Acompanho há muito a carreira (palavra que não
gosta) de Diogo Infante. Ele é várias coisas num só. Para mim, apenas a voz
basta. Mas na interpretação supera-se. Comemora este ano 25 anos de actor. Vi-o
há muitos anos na peça “Sexo, drogas & rock and roll” num mítico conjunto
de oito monólogos. Assisti ao seu brilhantismo como encenador no “Ano do Pensamento
Mágico de Joan Didion, um monólogo magnificamente interpretado pela nossa
grande Eunice Muñoz. E a melhor encenação de sempre de “Um eléctrico chamado
desejo” de Tennessee Williams, quando trouxe de volta aos palcos Alexandra
Lencastre, a melhor Blanche Dubuois de sempre. Há pouco tempo vi-o na leitura
do “Sermão de Santo António aos peixes”.
Na semana passada, no penúltimo dia, fui ver “Ode
Marítima” ao Teatro São Luiz. Não tinha muitas expectativas. Não tinha lido
nada. Assumi que fosse uma leitura teatral do grande poema do heterónimo de
Pessoa, engenheiro naval, Álvaro de Campos. A voz do Diogo, a sua presença
física, Pessoa e a encenação de Natália Luiza, bastavam-me. Meu Deus, que surpresa! Diogo não lê,
interpreta. Um pouco mais de uma hora que nos enche a alma. João Gil, discreto acompanha as palavras e a narrativa de Diogo. Só acrescenta, não atrapalha.
O homem que olha para o
horizonte, vê um paquete entrar na barra e faz uma viagem interior. não está aqui a interpretar uma personagem. Este
homem não é Pessoa nem Álvaro de Campos. “É a suma de todos os homens. Em
primeiro lugar, sou eu, porque não se trata de uma personagem mas de uma
energia. É como se o meu corpo, a minha voz e as minhas emoções fossem um
veículo para expressar esta transcendência emocional que abarca a dimensão
humana. Ele somos todos nós: nas nossas contradições, medos, ânsias, desejo de
sentir, de viver. Na catarse do monólogo, Diogo transforma-se, como se
ele não fosse ele, como se fosse possuído por algo maior, ele urra, berra,
sofre, vira-se ao contrário, expõe-se, põe as suas entranhas em cima da mesa,
com tudo o que isso tem de horrível e
termina exausto, completamente molhado, como se tivesse saído da água. As
pessoas ao meu lado diziam baixinho: “Credo!”. Atira-se para o chão, a voz
muda, acalma, compassa.
Depois dos aplausos regressaram ao palco para meia hora de
perguntas feitas pelo público presente. A não perder. Estará em breve no Teatro
Nacional S. João, no Porto. Fará digressão nacional e seguirá para o Brasil.
Depois de achar que mais ninguém conseguisse ler, interpretar e representar Pessoa melhor do que Maria Bethânia, eis que Diogo Infante superou tudo neste espectáculo "Ode Marítima".
Todas as fotos, com a excepção da última, pertencem a José Frade |
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