No final do concerto, a sair do Parco della Musica vejo-as mesmo à minha frente. São da mesma altura. De costas são parecidas. Altas, magras, muito bronzeadas, cabelos curtos. Os braços das duas cruzam-se no fundo das costas. Caminham elegantemente mas em passo apressado. Uma tem cabelo curto, calças largas de linho, uma t-shirt sem mangas colada ao corpo e umas havaianas. A outra tem cabelo rapado à Sinead O’Connor, um vestido preto comprido e é a mais nova das duas. Dez anos devem separá-las. Uma deve passar dos 50 e a outro deve estar a chegar aos 40. Devem estar no início da relação. O entusiasmo do começo. O desejo dos principiantes. A sede da descoberta. Têm a cara e o sorriso de quem começa de novo. Sente-se a admiração mútua. Vê-se ali inteligência. Arrisco-me a adivinhar o que as aproxima e o que lhes interessa. A mais velha não exibe a mais nova como um troféu que acaba de ganhar. Nem displicência. A mais nova não venera a mais velha nem a idolatra. Tratam-se de forma igual. Riem e inclinam levemente a cabeça para trás e desfazem o abraço. Dão as mãos. Continuam no ritmo apressado. São italianas, ouço-as. Abrandam o passo e beijam-se. Retomam o passo apressado e perco-as no meio da multidão.
terça-feira, 31 de julho de 2018
segunda-feira, 30 de julho de 2018
Caetano em Roma
Na verdade eu fui a Roma para ver Caetano. Disseram-me
que não tenho independência para julgar livremente a qualidade dos concertos de
Caetano porque para mim ele é um Deus. Não desminto. Provavelmente ele até poderia
só gritar, como vi um dia Yoko Ono fazer em NY e que alguns acharam aquilo
arte, e eu acharia magnífico. Mas quando leio de algumas pessoas que considero que
Caetano é um milagre e que sempre se surpreendem a cada concerto, não me parece
que seja apenas “endeusamento”. E devo a Caetano muito do que aprendi sobre os
mais variados assuntos. Todos os concertos que vi de Caetano foram no Coliseu
de Lisboa. Todos eles foram especiais. Com banda, sem banda, sozinho ou em
dueto. A relação com o público foi sempre cúmplice. Mas em Roma foi mesmo
especial.
Antes do concerto leio que morreu Hélio Eichbauer, o
cenógrafo responsável por muitos dos cenários de Caetano, incluíndo este. Para
além deste facto, Moreno foi enteado de Hélio, com quem Dedé Gadelha (mãe de
Moreno) fora casada durante 30 anos. Moreno, depois de Caetano falar da perda
de Hélio, com a voz embargada acrescentou: "Dedicamos este show a ele". Ninguém á
minha volta era brasileiro ou português mas conheciam profundamente o trabalho
de Caetano. Durante o concerto muitos deles balançaram o pé, bateram muitas
palmas, acompanharam o ritmo, tentavam acompanhar as canções. Percebi que
Caetano não é um desconhecido em Roma. E gentilíssimo dirigiu-se sempre ao público em italiano. Não quis ouvir “Ofertório” para
tudo ser surpresa. Passavam 9 minutos da
hora marcada e Caetano, juntamente com os (seus) meninos, entrou no palco.
“Todo o homem” foi para mim a grande surpresa e a música da noite. Zeca
Veloso, que Caetano disse que nunca quisera fazer musica, escreveu esta canção
tão comovente com voz em falsete, cujo verso "todo o homem
precisa de uma mãe” ficou no ouvido. A palavra que resume este concerto é intimidade. Os quatro
não parecem estar em frente a uma plateia de milhares de pessoas mas em casa a
cantar para uns amigos. Outra das surpresas é uma espécie de rap/funk, no qual
todos participam com o piano, com a voz fazendo a batida, a contagem crescente até
12 de Caetano e a dança de pés descalços de Tom. A música que dá o nome ao
concerto foi escrita para Dona Canô como se fosse ela a narradora. Na
introduçao a esta música, Caetano explica que não é religioso mas que todos os
seus filhos são. Os dois mais novos sao cristãos e Moreno é um curioso pelas
religioes orientais e afro-brasileiras. Moreno acrescenta:“sou macumbeiro”. A
outra que me ficou na memória foi a filosófica da autoria de Moreno “How beautiful could a being be"
onde mostrou como sambar bem com ginga e rebolado e levou também Caetano para a
frente do palco para uma dança ensaiada. Vozes e instrumentos numa sintonia
perfeita. Não faltaram as mais conhecidas "Força estranha”, “Reconvexo” e“Leãozinho”.
No primeiro encore, já com o público da plateia todo em pé e encostado ao
palco, cantaram a minha preferida “Deusa do amor”. Voltariam mais duas vezes,
mesmo depois das luzes acesas e terminaram com “A luz de Tieta”.
Caetano, nesta noite tropical, no anfiteatro ao ar livre
de Renzo Piano que não chegou a encher, rodeado das pedras aquecidas pelo sol
de Roma entrou em fusão com o público. A noite em que Caetano foi “a chuva que
lançou a areia do Saara sobre os automóveis de Roma”.
Aprendi que ninguém no seu perfeito juízo deve esperar o
verão para ir a Roma. Mas depois de aqui estar como dizer que não a uma
cidade que chama por nós?
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terça-feira, 17 de julho de 2018
Bagni Santa Chiara
Domingo, 15 de Junho 2018
Ontem à noite dizia a um amigo que estes 4 meses em Itália tem sido muito bons. Ao contrário do que muitos temiam, voltar (só) a trabalhar no laboratório revelou-se ser o meu mundo. Apesar das muitas horas de trabalho, dos muitos stresses, de muitas noites de pouco sono e mal dormidas, dos fins de semana a trabalhar, das horas tardias já noite cerrada que saio do lab, das poucas horas em casa, das inexistentes palmadas nas costas, das crescentes contas de táxi, da pouca frequência das praias de Génova, tenho-me sentido muito bem. Gosto de quase tudo. Hoje, pela primeira vez, vim à praia. Quer dizer, se isto se pode chamar de praia. Tem mar mas não tem areia nem sequer pequenas pedras. Apenas não mais do que 100 m de cimento dividido por duas zonas onde se pode estender uma toalha por 5 euros, numa descida. Ou uma zona com esteiras (sem chapéu de sol) onde se paga 15 euros. Nem o taxista conhecia a praia. Deixou-me no cabo de Santa Chiara. Depois foi confiar nas indicações do Google Maps. Primeiro passei pela praia do cabo de Santa Chiara. Cheia mas agradável e com muitas esplanadas. Comecei uma subida íngreme. O Google maps começa a dar-me a indicação de virar às direita mas achei o caminho estreito demais e resolvi virar mais à frente com a ténue esperança que as várias praias fossem ligadas. Comecei a descer e à medida que me ia aproximando da praia mais o barulho aumentava. Vou dar a uma pseudo praia que era a visão do inferno. Muita gente. Muita confusão. Espaço nenhum. Tudo mau. Volto para trás. Subir as escadas íngremes. Volto ao mesmo sítio. Digo mal da minha vida. Penso em desistir e voltar para casa. É nestas alturas que acho que parar de fumar não melhorou em nada a minha resistência física. Tenho quase 40 anos, mas quem me vê neste estado de hiperventilação, não dá nada pelos meus pulmões. Páro para recuperar algum fôlego. Já no topo do caminho cruzo-me com uma simpática senhora de nome Paola. Fala-me em todas as línguas menos inglês. Mesmo assim conseguimos comunicar. É uma daquelas italianas que não se consegue adivinhar a idade, disfarçada por algumas cirurgias plásticas. Como todas as italianas deste género é magra e tem uma cor à la Valentino, de quem apanha sol desde Abril. Acompanha-me até ao bar por cima do mar e diz-me que é a única praia a que ainda se pode vir. Este é um dos segredos mais bem guardados de Genova. É uma praia que não chega a ser. A “praia” não são mais do que 50 m. Existe uma descida de cimento que alugam por 5 euros onde se pode estender toalhas e uma zona plana de cimento com camas sem chapéu de sol por 15 euros. As pessoas estão ali a fritar o dia todo. No bar vejo o que os italianos têm de pior. São exactamente iguais aos portugueses nisto. A mesma “esperteza saloia”. Uma família de 3 gerações ocupa todas as camas que há como se o bar fosse todo deles. Mais ninguém as pode usar. Dizem que hoje é o dia mais quente do ano. Provável. Senti-o de noite. Pela primeira vez dormi de janela aberta.
Ontem à noite dizia a um amigo que estes 4 meses em Itália tem sido muito bons. Ao contrário do que muitos temiam, voltar (só) a trabalhar no laboratório revelou-se ser o meu mundo. Apesar das muitas horas de trabalho, dos muitos stresses, de muitas noites de pouco sono e mal dormidas, dos fins de semana a trabalhar, das horas tardias já noite cerrada que saio do lab, das poucas horas em casa, das inexistentes palmadas nas costas, das crescentes contas de táxi, da pouca frequência das praias de Génova, tenho-me sentido muito bem. Gosto de quase tudo. Hoje, pela primeira vez, vim à praia. Quer dizer, se isto se pode chamar de praia. Tem mar mas não tem areia nem sequer pequenas pedras. Apenas não mais do que 100 m de cimento dividido por duas zonas onde se pode estender uma toalha por 5 euros, numa descida. Ou uma zona com esteiras (sem chapéu de sol) onde se paga 15 euros. Nem o taxista conhecia a praia. Deixou-me no cabo de Santa Chiara. Depois foi confiar nas indicações do Google Maps. Primeiro passei pela praia do cabo de Santa Chiara. Cheia mas agradável e com muitas esplanadas. Comecei uma subida íngreme. O Google maps começa a dar-me a indicação de virar às direita mas achei o caminho estreito demais e resolvi virar mais à frente com a ténue esperança que as várias praias fossem ligadas. Comecei a descer e à medida que me ia aproximando da praia mais o barulho aumentava. Vou dar a uma pseudo praia que era a visão do inferno. Muita gente. Muita confusão. Espaço nenhum. Tudo mau. Volto para trás. Subir as escadas íngremes. Volto ao mesmo sítio. Digo mal da minha vida. Penso em desistir e voltar para casa. É nestas alturas que acho que parar de fumar não melhorou em nada a minha resistência física. Tenho quase 40 anos, mas quem me vê neste estado de hiperventilação, não dá nada pelos meus pulmões. Páro para recuperar algum fôlego. Já no topo do caminho cruzo-me com uma simpática senhora de nome Paola. Fala-me em todas as línguas menos inglês. Mesmo assim conseguimos comunicar. É uma daquelas italianas que não se consegue adivinhar a idade, disfarçada por algumas cirurgias plásticas. Como todas as italianas deste género é magra e tem uma cor à la Valentino, de quem apanha sol desde Abril. Acompanha-me até ao bar por cima do mar e diz-me que é a única praia a que ainda se pode vir. Este é um dos segredos mais bem guardados de Genova. É uma praia que não chega a ser. A “praia” não são mais do que 50 m. Existe uma descida de cimento que alugam por 5 euros onde se pode estender toalhas e uma zona plana de cimento com camas sem chapéu de sol por 15 euros. As pessoas estão ali a fritar o dia todo. No bar vejo o que os italianos têm de pior. São exactamente iguais aos portugueses nisto. A mesma “esperteza saloia”. Uma família de 3 gerações ocupa todas as camas que há como se o bar fosse todo deles. Mais ninguém as pode usar. Dizem que hoje é o dia mais quente do ano. Provável. Senti-o de noite. Pela primeira vez dormi de janela aberta.
Passo aqui o dia. Olho o Mediterrâneo. Não tem a cor que imaginava, apesar da água transparente. Leio. Escrevo. Como dizia Sophia “viajar é olhar”. Comer, beber, conversar, viajar. As quatro coisas mais importantes do mundo.
segunda-feira, 9 de julho de 2018
You need to push (more)
Fim de semana em casa. Dias cansativos e de pouco sono. Horas de viagem. Horas entre aeroportos e aviões. Atrasos. Esperas. Barulho. Muita gente. Mas vale sempre a pena. Muitas horas de cansaço em troca de prazeres. Pequenos luxos. Contacto físico. E como sabe bem depois de semanas desgastantes de trabalho. Após fins de semana em clausura sem ver a luz do dia e sem sentir a temperatura real. Lá fora o Mediterrâneo quente e azul. Sonos trocados. Expectativas defraudadas. Críticas injustas. Muito trabalho sem reconhecimento. Palavras desmotivadoras. Pressão. Reuniões semanais. Necessidade de resultados. Updates. Analogias de guerra. Hierarquias militares. General vs soldados. Touros e cornos. Chef vs descascadores de batatas. Ausência de palmadas nas costas. Tarefeiros. Executantes. Falta de espírito crítico. Faz isto, faz aquilo. E, finalmente, chegar a casa. Massagem. Mimo. Festas na cabeça. Vinhos bons. Comidas predilectas. Conforto. Baterias recarregadas. Amigos. Conversas. E o sobrinho mais velho que diz: “a avó tem um coração sensível. Ela perdoa-nos tudo. Não grita com ninguém. Eu peço-lhe para gritar com o pai e ela não tem coragem”. Como não adorar? E uma carteira com toda a vida lá dentro que se perde. Procuras infindáveis. Desespero. Perspectiva. Assunto arrumado. Nova etapa. E tudo começa de novo. Naturalmente. Outra vez. Riso
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