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terça-feira, 31 de julho de 2018

O amor no meio da multidão

No final do concerto, a sair do Parco della Musica vejo-as mesmo à minha frente. São da mesma altura. De costas são parecidas. Altas, magras, muito bronzeadas, cabelos curtos. Os braços das duas cruzam-se no fundo das costas. Caminham elegantemente mas em passo apressado. Uma tem cabelo curto, calças largas de linho, uma t-shirt sem mangas colada ao corpo e umas havaianas. A outra tem cabelo rapado à Sinead O’Connor, um vestido preto comprido e é a mais nova das duas. Dez anos devem separá-las. Uma deve passar dos 50 e a outro deve estar a chegar aos 40. Devem estar no início da relação. O entusiasmo do começo. O desejo dos principiantes. A sede da descoberta. Têm a cara e o sorriso de quem começa de novo. Sente-se a admiração mútua. Vê-se ali inteligência. Arrisco-me a adivinhar o que as aproxima e o que lhes interessa. A mais velha não exibe a mais nova como um troféu que acaba de ganhar. Nem displicência. A mais nova não venera a mais velha nem a idolatra. Tratam-se de forma igual. Riem e inclinam levemente a cabeça para trás e desfazem o abraço. Dão as mãos. Continuam no ritmo apressado. São italianas, ouço-as. Abrandam o passo e beijam-se. Retomam o passo apressado e perco-as no meio da multidão.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O que amar tem de errado?

Há 20 anos fiquei muito chocada quando um grande amigo não teve coragem de me dizer que era gay e optou por me dizer por carta. Eu sabia, sempre soube mas fiquei tristíssima por ele não ter tido coragem de me dizer olhos nos olhos e por ter demorado tanto tempo.  Eu tinha 18 anos e ele também. Essa verdade que eu sempre soubera, era e sempre foi, clara para mim. E nada mudou. A importância que dei ao tempo que demorou e a forma de me dizer relativizou-se. Tudo é tão relativo, veio o tempo a mostrar-me, depois.

Hoje, passados 20 anos, a história repete-se. Soube ontem, abertamente, por mensagem o que sempre achei que se sabia mas que nunca me disse. Mas teria que dizer? Conheço-o desde sempre. É mais velho do que eu. É a pessoa mais delicada, educada, física, amorosa, que conheço. Um doce de pessoa. Sempre com coisas bonitas para dizer. Um esteta. Tem uma biblioteca que me faz ter inveja. E uma casa linda de morrer. Tem sempre flores frescas. Estamos pouco mas quando estamos é uma alegria. Acabo de saber que tinha uma relação há 18 anos. Vividos em silêncio. Viveu aprisionado tempo demais. Viveu com as verdades que ninguém quis ver. Em segredo. Pergunta-nos se sabemos o que é calar. Esconder. Passar uma vida assim. Como se a outra pessoa não existisse. Como ninguém. Estou tão feliz por ele. Por amar abertamente. Tantas pessoas que passam pelo mundo e não sabem o que isso é. E ele permitir-se, dar-se a essa oportunidade que pode não ser repetível, é o que me faz sorrir e festejar por ele. Assumiu o seu segredo.

Decidiu chegar de novo. Começar de novo. Permitiu-se assumir o que sente. Abriu o coração. Sem pensar. Sem medo. Sentir o amor. (Apenas) para ser feliz. A vida é curta. Muito curta. Porque sonhar (só) não adianta nada.  Mas (ainda) está a tempo. Sempre a tempo. Porque o tempo não volta atrás. 

terça-feira, 20 de junho de 2017

O sofrimento das mães

Todos os aniversários lembra-se que nasceu às 31 semanas, com um gémeo e com pouco mais de 1000 gramas. Todos os anos lembra-se, particularmente nesse dia, que a mãe ficou sem tocá-la durante quase um mês em que esteve na incubadora. A mãe recusara-se a vê-la (só) do vidro. A única vez que o fez sentiu-se a morrer por dentro porque, ao contrário das outras mães, não podia amamentar os filhos, encostá-los, cuidá-los, mimá-los, mudar-lhes as fraldas. Nada a não ser olhá-los pelo vidro. O pai ia todos os dias entregar o leite que a mãe tirava. Não durou muito porque até isso o desgosto lhe levou. Depois disso levou-lhe a fome, a alegria, o sono, tudo. Quando os filhos voltaram para casa pesava menos do que antes de engravidar. Até hoje a mãe fala dessa dor inqualificável de não ter podido tocar nos filhos durante um mês. Não houve nunca dor maior. E a filha imagina como é para um bebé ser retirado do conforto de um útero, de ter o irmão como vizinho durante sete meses, de ouvir a voz (conhecida) da mãe. E de ter sido alimentada e cuidada, sozinha, durante um mês numa fria incubadora. Sobreviveu, apesar de tudo. A mãe, apesar de ter sido sempre feliz, diz que nunca recuperou desse acontecimento.

As mães nunca se preparam para o pior. São sempre as mais felizes, as mais optimistas, as mais alegres. Tudo o que uma mãe quer ouvir, e se possível ver, é que está tudo bem com o seu bebé. Como se reage quando se faz tudo certo e a natureza mfalhou? Quando se planeia e a probabilidade de erro acontece? Quando se dá a notícia de o bebé não ser saudável, ou como os médicos dizem, não é viável? Como se enfrenta? Como se age? Como decidir? Não é um feto, é um filho - disse a mãe. Os médicos só lhe queriam menorizar a dor e poupar-lhe (algum) sofrimento. Poupá-la do julgamento moral porque o ético e o judicial estava previsto na lei. Mas como as mães orientam-se pelo princípio de Arquimedes (“Dá-me um ponto de apoio e eu moverei o mundo”) arranjam forças onde nem elas sabem de onde surgem. E assim, seguiu em frente, sem vacilar, sem um minuto de arrependimento com uma gravidez que todos apostavam para o bem de todos, que terminasse. E foi feliz, como todas as mães, durante os 9 meses. Esteve mesmo muito feliz. Nunca seria ela a terminar o que a natureza começou. Deixaria a natureza seguir o seu caminho. Depois, reencontrou-se nas palavras e no apoio dos amigos. A vida deste filho não foi a que imaginou nem teve o privilégio de  o ver crescer.  Mas a sua vida é tão mais que as primeiras impressões, nas suas palavras. A vida é insondável. E sente-se grata e em paz por todas estas vivências. No sofrimento e na alegria todas as mães parecem ser iguais. As mães, como as árvores, morrem de pé.

terça-feira, 13 de junho de 2017

De amor ou por amor (não) se morre

Tem os olhos da Bette Davis e a beleza da Audrey Hepburn. Escondeu-se do mundo, no seu refúgio, como a Greta Garbo. Embora este refúgio não seja  NY nem as montanhas suiças. A vida não lhe tem sido fácil. Foi deixada. Como se reage a ser-se trocada, quando a dependência era tanta, mas não se tinha consciência? Nada é sentido até ser provado.

O tempo passa. Ninguém morre de amor ou por amor, dizem-lhe. Começou a levantar-se, aos poucos, da cama. Começou a sair à rua. Passou a dormir de noite e não de dia. Começa a ir trabalhar. Começa a ultrapassar. Começa a gargalhar. Riso sincero. Está feliz, de verdade. Por um instante. Aqueles instantes que parecem durar uma eternidade. Tudo, por agora. Muito. Luta todos os dias contra a depressão. Ri muito, publicamente. Chora, sozinha, na solidão do quarto. Não exibe a sua tristeza. Disfarça-a parecendo bem. Sempre em guerra permanente consigo própria. Não esmorece. Parece o ponto de apoio de Arquimedes. O Cabo da Roca. Não se queixa. Não é desagradável. Não é cruel. Não magoa ninguém. Não se tornou amarga, apesar de tudo. Todos os dias pensa em matar-se. Pensa nos pormenores. Uma morte catártica. Atirar-se de uma ponte. Atirar-se de uma janela. Atirar-se de um telhado. Ou um suicídio anónimo, daqueles que nunca se saberá se foi um erro ou uma chamada de atenção a tempo de ser salva. Deixar-se adormecer, eternamente, com uma série de comprimidos certos e com concentrações correctas, sem margem para erros. Afogar-se numa banheira. Cortar longitudinalmente as artérias radiais até esvair-se em sangue. Sentar-se numa cadeira e dar um tiro, que pode falhar. Enforcar-se. Ou combinações destas, para (tentar) não falhar. Mas depois pensa no tempo que isso demora. Pensa na beleza das pequenas coisas. E no sofrimento dos últimos momentos. E se alguém a encontra antes do ponto final. No medo do desconhecido. Nas coisas que ficarão por dizer e por explicar. Na culpa dos outros e no que isso lhes provocará. E no que estará por vir. E o que virá depois desta realidade. E desiste.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Não me deixes só, Jesus

Foi esta a sua primeira prece. Dois dias antes do Natal. Já havia passado a maior das provações há 13 anos. Pensou que morreria. Mas sobreviveu. E agradeceu sempre, por isso. Treze anos depois, a tragédia volta a bater à porta. Este número santo. Só que desta vez, pior. Como as espadas do coração de Nossa Senhora das Dores. Sem nenhum analgésico químico que o pudesse acalmar. Vivia a maior das alegrias. O maior dos descobrimentos. Voltara a acreditar no (verdadeiro) amor. Encontrou o amor. Soube o seu verdadeiro significado. O que era realmente. Soube que existia. Sentiu-se abençoado.

Tinha uns olhos cheios de vida. Reflectiam a alegria e sede de viver no alto dos seus tão jovens e tão poucos anos. A juventude no seu esplendor. Curta, muito curta, como a vida. Subtil. Delicado. O maior encontro de bons adjectivos reunidos numa pessoa só. Tão raro. Quase impossível. Mas o improvável aconteceu.

Há um mês dançara, como se não houvesse amanhã entre o seu amor e amigos, na festa "Dança com ela". A dançar junto. Muito. Solto. Lindo. Muito contente. Com toda a gente. Alegria. Muita alegria. Para dar e vender. Alegria agora e amanhã e depois e depois de amanhã. Como uma espécie de celebração. É disso que muitos se lembram e lembrarão. Aquele rapazinho de 20 anos com uma vida cheia de sonhos pela frente. Como se espera  de uma vida com uma idade que não se espera ter um fim.

Um episódio agudo de asma. Tudo parou. Abruptamente. A vida por um fio. Na corda bamba. Primeiro o sufoco, como um peixe fora de água. A agonia. O desespero. Os braços a debaterem-se. A tentar agarrar qualquer coisa (palpável). Ar. A dor. A perda. O silêncio. A falta de movimento. E por fim, o grito aterrorizador de quem assistia sem nada poder fazer. A inércia. A  impossibilidade. As lágrimas. Quem habilitado estava, tudo fez. Rápido. Certeiro. Sem erros. Mas a natureza é assim. A vida é assim. (Im)perfeita. E as dúvidas são sempre maiores que as certezas.E a maioria das perguntas  (nunca) tem resposta. Mesmo quando tudo é feito, pode não ser o suficiente. E foi o que aconteceu. Paragem respiratória. Seguida de paragem cardiorespiratória. Reanimação. Demasiado tempo de manobras. O corpo (demasiado) jovem foi velado horas a fio como se as preces, o tempo, a energia positiva pudessem modificar o tempo e a natureza. O desfecho definitivo. O ponto final. Uma morte trágica à (boa) maneira grega. Num palco cercado de expectadores e luzes, perante a inércia da medicina, da ciência e da humanidade. Nada foi suficiente. Afinal, não somos nós que decidimos (nada). Nada mandamos. Assistimos inertes a um acontecimento inesperado com uma solução irreversível. O que falhou? O que se poderia (mais) ter feito? Para onde vão as palavras que não são ditas? O maior dos mistérios.

Acabara de descobriu o amor. Soube que essa verdade que apregoam, existe. Levou-lhe o coração. Não deixou (quase) nada. A não ser memórias. Tantas. Tão boas. Duvidaram deste amor sem idade. Uma diferença de mais de 20 anos. Adeus. Esta palavra tão definitiva.Tem o coração despedaçado. Sem conforto. Tem a dor como companhia. Encontra-se prostrado. Sente-se sem forças. Ouvem-no chorar. Mas sente-se abençoado, apesar de tudo. Tocado por um anjo. A juventude é (quase) incompatível com a morte. Todas as mortes são injustas quando amamos. Mas, tem o consolo ténue que a vida do seu amor fará "renascer" muitas outras. Por isso, a sua morte nunca será em vão.

Mas, o que aprenderá com esta dor dilacerante? O que se aprende com a tragédia?

Tentará (re)inventar-se. Com o tempo. Só o tempo.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Todas as declarações de amor são ridículas

Íris, cor de mel, mostravam muito bem o que ela sabia fazer, fotografar. A verdadeira definição de amador, aquele que ama o que faz. A câmara parece gigante quando comparada com o seu corpo franzino e de baixa estatura. O desequilíbrio de tamanhos. Mas a postura de um gigante. Olhar os outros através da lente. Captar o que os olhos comuns não vêem. Gosta de conhecer gente interessante. E foi por causa de uma pessoa, mais do que interessante, que se conheceram. Foi paixão à primeira vista. Começou por ser um amor vivido em silêncio. A forma como amava não era explicável por palavras. Talvez para além delas. A razão de muitas insónias. “Eu sou o sol da sua noite em claro”. E a razão de contar estrelas enquanto o dia nascia. Mas tinha todo o tempo do mundo. Esperaria o tempo que fosse preciso. Sem pressas. Muitos sinais. Muito óbvios. Esperava que parasse de fingir que não reparava.  Como a canção: “Meu bem, qualquer instante que eu fico sem te ver aumenta a saudade que eu sinto de você”.

Passaram algum tempo a trocar mensagens. Estava numa fase complicada. Frases curtas e sucintas, como a vida. Respostas por dar, perguntas sem resposta, quase nenhuns pormenores dela. Como um saca-rolhas a quem é difícil resgatar qualquer informação que não queria dar. Tudo muito devagar. Tudo com muita calma. O martírio da sedução. A barreira intransponível dos muros. A carapaça dos bivalves e tartarugas com que se protege. Difícil. Resolvia tudo com “não quero falar sobre isso”. Tudo eram longas histórias. Incontáveis. Difíceis de contar. Com algumas insinuações e sinais contava (tudo) o que viveu. Mas conversar não era o seu forte. Tinha um dedo podre para amizades. Fazia-lhe falta alguém que a abraçasse sem pedir nada em troca. Estava farta de parasitismo e que lhe sugassem as energias. Acabava sempre enganada, como (quase) todas as mulheres, em alguma altura. Não tinha objectivos, alvos ou metas. Respondia ao momento segundo o que lhe davam. Viver ao sabor do vento, esse era o seu mote. Contou-me que tem muita mágoa no coração e que tem dado muito amor. Que teve muito prazer mas também muita dor. E que os momentos de felicidade se transformaram em sofrimento.

Como se explica? Não foi um arranjo de família. Não foi interesse. Por isso, a resposta mais sensata: foi o amor. Com muita perseverança e muita luta, sem perder a esperança, mesmo quando esta parecia não ser nenhuma. Uma mulher de muita coragem. A coragem nunca desvaneceu. Espera que a ouçam chorar. Olhar-lhe nos olhos e sentir reciprocidade é tudo o que mais quer. Acredita que não corre perigo e que tudo vai mudar. Porque não há mal que dure sempre nem bem que nunca acabe. “Vem vambora/ Que o que você demora/ É o que o tempo leva”.

E foi assim que eu vi que a vida
Colocou ela pra mim
Ali naquela terça-feira
De setembro
Por isso eu sei de cada luz de cada cor de cor
Pode me perguntar de cada coisa 
Que eu me lembro
(...)

Ela me achou muito engraçada
Ela falou, falou e eu fingi que ri
A blusa dela tava do lado errado/ toda amassada
Ela adorou o jeito que eu me vesti

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A amizade

A amizade, como o amor, não se explica. Há quem diga que tem muitos amigos. Eu não. Há quem diga que as amizades não acabam. A minha experiência também me diz que pode, sim,  acabar. O que é verdade numa amizade, ao contrário do amor, é que nunca se fica a odiar a outra pessoa, apesar de tudo. Mas eu também não odeio ninguém, seja porque motivo for. Esse sentimento nunca tive por ninguém. Nunca tive muitos amigos. Dizem que não gosto de quase ninguém, a esse ponto. Dizem que gosto pouco de pessoas. Gosto muito de algumas pessoas.  E os meus amigos são aqueles a quem eu dei uma oportunidade. Às vezes em situações difíceis, que não me envolviam, tentei ajudar usando o meu humor judeu. Isso já me valeu o afastamento de algumas pessoas por quem eu tive que lutar. O que é uma verdadeira amizade? Quando damos conta que o tempo passou, e que apesar da distância e da rara convivência, a intimidade permaneceu. É não ter capas. É falar verdade. É ser transparente. Mas não há regras nem fórmulas.

Durante muitos anos, os amigos que me acompanharam e partilharam a vida, vivíamos como se não houvesse amanhã. Dançávamos, coisa que nunca fiz em público a não ser que a concentração alcoólica fosse alta. Fumávamos sem conta e sem limite. Fizemos muitas loucuras. Nunca nos cansávamos. Tínhamos asas muito grandes. Fizemos interventions uns aos outros. Testámos os nossos limites. E isso passou. Há um tempo para tudo. Hoje, alguns, permanecem.

Tenho amigos de cá e de além-mar. Amigos malucos, neuróticos, chatos. Amigos com pinta. Amigos que não gostam de ler e que gostam de ler. Amigos que tocam piano.  Amigos de todas as horas. Amigos que choram no meu ombro e no meu colo. Amigos que já me viram chorar e com quem chorei ao telefone. Amigos que me ampararam as quedas e os tombos. Amigos que me salvaram a vida mais do que uma vez. Amigos que são irmãos. Amigos que me dão sobrinhos. Amigos que se riem do meu humor judeu. Amigos que se desfazem e que “estão tão à flor da pele que qualquer beijo de novela os faz chorar”. Amigos que perdoam. Amigos que pedem desculpa. Amigos que se esquecem. Amigos que contam e guardam segredos. Amigos que se expõem e que não fingem. Amigos que não se fazem de fortes. Amigos sinceros e honestos. Amigos com corações muito grandes. Amigos com coração sem tamanho. Amigos que me dizem que me adoram. Amigos que eu reconheço as mãos no escuro.  Amigos que nunca me abandonam e que já me abandonaram. Amigos que vão e que ficam. Amigos mega, tera, giga bons. Amigos que acreditam. Amigos que respeitam. Amigos que se fazem de fortes. Amigos que cantam e que pintam. Amigos que ouvem e que falam. Amigos de todas as horas e de todos os dias. Amigos íntimos e mais afastados. Amigos sem definição.

É assim que eu queria que os outros me descrevessem quando morresse: uma boa pessoa, uma grande amiga que sempre fez bem. Este é o meu objectivo maior.


domingo, 28 de agosto de 2016

A pessoa que escolheu apenas (sobre)viver

Passaram-se 21 meses e 15 dias desde que ele se foi embora. Sem uma explicação. Sem um pronúncio. Sem uma sugestão. Sem nada que indicasse um fim.  Tudo é “eterno enquanto dura”. Ela escolheu ser infeliz. Uma eremita. Uma anti-social. Uma Greta Garbo (que não vive em NY). Fechou-se para a vida. Só se pergunta o que fez de errado, como se houvesse (alguma) ciência nos finais. Podia ter optado por sair todas as noites até de manhã e dormir de dia. Sendo livre, podia abraçar toda a gente. Tinha a liberdade de escolher com quem sair. Bebia todas. Pedia uma bebida e traziam-lhe uma bandeja. Saía como se não houvesse amanhã. Beijava bem. Não era de ninguém. Tinha sempre o copo cheio, pela madrugada dentro, até ser dia. Até que sentia-se mais sozinha com o passar do tempo. Era mais uma no meio da multidão. Agora, não perde tempo a conhecer ninguém. Como se tempo não fosse o que mais tem.

Tem vivido o inferno de Dante. Não vive no presente, só no passado. Não tem futuro. Deixou de saber conversar. Só frases curtas e soltas. Toda a gente desistiu dela. Ninguém aguentava (mais) aquela depressão. Aquelas frase feitas. O pessimismo. A crítica ao ser humano. Cansaram-se de que lhes pedisse espaço. Não deixa que tomem conta dela. Nem que se aproximem. Os amigos desapareceram. Depois os colegas. Depois os conhecidos. Depois os que acabava de conhecer. E no fim, ficaram apenas os cães, que não cobram nada.

Não consegue distinguir a pessoa que foi nem na que se tornou. A irracionalidade tolheu-lhe o juízo. Não consegue mais ver o lado mais bonito de si. De como é bonita por dentro e por fora. O que ela sente é uma tristeza sem fim. Tem estado muito doente. Os médicos dizem-lhe para fazer o que lhe apetecer. Mas nada lhe apetece. Passa os dias a olhar o céu e o mar. Olha para o infinito. Vive de memórias. Ele não lhe sai da cabeça. Acha que amar sozinha também vale. Melhor um monólogo que nada. Vive de migalhas. O coração, esse orgão tão físico e tão complexo só lhe dá (falsas) esperanças e (falsos) sinais. O coração é o mais irracional dos orgãos. A razão mostra uma coisa e o sentimento indica a direcção contrária. A esperança que não cessa. Apesar do tempo que passou, não consegue entender a palavra fim. E que essa palavra, segundo as estatísticas, não tem continuação nem (re)começo. Não conseguiu mudar a página.Talvez um dia consiga reparar, dentro dos seus olhos cor de amêndoa, no instante que passa. A vida é uma viagem curta. Sente-se a morrer por dentro. As lágrimas não param de lhe cair. E todos os dias as seca. Os diamantes duram para sempre mas as pessoas não. Mas agora, ela (apenas) conta as horas e os minutos para que a morte chegue.

Coração bordado em tela by Daniela Ktenas.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Para a M., um abraço apertado e gigante

Quando conheci uma das minhas melhores amigas detestei-a. Tínhamos amigas em comum. Uns meses mais tarde, as circunstâncias da vida  juntaram-nos. Sozinhas, do outro lado do mundo, ajudei-a, ouvindo-a. E nunca mais nos largamos. Uns anos mais tarde, do lado oposto do mundo, salvou-me a vida duas vezes. Estes milagres não acontecem sempre mas estão sempre à espreita para acontecerem.  Quero com este exemplo dizer que tenho amigos improváveis. Sendo eu uma pessoa difícil, e que gosta pouco de muitas pessoas, os amigos são aqueles a quem eu dei uma hipótese.

Esta amiga é mais distante. Falamos poucas vezes. Geralmente por emails sucintos, resumidos, bem escritos e curtos, como a vida.  Esta minha amiga tem duas das coisas que mais admiro: escreve maravilhosamente bem e tem um amor imensurável pelos sobrinhos. Acho que foi isso que me aproximou dela. Para além de outras coisas, isso é o que mais admiro nela. No resto, partilhamos a timidez. Chegada a casa de mais uma viagem, leio a confirmação daquilo que andava desconfiada há uns tempos mas não tive coragem de abordar. A minha cobardia de sempre. A má notícia vinha em forma de um texto lindíssimo em que fazia a incrível analogia da morte de uma estrela com o término de uma relação longa. E só ela para escrever sobre qualquer coisa de forma tão sublime.

M., desculpa expor-te assim, mas se um amor como o vosso sucumbiu após 10 anos... a esperança fica curta... Dizem que a melhor literatura nasce na dor. E nem imagino o sofrimento ao escreveres estas palavras que são um soco no estômago, de tão reais: “...Que morte linda a nossa, meu amor. Que história mais sublime essa que escrevemos. Quantas coisas e casas e pessoas e dores e amores dividimos. Como fomos felizes e como existimos (...) Tudo o que sei é que foram os melhores anos da minha vida...”.

E eu, especialmente hoje, não consigo não estar triste. Tens-me aqui para te ajudar a levantar, quando conseguires. Espero que te consigas encontrar, no menor espaço de tempo possível, sem o teu amor. A questão chave é: como se renasce depois da chama apagar? Mas depois penso: a humanidade tem futuro. Porque existem pessoas que se respeitam e admiram mesmo depois que uma relação acaba. Que não esquecem um minuto, que não apagam, que se reconstroem e reinventam. Não como um fim. Mas como um renascimento. Um dia olharão para trás e conseguirão sorrir, quem sabe, sem chorar.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Um amor de 26 anos

[Para a Susana de Moraes, in memoriam ]
Foi um amor que durou 26 anos. Sucumbiu, apenas, com a morte. Casou-se 7 vezes, isso herdou do pai. Mas um dia um amor fulminou-a e prendeu-a 26 anos. Qual o segredo? Foi o amor. O que mais poderia ser? Encontraram-se. Esse privilégio que só alguns têm na vida. Nas palavras de familiares e amigos, Susana, era uma pessoa fascinante, uma mulher incrível, forte, lutadora, inteligente, culta, bem-humorada, chique, admirável, generosa, amiga, sofisticada, interessante, alegre, incentivadora, conselheira. Uma pessoa única. Qualquer pessoa que a conhecia ficava encantada. Enfrentava tudo com muita força. Uma das irmãs apelidou-a de "nosso farol", "guia" e "matriarca". Como Vinicius escreveu:

"A redação seria a coisa mais triste do mundo, não fosse a presença inesperada de Susana. Susana com seus 13 anos em flor, sua sábia beleza, seu doce e triste olhar castanho e sua perfeita desenvoltura encheram a redação de uma vida inesperada, fazendo-me por alguns instantes esquecer a mesquinhez do cotidiano. Ela entrou nos amplos espaços do meu tédio com passos graciosos de dançarina e ficou a girar por ali, balançando os cabelos longos sobre os ombros firmes de adolescente. Pus-me a adorá-la como nunca dantes, àquela menina a quem dei vida, e nunca senti mais forte, doce, secreto, o elo que a ela me prende. 

Talvez para os outros sua jovem figura trouxesse apenas o encanto uma flor em desabrochamento. Para mim, seu pai, trouxe uma sensação de indizível amor, de um triste, fatal e pacífico amor sem remédio. Revia-a pequenina em meus braços diante de um branco céu crepuscular olhar para o alto anunciando-me que as estrelinhas estavam acordando. Revi-a a me olhar do seu modo sério quando lhe contava histórias, longas histórias por vezes inventadas
 e que nunca eram bastantes para a sua imaginação insone. Revi-a crescendo diante de mim qual planta misteriosa, estirando o caule,
distendendo os ramos numa ânsia saudável de crescer. Agora ali estava ela a dançar sua maravilhosa dança ritual só para mim, nos infinitos espaços do meu silêncio - Susana, uma vida tirada de mim, 
uma menina que eu fiz para amar com a maior doçura do mundo: Susana, flor de agosto, filha minha muito amada, para quem eu cantei meus mais sentidos cantos e sobre cujo pequenino rosto adormecido despetalei as mais lindas pétalas do meu carinho".

Um dos poemas mais bonitos de António Cicero, que é também uma das canções mais bonitas da Adriana Calcanhotto, chama-se "Inverno" e fala do momento inicial, do início da paixão, do atordoamento. E é assim:

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião 
Se espelhar no seu olhar até sumir

De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial.

Há algo que jamais se esclareceu:
Onde foi exactamente que larguei
Naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?

Lá mesmo esqueci
Que o destino
Sempre me quis só
No deserto, sem saudades, sem remorsos, só
Sem amarras, barco embriagado ao mar

Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu
Reuniu-se à terra um instante por nós dois
Pouco antes do ocidente se assombrar

"Qual é a resposta?/ Me diga, então/ Qual é a pergunta?" São os primeiros três versos do "Tema de Alice" do filme "Mil e uma" da Susana Moraes e o primeiro destes versos é a pergunta que Alice B. Toklas fez a Gertrude Stein quando esta se encontrava no leito da morte. Quase tão profunda como a declaração da sua mulher, Adriana Calcanhotto, no mesmo dia que morreu: "Fui a mulher mais feliz do mundo nestes 26 anos em que estive com ela. Uma grande mulher, inteligente, engraçada, culta, amiga dos seus amigos, que teve uma vida extraordinária, e que vivia cada segundo como nunca mais. Morreu de mãos dadas comigo. Foi-se o amor da minha vida".

Através da neta mais velha, que tem o meu primeiro nome, e que é uma beldade (nas palavras da avó Susana) conheci um texto lindíssimo que é uma carta de Susana ao pai, Vinicius de Moraes, e que pode se lida aqui.

Há muitas pessoas que passam pela vida sem encontrarem um amor assim. É um privilégio conseguir-se isso!


terça-feira, 4 de novembro de 2014

Correr atrás do amor

Uma grande amiga disse-me estes dias que vai correr atrás do amor dela. Não o desperdiçou nem lhe virou as costas! Às vezes tenho orgulho das opiniões que dou e de como elas influenciam positivamente a vida dos meus amigos! Parabéns, A! Vai correr tudo muito bem! E lá vou eu conhecer mais duas cidades deste mundo!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

True love does exist

"I left my true love in the Dominican Republic when I was very young. My family was leaving for Puerto Rico. I ended up marrying a man who did not treat me well, and moving to America. My true love is married now as well. I still talk to him, but we cannot be together. It is impossible. Maybe when we die, it will be possible. I hope that we die at the same time."
"What was the greatest day you ever spent together?"
She laughed, looked down, and said: "A week before I left the Dominican Republic, he said to me: 'If you don't come to the hotel with me, I will kill myself."


In "Humans of New York"

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