asma alérgica. Mas, de facto, não sou alérgica a muita coisa. Tenho (apenas) as imunoglobulinas aumentadas 1000 vezes. Corticoides. Cortisona. Optam pelos anti-inflamatórios que não sejam não-esteróides. Brometo de ipratrópio. Salbutamol. Budesonida. Flixotaide. Cansaço. Pieira. Gatinhos. Panela de pressão. Borbulhar. Esponja. Hiperventilação. Peixe fora de água. Insónia. Mal-estar. Cetirizina. Bilaxten. Descanso.

Hoje ela disse-me que a imagem mais remota que tem de mim é de num dia de verão muito quente, dia de tudo a arder em volta, eu a caminhar calmamente, parar e dizer: “não entres em pânico, está a começar uma crise de asma. Eu não tenho a bomba e preciso de oxigénio. Liga por favor para o INEM”. Nesse dia, o INEM chegou rapidamente mas não tinham oxigénio. Lembro-me da médica me dar a mão e pedir-me calma, apesar de eu estar deitada mais do que calma. Nesse dia uma amiga que eu não sabia grávida foi comigo na ambulância a alta velocidade para o hospital. Ela não teve medo. Eu não sabia. 

O meu avô morreu há 7 anos. Passava pouco das 8 e recebemos um telefonema. Nesse dia, eu dormi em casa dos meus pais. A minha mãe foi acordar-me porque uma das minhas tias queria falar comigo. Disse-me ao telefone a chorar: “O avô morreu”. O mundo parou. Não consegui dizer nada. Petrifiquei. Como é que podia ter morrido se estava, apesar de internado, tão bem na noite anterior? Ele que sobrevivera a dois enfartes num mês. Ele que nunca estivera gravemente doente na vida. Ele que nunca estivera internado. Um enfarte atirou-o para a cama de um hospital e nunca mais de lá saiu. Perdeu o apetite. Perdeu peso. Perdeu a função renal. Perdeu quase tudo. Mas nunca perdeu a consciência. Que saudades que tenho do humor dele. Do riso dele. E conversava tanto. Que saudades do “minha neta”.

Há um ano, exactamente neste dia, entrei com a maior das confianças numa sala. E saí de lá cega de desânimo. Acho que nunca me recuperei. Ainda hoje não consigo lembrar-me do que foi dito. Vou aprendendo devagarinho a não acreditar.

Ontem mandaram dizer-me que a minha pressa não era urgente. A minha esperança morre, a cada dia, um pouco mais. Tudo é espera e incógnita. A resposta chegará algum dia. É uma questão de tempo e paciência.

E depois penso naquele senhor de 91 anos, a idade que o meu avô tinha quando morreu, que está desesperado, nota-se no tom de voz. Quer uma receita e não pode esperar porque tem muito que fazer. Tem a filha no hospital. A filha tem 59 anos e tem um cancro no rim. Já foi operada quatro vezes. E naquela casa onde eram dois, agora resta um. Está sozinho, nesta época do ano. Há sempre pior.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Em que se traduz o medo?

Cidade gelada. Os primeiros flocos de neve ameaçam cair. Tudo visto da janela. Não se experimenta a temperatura real. Tudo é espera. O tempo que não passa. Pessoas apressadas. Filas. Bebés que choram. Olhos vermelhos de quem não dormiu e atravessou vários fusos horários. Roupas amassadas de quem viaja. Sítio de pouca permanência. Tudo é volátil. A escolha, para enganar o tempo, não é difícil entre escadas rolantes, elevadores ou escadas. O tempo não importa. A noite começa a aparecer. A tristeza de um fim de tarde de domingo. Tudo é impessoal. Ninguém se conhece. Sala enorme. Suposto conforto. Cadeiras de vários formatos. Sofás que parecem camas. Mesas de trabalho. Televisões várias e imensas. Música ambiente que não se percebe o objectivo. Comida à descrição. Nada apetece. Olho para tudo e nada me entusiama. Só suspiros. Inspirações e expirações longas. Leve dor de cabeça. Saberei (mais tarde) que no meio daquelas pessoas está uma que conheço (bem). Mas a coincidência hoje não funciona. Probabilidade. Acaso. Não nos cruzamos apesar de partilharmos, a mesma hora, os mesmos metros quadrados. Olhar sem ver. Tenho um nó no estômago. Não é pânico nem desespero. Tento desculpas para sentimentos piores. Tento convencer-me que é assim que deve ser. O medo de falhar, sempre ele. Há pior sentimento? A expectativa. Experimento a pior das solidões embora rodeada de pessoas. Poucas vezes na vida me senti tão apoiada. E mesmo assim, só. Conto os minutos que passam. Só quero que a hora chegue.Podia aproveitar o privilégio. A sensação de ser um momento único e talvez irrepetível.Não consigo. Sou apenas uma criança com medo.Todos tentam convencer-me que estou preparada. Só eu não consigo acreditar. Não me deixam só. Tento comer. Nada me apetece. Apetece-me coisas que não consigo comer. Horas assim.Tenho momentos. Só penso nas palavras “depois” e “sobrevivi”. Não tenho vida depois. Só antes. O meu olhar deve denunciar-me. Imagens que passam pelos meus olhos que sei de cor. Perguntas que posso não saber responder. Conversas. Telefonemas. Vozes que sossegam. Depois de cinco horas de pensamentos e hipóteses, levanto-me. Exausta. Arrasto-me. Destino seguinte. Náusea. Atraso. Neve que cai. Experimento a temperatura real. Não me protejo. Podia ter sido a primeira a subir para o avião. Troco o privilégio por sentir a neve a cair. Deixo-me estar. Sinto-me gelar. Vejo o casaco e sinto o cabelo cobrirem-se de neve.Quando não posso adiar mais, subo lentamente. Sou a última a entrar.Não podia ser mais adequada a imagem: o avião cheio e eu sozinha na executiva. Já nem medo tenho de andar de avião.

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