domingo, 24 de junho de 2018

Génova - Milão - Verona - Trento

Viagem de 5 horas pela frente. Duas mudanças de comboio. Dia escaldante. Verão (quase) tropical. Tudo brilha de tão húmido. Passa pouco das 8 da manhã e já tudo parece derreter. No comboio para Milão, quase cheio, são sobretudo turistas. A temperatura é quase glacial e obriga-me a vestir uma camisola. Ao meu lado está um senhor, que parece meu avô, impecavelmente vestido. Lê o jornal "La Repubblica" e tem uma pasta. Em frente e ao lado dele estão duas mulheres que falam espanhol. Não lhes presto muita atenção mas uma delas tem uma voz linda. Grave, quase rouca. Quando a vejo levantar, para dar lugar a outra pessoa, reparo como é alta. Num olhar mais atento reparo no excesso de silicone na cara e no nariz cirurgicamente desenhado.   Tem umas mãos lindas, grandes e magras e uns dedos compridos, proporcionais ao seu tamanho. Milão, mudança de comboio para Verona. O cenário muda completamente. O comboio é regional. A temperatura é infernal que só piora com o cheiro a gente. Não existe lugar para todos. Há mais bilhetes vendidos do que lugares. É "tudo ao molho e fé em Deus". Mais de uma hora de viagem pela frente nestas condições. Eu, pelo menos, estou sentada. Ouço  um murmúrio de duas jovens americanas que se questionam como é possível venderem mais bilhetes se não existem condições. Um olhar rápido em volta percebo a presença das pessoas non grata do actual governo italiano. Mulheres grávidas a pedir. Uma jovem com um bebé ao colo e outra pela mão que não devem ver água do banho há muito tempo. A criança pela mão parece uma pena, caminha à velocidade da mãe e mal pousa os pés no chão. Parece voar. Os meus olhos prendem-se nos dela. Apetece-me dar-lhe tudo o que tenho mas sinto-me tão incapaz e impotente. O que ajudá-la hoje mudará na vida dela? E depois lembro-me do actual governo italiano composto por gente da extrema direita, racista e nacionalista. A última do Ministro do Interior, depois de proibir um barco cheio de refugiados de atracar num porto italiano, foi querer expulsar albaneses, romenos e tunisinos. Este já é o Trump europeu. Mas o mais escandaloso é que é aplaudido pelos italianos a qualquer lado que vá. Lembro-me que do outro lado do oceano Atlântico está um presidente eleito democraticamente que separa pais e crianças que tentam a sua sorte ao atravessar ilegalmente a fronteira dos  Estados Unidos. Eu que não tinha televisão até há uma semana atrás e não via notícias que não fosse em jornais ou o que ouvia falar. Comecei a ver as imagens e a ouvir os lamentos das crianças em gaiolas. E não consegui. Não consigo ver aquilo. Isto passa-se no séc XXI. No país que foi um dia a terra das oportunidades, que acolheu refugiados e alguns dos quais se tornaram grandes nomes americanos. O que representava ser americano está a morrer. Não percebo como é possível acontecer esta monstruosidade em pleno ano de 2018. A maldade do ser humano não tem limites.

Verona é a próxima mudança de comboio. Como uma focaccia alta e bebo uma Don Pellegrino. O comboio, apesar de regional, não vai cheio, a temperatura é baixa e a limpeza faz-me pensar que entrei noutro país. A paisagem muda. Os vales e planícies dão lugar às montanhas. As casas fazem lembrar-me a Áustria e a Suiça. Lembro-me que estou a caminho do Tirol. Os Alpes do Marco. Próxima e última paragem: Trento. O calor é abrasador. Tarde nublada. Humidade quase insuportável. A pele brilha. No parque junto à estação, pelo qual passo a caminho de uma das faculdades, tem a estátua de Dante. O tamanho do parque mostra o quão pequena é a cidade. Não parece que estou em Itália. Os carros param nas passadeiras. As tuas estão limpas. As pessoas falam baixo. Até fenotipicamente são diferentes. Começo a ver sandálias com meias. O outfit diz (quase) tudo. Paro numa gelataria. Depois de uma bola de gelado de limão e outra de pistachio faz-me achar que foi uma das melhores gelatarias onde estive. A cidade está rodeada de montanhas e sinto-me como num caldeirão. A sensação é que não há para onde fugir. Antes da hora combinada chego ao destino. Espero, como sempre. Não me importo porque tenho um livro. Uma hora depois estamos a caminho do que deve ser uma das praças mas famosas da cidade, em frente ao Duomo. Na uma hora e meia seguinte beberemos 2 copos de vinho branco e 2 aperol spritz. Quero provar a famosa bebida Hugo mas não servem. O que me trouxe aqui vale bem esta hora e meia e as dez horas de viagem. E tudo o que eu queria, consegui. Há melhor sensação? A caminho do hotel ainda me sento noutra esplanada a beber outro aperol spritz. Decido apanhar um táxi. Fico num bom hotel da cidade porque depois de cinco horas de viagem acho que mereço. São 8 da noite e o quarto está frio. Tudo o que queria. Bebo água e deito-me. Adormeço, não antes de pedir que me acordem às 7. Acordarei por volta da meia-noite e voltarei a adormecer. Tomarei o pequeno-almoço, o mesmo de sempre. E reclamarei, como sempre, desta nova moda de leite em pó. Que saudades das antigas cafeteiras de leite e café. Às 8 um táxi espera-me. Cinco minutos depois estarei na estação. Vinte e sete minutos depois apanharei o comboio que me levará a Verona. Aí mudarei para outro para Milão, onde farei uma mudança para Génova. Viagem sem percalços. Estarei em Génova antes das duas da tarde. O taxista, simpático, coisa rara em Génova, dir-me-á que devo ser muito inteligente quando lhe digo o meu destino: Instituto Italiano de Tecnologia. Ainda chegarei a tempo de almoçar na cantina. E 30 minutos depois estarei a tirar fotos no "meu" microscópio. Apesar de muitas imagens de merda, não perco o entusiasmo. Será este mar e esta temperatura que me fazem ser optimista?







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