quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Dan's Finger Food and Drinks

10.12.2016

Foi a nossa segunda vez. Noite de sábado. Fria, como todas, no inverno do Minho. Mas, felizmente, sem chuva. Não existem reservas. Quando chegamos por volta das 8 a fila de espera era considerável. E o nosso desafio era grande: 10 pessoas (3 crianças, 6 adultos e uma bebé no carrinho). Esperamos aproximadamente uma hora.

A primeira vez que experimentamos foi há mais de 6 meses e ficamos com óptima impressão e com vontade de voltar. Fomos menos mas também levamos uma criança. Pode dizer-se que é um restaurante completamente kids friendly. Existe um menu especificamente para crianças. E os nuggets ( que não são mais do pequenos panadinhos muito bem feitos). Da primeira vez bebemos sangria de frutos vermelhos. A cerveja que existia era de uma marca espanhola da qual não me recordo o nome.

Desta vez, a lista de cervejas era muito maior e incluía as artesanais, nas quais recaiu a nossa escolha. Pedimos 3 tipos diferentes e duas delas em tamanhos familiares e que foram trazidas numa taça de gelo. Pedimos várias entradas. Levamos um bolo de aniversário e foi-nos trazido pratos e talheres (o que muitas vezes não acontece em muitos restaurantes). Apesar de Guimarães ser uma cidade reconhecida pela sua tradicional comida minhota, este Dan’s merece uma visita. De vez em quando os adultos anseiam por um hamburguer de qualidade e uma boas batatas fritas e os miúdos adoram. Pedimos várias doses de de entradas de nuggets e camarão enrolado em bacon. Os adultos escolheram entre os 13 hamburgueres disponíveis e as crianças os respectivos menus mais pequenos.


O melhor: A luz e a iluminação. A meia-luz. E o ambiente a fazer lembrar um típico bar americano. Um dos funcionários que tem um humor que merece ser falado. Dois dos molhos que acompanham o hamburguer: caril e maionese com alho . As batatas fritas

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Não me deixes só, Jesus

Foi esta a sua primeira prece. Dois dias antes do Natal. Já havia passado a maior das provações há 13 anos. Pensou que morreria. Mas sobreviveu. E agradeceu sempre, por isso. Treze anos depois, a tragédia volta a bater à porta. Este número santo. Só que desta vez, pior. Como as espadas do coração de Nossa Senhora das Dores. Sem nenhum analgésico químico que o pudesse acalmar. Vivia a maior das alegrias. O maior dos descobrimentos. Voltara a acreditar no (verdadeiro) amor. Encontrou o amor. Soube o seu verdadeiro significado. O que era realmente. Soube que existia. Sentiu-se abençoado.

Tinha uns olhos cheios de vida. Reflectiam a alegria e sede de viver no alto dos seus tão jovens e tão poucos anos. A juventude no seu esplendor. Curta, muito curta, como a vida. Subtil. Delicado. O maior encontro de bons adjectivos reunidos numa pessoa só. Tão raro. Quase impossível. Mas o improvável aconteceu.

Há um mês dançara, como se não houvesse amanhã entre o seu amor e amigos, na festa "Dança com ela". A dançar junto. Muito. Solto. Lindo. Muito contente. Com toda a gente. Alegria. Muita alegria. Para dar e vender. Alegria agora e amanhã e depois e depois de amanhã. Como uma espécie de celebração. É disso que muitos se lembram e lembrarão. Aquele rapazinho de 20 anos com uma vida cheia de sonhos pela frente. Como se espera  de uma vida com uma idade que não se espera ter um fim.

Um episódio agudo de asma. Tudo parou. Abruptamente. A vida por um fio. Na corda bamba. Primeiro o sufoco, como um peixe fora de água. A agonia. O desespero. Os braços a debaterem-se. A tentar agarrar qualquer coisa (palpável). Ar. A dor. A perda. O silêncio. A falta de movimento. E por fim, o grito aterrorizador de quem assistia sem nada poder fazer. A inércia. A  impossibilidade. As lágrimas. Quem habilitado estava, tudo fez. Rápido. Certeiro. Sem erros. Mas a natureza é assim. A vida é assim. (Im)perfeita. E as dúvidas são sempre maiores que as certezas.E a maioria das perguntas  (nunca) tem resposta. Mesmo quando tudo é feito, pode não ser o suficiente. E foi o que aconteceu. Paragem respiratória. Seguida de paragem cardiorespiratória. Reanimação. Demasiado tempo de manobras. O corpo (demasiado) jovem foi velado horas a fio como se as preces, o tempo, a energia positiva pudessem modificar o tempo e a natureza. O desfecho definitivo. O ponto final. Uma morte trágica à (boa) maneira grega. Num palco cercado de expectadores e luzes, perante a inércia da medicina, da ciência e da humanidade. Nada foi suficiente. Afinal, não somos nós que decidimos (nada). Nada mandamos. Assistimos inertes a um acontecimento inesperado com uma solução irreversível. O que falhou? O que se poderia (mais) ter feito? Para onde vão as palavras que não são ditas? O maior dos mistérios.

Acabara de descobriu o amor. Soube que essa verdade que apregoam, existe. Levou-lhe o coração. Não deixou (quase) nada. A não ser memórias. Tantas. Tão boas. Duvidaram deste amor sem idade. Uma diferença de mais de 20 anos. Adeus. Esta palavra tão definitiva.Tem o coração despedaçado. Sem conforto. Tem a dor como companhia. Encontra-se prostrado. Sente-se sem forças. Ouvem-no chorar. Mas sente-se abençoado, apesar de tudo. Tocado por um anjo. A juventude é (quase) incompatível com a morte. Todas as mortes são injustas quando amamos. Mas, tem o consolo ténue que a vida do seu amor fará "renascer" muitas outras. Por isso, a sua morte nunca será em vão.

Mas, o que aprenderá com esta dor dilacerante? O que se aprende com a tragédia?

Tentará (re)inventar-se. Com o tempo. Só o tempo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Os meus amigos dizem que acredito muito

Acredito cegamente. Confio sem provas. Acredito sem ver. Confio nas pessoas. Nas suas bondades e nas suas verdades. Acredito em promessas. Acredito na justiça mesmo que ela teime em tardar. Foi um dia difícil. Não mudo uma palavra em relação a ontem. Não questiono quando acredito. Acredito e isso basta-me. Acredito na humanidade. Acredito na palavra. Acredito, pronto. Acredito, ponto. Até que se é apanhada de surpresa e o castelo desmorona como um castelo de cartas de baralho. Ou de dominó. Peça por peça. Até à última. Apanho-as uma a uma e recontruo. Uma a uma.  Até ficar de pé, outra vez. Não mata mas magoa. Sobrevive-se. Não se fica igual. Mas aprende-se. Tempo. E volta-se a acreditar como um (re)começo. Nada é um fim. Tudo é uma oportunidade. Ganha-se coragem. Arrisca-se. Um tiro no escuro. Dúvidas. Lágrimas. Incertezas. Futuros. Cenários. Conjunções. Riscos. Opiniões. Impulsos. Forças. Confrontos. Conforto. Mudanças. Talentos. Justiças. Sinais. Dons. (Re)começar. De novo, de novo, de novo, de novo. Até ao fim. Apenas final. Quando a morte chegar. Nunca é tarde para mudar. Nunca é tarde para (re)começar.

Sou uma crente por definição. Sem razão.

No dia que deixar de acreditar prefiro morrer.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O triunfo das mulheres

Sou suspeita para falar de Madonna. Acho que é o verdadeiro icon pop. Transgressora. Revolucionária. Autora de uma grande música chamada Music que tem apenas um acorde (o máximo da simplicidade na linguagem musical). Autora de várias músicas que são verdadeiros hinos. E autora de músicas, que de alguma forma, toda a gente conhece. E é, nas suas próprias palavras “uma má feminista”. Madonna está a dois anos de fazer 60 e acaba de ganhar, esta semana, o prémio de “Mulher do ano”. Destaco o seu discurso de aceitação e agradecimento. Um discurso emocionante, verdadeiro, íntimo, revelador, sincero, cru e doloroso.

Com o seu conhecido humor começou o seu discurso centrado, principalmente, no facto de ser mulher. Começou por referir que hoje, com as novas tecnologias, as pessoas não precisam de ter coragem de insultá-la “cara-a-cara”. Falou da sua experiência de se mudar para NY, ainda adolescente, em 1979, ano em que eu nasci. Ao contrário de hoje, NY era uma cidade assustadora. No primeiro ano, apontaram-lhe uma arma, foi violada num terraço com uma faca na garganta e o apartamento foi tantas vezes assaltado que deixou de fechar a porta. Nos anos que se seguiram, perdeu quase todos os amigos com SIDA, drogas, ou tiros. Estes acontecimentos avassaladores, não só a tornaram na mulher que é hoje, mas também lhe relembra o quanto é vulnerável. Afirmou, claramente, que não é dona dos seus talentos, que não é dona de nada. Tudo o que tem é um presente de Deus. Para os crentes, esta é a maior das humildades. Depois falou especificamente na questão de género, no facto de ser mulher. Quando começou a escrever não pensava nisso. Mas depois começou a sentir como isso era importante. Se se é mulher é permitido ser-se bonita, gira, sexy. Mas não se pode ser muito inteligente. Não é permitido que se tenha uma opinião diferente do status quo. Não é permitido envelhecer. Envelhecer é um pecado. Falou de quando o álbum Erotica e o livro Sex foram lançados. E o que escreveram sobre ela. Uma das manchetes comparou-a ao Diabo. E nessa mesma época, o Prince andava de saltos altos, baton e mostrava o rabo... mas era homem. Falou de como se conseguiu recompor de todas as críticas e de todos os insultos, encontrando força na poesia de Maya Angelou, na escrita de James Baldwin e na música de Nina Simone. Deu como exemplo a Camille Paglia uma escritora feminista, que em vez de a apoiar a criticou. E terminou a dizer o mais importante: que as mulheres devem apoiar-se mutuamente.

E nesta semana, este discurso é especialmente importante, porque coincide com a atribuição de um pretigiadíssimo prémio a duas colegas do meu laboratório em Portugal. O que é de destacar é que não foi apenas um prémio mas dois prémios atribuídos a duas mulheres do mesmo grupo de investigação, e consequentemente, da mesma universidade. Estes prémios foram especificamente duas bolsas ERC Consolidator Grants de quase 2 milhões de euros para cada uma e é  um dos maiores reconhecimentos científicos a nível monetário e de mérito. Duas mulheres. Esta é a parte importante. Não sou amiga nem íntima de nenhuma delas. Somos mais de 100 pessoas no mesmo edifício. Uma delas conheço-a desde o dia que entrei no lab, há mais de 13 anos. Como mulheres que são, com toda a certeza, já as acusaram de tudo. E o facto de não ter nenhuma ligação a não ser profissional, faz este comentário ser (ainda) mais legítimo e verdadeiro. Tiveram e têm um director que é sábio, visionário, que acreditou nelas e que apostou nelas. Sem isso não seria possível. E não só nelas mas noutras tantas que compõem o seu grupo. É um director que aposta em mulheres e que acredita, sobretudo, nelas. Os números do seu grupo não enganam. Quem sabe esse seja talvez a razão do sucesso deste laboratório? Tal como no discurso da Madonna, nós mulheres, deveríamos sempre ficar contentes com o sucesso de outras mulheres e saber reconhecer-lhes isso. Não porque são mulheres mas pelo difícil que é conquistar o sucesso em igualdade de competição com os homens.

Não podemos esquecer-nos que em quase 30 anos de Prémio Pessoa somente 5 mulheres, num universo de 29 premiados foram mulheres: Maria João Pires, Menez, Irene Flunser Pimentel, Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.

No entanto, os  números  são animadores e mostram-nos que as mulheres são as que entram em maior número nas universidades, as que têm melhores notas e as que concluem os cursos com sucesso. Mostram-nos um presente brilhante e um futuro muito promissor.

Na política, uma vergonha. Um parlamento que tem que ter cotas para que haja um número mínimo de mulheres. O antigo governo com 14 ministros, apenas 4 eram mulheres: Maria Luís Albuquerque, Anabela Rodrigues, Paula Teixeira da Cruz e Assunção Cristas No actual governo o cenário piora, num universo de 17 ministros, 4 são mulheres: Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e Ana Paula Vitorino. No entanto, a Fundação Champalimaud tem como presidente uma mulher, Leonor Beleza e a Fundação Calouste Gulbenkian terá como próxima presidente Isabel Mota. Nem tudo é mau, portanto. Temos, também, na ciência e na academia grandes mulheres que lideram instituições como Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota. Como diria Madonna, o importante é não desistir continuar a persistir. Um dia, as coisas mudarão.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Deus-dará de Alexandra Lucas Coelho

Este livro é uma exaltação sobre uma cidade. São Sebastião do Rio de Janeiro. A “melhor cidade da Via Láctea”. Sete dias nesta cidade, na semana do carnaval. Este livro faz-nos ter muita vontade de a conhecer. Essa cidade tão tudo: exagerada, diferente, insegura, tão cheia de contrastes, cheiros e cores. Uma cidade que exalta a força da natureza e a forma inatingível dessa beleza que não foi feita pelo Homem. Como os livros de Jorge Amado que nos mostraram a Baía, este mostra-nos o Rio real. Nu e cru. Como diz a personagem portuguesa, Inês: “Incrível, é como chegar a Nova Iorque (...) Nunca aqui estive, mas estive. Porque a gente cresce com isto, estas imagens”.

O livro tem exactamente 551 páginas e é viciante. Não sei como o classificar. Já que as pessoas gostam tanto de dar um nome às coisas: é ficção, mas também é memória e ensaio e deve ter muito de autobiográfico. O que sei (bem) é o trabalho de pesquisa contido nele. É um cruzamento de histórias dos sete personagens principais no presente (não necessariamente por ordem cronológica  nem no mesmo espaço temporal) com o passado da descoberta do Novo Mundo, com a independência e respectiva abolição da escravatura, com o Brasil presente, com a escravatura mascarada.

Gabriel Rocha “pirata crioulo”, tem uma pala no olho esquerdo. “O olho se foi num estilhaço, briga de facções carioca”s. É o mais cortejado sociólogo do IFCS, bastião da Universidade pública. Tem um filho adolescente de 14 anos, viciado em laptop, celular e playstation.

Judite Souza Farah, 1,80 m, um arraso, irmã de Karim e Zaca, faz parte da elite carioca Não conduz. Está prestes a ser sócia do maior escritório de advogados do Rio de Janeiro. Ficou com Gabriel que a deixou em poucos dias. Casar-se-á com o rico Rosso de quem ficará viúva. Largará a advocacia.

Zaca, irmão de Judite. Fez a biografia do maior sambista brasileiro e ficou famoso aos trinta. Descobre-se homossexual.

Lucas 90 kg, 1.97 m. Nasceu em 91,índio arraçado de negro e de branco. Entrou em História na UERJ. Orfão e mudo. Ficou assim depois do trauma de encontrar a mãe pendurada numa árvore e depois de quase ter sido sufocado pelo assassino dela. Trabalha num elevador enjaulado por horas como o da estação 168 em NY  (Columbia Medical Center). Volta a falar graças ao amor de Noé e depois da experiência psicadélica com ayahuasca.

Noé “carapinha black power”, universitária bolsista da favela, finalista de Ciência Política na PUC. Engravida de Lucas.

Tristão nascido em 83. Português, antropólogo e católico. O seu nome vem do navegador Tristão da Cunha. Está nos antípodas do carioca: sem músculo e a perder cabelo antes dos 30.

Inês, portuguesa, sozinha na vida, franja curta, sobrancelhas separadas, boca bem vermelha, pele bem branca. Fuma. Veio de Beirute onde foi deixada pela namorada Yasmine. Tem a cabeça no Líbano. Yasmine saiu de Beirute e foi para a Tasmânia onde abriu uma pousada.

Li o livro em pouquíssimo tempo, apenas 5 dias (antes de dormir). Este texto demorou-me bem mais. Só sei que sou mais rápida a ler do que a escrever. A palavra que me ocorre é epopeia. Talvez um romance épico recheado pela “crueza” da verdade. A verdade é uma coisa difícil de se falar e difícil de se ouvir. Há factos, que talvez soubéssemos, mas que nos foram escondidos ou diminuídos, e quando sabemos deles neste livro temos um grito de revolta. Talvez a interiorização da verdade contida neste livro me choque tanto. Ocorre lembrar-me dos livros de António Lobo Antunes e da guerra colonial tão pouco explorada na nossa literatura. Os africanos que combatemos em África, das barbaridades que lá cometemos e que a culpa, por mais que até a queiramos assumir, não consigo dizer quem tem. Não sei a quem apontar o dedo. É de quem está ao longe a mandar? Quem dava a ordem? Quem tão jovem e ingénuo, tirado do país sem querer, e lá longe num país distante, sob o efeito daquela adrenalina do momento desata a matar, pela catarse de sentir-se muito grande no meio da multidão? Aquilo que António Lobo Antunes exalta sempre da coragem dos homens com quem esteve em África, que são os que menos culpa têm e que tão marcados ficaram.

O narrador, que é um brasileiro, é a voz de Alexandra Lucas Coelho. É um narrador que olha de fora, exterior a cada personagem. Não sei o que os brasileiros acharão mas eu acho que o narrador é bem brasileiro. Alexandra, parece conhecer o Rio como os cariocas que são “bonitos, bacanas, sacanas, dourados, espertos e que não gostam de sinal fechado, nem de dias nublados”. E só alguém com muito mundo, com muita experiência do Brasil, uma quase carioca (que não nasceu no Rio) podia ter escrito um livro destes sem “apanhar dos dois lados”. O lado do colonizador e o lado do colonizado, se é que existe um lado, se é que as coisas se dividem (tão simplesmente) em preto e branco. O lado da culpa ou a total ausência dela. E o melhor de tudo: o que aprendemos com este livro. Uma verdadeira lição histórica. E as referências bibliográficas. Obriga-nos, pelo menos, a pensar. E depois, uma lição literária e musical: Nelson Rodrigues (esse grande cronista que eu já li há algum tempo porque comprei alguns dos seus livros e biografia em São Paulo), Machado de Assis esse mulato órfão de mãe desde criança, que era disléxico, epiléptico, doente dos olhos, casado com uma portuguesa, fundador da ABL e não tinha filhos), Carlos Drummond de Andrade, Caetano...

Este romance mistura muito bem o presente com o passado. Para além de ficção inclui factos históricos. Aprende-se muito com este livro. Os portugueses, que poderiam nem pensar nisso, ou sentirem-se redimidos com o passado histórico, da descrição d’Os Lusíadas’ de Camões que exalta a epopeia portuguesa pelos mares. Um nobre povo, quase à semelhança do povo judeu, o escolhido, põe a descoberto o lado negro do “achamento” do Brasil. Coloca o dedo na ferida e coloca sal em vez de bálsamo. Esta visão fria e crua do nosso passado colonial, de um país colonizador à força, é muito pouco comum quando é uma portuguesa a fazê-lo. Alexandra, é por isso, uma das poucas.  Faz-nos (re)lembrar os índios que nós matámos e os milhões de africanos que tirámos de África e que escravizámos e que estão apagados da maioria dos manuais escolares.  Nós que exaltamos os nossos descobridores e navegadores mundo desconhecido adentro, aprendemos (apenas) que a História de Portugal é só triunfo, ousadia e audácia. E este livro traz, relatos verdadeiros. Eu que sou cientista, que leio muitos ensaios, romances e biografias mas que não leio muito sobre história, fiquei chocada com o que li do Vasco da Gama que está ao lado de Camões nos Jerónimos. Nós que aprendemos desde sempre que a nossa colonização tinha sido a melhor, que nos misturamos, que criamos a miscigenação, que criamos uma nova raça, os mulatos, não foi isso. Pouco nos questionamos que essa mistura foi com toda a certeza feita à força assim como os militares da Guerra Colonial no Ultramar abusavam e violavam nativas (obviamente) sem o seu consentimento. Isso são os factos que ninguém quer falar. Aquilo que ficou morto e enterrado e que ninguém quer trazer à luz do presente com a desculpa que ninguém tem culpa dos erros dos nossos antepassados.

Este romance mostra que há sempre novas possibilidades de se olhar o mundo. As múltiplas possibilidades. O que me surpreende é a base teórica, bibliográfica e factual deste livro. Não se trata de um romance que se limita à voz da imaginação mas aos factos históricos negros e crus. Faz-nos pensar (tanto). Quem sabe redimir dos nossos pecados, tão judaico-cristãos?

Para quem como eu, não conhece o Rio e apenas o imagina, fica ainda com mais vontade. Parece uma cidade imprevisível, caótica, inesperada onde a alegria está (sempre) à espera de acontecer.

E este romance que insinua um apocalipse, e uma das personagens diz “que nunca acontecerá aqui”, mesmo quando tudo parece perdido, quando se elege um Prefeito evangélico que acredita no criacionismo, achamos que tudo está (mesmo) perdido e que não terá solução. Mas é o contrário, esta cidade (Rio) e este país (Brasil), são sobreviventes, reaprendem e renascem sempre reinventando-se. E agora, que escrevo numa altura em que a eleição Trump parece ser o apocalipse temos a esperança que ao contrário da música que diz “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”, o mundo não acabe (de vez).


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Infelizmente, não estivemos prontos para Hillary

Não nos esqueçamos nunca que Hillary Clinton teve a maioria dos votos populares. Richard Zimler, que eu muito aprecio e que é um cidadão americano e um profundo conhecedor da realidade americana, dizia-se com “uma sensação física de dor”.

Ao ouvir, ver e ler os dois discursos de Tim kaine e Hillary Clinton chorei ontem pela segunda vez. Talvez pela sensação profunda de uma grande oportunidade perdida. Há muito que sou uma ferverosa apoiante de Hillary. Li muito, talvez (quase) tudo sobre ela, o bom o mau, o feio e o bonito. As biografias autorizadas, as não autorizadas as autobiografias. E foi, talvez depois disso, que a minha convicção se consolidou. Hillary Clinton é uma pessoa inteligente, bem preparada, grande política, foi uma competente advogada, Primeira-Dama do Arkansas e dos EUA, Secretária de Estado, Senadora de NY e que podia ter sido a próxima Presidente dos Estados Unidos da América.

Uma das minhas amigas dizia-me que o discurso da “derrota” tinha sido tão bom e muito melhor do que todos os que tinha feito durante a campanha. Outro dos meus amigos dizia-me que eu escusava de a endeusar porque Hillary não era tudo isso. O que eu refiro em cima não são louvores, são factos! Ela foi e é isso tudo. Custa acreditar, eu sei.

Quem não  gosta ou não simpatiza (como diz o meu pai quando não gosta mas quer usar um eufemismo) não aprecia Hillary Clinton diz para desclassificar e terminar a discussão que ela é uma burocrata, betinha, nerd, sem um pingo de carisma, que aceitou as infidelidades do marido e que tem telhados de vidro (ou aparenta ter). Outras opiniões ainda piores consideram-na uma imperialista, criminosa, oportunista e cínica .Há também quem diga que Trump e Clinton representam os mesmos interesses políticos e económicos, estando ao serviço de uma elite gananciosa e acumuladora que quer a cada dia mais poder. Para esses, não demorará muito a perceberem o quão errados estavam. Oiçam e leiam o discurso de Hillary Clinton e imaginem o quão bom poderia ter sido tê-la como próxima Presidente.

Tim Kaine fez um discurso improvisado, sincero, emocional e lindo. terminou com uma frase do William Faulkner: “"They killed us, but they ain't whopped us yet." Quem cita um escritor num final de um discurso de derrota só pode ser um intelectual e alguém que tem muito para dar.

Hillary fez um discurso carregado de emoções, grato mas ao mesmo tempo triste. Que pena não ver esta mulher e esta equipa de gente na Presidência dos Estados Unidos. Começou por dizer, de forma honesta, que este não era o resultado que esperava e que tinha muita pena de não ter vencido principalmente por causa dos valores que partilhava com os seus eleitores e pela visão que tinha para o país.  Que sabia o quanto estávamos desapontados porque ela sentia o mesmo. E que 10 milhões de americanos investiram as suas esperanças e sonhos nestas eleições: “Isto é doloroso e se-lo-á por muito tempo”. Fez um apelo, dirigido especialmente aos jovens, ressaltando que durante a sua vida adulta tinha tido sucessos mas também contratempos, alguns deles muito dolorosos e que isso faz parte da vida, que estas perdas magoam muito. Terminou com palavras de esperança e de força para que os americanos não abandonassem aquilo em que acreditam.

Não sei se o violeta foi propositado. Hillary apareceu com um fato com apontamentos roxos e Bill com uma gravata da mesma cor. Era assim que eu me sentia, de luto.

Depois de uma directa a acompanhar minuto a minuto os resultados das eleições americanas passei um dia mau. Triste, inconformada, chocada, descrente. Como se fosse um sonho mau. Sem acreditar na realidade. Mas foi o que foi. Como disse Hillary: “vai doer por muito tempo”. Resta-nos conformar. E o que seria, nunca o saberemos.


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O dia em que o mundo mudou

Estava com medo.  Havia um infinitésimo receio. Mas nunca, nos meus piores pesadelos, imaginei que Trump ganhasse. Não achava essa hipótese possível. Arrogância. Excesso de confiança. Chamem-lhe o que quiserem. Mas o povo americano quis pagar para ver. Mantive quase toda a noite a esperança numa vitória de Hillary Clinton, ou quis acreditar. Tudo por puro medo do detestável, arrogante, malcriado, imprevisível e perigoso Donald Trump. Mas a realidade não quis nada comigo, e pouco passava das 4, já a desgraça se anunciava. Apenas os estados ditos “letrados” da costa leste e oeste, onde a América é uma excepção, ex. como Califórnia, NY, Washington D.C. ou Massachussets, foram ganhos. E perdeu inexplicavelmente na Florida, na Carolina do Norte, na Pensilvânia e em estados há muito democratas como Michigan ou Wisconsin.

O dia da queda do muro de Berlim. O dia escrito igual ao que os americanos usam para o 11 de Setembro (9/11, o mês seguido do dia) igual ao que usamos em Portugal (9/11, o dia seguido do mês).

Hoje, para quem não conhece a realidade americana, ficou a conhecer-se a verdadeira América. Os EUA não são NYC nem Boston. A América na sua maioria é conservadora, racista, que até à metade do século passado distinguia as pessoas com base na sua cor de pele. O país que não permitia a Rosa Parks sentar-se no autocarro. O país do Ku Klux Klan. O país que permitiu a imortalização das células HeLa retiradas, sem autorização, sem consentimento prévio, as células de uma neoplasia cervical de uma mulher negra chamada Henrietta Lacks.

Muitos dizem que a América se revoltou. Que foi um voto de protesto. Que não foi Trump que ganhou mas Hillary que perdeu. Mas eu acho que é muito pior do que isso. O resultado destas eleições são o fruto de gente desinteressada que acha que a política tem uma varinha mágica que lhes resolva a vida. Trump disse coisas tão absurdas como: “vamos acabar com a guerra na Síria”, “Vamos irradicar o ISIS”, “Vamos expulsar os imigrantes”,  “não vamos permitir a entrada de muçulmanos”, “vamos construir um muro na fronteira com o México”, “Vamos tornar a América grande outra vez”.... E estes eleitores acreditaram que ele é o salvador. E quem são estas pessoas que votaram Trump? Não me venham dizer que são apenas red necks, a classe média caucasiana, o comum trabalhador que se sente ameaçado pelos imigrantes ilegais que ganham menos e trabalham mais.  O voto branco pobre. O voto menos letrado. Não é só. São também os pobres de espírito. Os frutos do séc XXI que vivem nas redes sociais e só lêem frases feitas com 150 caracteres e ouvem (apenas) sound bytes. Os filhos de uma segunda geração de imigrantes que vive (bem) melhor que os pais, que se esqueceu e finge que não sabe como os pais viveram enquanto foram ilegais. Que dizem que são americanos e não imigrantes. Que são filhos de imigrantes, não imigrantes. E o que mais me envergonhou hoje foi ver na plateia do Trump muitas mulheres, negros e hispânicos a exibirem a sua alegria. Aqueles por quem Trump destila o seu ódio de estimação.

Foi a vitória do populismo, do racismo, da misoginia, da xenofobia, da homofobia, da estupidez, da ignorância, do deboche e da piada. A capacidade de se dizer aquilo que as pessoas querem ouvir. Nada motiva tanto as pessoas como o ódio, o medo e o desespero. Outra da lição que poderemos retirar é que a ignorância, a inconsequência e a falta de instrução têm efeitos devastadores para um país. O partido Republicano manteve a maioria no Senado e no Congresso.

E isto é o pronúncio do que (ainda) está para vir. Provavelmente daqui a uns tempos teremos a Marine Le Pen no poder em França e isto é só espalhar e começar a cair como um desmantelar de um baralho de castelo de cartas.

Até há pouco ria da Venezuela e da ascenção democrática de Chavez e do seu fato de treino à la Republica Boliveriana. Ficava perplexa pela hegemonia dos bispos da  IURD e seitas evangélicas no Brasil. E o poder de ditadores como Putin ou Erdogan. Não dá para rir mais. "It's not funny anymore".

Outra coisa que me irrita profundamente é dizerem que a Hillary era fraca e que a derrota se deve a ela. Que o Bernie Sanders é que devia ter sido escolhido. O Bernie Sanders, o revolucionário lá do sítio? Um homem, cuja competência não duvido, mas cujas ideias são ultra revolucionárias para a América conservadora. E não, a Hillary não é fraca. É talvez das mulheres mais bem preparadas da sua geração para Presidente dos EUA. A América perdeu, perdemos todos, por consequência. Que pena a América desperdiçar Hillary assim. O tempo, com toda a certeza, vai mostrar tudo.

Os votos valem o mesmo. São todos iguais. Tal como no nascimento e na morte.“Democracy is a bitch”. Os grandes ditadores foram eleitos democraticamente. Olhemos para trás. O mundo, tal como o conhecemos, acabou hoje. Só espero que não termine como a canção “Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar...”.


Copyrignt: The New York Times



terça-feira, 8 de novembro de 2016

Go, go Hillary

Eu acompanhei e estive na campanha para as eleições  americanas em 2008 que elegeram Barack Obama como o primeiro presidente afroamericano (afrodescendente, preto, negro, como lhe queiram chamar). Vi o concerto com a G. que Bruce Springsteen fez de surpresa em Philly de apoio a Obama. Fez há pouco exactamente 8 anos. Nesse ano os democratas escolheram Obama em vez de Hillary por uma unha negra. 

Adriana Calcanhotto, que é nora de Vinícius de Moraes, conta a história que Obama descreve na sua autobiografia sobre quando a sua mãe viu o filme “Orfeu” de Marcel Camus baseado no Orfeu da Conceição de Vinícius. Nos anos 50, a mãe de Obama, uma caucasiana da classe média americana percebeu as possibilidades daquele filme. E, também influenciada pelo filme, ela, uma mulher branca, apaixonou-se por um homem negro do Quénia (muito parecidos com o actor que vive o protagonista no filme). E desse amor improvável, na América conservadora e racista dos anos 50, em que os negros não tinham os mesmos direitos que os brancos, nasceu aquele que viria a ser o primeiro presidente americano mulato da História.

Eu desde sempre sou uma apoiante de Hillary. Li todas as biografias dela. Sei a força daquela mulher. A vida académica dela desde o famoso Wellesley College até Yale. Foi uma bem sucedida jurista em Washington na comissão do impeachment do Nixon. Soube o sabor da derrota quando reprovou no exame à ordem para exercer advocacia em NY. Mudou-se para o cu de Judas do Arkansas, a América profunda para ser o suporte do marido como governador desse estado. Foi uma das mais bem sucedidas advogadas da sua geração. Todas as biografias são unânimes em considerá-la uma grande profissional e todas destacam que era muito mais bem sucedida economicamente do que o marido. O resto, já toda a gente sabe. Tornou-se Primeira-Dama. Passou o inferno que se conhece pelo marido. Foi secretária de Estado de Obama e ultimamente Senadora pelo estado de NY. 

Podia escrever imenso sobre o que me leva a apoiá-la. Mas neste momento, estou mesmo preocupada e apreensiva sobre a possibilidade de Trump ganhar. Ainda não estou refeita da surpresa do BREXIT. E a possibilidade de Trump ganhar inquieta-me. Manter os Estados Unidos como a terra de todas as possibilidades, da liberdade é crucial para a paz no mundo. Uma mulher presidente que não descrimine nenhuma raça, a comunidade LGBT e especialmente as mulheres, como ela. Uma mulher que não quer nem apoia a construção de um muro. Uma mulher que não é uma palhaça nem diz barbaridades do nível do seu opositor. Só não percebo como Donald Trump chegou até aqui. Essa sim, deveria ser a maior das reflexões a partir de amanhã.

Tenho um autocolante no meu computador  “I’m ready for Hillary” que me deram no Pride de NY. E outro que me deram umas meninas que vendiam laranjada à porta do meu prédio de NY em apoio a Hillary.

Daqui a uma horas só quero ler: “Hillary won. Hillary is the next President of United States”.




segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O ego(centrismo)

Ego em demasia deve ser dos piores defeitos que se pode ter. Tal como, paciência, é uma das melhores virtudes que se deve ter. Os egocêntricos não sabem que o são, na sua maioria. E tendem a achar que até são modestos. Mas, o auto-elogio fica mal. É feio. É saloio. Há coisa (muito) melhor do que ser elogiado pelos outros? Os egocêntricos são muito vaidosos, superiormente vaidosos. No fundo, são uns deslumbrados. Nunca pedem desculpa porque nunca erram. Ou se erram, não admitem. São incapazes de admitir erros, a coisa mais humana de todas. Pessoas que se acham. Homens que até são bonitos mas na sua crença acham-se a última coca-cola do deserto. Pessoas que são banais mas acham-se Deus. Pessoas medianas mas que acham que são o Einstein. Pessoas que até lêem mas... Pedro Chagas Freitas e Margarida Rebelo Pinto. Pessoas que acham que a literatura brasileira é Paulo Coelho. Pessoas que não conhecem Clarice Lispector, nem Annie Leibovitz. Pessoas que se acham mas não sabem quem foi João XXI nem que António Gedeão era um pseudónimo. Que não sabem que Torga era médico nem que José Afonso morreu de esclerose lateral amiotrófica. Cientistas que não sabem as razões pelas quais Marie Curie recebeu os prémios Nobel de Química e Física. Nem que a angiografia não foi o motivo de Egas Moniz ser galardoado com o Nobel de Medicina. Como dizia Abel Salazar: “um médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. Cientistas que nunca leram a biografia de Henrietta Lacks, nem a origem do nome HeLa, com as quais trabalham todos os dias. Psiquiatras que não sabem que quem descobriu o lítio foi um português. Doutorados que não sabem escrever, sem dar erros, na sua língua nativa. Com o passar dos anos fico boquiaberta com a quantidade de exponencial de pessoas desinteressantes que conheço. Nunca conheci tanta gente limitada cultural e intelectualmente. O Cruzeiro Seixas, um grande artista plástico surrealista, de 95 anos, vivo, dizia estes dias que tinha ido a um jantar “em que estavam pessoas muito simpáticas, imensa gente, a comida era muito boa, tudo muito bom, e não havia ninguém que falasse de um livro, de um quadro, do futuro a um nível superior. As pessoas contam as suas histórias pequeninas, do dia-a-dia, e nisso se completam, não tem mais ânsia do que essa”. Gente com quem não é possível conversar sobre nada. Gente que não se sabe rir de si própria. Gente sem humor. E quando não é possível rir, o que resta? Respirar? 

Claro que existe o outro lado.  Tendemos, nesta sociedade de parecer mais do que ser, a sobrevalorizar em demasia a inteligência (desculpem-me o pleonasmo). Existem tantas pessoas (superiormente) inteligentes mas profundamente estúpidas e incapazes de compreender coisas tão (insignificantemente) elementares, com uma falta de talento inato para as emoções, para a vida, para a bondade, entre outras.

Como acredito no humor (quase acima) de todas as coisas e tento a cada dia, mais e mais não levar-me a sério, fica a reflexão. Cada um de nós, mais ou menos importantes, com mais ou menos pessoas dependentes no mundo, somos uma peça da engrenagem, não a máquina. Não somos autosuficientes nem podemos viver isolados. Se não houver os outros, nós não existimos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Os telhados de vidro dos políticos

Conheço pessoas com muito talento na política. Ao contrário da maioria, considero que muitos dos políticos são bons, bem preparados e de boa índole. O grande problema, é como todos os seres humanos, os políticos também o são. E aqui é que reside muitas das suas fraquezas. Não entendo, nem sei qual a motivação, dos muitos dos políticos que conheço pessoalmente, pelos quais tenho grande consideração e apreço profissional e pessoal, tenham alguns boys and girls  absolutamente pouco recomendáveis. Conheço gente que subiu, com muito talento, desde a juventude dos partidos até ao topo e sempre acompanharam quem se tornou grande. O problema, é que juntamente com estas pessoas de confiança, subiram as "ervas daninhas”. Gente que lhes estão amarrados como lapas. Gente que eles nunca deixarão cair. Gente que, independentemente dos cargos políticos que ocuparão, segui-los-á sempre. Já se deram ao trabalho de apreciar os curricula destes assessores ou adjuntos? Estas ervas daninhas caracterizam-se por, primeiro de tudo, serem uns grandes engraxadores. Uns lambe-botas. Personalidades tupperware. Gente que anda no último grito da moda. Que tem tempo para ir ao ginásio. Que estão sempre atrás ou à frente do chefe, sempre junto. O grande organizador da banda. O cabelo no último grito. Um carro topo de gama. O pequeno poder. A pessoa que socialmente e profissionalmente não vale nada mas acha-se muito. A verdadeira pessoa sem vergonha e sem qualidades. Aqueles que quando surge uma notícia verdadeira nos jornais culpam a oposição (dentro do partido e fora). Aqueles que desmentem a notícia verdadeira como sendo um ataque pessoal, mesmo sabendo que tudo aquilo é verdade, e que depois acabará (também) por ser provado em tribunal (mas aí toda a gente já se esqueceu). Têm um salário alto mas não têm valor para tal. Mas têm um lugar de confiança política. Pessoas que se inscreveram à pressa num curso, numa qualquer universidade privada (que sobrevive à custa de gente como eles). Gente que é tratada por Senhor Doutor e Senhor Engenheiro, mesmo que nunca chegue a ser, tal como os doutores das praxes. Gente que queria ter um curso à séria mas que por incapacidade intelectual comprará apenas aquilo que consegue com um nome duvidoso. Gente que anda de cabeça levantada, quando deveriam ser as primeiras pessoas a não ter coragem (nem) para sair de casa. Gente cheia de tiques. Gente que quando chega a algum lugar da moda identifica-se pelo cargo que ocupa junto do político a quem lambe as botas. Gente que nunca será aplaudido por aquilo que é mas por quem acompanha. Gente que rasteja como as minhocas, um nemátode. Mas nem isso eles conseguem ser.  São como as ténias, parasitas. Reduzem-se a um platelminte, com um sistema nervoso muito rudimentar, com uma capacidade intelectual que serve apenas para cumprir ordens e executar (mal) funções. Mas que sobreviverá a tudo, como os vermes. Conseguirá sempre um favor, um tachinho, uma avença, uma consultoria, um ajuste directo.

Quando o padrinho cair, cairá junto. Mas levantar-se-á de novo e de novo e de novo. A resistência e a resiliência são os seus elos mais fortes. Resistem a tudo. A teoria de Darwin no seu melhor. Os (mais) espertos sobrevivem (sempre).

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A despedida profissional de uma grande pessoa

Fomos colegas de curso. Não privamos muito. Via-a mais na noite do que nas aulas porque eu vivia de noite e ela de dia e de noite. Tínhamos amigos comuns. Ela foi sempre boa aluna, eu não. Ela era beta e eu também. 

No dia que entrou no lab, lembro-me muito bem, os poucos homens que havia no grupo pararam como se de um filme em slow motion se tratasse. Não me lembro como nos aproximamos. Mas lembro-me do jantar de doutoramento do T. em que ficamos juntas. E do jantar de doutoramento da X. E do jantar de doutoramento da M. Jantares que bebíamos muito e que não nos lembramos de metade. Era o tempo em que não passávamos dos 20. Nesse tempo, não tínhamos hora certa de chegar ao lab nem hora de sair. Vivíamos uma vida errante de almoços e jantares na cantina da universidade e voltávamos para o lab sem hora de sair. Um tempo em que se fumava em todo o lado. Perdemos a conta e a noção das vezes que choramos de desespero antes de conferências. Mas havia sempre alguma alma caridosa que nos desse a mão. Tempos em que não havia diferenças hierárquicas entre estagiários, alunos de doutoramento e Postdocs. Tempos em que éramos todos iguais. Tempos em que me lembro que havia momentos muito maus mas os bons compensavam tudo. Tempos em que íamos buscar amostras de medula e cordão ao hospital. Com ela comecei a aprender a ser organizada e a ter uma inveja boa de quem tinha uma letra legível e que toda a gente entendia. A nossa amizade foi sempre improvável. E com ela aprendi que a característica essencial de todos os meus amigos é terem um coração grande. Nunca tive uma amiga tão diferente de mim.

Quem a vê parece uma pessoa fútil mas nunca foi. Ela é o exemplo que beleza e inteligência são compatíveis. Ela ensinou-me sobre tendências e sempre me ajudou a escolher o outfit para ir a casamentos. Eu sempre lhe mostrei o que ela poderia gostar de ler, apesar de ser cegueta, como eu carinhosamente lhe digo até hoje. Partilhamos o gosto por Madonna.

Passamos tanta coisa juntas. Fomos para Shanghai, talvez a viagem mais revolucionária da minha vida. Partilhamos sempre o quarto, em todas as viagens juntas. Tal como eu, nunca teve muito amor ao dinheiro. Gostamos de bons jantares demorados. Foi ela que me ensinou a gostar de vinho branco. E quem mais me ensinou sobre vinhos. Fomos para Pittsburgh juntas, outra das minhas grandes viagens. Para ela, menos boa. Foi com ela ela que fui pela primeira e única vez ao Pinheiro. E foi nessa noite que soubemos pela primeira vez, e para sempre, o verdadeiro significado de sorte. As horas incontáveis que passamos na noite. Bebedeiras, jantares, descobertas de restaurantes, Lisboa, Bairro Alto. Sempre próximas, sempre íntimas.

Foi com ela que vivi a história mais surreal de sempre, que hoje é um menino e tem quase 10 anos. Entretanto, descobriu a diabetes. Durante o meu doutoramento estivemos sempre próximas, mesmo com um oceano a separar-nos. Não estive no dia em que se doutorou mas lembro-me do que lhe escrevi sentada num café em Cambridge, de frente para Harvard. Já nos afastamos muito tempo por motivos nunca esclarecidos. Mas, como todas as verdadeiras amizades, voltamos ao sítio onde fomos felizes. E recomeçamos, não do zero, mas do ponto onde terminamos.


Já nos carregamos para a cama. Já fomos o anjo da guarda uma da outra. É talvez uma das pessoas que melhor me conhece. É das pessoas com quem menos uso filtros. Das pessoas que melhor me conhece só de olhar. É um vulcão em erupção. Mas o que mais vou sentir falta e de vê-la todos os dias, da intempestividade dela que tanto nos faz rir e de ser a maior alegria naquela sala. Boa sorte, gaja boa! Sempre em frente, sem olhar para trás!

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

João Lobo Antunes

João Lobo Antunes, como diria Pessoa, “tinha o mundo dentro dele”. Foi o primeiro Lobo Antunes que conheci e li. Li “Um modo de ser” no ano em que foi galardoado com o Prémio Pessoa, em 1996. Depois desse, quase todos os livros. Conheci a realidade de NY através dele, e Washington Heights, muito antes de achar que algum dia frequentaria aquelas ruas. Foi com ele que descobri o meu amor por NY. Foi assim que escolhi a universidade de sonho em NY e que achei que seria apenas isso: um sonho. E foi através dele que quis ir viver para lá. Através dele aprendi antes de ser uma new yorker “emprestada” a differença entre a opera e o museu. The Metropolitam Opera e The Metropolitan Museum of Art. A sigla Met. Quando finalmente fui para NY, para Columbia, mostraram-me  a cadeira com o nome dele no Neurological Institute of NY. Através dele apaixonei-me por Edward Hopper, principalmente aquele homem numa noite sob a sombra da luz (Night shadows). E depois disso fui a todos os museus de NY que têm obras do Hopper: Met, Whitney, MoMa e Brooklyn Museum. O americano que mais pintou o quotidiano. Com ele descobri a humanidade que deve existir em todas as profissões tão bem descrita na “Morte de Ivan Ilitch” de Tolstoi. O livro que talvez ele mais citava. O livro que todos os médicos deveriam ler. E o livro que eu mais li e ao qual volto sempre. Com o Professor aprendi que as mãos são a marca do ser humano. Aquilo que talvez mais nos distingue das outras espécies. As mãos, essa parte anatómica que denuncia a nossa idade. Aquela que ninguém consegue fazer regredir os anos. A mão que é o instrumento de trabalho mas que também afaga e consola. O peso da mão. E a beleza e delicadeza que as mãos cirúrgicas têm. Já apreciaram a beleza e a dança das mãos numa neurocirurgia. Os gestos delicados, o detalhe, a leveza? Já apreciaram as mãos de um neurocirurgião? Já pararam para apreciar o quanto umas mãos bonitas são talvez das mais belas partes do corpo humano?

João Lobo Antunes foi sempre um aluno brilhante. Dizem que fazia tudo bem. Tinha qualidades invulgares para um homem só. Escrevia exemplarmente bem, era um acérrimo leitor, apreciador de todas as artes e tinha uma cultura invulgar. Para além de tudo isso, foi o mais brilhante neurocirurgião da sua geração. Como ele disse um dia, aqui é famoso mas foi para NY onde era um “small fish in a little pond”. Há maior banho de humildade do que este? Exaltava como maiores virtudes do ser humano a compaixão, decência e carácter. Conheci, não pessoalmente a sua fama como neurocirurgião. Mas sobre o que posso opinirar é sobre a escrita. Que bem que ele escrevia. Ensaios e memórias, sobretudo. Espero ansiosa pelo registo  das suas memórias a que se dedicou nos últimos tempos.
Morreu em casa como Ivan Ilitch, mas não como ele. Com toda a certeza que rodeado da família, com compaixão, respeito e amor.

Nenhum dos livros que tenho dele estão por ele assinados. Não por falta de oportunidade mas por falta de coragem. Ele para mim estava num pedestal. Transparecia ser tímido, de poucas palavras, reservado, cerimonioso, educadíssimo. Aquilo que se dominaria de um “homem à antiga”. Daqueles que ainda beijam a mão. Um príncipe.

Era sabido que estava doente. Não sabia o quanto nem que fosse tão rápido. Se é verdade que na morte, todos são bons, a gigantesca quantidade de mensagens de pesar e a unanimidade no elogio, emoção  e na  admiração pelo médico e pelo homem é de ressaltar.

A Medicina, a Ciência e a Cultura portuguesa ficam mais pobres. Foi-se um dos grandes intelectuais do país.

Copyright: Correio da manhã
Copyright: The Metropolitan Museum of NY

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Sócrates (José), o esperto

Sócrates, esse grande Mestre e intelectual de Sciences Po. Por acaso foi em Paris, mas podia ter sido em NY. Há quem assegure que ele pensou em fazer o Mestrado em Columbia. Compra da licenciatura numa privada, cadeiras feitas ao Domingo, outras avaliações por fax, e finalmente, um grau que lhe foi atribuído mas que não merece. Pagou a um ghost writer. O caso de Sócrates é o exemplo de que a realidade pode superar a ficção. Nem nos meus maiores devaneios achava possível Sócrates dominar, comprar, controlar tanta gente.  Pagou para lhe escreverem a tese, para escreverem posts favoráveis ao seu governo, comprou silêncios, opiniões, pagou a várias mulheres despesas correntes (ainda não consegui perceber o motivo), pagou para lhe escreverem a tese de Mestrado, para que lhe comprassem o livro, pagou ao Lula para escrever o prefácio (como se Lula fosse um grande escritor ou académico na área) e parece que pagou para lhe escreverem o segundo livro.  O tal do Domingos Farinho, disse ter (apenas) revisto o livro . Consta-se que para isso recebeu qualquer coisa como 40 mil euros. A ser verdade, fez  pagar-se bem por esse (pequeno) trabalho.  E a ser verdade, que mal tem isso? Que crime é esse de pagar a alguém, 40 mil euros, para rever uma tese? Que tipo de crime existe nesse facto? É com este tipo de perguntas (idiotas) que Sócrates e a sua defesa costumam justificar os seus actos. Aqui percebe-se a falta de tacto da imprensa portuguesa. Não é ofício do orientador rever/corrigir uma tese de Mestrado? Quem foi o orientador da tese de Sócrates. Ninguém coloca essa questão?

O Domingos Farinho vem dar razão aquilo que eu defendo e escrevi várias vezes. Ser doutorado não diz nada sobre uma pessoa. Apenas que essa pessoa se especializou num tema em particular. Muitos (as) deles (as) não sabem nada (mais) para além disso. Não vou dizer a maioria, para não ferir susceptibilidades, mas muitos dos Doutorados que conheço são as pessoas mais incultas do mundo e que me fazem ter vergonha de dizer que sou doutorada (como se isso fosse uma vantagem). Este Dominhos Farinho falta-lhe uma coisa: tempo, vida, sabedoria. Doutorou-se em 2013. Ou seja, um Doutor à la Bologna. É um menino. Tem 39 anos, 2 anos mais velho do que eu. Licenciou-se antes de mim mas doutorou-se 4 anos depois. Ao contrário de mim, deve ser um bem sucedido Professor Universitário, e com isso ter uma vida profissional estável. E deve achar, como todas as crianças, insensatas que são, que quarenta mil euros vale para que outro receba os louros por si. Ora bem, quarenta mil euros, dava para pagar o empréstimo da minha casa. Ao contrário de mim, que continuo com o mesmo estado de bolseira desde o dia que me licenciei. Só as bolsas, o financiador e o valor mudaram ao longo dos anos. A situação mega, giga tera precária, permanece. E vocês obviamente, como bons portugueses que são, devem estar a achar-me uma invejosa. E como tal, só devo estar a criticar o meu colega porque queria ser como ele. E isso faz-me lembrar há uns anos, quando me ofereceram dinheiro para eu escrever teses de Mestrado, muito bem pagas, por sinal, ao que eu respondi: “por dinheiro nenhum do mundo porque a escrita é a única propriedade intelectual que me representa e que é minha”.

Há uns tempos, Sócrates deu uma entrevista em frente ao rio Tejo, no Altis Belém a Clara Ferreira Alves, num tom confessional, verdadeiro, que vivia da ajuda da mãe e do empréstimo que fizera para ir estudar para Paris. Querem imaginar a Clara Ferreira Alves que acreditou e transcreveu o que ele disse e que agora se sente e vê enganada como todos nós? Poder-se-á nunca se provar nada do ponto de vista jurídico mas conseguem perceber a grandiosidade do esquema do Sócrates. Um gajo que tem um amigo que lhe dá dinheiro para tudo. Um amigo que é o multibanco. Paga-lhe as viagens, as roupas, os restaurantes, os carros dele e da família, as casas, as contas dos filhos e da ex-mulher, as cópias, os livros, os envelopes, as malas, os vôos, os dentistas, o funeral do irmão, as férias... Não sou licenciada em Direito, não percebo nada de leis, mas existe uma expressão que se chama “livre convicção”. [Desculpem-me, é como o Paulo Pedroso que foi ilibado e não foi condenado. Mas a história do sinal que retirou, ninguém consegue apagar. Esse pode até estar livre, andar de cabeça levantada, receber uma indeminização do Estado português mas se a justiça terrena não funcionou, aguardá-lo-à justiça divida, e dessa, não poderá fugir].

Sócrates poderá nunca ser condenado por corrupção mas nunca se livrará da verdade, que nunca deixará de ser verdade, mesmo que não seja provada pela justiça portuguesa. Factos são factos e ele nunca poderá negar as transcrições dos telefonemas que existem. Podem ser ilegais. Podem não ser uma prova válida. Mas é um facto, aconteceu. Sócrates é o exemplo do trapaceiro, do fingidor, do que leva a melhor sobre os outros, do que se fica a rir. Sócrates é o exemplo do que a política portuguesa fabricou de pior. Mas a justiça portuguesa, não sei apontar a principal razão, peca por tardia. Ao contrário do Brasil, ainda não conseguimos julgar efectivamente grandes figuras de poder. Os únicos exemplos são os de Vale e Azevedo e Isaltino Morais. Mas esses não são exemplos do topo da pirâmide. Esperemos que a justiça portuguesa consiga formular uma acusação exemplar, sem erros, ou seremos para sempre conhecidos como a “república das bananas”. Só um Sócrates se lembraria de um Lula para escrever o prefácio do seu livro.


O lançamento do segundo livro já tem data marcada. Daqui a pouco temos um Doutor por extenso sem o merecer. E ele a rir-se de todos nós. 

Copyright: Expresso

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O meu problema com Bob Dylan

O meu problema com o Bob Dylan é quase o mesmo que os outros galardoados com o Nobel da Literatura. Não o conheço (bem). Sei que é um grande (e conhecido cantor, para muitos) e um grande compositor. Não sei apreciar a sua qualidade musical. Mas sei dizer que detesto a voz fanhosa e aguda dele com aquele sotaque do sul (Minnesota). Aquele ar superior, de estar a “cagar-se para o mundo”, enerva-me. E achei espectacular o facto de ele não ter falado (ainda) com a Academia Sueca. Ele não rejeitou o galardão. Pura e simplesmente ignorou-o, que é muito pior. A justificação da Academia Sueca para atribuir o Nobel da Literaura a Bob Dylan baseou-se no facto de ele “ter criado um novo modo de expressão poética na grande tradição da música americana”.

A minha questão é mais: Não havia quem mais merecesse nessa categoria. A tradição de premiarem poetas é quase inexistente. Se a ideia foi premiar “escritores de letras de músicas” acho muito bem. Não distingo poetas de “escritores de letras de músicas”. Retiremos a melodia desses poemas e veremos que o poema resisterá sem música e será igualmente grande. Mas nessa categoria podemos questionar-nos: Vinícius de Moraes não mereceria muito mais? Um grande poeta que escreveu músicas extraodinárias. Um menino que sonhava ser poeta. Nunca sonhou ser outra coisa. Foi um dos grandes percursores de um revolucionário estilo musical: a bossa nova. Ok, mas está morto e a Academia não premeia mortos. O mesmo poder-se-á dizer sobre David Bowie. Mas, e sobre Leonard Cohen ou Patti Smith? Esta pergunta não tem resposta certa. Gosto, apenas, da pergunta. Serve, apenas, para pensar.

A coisa mais improvável que me aconteceu em relação ao Bob Dylan foi que conheci primeiro quem era Dylan Thomas antes do Bob Dylan... E eu gosto tanto do Dylan Thomas que até já fui a todos os loscais e ruas que ele frequentou em NY. As únicas duas músicas que coheço de Bob Dylan são. “Knocking on heaven’s door” e “Mr tamborine man”. A primeira um hit da minha geração popularizada pelos Guns N’ Roses.

Depois, outra coisa, o mercado livreiro está de tão boa saúde que atribuir o prémio de literatura a alguém que vive da música, parece-me injusto. Mas provavelmente eu não consigo esboçar uma opinião neutra porque não gosto, especialmente, do Bob Dylan. Alguém que nem o próprio nome assina...o tal “bardo romântico judeu do Minnesota”, como escreveu Caetano Veloso.


Senhores, desculpem-me, mas eu nunca fui de concordar com a maioria. Esta é a minha opinião. Não pretendo convencer ninguém.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Onze de outubro de dois mil e dezasseis

Passaram-se quatro anos. O meu afilhado tinha 3 anos, usava chupeta e uma fralda na mão para dormir. O meu sobrinho mais velho tinha 4 anos, ainda não tinha mudado os dentes. Já usavam óculos. Não quero voltar a esse dia. Não consigo voltar a esse dia. É demasiado mau. Nestes 4 anos, a minha avó morreu. Passaram-se Natais, e novos anos e dias de anos e dias do pai. Muito medo, muitas lágrimas, muitas tristezas, muitas saudades, muita dor. Muitas lágrimas secaram e muitas lágrimas deixaram de brotar por não haver mais para chorar. Expectativas defraudadas. Muitas provas, muitas folhas, muita tinta, muitas palavras. Tempo, muito tempo, demasiado tempo. Tempo, que se pensava, irrecuperável. Depois de tantas desilusões chegava-se ao dia da decisão final. À estrada percorrida, comprida, sem saída. Uma única e justa solução. Não seria possível outra decisão que não fosse a justa. Que a justiça fosse justa, o verdadeiro pleonasmo. A decisão que defendesse o superior interesse das crianças. Uma justiça que fosse cega, como é a imagem que a representa, sem pender para nenhum lado das balanças. Ninguém entende, ninguém consegue perceber-nos, ninguém consegue colocar-se no nosso lugar. A tão bela frase que fica ainda melhor em inglês: "put yourself in my shoes". 

E chega o grande dia. Um entusiasmo calado, um optimismo que sentia estar certo. Mas conhecia as frases: "Quem disse que a vida é justa?", "A justiça não funciona", "Mãe é mãe", "Ninguém tira os filhos a uma mãe". Depois de tanto tempo, tantos factos, tantas provas, tantas evidências, só poderíamos estar confiantes. Mas o tempo perdido, decisões erradas e falta de coragem de muitos dos envolvidos, levam-me a ter (sobretudo) medo. Foi isto que mais aprendi nestes últimos 4 anos: a ter medo. E eu que só tinha medo que os meus morressem...

Acordei optimista, depois de não ter conseguido adormecer antes das 4 da manhã. Adormeci com dor de cabeça, como quase sempre nos últimos dias, e acordei como se não tivesse dormido. Mas acordei sem medo e sem angústia. Confiante, no fundo. Pela primeira vez, não conseguia não ser optimista. Quando no aeroporto, vi que iria viajar numa avioneta que mais parecia um avião de papel, pensei no quão injusto seria morrer antes de ver a alegria estampada no rosto dos meus sobrinhos. Aterrei sem problemas de maior. Fui trabalhar, como de costume. Não disse a ninguém o quão mal estava, por dentro. Acreditava, com a fé que tenho, que seria um grande dia e que tudo ia acabar em bem!

E assim foi. O grande sonho cumpriu-se. O dia da liberdade chegou! A justiça foi feita! Muita gente nunca desanimou. Muito obrigada a todas as pessoas que sempre acreditaram. Uma vida nova começa. Os meus sobrinhos ganharam! Palmas, principalmente, para a advogada do meu irmão que nunca perdeu a esperança e sabia, desde o inicío de que lado estava a razão!

Não quero mais olhar para trás. Só para a frente e pensar que os meus sobrinhos vão agora poder viver a vida na sua plenitude. Vão poder falar sem terem medo do que vão dizer, sem medo que lhes digam mal das pessoas que gostam, que vão ter aquilo que há quatro anos lhes tiraram: a liberdade de serem o que são.


“It was a long, long, long road”!

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Uma noite linda daquelas com Moreno Veloso

Dia de manif de taxistas em Lisboa. Eles chamaram de greve, eu chamo de bloqueio. Aeroporto caótico. Filas e filas. Pessoas e mais pessoas. Um mar de gente. Metro congestionado. A verdadeira democracia. Gente de todas as idades e estratos sociais como sardinha em lata. Mas tudo acaba dando bem. Em Lisboa não se vê um único táxi.

O concerto está marcado para as 9. Vou de metro até ao Chiado e vou comer qualquer coisa ao Mini Bar do José Avillez. Quero ficar ao balcão, como sempre quando estou sozinha. O balcão é do bar, para se aguardar enquanto não se tem mesa, mas fazem-me a vontade sem eu pedir muito. O que mais gostei foi da luz. Aquela iluminação de meia-luz como tão bem descreve Blanche DuBois em "Um eléctrico chamado desejo".: "Apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso! (...) Detesto lâmpadas sem quebra-luz (...) As pessoas frágeis têm de brilhar. Têm de usar cores suaves, cores de asas de borboletas, abafar a luz com uma lanterna de papel". O bar é ao estilo daqueles bares trendy de NYC onde se vai depois do trabalho, ou beber um copo antes ou depois do teatro e, por último, a mais comum das hipóteses, afogar as mágoas em grande estilo a beber uma pipa de massa (para depois garantir uma ressaca daquelas). 
Aqui a iluminação está focada nas garrafas e o que vi preparar leva-me a dizer que voltarei em breve (a minha intenção era voltar no fim do concerto para uma Margarita ou um mojito, mas nem tudo corre sempre como queremos e/ou esperamos. Devagar, dizem. O caminho faz-se caminhando. Paciência é a melhor virtude que podemos ter). Escolhi o mini hambúrguer porque só queria qualquer coisa para segurar o copo de vinho branco José Avillez. Entrei quase às 8:30 e perguntei se conseguia comer qualquer coisa até antes das 9. Disseram-me que sim. Irrepreensível. Às 8:55 já estava a pagar. Simpatia mais do que muita. Humor em doses idênticas e disponibilidade do melhor.



O Teatro São Luiz estava composto. A sala, para quem não conhece, é muito bonita no estilo do Teatro Nacional São João. As cortinas estão fechadas. Não esperamos muito para o início. Algumas caras conhecidas na plateia: Anabela Mota Ribeiro, Matilde Campilho, um dos músicos da banda Cê, achei que vi o Domenico Lacellotti (mas como sou pitosga, não aposto).
As cortinas abrem e lá está Moreno Veloso e a banda (Pedro Sá, Rafael Rocha e Bruno Di Lullo). Estão debaixo de uma iluminação de várias cores com uma espécie de vários candeeiros de luzes pequeninas. Eu não conhecia o Moreno no palco. Nem nunca nos cruzamos na vida. Mas este menino de 44 anos tem uma doçura misturada com um riso lindo e uma alegria que deve vir da Bahia. Não imaginava que fosse tão extrovertido. Sentia-se em casa, era notório. E rodeado de amigos. Um menino grande. Um despojado. É daqueles concertos que não se vai para cantar nem para reconhecer mas apenas para ouvir. Foi o que fiz. Não me lembrei do telemóvel. Perdi a noção do tempo. Não reconheci todas as músicas, nem esse era o objectivo. Mas cantou Mambeado aquela que diz: “Que lindo es estar en la tierra/ después de haber vivido el infierno”. Fechei os olhos e ouvi, somente.Que bem que o Moreno a canta.  Depois, chamou ao palco Luana Carvalho que tudo o que cantou eu gostei. E eu que quase não oiço música e que não gosto de quase nada. Cantaram juntos, a tão esperada por mim, Deusa do Amor, um verdadeiro hino ao Carnaval de Salvador mas com batida suave, uma melodia de amor, que eu tenho ouvido em loop: uma verdadeiracantada”: “Tudo fica mais bonito quando você está por perto/ você me levou ao delírio por isso eu confesso/ os seus beijos são ardentes/ quando você se aproxima o meu corpo sente/.../ Balanço o alicerce mais forte que tem nesse mundo/ O cupido me flechou”. Não é lindo? Não são necessárias grandes metáforas e eufemismos para descrever o maior dos sentimentos. Luana Carvalho que eu não conhecia nem nunca ouvi falar, imagino que a maioria também não. Vi-a pela primeira vez no Folio, em Óbidos num showcase de música e poesia (para ler mais aqui e aqui). Não se esqueçam, esta menina ainda vai dar muitas cartas! É só talento. Muitos, numa só. Depois, sozinho, cantou Coisa boa a canção de ninar para os seus “filhinhos”, Mar português de Pessoa, Noite de Santo António. Dançou muito com Luana Carvalho. Mostrou que sabe dançar. Tem swing. Dança muito! Uma alegria. Voltou duas vezes ao palco, incluiu Arriverdeci e Leãozinho.
No final do concerto saimos felizes e de bem com a vida. A felicidade num instante. É isto, apenas.






Todas as fotos, com excepção da primeira, foram gentilmente cedidas pela Catarina Henriques


E no dia seguinte seria talvez o dia mais feliz da minha vida. Mas esse merece um texto à parte. Aguardem. Eu gostava de dizer que sou inspirada e que escrever é inspiração. Mas para mim é trabalho, tempo, inspiração e disponibilidade. Conjugar estas coisas é uma tarefa hercúlica, para mim. Desculpem, para quem pede muito e mais e mais.

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