quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Um eléctrico chamado desejo" - Tennessee Williams


Em 2010 vi "Um eléctrico chamado desejo" no Teatro Nacional Dona Maria II encenado pelo Diogo Infante com Alexandra Lencastre, Albano Jerónimo, Lúcia Moniz, Pedro Laginha e Paula Mora nos papéis principais. Depois de um dia de trabalho no já nem lembrado "Portugal Tecnológico", um dos exemplos do despesismo do governo Sócrates, rumei de um hotel no Parque das Nações ao Rossio de táxi. Esta peça marcava o regresso da Alexandra Lencastre ao teatro, quando era "mais " conhecida pelos seus papéis na tv. Foi a primeira vez que a vi no teatro. Foi uma noite mágica. Na altura não tive a certeza se isso se deveu à qualidade dos actores, à qualidade da encenação ou à qualidade da tradução. Hoje, 2 anos depois, e depois de ter assistido à mesma peça em NYC, posso afirmar e ter a certeza que as representações da  Alexandra Lencastre no papel de Blanche Dubois e do Albano Jerónimo no papel de Stanley Kowalski foram memoráveis.

Esta obra prima da dramaturgia do séc XX consagrou Tennessee Williams como um dos maiores escritores americanos. Aqui retrata-se o confronto entre os valores tradicionais do sul da América e o materialismo agressivo da América moderna. 

Blanche Dubois, uma frágil e solitária sulista, decide visitar a sua irmã Stella que vive nos bairro pobre de New Orleans. A célebre frase de Dubois "Eu não quero realismo, eu quero magia"reflecte a história de uma mulher literalmente atormentada pelo passado e a viver num mundo de fantasia que só existe na cabeça dela. Fisicamente, apesar de nunca admitir, é visível o passar do tempo "Apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso!". Quando questiona  a irmã sobre o seu aspecto e tendo ela respondido que estava óptima: " Uma mentira piedosa! Nunca a luz do dia mostrou uma ruína tão completa"(...) "Detesto lâmpadas sem quebra-luz". É uma mulher extremamente frágil, com um medo terrível da solidão: " As pessoas frágeis têm de brilhar. Têm de usar cores suaves, cores de asas de borboletas, abafar a luz com uma lanterna de papel... Não chega ser suave. tem que ser suave e atraente. E eu já estou a murchar! Não sei por quanto tempo consigo manter a ilusão!" (...) e que tem o álcool como grande companheiro: "Vá, não te preocupes, a tua irmã não se tornou numa alcoólica, está apenas abalada, cheia de calor, abalada e suja". E está sempre a ouvir piadas do cunhado Stanley: "O whisky desaparece com o calor. Há pessoas que quase não tocam no whisky, mas o whisky toca-as a elas." 

Com o desenrolar da história percebe-se que teve um grande desgosto de amor e que o amava insuportavelmente quando descobriu que o seu marido estava na cama com um homem mais velho. Depois disso fingiram que nada se tinha passado. Um dia, muito bêbados e a dançar a Varsoviana, ela disse-lhe saber de tudo e que tinha visto. O marido parou de dançar e saiu e após isso ouviu-se um tiro... Após essa tragédia: "a luz do mundo apagou-se outra vez e nunca, desde então, por um só momento, houve luz mais intensa do que esta... vela de cozinha...". O Stanley  (marido de Stella) é nas palavra se Blanche :" Um animal, comporta-se como um animal, tem comportamentos de animal, come como um animal, mexe-se como um animal, fala como um animal... é um sobrevivente da idade da Pedra... e talvez te bata e grunha... Stanley é o arauto da tragédia, é ele que vai desmascarar Blanche: "Devias saber o que ela tem contado ao Mitch...ele pensava que ela nunca tinha ido além dos beijos com nenhum homem...é tão famosa como o Presidente dos Estados Unidos, com a diferença de não ser respeitada por ninguém!”. A decadência, solidão e loucura de Blanche vai-se percebendo até se tornar catártica. E termina com a frase: “Eu sempre dependi da bondade de estranhos”.


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