Começo com um título, parafraseando uma grande artista
brasileira que nos seus espectáculos usa sempre um respeitoso: “Boa noite,
senhores”. Pois bem, nos últimos tempos, amigos, mais amigos, menos amigos,
conhecidos, gente que gosta muito de mim, do contra que gosta menos, que me apoia,
que discorda muito, perguntam-me: “E a Venezuela?”. Toda a gente que me conhece
(muito bem) sabe que quando eu deixo de falar de uma coisa repetidamente,
sistematicante, até que os outros se cansem muito, eu perdi a esperança. Revelo
o pior de mim, desisto. A Venezuela é um dos casos. Tenho dois grandes amigos
venezuelanos com quem aprendi muito e com quem aprendi, de uma forma
privilegiada, a realidade venezuelana. Isso foi sempre o que me ligou à
Venezuela, a amizade. De outra forma, seria (apenas) mais um país da América
Latina. Um país que não tem nada de muito mais importante a dar ao mundo, a não
ser o “ouro negro”. E até esse, que nos últimos tempos perdeu o valor que lhe
davam, reduziu muitos à sua insignificância. Ao contrário, por ex. do Brasil, a
Venezuela não tem uma elite cultural (sequer) parecida. Não foi o berço de
nenhum tipo de música. Não é o maior país onde se fala castelhano, ao contrário
do Brasil que é o maior país onde se fala português. Não é um país de
escritores, nem de arquitectos, nem de artistas. A sua culinária não é
conhecida mundialmente. E até no mau não tem comparação. Não tem Carnaval, nem
a mulata, nem as famosas favelas, nem os mais procurados bandidos, nem os mais
milionários, nem os mais corruptos. No entanto, tem de igual modo, belíssimas
praias, a floresta amazónica e grandes rios. E muito menos gente. Tem o mesmo
subdesenvolvimento dos países de terceiro mundo. Os muito ricos e os muito
pobres. Mulheres muito arranjadas que cuidam do cabelo e pintam as unhas. Mas
que vivem numa favela e têm mais do que três filhos, preferencialmente de
homens casados, a quem o pai não é obrigado a dar o nome.
A Venezuela foi governada durante anos pela direita que não
fez muito a não ser enriquecer (mais) a si mesma. A esquerda, a grande
esperança dos desgraçados, dos miseráveis dos pobres, daqueles que não tinham
nada, além de não os ensinar a pescar ainda lhes deu pouco peixe. A
Venezuela, ao contrário do Brasil, não
elevou os pobres a uma classe média ambicionada há muito, não levou os seus
filhos para estudar nas universidades públicas a partir do seu mérito, não se
desenvolveu, não criou riqueza. Os venezuelanos, ao contrário dos brasileiros,
não passaram a viajar em massa para o exterior nem passaram a viver melhor do
que viviam.
Não vou comparar Chavez a Lula porque um já morreu e não
morro de amores pelo outro. Mas a verdade é que não se pode comparar a afronta
de Chavez em relação aos ricos com o que se passou no Brasil. Nunca vi no
Brasil os discursos de esquerda inflamados como os que vi na Venezuela. A
Venezuela não foi projectada para o mundo, ao contrário do Brasil. O que eu
achei que nunca aconteceria na América Latina, temo que aconteça na Venezuela,
uma guerra civil.
Na semana passada o The
New York Times publicou uma reportagem sobre as condições indescritíveis dos
hospitais venezuelanos. Quando vi aquelas fotos e aqueles textos achei que
tinham sido cuidadosamente seleccionados pelos media americanos ( que muitos dos meus amigos acusam da sua tendencial
preferência pela burguesia e capitalismo). Não, não é mentira nem é exagero.
Aquilo está mesmo assim. Não há medicamentos básicos, os medicamentos para
tratar neoplasias há muito desapareceram e só se traficam no mercado negro. Não
há quase nada importado. As pessoas estão nas filas para tudo. Não há segurança
(embora isso nunca houvesse muito). Pessoas presas sem razão. Presos políticos.
As instituições não funcionam. Tudo se compra e se vende. Não existe
Democracia. Maduro comporta-se como um coronel nas antigas fazendas no tempo da
escravatura.
Muitos pensavam que a morte de Chavez acabaria com a
ditadura boliveriana. Chavez não parecia jogar
com o baralho todo. Mas Maduro conseguiu o impossível: mostrar que o buraco
pode sempre ser mais fundo. Enquanto a Venezuela se vai destruindo e
limitando-se apenas aos pobres e miseráveis (porque os ricos já saíram quase
todos), os restantes poderes de esquerda
dos países da América do Sul ou assobiam
para o lado ou (fingem) acreditar que os EUA estão a apoiar um golpe.
Onde está a elite Venezuelana e a oposição? Onde está o
mundo que não denuncia e não se importa com a Venezuela?
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