Rodes, que não conheci muito bem porque estive 5 dias
fechada numa conferência, é a ilha grega mais oriental. A primeira impressão é
de uma ilha que parou no tempo. Parece o Algarve nos anos 80. Os táxis não têm
taxímetro. Todos os locais falam várias línguas. As infraestruturas não são
muitas. O turismo é a principal fonte de rendimento. A parte da ilha onde
fiquei era extremamente ventosa. A praia não tem areia mas pedras grandes,
redondas e lisas. A temperatura do mar Egeu ronda os 20 graus no fim de Maio.
E o sol é potentíssimo. Os turistas variam entre holandeses, franceses e uma
mescla de nacionalidades de leste que não se chega a perceber exactamente o
país. A cor do mar é a do Mediterrâneo e das águas quentes. Uma mistura entre
um verde esmeralda e um azul transparente.
Fui à Acrópole de Rodes. Eu que nunca vi ruínas gregas,
pessoalmente, o único desejo que tinha era esse: visitar as ruínas gregas. E
talvez, como em Roma, nunca em lugar nenhum do mundo senti o peso da
civilização. Deixaram-nos no que parecia ser um descampado abandonado. Era fim de Maio mas a cor da vegetação parecia do pico do
verão. Parecia um deserto. Um descampado deixado à sua sorte. As ruínas gregas
eram as únicas coisas que queria ver em Rodes. Não a cidade velha. Nem a cidade
Medieval. Nem o lugar onde supostamente um dia existira o Colosso de Rodes, a
gigantesca estátua de Apolo, nas portas da cidade, junto ao mar. Mas o que
restou da Grécia Antiga. Chega-se perto das ruínas, ao que parece ser
semelhante ao que se vê na internet: duas enormes colunas. No entanto, aquilo
que avisto são duas colunas tapadas por andaimes. Isto é o que
resta do suposto Templo de Apolo. O
resto é pó, pedras, abandono, plantas forasteiras e tempo, muito tempo.
Descobre-se o caminho seguindo os turistas acompanhados por um guia. Descemos
caminhos selvagens apenas marcados pela passagem de poucos turistas. Algumas
coisas estão bem conservadas. Sento-me no cimo e olho o mar. A imagem que se
tem do mar numa ilha é sempre diferente. O mar Egeu, visto daqui, azul cobalto.
Como os olhos, este mar muda de cor. Entre o verde esmeralda, o azul céu e o
mais escuro do azuis a parecer o Atlântico. Debaixo de um
sol da tarde que parece queimar tudo. Nenhuma sombra. Tudo agreste. Selvagem.
Nú. Subo e desço escadas. Sinto as pedras. Sento-me no meio delas, no que resta
das ruínas. No desleixo que permite que eu, turista, esteja ali sem pagar pelo
tempo que me apetecer.
Depois, chega-se a um muito bem cuidado
teatro ao ar livre. Odeon. Um teatro de mármore para uns 800 espectadores. Os turistas contam-se pelos dedos mas de cima lembro-me
da passagem de Sophia pela Grécia, que no seu diário escreveu sobre a visita ao Teatro de Epidauro e quis ouvir o eco
da própria voz. E onde ela recitou os
primeiros versos da Ilíada de Homero:
“Forma perfeita e funcional: a acústica é inacreditável. Dos degraus de cima
oiço nitidamente as vozes de baixo. É uma acústica que não só “transporta” as
palavras mas que as recorta, as distingue, sílaba por sílaba, som por som.
Despois desço (...) Fico por um instante quasi sozinha no centro da orquestra e
digo: “Menin aeide, Thea, Peleiadeo Aquileos”. Então oiço duas vezes a minha voz,
uma voz ao pé de mim e outra no ar subindo todos os degraus de ar, nítida,
livre, clara, recortada.” Eu abraçada ao livro de Sophia “O nu na antiguidade
clássica/ Antologia de poemas sobre a Grécia e Roma”. Quando o meu pensamento é interrompido por uma
voz que pede em inglês a alguém que está no centro do teatro que diga qualquer coisa. E eu ali na Grécia, em Rodes, numa tarde do último dia de
Maio, ouço em unísseno a voz de quem está no centro do teatro e a voz de
quem está no cimo a dizerem uma passagem do coro de Henrique V de Shakespeare:
“O for a
Muse of fire, that would ascend
The
brightest heaven of invention,
A
kingdom for a stage, princes to act
And
monarchs to behold the swelling scene!”
E depois ainda se vê o estádio, onde os locais correm ao
fim da tarde. E eu caminho por entre as bancadas, e sento-me de novo, apenas a
olhar. Estas pedras onde estou sentada, estas pedras da antiguidade, misturadas
com os turistas e com os locais que correm. Aquelas ruínas ficam impregnadas com
aquilo que aconteceu, acontece e acontecerá ali. E, contrariamente ao que
devia, ainda trouxe umas pedrinhas. Ou não tão “inhas" assim. Desta vez, o
excesso de peso não foram os livros mas pedras. Passaram despercebidas na
segurança em Rodes. Mas, por falta de cuidado meu, em vez de colocar as pedras
na mala de porão, coloquei-as na mala de mão, tal o valor simbólico delas.
Afinal foram apanhadas nas ruínas em Rodes. Em Roma, ao passar novamente na
segurança, a minha mala foi inspeccionada. Abrem o saco com as pedras e
perguntam-me para que servem. E eu respondo que não servem para nada que são
apenas uma recordação de Rodes. Não houve argumento possível. As pedras do
tamanho da palma de uma mão, talvez com milhares de anos antes de Cristo, que a
tudo sobreviveram, acabaram entre risos de troça e um barulho ensurdecedor, num
caixote do lixo (de plástico) no aeroporto Leonardo Da Vinci em Roma. A ironia.
As pedras da Grécia Antiga, acabaram na Roma Antiga. Mas talvez com pena da
minha cara que era só desânimo deixaram-me trazer o resto das pedrinhas
inofensivas para se juntarem a tantas outras numa das mesas lá de casa.
Templo de Apolo (copyright:Wikipedia) |
Teatro Odeon (copyright:Wikipedia) |
Estádio (copyright:Wikipedia) |