Hoje que “a Sandy” está a provocar estragos na costa leste
dos EUA revivo uma das mais assustadoras experiências da minha vida. Ao
contrário do que os meus amigos em NYC fizeram hoje, e bem, ao cumprir as
instruções dadas pelas autoridades, naquela altura, eu menosprezei a grandeza “da coisa”.
Em Setembro de 2008,
depois de ter estado em Portugal a tratar-me de um problema de estômago, voltei
para Houston para terminar as minhas experiências. Passados alguns dias o Ike
surgiria. Lembro-me que na altura as autoridades foram bastante convincentes a
antecipar os estragos que o Ike faria. Eu nunca acreditei, achei sempre que era
o exagero americano. Em Rice University
seria um dos locais de Houston que não faltaria água nem luz. Foram preparados
nos diferentes edifícios autênticos abrigos para milhares de estudantes. Quem
quisesse poderia levar o seu colchão e/ou saco-cama e mantimentos seriam
fornecidos. Lembro-me perfeitamente de ver supermercados com prateleiras vazias
e filas intermináveis de pessoas a comprar mantimentos. O meu orientador na
altura mandou os filhos e a mulher para um local seguro fora do Texas. E eu
continuei a achar que o exagero cinematográfico americano continuava. Os meus
amigos e colegas convidaram-me para ir para suas casas. E eu recusei sempre,
amavelmente.
No dia da chegada do Ike com o aproximar da hora, avistavam-se
cada vez menos pessoas. O dia amanheceu lindo, como quase sempre em Houston.
Calor abafado, como quase sempre. Mas com o passar das horas começou a ficar
nublado e a escurecer. As autoridades avisavam que as pessoas deviam
recolher-se em lugares seguros à tarde. Essa foi a única instrução que cumpri.
Fui de manhã para a universidade e no final de almoço regressei a casa munida,
podem não acredita, de um autêntico laboratório ambulante. Tinha um
procedimento de desidratação histológico que não podia abandonar... Montei o
meu arsenal na casa de banho, coloquei
uma mesa com o tampo a fazer de parede na minha secretária (seria debaixo
dela que passaria a noite)... De repente, não mais do que de repente, do dia
fez-se noite. Quando a noite chegou parecia que não passaria de vento e alguma
chuva e eu continuava no meu quarto de tv ligada e internet. Tinha falado com
os meus pais, com os meus amigos que tudo não passava de um exagero mas estava
muito optimista e comportar-me demasiado como uma pessoa inconsequente para o
gosto deles. Às 10 da noite o terror começou. Quando o vento começou a piorar a
luz foi-se imediatamente, e o barulho começou a tornar-se medonho. A chuva era
tanta que eu já não conseguia distinguir a chuva do vento. A coragem foi-se
imediatamente à vida. Coloquei o meu capacete de andar de bicicleta e fui
imediatamente para debaixo da secretária. Achei que aquilo demorasse tipo uma
hora, no máximo duas.... Mas o terror não passava. E eu só pensava: “Que
tristeza morrer em posição fetal debaixo de uma secretária, ridícula com um
capacete, e sozinha”. Ainda tive coragem de me levantar e espreitar à janela e
ver, que apesar de não haver luz, e o céu estar escuro como breu, o vento tinha
cor. Nunca consegui explicar isto e nunca vi nada assim na vida. Bem á
mariquinhas, regressei a correr ao meu bunker.
Havia luz no laboratório e em toda a universidade. Tudo
estava fechado. Tinha dinheiro no bolso mas não servia para comprar nada. A
universidade durante esses dias dava água e comida a todos os alunos. Durante
vários dias estava em filas para almoçar/jantar e receber garrafas de água. O
espírito de solidariedade que senti nestes dias são inesquecíveis. Durante dias
dormi no meu gabinete porque não havia recolher obrigatório às 8 da noite,
depois passou a ser às 10. A verdade, é que o bairro onde eu morava (a 5 mns da
universidade) e onde o meu orientador também morava, ficou sem luz durante 3
semanas. A minha rotina diária era dormir no chão ou na cadeira no meu
gabinete, levantar-me às 6 da manhã, ia a
casa dormia uma ou duas horas na minha cama, tomava um banho de água fria e
regressava à universidade. Após alguns dias, ligaram-me do Hilton onde tinha
uma reserva e colocaram-me num hotel a uns 20 mins de táxi. Nesse dia fui para
o hotel às 5 da tarde, tomei um banho de água quente, dormi numa cama, acordei
e pedi o jantar no quarto, dormi, acordei e tomei o pequeno-almoço. A
brincadeira ficou por 400 dólares... mas nunca achei que tanto dinheiro fosse
tão bem empregue!!!
Alguns dias mais a dormir no lab estavam a deixar-me
saturada e aceitei ir para casa de uma colega e amiga que já tinha luz. Passei
uma semana na casa dela e nunca lhe consegui agradecer o quão importante isso
foi. Como é que eu posso não ter gostado de Houston, da universidade, das
pessoas e dos texanos? O que não nos mata, enriquece-nos.
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