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terça-feira, 18 de setembro de 2018

Resultados Investigador FCT

Ontem recebi um telefonema sobre os resultados do concurso FCT IF. Aqui já era noite e tinha deixado o meu carregador na minha mesa do instituto. Não pude saber do meu resultado até hoje de manhã. Quando soube os resultados do laboratório onde fiz o meu último Pós-Doc fiquei surpreendida com o elevado número de contratos atribuídos. Afinal, desta vez, aquele grande instituto com apenas 20 anos não precisa de ter um nome inglês para se destacar. Finalmente o reconhecimento começa a surgir em Portugal quando há muito já o era fora de portas.E já não se poderão queixar do esquecimento de uma terriola do norte recôndito, provinciano, escondido, com muito pasto, onde está a sua sede e que meia dúzia de kms entre duas das cidades mais próximas demoram mais de meia hora. Provavelmente, estes excelentes resultados do concurso IF FCT foram uma alegre excepção à regra da maioria dos institutos, unidades e grupos portugueses.

Muitos (500 investigadores) estarão mais felizes do que nunca. E dei comigo a pensar que, pelo menos estas dezenas de pessoas, não terão o coração nas mãos nos próximos anos. Muitos deles já com família constituída e vida estabelecida em determinado local. E fiquei, momentaneamente, feliz por eles. Mas depois pensei que em 4000 candidaturas somente 500 tiveram contratos. No meio da alegria de muitos há (sempre) os vencidos. Os não contemplados. Os tristes. Os esquecidos. Os injustiçados. Não vou analisar resultados, nem estatísticas, nem fazer críticas, nem dizer que este governo é melhor ou pior do que o anterior. Vou falar de mim. Porque foi de mim que me lembrei há quase dois anos atrás quando queria muito ter tido um contrato em Portugal e não consegui. Eu não queria mais do que isso. Queria o que via começar a acontecer à minha volta. Investigadores da minha geração que começavam a ver, e muito bem, as suas bolsas trocadas por um contrato pela primeira vez na vida. Era tudo o que eu queria. Um contrato a termo, com 14 meses/ano, descontos para a segurança social e (se possível) ADSE. Mas isto, que eu considerava muito, e muitos acham pouco, nunca tive no meu país. Aos 39 anos, depois de um doutoramento em que passei parte a fazê-lo em Houston, no Texas,  depois de 8 anos de Pós-Doc que incluíram vários períodos em Columbia University em NY, 10 papers como primeira autora, 1 projecto em colaboração, não foram suficientes para conseguir uma posição, digamos, mais estável. A verdade é que o que parece muito currículo era menos do que alguns dos meus colegas no grupo a que pertencia. Não vou dizer nunca que foi fácil não ter tido um contrato naquela altura. Nem mesmo o tempo fez com que me esquecesse. Com a distância de quase 2 anos consigo compreender que novos caminhos podem surgir. Mas não me apetece relembrar o quão difícil foi. Os critérios de escolha, mesmo conhecidos, não são nunca compreendidos pelos que não são contemplados. Somos humanos e não conseguimos na maioria das vezes separar a razão do coração. E eu, provavelmente, tão bem como muitos ou melhor do que muitos sei, porque senti na pele o que é não ser uma das escolhidas quando não existem muitas opções. E é isto que acontece à maioria dos meus colegas investigadores/ cientistas.  Hoje, mais do que nunca estou solidária com os 3500 que não conseguiram um contrato. E damos connosco, erradamente, a culpar alguém.  A culpar os estrangeiros que conseguem mais facilmente quando nem o trabalho, nem CV, nem qualidade são melhores do que os nossos; as pessoas que são apadrinhadas pelas padrinhos certos e que conseguem ter mais papers em colaboração;  os preferidos, não necessariamente os melhores, que conseguem (mais) alunos de doutoramento...

E depois, concluo que aos 39 anos consegui uma posição competitiva não só pelo meu CV, entrevista, plano de trabalhos, apresentação, mas também porque o meu orientador na época apoiou a minha candidatura. Porque esse apoio, mais do que tudo, mesmo que o nosso desempenho seja perfeito e irrepreensível, será a chave da decisão final. E expiro de alívio por não ter, hoje mais uma vez, o coração nas mãos. Mas para isso mudei de cidade, de país, de colegas, de trabalho. Deixei a minha casa, a minha família, a minha cadela, os meus amigos, o meu carro e comecei de novo. Do princípio, do inicio, do começo e com tudo o que ser desconhecida e começar de novo implica. E percebi, sim, à minha custa, que a crítica sem acções não nos levará nunca a lado nenhum. Porque aquela velha máxima que aprendemos desde crianças que tudo na vida resulta de acções justas, não passa disso mesmo, de apenas uma frase como outra qualquer. A verdade é que uns mais do que outros, dependendo de muitas variáveis ao longo do caminho, teremos mais ou menos sorte mais ou menos sucesso e que isso dependerá (sempre) mais dos outros do que nós próprios. E depois, o pensamento foge-me, mais uma vez, para o futuro. Que no fim deste contrato estarei mais uma vez de coração nas mãos e tudo começará de novo e de novo e de novo. Até não haver mais início.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A(s) verdade(s) inconveniente(s)

Este é o tema que qualquer que seja a opinião (quase) toda a gente tem razão.

Devemos ser dos poucos países civilizados em que um investigador doutorado não tem (obrigatoriedade) de ter um contrato de trabalho. Para quem não sabe, vou repetir ad nauseum, um aluno que acabe o doutoramento, até há (bem) pouco tempo, o máximo que poderia ambicionar era uma bolsa de postdoc (1495 €/mês x 12 meses, sem subsídios de férias e de Natal e os descontos para a Segurança Social resumem-se ao Seguro social voluntário (opcional) no valor de aproximadamente 125€/mês. Bolsa esta que não é actualizada há mais de 10 anos.

Há uns anos, começaram os contratos para doutorados da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a que foram dados diferentes nomes pelos diferentes governos. Estes eram poucos mas garantiam estabilidade e valores variáveis consoante idade e experiência durante 3 a 5 anos. Entre avanços e recuos, estes concursos que este governo sugeriu que iam acabar, pelos vistos, irão continuar.

Depois existe a possibilidade, através de projectos (Europeus ou não) de as Universidades contratarem investigadores doutorados por determinado número de anos. Neste caso, não são sujeitos ao regulamento rígido da FCT que só permite que doutorados com 3 ou mais anos sejam elegíveis. Nestes casos, apesar do concurso ser público, e da meritocracia ser alegada, os critérios de selecção são mais discutíveis.

Este governo teve a pertinente ideia de considerar que todos os bolseiros doutorados que eram financiados directa ou indirectamente pela FCT, há mais de três anos, que desempenhem funções em instituições públicas têm direito a um contrato. Quem pode não achar? Para isso propôs que todas as universidades abram concursos para os candidatos elegíveis. O Ministro da Ciência anunciou hoje o princípio de 2018 para iniciar o processo de contratação, a termo, de três mil investigadores doutorados. O diploma, que aguarda publicação em Diário da República, define que a FCT suportará os custos da contratação de doutorados. E aqui começa o eterno problema. Não parece um cenário utópico? Eu acho óptimo. Aplaudo de pé. Mas é (mesmo) verdade? As universidades, nomeadamente de Lisboa e Coimbra, têm alegado constrangimentos orçamentais para a contratação de investigadores doutorados. Eu, só acredito, vendo.

No Domingo, o grande cientista António Coutinho (ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência e actual Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa) escreveu um texto no Observador que dá que pensar. Começa por escrever que "Os dados oficiais da FCT mostram que o orçamento realizado em 2016 (367M€) foi inferior ao do ano anterior (372M€). O investimento na ciência é propaganda política". Quem diz isto é o insuspeito Prof António Coutinho. Faltou ainda dizer que os resultados do concurso dos projectos FCT não estão previstos para antes do início do próximo ano. Este governo vai acabar a legislatura com 2 concursos de projectos atribuído em 4 anos...

Também, no início da semana, a excelsa cientista Maria de Sousa foi galardoada com o prémio da Universidade de Lisboa. Na nota biográfica disponibilizada estava escrito: "Profundamente estimada e muito respeitada na comunidade científica, Maria de Sousa é também uma humanista que cultiva o gosto pelas artes, pela história e pela poesia”. É que tal como dizia Abel Salazar: “Um médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. E esta mulher, intelectual, médica, cientista com a idade que tem é um orgulho. Também, mas principalmente, por ser mulher. Elogiou publicamente os alunos de doutoramento: “Permitam-me um parêntesis de reconhecimento dos nossos estudantes GABBA”. A cientista a não esquecer quem ajudou e quem a ajudou. Diz muito da pessoa que é. E destacou dois momentos: explosão do número de bolsas de doutoramento da responsabilidade do Ministro Mariano Gago e de investigadores da FCT.  Destes últimos, já mais seniores, e que se tornaram directores de grupo (entre os 40 e 50 anos), e que são “ os recipientes de grandes bolsas internacionais” mas “a universidade parece não querer ou não poder integrá-los e o Governo vai implementar um decreto-lei que vai empregar milhares de postdocs com 6 anos de doutoramento”.

Quando dois dos maiores cientistas (jubilados) do nosso país, que podiam estar no conforto do silêncio sobre um problema que não os afecta directamente, falam na mesma semana dos mesmos (e mais) problemas na ciência em Portugal, algo vai muito mal.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um banho de humildade

Tudo na minha vida profissional sempre me indicou que não podia ser (demasiado) optimista. Quando achei (alguma vez) que tinha alguma coisa para o ser, o universo encarregou-se de mostrar-me o meu devido lugar. Fiz um doutoramento sem nunca ter tido uma bolsa da FCT. Perdi as vezes que concorri e não tive. Acho que bati o recorde: no número de vezes que alguém concorreu e que não conseguiu. Podia entrar para o Guiness. Talvez tenha sido esse facto que treinou a minha paciência e a minha “não desistência”. Nunca desisto de nada antes de achar que acabou. A célebre frase: “se o fim não foi bom é porque não acabou”. Depois, quando acabei o doutoramento, uma ideia revolucionária dada por um grande amigo e a leitura obsessiva sobre o assunto durante um mês, resultou numa das maiores alegrias da minha vida profissional: uma bolsa de pós-doutoramento da FCT. Essa bolsa permitiu-me arriscar numa nova área, viver na cidade que sempre quis, trabalhar com quem quis e evoluir. Comecei de novo. Do zero. E com isso, com todo o banho de humildade de aos 31 anos começar a (re)aprender tudo de novo. Sem vergonha de questionar, de não saber, de pedir. Ao contrário da maioria dos pós-docs do meu laboratório, fui para fora e apostei numa nova área. Com todos os contras que isso implicava, teve as suas vantagens: ensinou-me muito e permitiu-me independência. Perder a vergonha foi o maior ensinamento. E o outro foi acreditar nas minha capacidades. A minha auto-estima profissional cresceu muito. Quando o elogio vem de pessoas que defendem e acreditam na meritocracia, esse é o desfecho.


No ano passado concorri pela primeira vez a Investigador FCT. A saga das rejeições regressou. Não tive. Este ano concorri novamente. Passei à segunda fase. Um dia antes das férias recebo o veredicto. Foi a maior pancada profissional deste ano. Foi um KO imediato. Não o resultado mas o comentário. Para mim, não existe nada pior do que a crítica injusta. Aceito (quase) tudo mas não lido bem com a injustiça e a ingratidão. Nesse dia fui para casa e fechei-me. Uma amiga disse-me “Podes gritar. Eu deixo-te”. Não consegui. Nem  gritar nem chorar. Mas uma dor imensa tomou conta de mim. É nestas alturas, em que o nosso ego é posto em causa, que vacilamos e descemos à nossa humilde condição de humanos. Olhamos em frente, relativizamos e descobrimos que a melhor maneira de continuar é não nos levarmos muito a sério. Por cada vitória e conquista teremos sempre uma proporção imensa do outro lado da moeda. A vida é assim. E a melhor recuperação é pensar sempre que não há nada como dormir porque amanhã será outro dia.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

"Em Movimento" de Oliver Sacks

Há muitos anos vi Despertares (Awakenings) o filme baseado no livro homónimo de Oliver Sacks que descreve o acordar de vários doentes psiquiátricos que devido a uma encefalite ficaram como estátuas e depois de muitos anos, através da administração de uma determinada medicação “acordaram”. Mas fiquei a saber quem era Oliver Sacks apenas em 2011 quando fui para NY e a C. me falou da sua longa obra. Desde aí foi um descobrir de cada livro. Cada um melhor que outro. Sem ordem cronológica. A única coisa que lamento é nunca ter estado pessoalmente com ele, como estive com tantos outros escritores e/ou cientistas que admirei.

Oliver Sacks nasceu em Londres em 1933 e morreu em NY em Agosto deste ano. Quando tinha 12 anos um professor perspicaz escreveu: “O Sacks irá longe, se não for longe de mais”. Esteve num colégio interno. Adorava motas. Os pais e os dois irmãos mais velhos eram médicos. Estudou em Oxford. Adorava ler, escrever e nadar.  Teve uma educação judia. Aos 18 anos disse aos pais que preferia rapazes. A mãe, supresa disse-lhe: “És uma abominação. Preferia que nunca tivesses nascido”. A mãe que era aberta e encorajadora, mostrou-se neste assunto retrógrada, dura e inflexível. Ele refere que nos anos 50 o comportamento homossexual não era apenas uma perversão mas um crime. Viveu a maior parte da vida com sentimentos de culpa. A primeira vez que assumiu publicamente a sua homossexualidade foi nesta autobiografia aos 82 anos.

Era um entusiasta de química e biologia marinha. Nunca teve uma grande autoconfiança intelectual mas era considerado uma cabeça brilhante. Era obcecado por ciências e por literatura. Lia todos os originais e fontes, incluíndo Darwin. Dentro dos livros interessava-se especialmente por biografias.

Viajou bastante. Paris, onde descreve a primeira tentativa de uma relação sexual com uma prostituta que não se consumou. Viajou à boleia  com um amigo onde percorreu França e Alemanha. Conheceu a Viena d’O terceiro Homem de Graham Greene. Após o curso foi para um kibbutz “ango-saxónico” perto de Haifa. Viajou por Israel: Jerusalém, Haifa, Telavive, Mar Vermelho. Voltou pela terceira vez a Amesterdão, desta vez, sozinho para se perder na cidade (mais concretamente para perder a virgindade). Enfrascou-se até não haver amanhã, e com a coragem de bêbado levantou-se e viu que mal se segurava de pé. Acordou numa cama desconhecida, depois de possivelmente, ter desmaiado. A primeira experiência sexual não ficou gravada devido ao estado de inconsciência.

O irmão mais novo era esquizofrénico. Estava sempre a ler, tinha uma memória prodigiosa. Aos 15 anos tornou-se psicótico. Recebeu tratamentos com terapia de choque de insulina, nos quais se baixava os níveis de glicose no sangue até à perda de consciência e depois restaurá-la com glicose. Esta era o tratamento em voga para a esquizofrenia em 1944 e seguida, se necessário fosse de electrochoques ou lobotomia. Os tranquilizantes só apareceriam 8 anos mais tarde: Largactil (inglaterra) e Thorazine (EUA). Preveniam as alucinações e delírios mas como efeitos secundários davam um andar curvado e o arrastar dos pés. Em O tio Tungsténio escreveu sobre as primeiras manifestações de psicose do irmão.

Fez o internato médico no Middlesex Hospital. Deixou Inglaterra  aos 27 anos para se afastar do irmão mais novo, que não conseguia ajudar. Mas por outro lado, talvez procurasse estudar pacientes com esquizofrenia e outras perturbações mentais e cerebrais.F oi, primeiro, para o Canada, Monreal. Teve aí um professor que o aconselhou a visitar as universidades no EUA: “A América é o lugar certo para si. Se for bom, será reconhecido. Se for um impostor, depressa o desmascaram”. Chegou a São Francisco e decidiu nesse dia que era ali que queria viver: “a cidade com que sonhara durante anos”. Esteve no Mount Zion. Aos fins de semana fazia grandes viagens de mota  pela California. Aqui, ficou adepto de levantamento de pesos, treinando de forma intensiva e até obsessiva. Em 1962 foi para a UCLA. No início dos anos 60 começaram a surgir mais conhecimento sobre as drogas psicoactivas. Descreve uma pedrada de Artane (fármaco anti-Parkinson) com 20 comprimidos para uso recreativo. Verificou que não lhe aconteceu nada mas passado algum tempo começou a alucinar e “viu” e “ouviu”pessoas irreais. Descreve também as suas experiências com canabis, sementes de glória-da-manhã e drogas sintéticas como o LSD, anfetaminas e a sua dependência durante 4 anos. A partir daqui só piorou: marijuana aditivada com speed, metanfetamina injectável ou em comprimidos. As festas de pó de anjo(fenilciclidina-PCP) em East Village. Falou desta última em O homem que confundia a mulher com um chapéu.

Aos 20 anos  conheceu Richard Selig, dois anos mais velho, que foi o seu primeiro amor (não correspondido). Achava-o um génio e admirava o seu conhecimento do mundo. Confessou o seu sentimento por ele mas Richard disse não ser como ele e que gostava dele à sua maneira. Não se sentiu rejeitado ou destroçado.

Em 65 muda-se para NY para integrar o programa de Neuroquímica e Neuropatologia Albert Einstein. Ainda tinha a esperança de wse tornar um verdadeiro cientista, um cientista de laboratório. Vivia em Greenwich Village e ia de mota para o Bronx. Começou a ver doentes no Beth Abraham, um hospital para doentes crónicos. Cerca de 80 pacientes eram sobreviventes da pandemia de encefalite letárgica (doença do sono), cujos sintomas “congelados” em profundos estados catatónicos, aparência de estátuas, posturas forçada e olhares fixos. Muitos estavam assim há mais de 30 anos.  Sacks passou um ano e meio a tirar notas e observá-los e prescreveu-lhes L-dopa. Os resultados foram claros e espectaculares. Despertaram para a vida. Este episódio deu origem ao livro Despertares (Awakenings) que mais tarde foi adaptado a filme com os actores Robin Williams e Robert De Niro nos principais papéis. Auden, sobre este livro disse ser uma “obra-prima”.

Era tímido, acanhado e inseguro. Virou-se para as drogas quando se sentiu “desesperadamente só e rejeitado”. Tinha dificuldade em reconhecer caras. Pouco sabia de actualidades. Tinha a tendência, para em contextos sociais, ficar a um canto, fazer-se invisível, na esperança que o ignorassem.
Descreve no livro muitas doenças e sintomas dos seus pacientes de uma forma perceptível para os leigos. Menciona todos os cientistas e mentores com os quais conviveu. Os encontros sexuais, as paixões e rejeições. As descrições de experiências sexuais sob o efeito de anfetaminas. E como perdeu amigos/amantes para o vício das drogas. E da sua experiência com a psicanálise, que fez  duas vezes por semana desde que chegou a NY, sempre com o mesmo médico, até à sua morte.

Sobre NY, cidade que escolheu viver depois de São Francisco e LA, escreveu: “É de facto uma cidade maravilhosa, rica, entusiasmante, ilimitada em amplitude e profundidade – como Londres;embora as duas sejam muito diferentes. NY é cheia de luzinhas, cintilante, como qualquer cidade vista de um avião à noite: é um mosaico de qualidades e pessoas e épocas e estilos, uma espécie de enorme puzzle urbano”.

Os seus maiores interesses incluíam grandes caminhadas ao ar livre, ler, escrever, nadar, tocar piano, fotografar, viajar, diários e descrições das manifestações clínicas dos seus doentes. Adorava os passeios a pé pelo Jardim Botânico de NY. Foi amigo de Francis Crick, Auden, entre outros.

Em 2005 descobriu um melanoma no olho direito.  O cancro foi tratado com radiação e lasers. Em 2008, aos 75 anos, após mais de 30 anos de abstinência sexual, conheceu Billy Hayes por quem se apaixonou e foi o seu companheiro até à sua morte. Há poucos meses teve uma recidiva com metástases no cérebro. Mau prognóstico. Restaram-lhe poucos meses de vida.


Grande autobiografia, não fosse escrita por um médico que dominava a escrita tão bem. A tradução está aquém da qualidade do livro.


domingo, 6 de julho de 2014

Os meus dias no lab

Nunca estive tão motivada cientificamente como estou agora. Estou a aprender tudo de novo, como se fosse uma criança a aprender a ler. Vim um mês para NYC para aprender especificamente a diferenciar cardiomiócitos, um tipo específico de células do coração. Estas células são responsáveis pelo batimento cardíaco e pela contracção. Quando vistas ao microscópio, contraem. É das coisas mais fascinantes de se ver. O verdadeiro milagre da vida. O mistério persiste de como é possível células ex vivo, isto é, fora de um corpo serem capazes de se sincronizar e contraírem como uma orquestra. Tudo é sincronizado entre elas. Quem me está a ensinar tudo o que devo saber sobre estas células e como as diferenciar a partir um tipo de células específicas, induced pluripotent stem cells, capazes de se diferenciar em qualquer célula do corpo , é um italiano de Nápoles. Giro de fazer bem aos olhos. Domina diferenciação cardíaca e biologia celular e molecular. Um quase quarentão. Com os olhos muito azuis. Recentemente pai de uma menina. Músico nos tempos livres. Usa meias pelo meio da perna, às vezes uma de cada cor. Ténis All star. Ouvimos opera, Beatles e Zucchero no lab. É totalmente despistado. Vamos todos os dias para o lab, incluíndo aos fins de semana. Mas não trabalhamos muitas horas. A nossa função é preparar meios de cultura. Observar o comportamento de células ao microscópio. Mudar meios. Proliferar células. E diferenciá-las em cardiomiócitos. Temos uma câmara de fluxo para cada um. E duas incubadoras por nossa conta. Cada garrafa de 500 mL de meio de cultura custa 400 dólares. Para não falar nos suplementos. Ontem marcamos no lab às 6:30 da tarde. Como o metro que ele apanha é o C que está em obras, teve que ir a pé da 145 ao 168, o que o fez chegar quase às 7. Eu, que ia distraída a ler, e que tinha apanhado o A desde Penn Station, mal vi um 6 no número da paragem e achei que era 168. Não, era 163... Saí na Amsterdam. Chegamos os 2 atrasados. Saímos  do lab para ir buscar gelo e ele esqueceu-se do cartão para abrir a porta do lab. Fomos aos seguranças. Descobriu que tinha uma chave que dava para abrir a porta. Fui avisar os seguranças que tínhamos aberto a porta. Fiquei eu do lado de fora, apesar de quase a partir de tanto bater... Quando se apercebeu já eu tinha os nós negros de tanto bater à porta... São estes momentos fascinantes de trabalhar com ele. 








terça-feira, 23 de julho de 2013

Ser cientista

Nunca na minha vida quis ser cientista. A coisa mais perto que quis ser, e esse sim, um sonho de criança que não foi realizado: ser médica.  Acho que nesta vida não nasci para o ser, apesar de tantas e tantas tentativas e de tanto querer. Muita gente acha que os (as) cientistas são aquele estereótipo do Professor Pardal da banda desenhada do tio Patinhas: com óculos, despenteado, mal vestido, engenhocas, sempre no mundo da lua...  Como todos os estereótipos, nada mais redutor. A verdade é que os cientistas trabalham muitas horas e, na maioria das vezes, quando estão a fazer os seus doutoramentos, não têm horas. Dizem, também, que gostam muito de beber e de drogas legais (como diz a Isabel Moreira). Há o lado magnífico e que me foi proporcionado: as viagens. Quando os nossos trabalhos eram seleccionados para apresentação oral nas conferências íamos. E isso era a recompensa do que nós achávamos a “eterna juventude”: conhecer o mundo. Até que um dia percebi que não havia cidade no mundo que valesse os anos de vida e os kgs que perdia antes das apresentações orais.

Nos últimos anos vivi entre Houston, Braga e Nova Iorque. Entre laboratórios, bancadas, batas brancas, electroforeses, PCRs, bioreactores, ratos, biotérios, salas de cirurgia, reagentes, pipetas, microscópios, células, meios, assim foi feito o meu mundo durante anos. E para quem nunca esteve num laboratório e nunca planeou uma experiência, nada mais difícil que explicar o sabor de uma descoberta!

Sou uma leitora compulsiva desde criança. Aos 3 anos queria aprender a ler e ser grande para saber ler!! Aos 3 anos já riscava paredes e caixas e portas com o meu nome e com os das pessoas que conhecia. Nunca fui uma aluna brilhante porque tinha muitos outros interesses para além do que se aprendia na escola (que no meu caso foi sempre um colégio de padres desde os 6 até entrar na Universidade!!). Desde que me lembro como gente, queria ser médica, mas aos 16 anos percebi que nunca teria as notas necessárias porque não conseguia dedicar-me em exclusivo aos estudos e muito menos deixar de ler outras coisas. Sempre achei que o pior dia da minha vida seria o da defesa do meu Doutoramento. Se não foi o pior, andou lá perto. Nunca pensei que sobrevivesse. Na primeira aula que dei, depois de doutorada, na Universidade do Algarve, eu estava muito pior do que quem me assistia. Nesse dia, para disfarçar a minha timidez, usei o meu humor judeu e expliquei (para quebrar o gelo) que eu sou um exemplo de uma pessoa que nunca foi brilhante mas que chegou onde todos podem chegar quando são brilhantes. Queria Medicina, acabei em Biologia e depois tirei o Doutoramento entre Braga (Universidade do Minho)e Houston (Rice University). Fiz um Doutoramento em Engenharia Biomédica sobre materiais para serem usados em Engenharia de Tecidos ósseos. E quando achei que esta área não podia ajudar tantas pessoas como gostaria (também dei este exemplo numa palestra que dei na Universidade do Algarve) mudei para a área cardíaca. E como sempre sonhei  viver em NY, nada melhor que juntar o excepcional dos 2 mundos: ciência no centro do mundo! No tempo que me sobra leio, vou muito a museus, gosto de andar a pé, viajo, adorava fumar mas deixei (ou estou a tentar deixar porque dizem que os viciados são para sempre)...  Escrevo muito, todos os dias, mas não ganho pelo que escrevo. Nada é ficcional, nem inspirado. Apenas resultados! “In God we trust, all the others must bring data”.


Os bolseiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) recebem como alunos de doutoramento 980€ (1710€ quando no estrangeiro) e como Post-docs 1495€ (2245€ quando no estrangeiro) multiplicado por 12 meses. Não recebemos qualquer subsídio, nem de férias nem de Natal. E o valor das bolsas não é actualizado há mais de 10 anos. Num país que atravessa a crise que sabemos nem me atrevo a questionar se sou uma privilegiada .. E ter uma bolsa da FCT é o que mais me enche de orgulho porque significa que a nossa candidatura foi escolhida entre centenas de outras. Escrevo principalmente artigos científicos, apresentações, projectos científicos e capítulos de livro em inglês. O português, apesar de ser a minha língua materna, é o que menos uso diariamente, só para falar.
Nunca é tarde para se aprender a gostar de um ofício!


quarta-feira, 18 de julho de 2012

As 3 fases da vida de um cientista segundo João Lobo Antunes

"Na primeira fase trabalha, na segunda fala do que fez, na terceira diz apenas: «Deixe que lhe mostre o meu laboratório»".


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