Nove de Junho. Acordamos às quinze para as oito. Tomamos o
meu pequeno-almoço preferido desde que estou em Ponta Delgada: bolo lêvedo
torrado com queijo e meia de leite clara. Às oito e meia saímos de casa rumo à
marina, ansiosa, receosa, medrosa e todos os adjectivos possíveis de quem tem
medo e respeito pelo mar. A promessa era de ver vários tipos de baleias, aves e
golfinhos. A garantia é que se não avistássemos nem baleias nem golfinhos faríamos outra viagem for free. Eu
que nunca fui de natureza, nem de animais, nem de plantas, nem de flores ia com
a ténue esperança de ver pelo menos uma ponta de rabo de cachalote. Não sei qual o
motivo mas esta viagem mar adentro fazia-me lembrar em tudo Moby Dick e a Ode
Marítima. O Juan Pe, no dia anterior com as suas fotos maravilhosas,
havia-me maravilhado com as imagens impressionantes daquela cauda vertical da
baleia a mergulhar. Uma parte de mim estava cheia de curiosidade, de ver essa imagem, outra parte de mim era só temor. Desde que li há anos a descrição
da Adriana Calcanhotto no seu Saga Lusa
que ao mesmo tempo que a invejava, outra repelia-a. Eis a descrição dela,
quando o capitão do bote saía para o mar: “Não, não temos a certeza se
estaremos de volta às três, nem se há baleias e nem mesmo se voltaremos, se é
que algum viajante retorna, isto aqui é o mar, ó pá, não temos a certeza de
nada.” Perante esta descrição, como poderia ir eu qualquer coisa que se
assemelhasse a terror. Ainda para mais enjoo com tudo. Umas simples meia dúzia
de curvas fazem-me vomita. Eu enjoo a conduzir, coisa rara entre os
humanos... Equipámo-nos a rigor. Parka e calças impermeáveis e colete. O barco
era um semi-rígido com doze pessoas, o capitão e o guia que era biólogo. Com a
atrapalhação do momento nem me lembrei se o Juan Pe havia dito que o melhor
para mim era ir na parte da frente ou na parte de trás do barco. Como fomos as
últimas a entrar, sobrou-nos dois lugares no meio. Quando o barco arrancou
oceano dentro, a toda a velocidade, pensei para mim: “vai ser agora que vou
morrer”. Fechei os olhos e a brisa marítima a bater-me na cara, entreguei-me.
Convenci-me que se morresse morria como as árvores, de pé e com estilo. Nada de
os outros notarem que estava aterrorizada. O barco seguiu no imenso oceano,
para mim, sem fim, e aquele azul escuro tão bonito, de tirar a respiração. Um
azul escuro tão incrível, tão imenso, tão brilhante que nunca irei esquecer. E
nunca estive tanto em alto mar. Estamos atrás de baleias que são previamente
avistadas por um vigia estrategicamente colocado em terra. Depois de meia hora
a ir oceano dentro, avistamos duas baleias: baleia comum (fin whale). Grandes,
enormes, a segunda maior espécie do mundo! Que emoção. Eu que nunca me comovi
com estas coisas. Não sabia se fotografava, se olhava, se filmava...A maresia
na cara, o vento, aquela imagem clara na água, submersa e muito azul. Ou o
cinzento. Estiveram muito tempo a menos de um metro de nós. Avistamos estas
primeiras duas baleias. Nada é certo, tivemos sorte. O mar, tal como a vida,
não se tem certeza nenhuma. Depois de mais de uma hora, partimos à procura do
cachalote. A água bate-nos na cara e já não distingo se é água, baba ou ranho
porque ardem-se os olhos do sal. Depois de outros tantos minutos em direcção ao
tão esperado cachalote, eis que são dois. São os mais difíceis de avistar
porque só os conseguimos ver quando mergulham e isso só fazem uma vez durante o
tempo da viagem. A esperança é que pelo menos um deles não tivesse mergulhado.
E, ó sorte das sortes, passados alguns minutos, essa imagem acontece, avistamos
a cauda do cachalote magnificamente vertical. Terão que acreditar na minha
descrição porque não existem provas. Aqui estou eu, mais treze pessoas, rodeadas
de mar sem fim e eu não sei se chore ou ria de alegria. Regressamos a terra, o
mar repicado, nas palavras do capitão, continua a bater-me na cara, sem dar
tréguas. A temperatura do mar, segundo o capitão não ultrapassa os dezoito
graus. Eu teimo que tem de certeza mais de vinte e dois, mais quente que todas
as águas do mar que conheço. Pode ser da emoção, confesso. Mas esta água para
mim é quente e de um azul magnífico. Voltamos, sem antes avistar, seis
golfinhos que saltam felizes à nossa volta. Para uma reticente como eu como
não ter amado esta experiência? Em alto mar relativizamos tudo. A viagem acaba,
segura, inteira e para sempre ser recordada.
P.S. As fotos são do meu mais novo amigo Juan Pe, que para além de ser biólogo e perceber de todo o tipo de animais e plantas, é um excelente fotógrafo. É também guia dos semi-rígidos que fazem estas visitas ao largo de Ponta Delgada.
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