Sou suspeita para falar
de Madonna. Acho que é o verdadeiro icon pop. Transgressora. Revolucionária.
Autora de uma grande música chamada Music
que tem apenas um acorde (o máximo da simplicidade na linguagem musical).
Autora de várias músicas que são verdadeiros hinos. E autora de músicas, que de
alguma forma, toda a gente conhece. E é, nas suas próprias palavras “uma má
feminista”. Madonna está a dois anos de fazer 60 e acaba de ganhar, esta
semana, o prémio de “Mulher do ano”. Destaco o seu discurso de aceitação e
agradecimento. Um discurso emocionante, verdadeiro, íntimo, revelador, sincero,
cru e doloroso.
Com o seu conhecido
humor começou o seu discurso centrado, principalmente, no facto de ser mulher.
Começou por referir que hoje, com as novas tecnologias, as pessoas não precisam
de ter coragem de insultá-la “cara-a-cara”. Falou da sua experiência de se mudar
para NY, ainda adolescente, em 1979, ano em que eu nasci. Ao contrário de hoje,
NY era uma cidade assustadora. No primeiro ano, apontaram-lhe uma arma, foi
violada num terraço com uma faca na garganta e o apartamento foi tantas vezes
assaltado que deixou de fechar a porta. Nos anos que se seguiram, perdeu quase
todos os amigos com SIDA, drogas, ou tiros. Estes acontecimentos avassaladores,
não só a tornaram na mulher que é hoje, mas também lhe relembra o quanto é
vulnerável. Afirmou, claramente, que não é dona dos seus talentos, que não é
dona de nada. Tudo o que tem é um presente de Deus. Para os crentes, esta é a
maior das humildades. Depois falou especificamente na questão de género, no
facto de ser mulher. Quando começou a escrever não pensava nisso. Mas depois
começou a sentir como isso era importante. Se se é mulher é permitido ser-se
bonita, gira, sexy. Mas não se pode ser muito inteligente. Não é permitido que
se tenha uma opinião diferente do status
quo. Não é permitido envelhecer. Envelhecer é um pecado. Falou de quando o
álbum Erotica e o livro Sex foram lançados. E o que escreveram
sobre ela. Uma das manchetes comparou-a ao Diabo. E nessa mesma época, o Prince
andava de saltos altos, baton e mostrava o rabo... mas era homem. Falou de como
se conseguiu recompor de todas as críticas e de todos os insultos, encontrando
força na poesia de Maya Angelou, na escrita de James Baldwin e na música de
Nina Simone. Deu como exemplo a Camille Paglia uma escritora feminista, que em
vez de a apoiar a criticou. E terminou a dizer o mais importante: que as
mulheres devem apoiar-se mutuamente.
E nesta semana, este
discurso é especialmente importante, porque coincide com a atribuição de um
pretigiadíssimo prémio a duas colegas do meu laboratório em Portugal. O que é
de destacar é que não foi apenas um prémio mas dois prémios atribuídos a duas
mulheres do mesmo grupo de investigação, e consequentemente, da mesma
universidade. Estes prémios foram especificamente duas bolsas ERC Consolidator Grants de quase 2
milhões de euros para cada uma e é um
dos maiores reconhecimentos científicos a nível monetário e de mérito. Duas
mulheres. Esta é a parte importante. Não sou amiga nem íntima de nenhuma delas.
Somos mais de 100 pessoas no mesmo edifício. Uma delas conheço-a desde o dia
que entrei no lab, há mais de 13 anos. Como mulheres que são, com toda a certeza,
já as acusaram de tudo. E o facto de não ter nenhuma ligação a não ser
profissional, faz este comentário ser (ainda) mais legítimo e verdadeiro. Tiveram
e têm um director que é sábio, visionário, que acreditou nelas e que apostou
nelas. Sem isso não seria possível. E não só nelas mas noutras tantas que compõem o seu grupo. É um director
que aposta em mulheres e que acredita, sobretudo, nelas. Os números
do seu grupo não enganam. Quem sabe esse seja talvez a razão do
sucesso deste laboratório? Tal como no discurso da Madonna, nós mulheres,
deveríamos sempre ficar contentes com o sucesso de outras mulheres e saber
reconhecer-lhes isso. Não porque são mulheres mas pelo difícil que é conquistar
o sucesso em igualdade de competição com os homens.
Não podemos
esquecer-nos que em quase 30 anos de Prémio Pessoa somente 5 mulheres, num
universo de 29 premiados foram mulheres: Maria João Pires, Menez, Irene Flunser
Pimentel, Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.
No entanto, os números são animadores e mostram-nos que as mulheres
são as que entram em maior número nas universidades, as que têm melhores notas
e as que concluem os cursos com sucesso. Mostram-nos um presente brilhante e um
futuro muito promissor.
Na política, uma
vergonha. Um parlamento que tem que ter cotas para que haja um número mínimo de
mulheres. O antigo governo com 14 ministros, apenas 4 eram mulheres: Maria Luís
Albuquerque, Anabela Rodrigues, Paula Teixeira da Cruz e Assunção Cristas
No actual governo o cenário piora, num universo de 17 ministros, 4 são mulheres:
Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e
Ana Paula Vitorino. No entanto, a Fundação Champalimaud tem como presidente
uma mulher, Leonor Beleza e a Fundação Calouste Gulbenkian terá como próxima
presidente Isabel Mota. Nem tudo é mau, portanto. Temos, também, na ciência e
na academia grandes mulheres que lideram instituições como Maria do Carmo
Fonseca e Maria Manuel Mota. Como diria Madonna, o importante é não desistir continuar
a persistir. Um dia, as coisas mudarão.
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