Na verdade eu fui a Roma para ver Caetano. Disseram-me
que não tenho independência para julgar livremente a qualidade dos concertos de
Caetano porque para mim ele é um Deus. Não desminto. Provavelmente ele até poderia
só gritar, como vi um dia Yoko Ono fazer em NY e que alguns acharam aquilo
arte, e eu acharia magnífico. Mas quando leio de algumas pessoas que considero que
Caetano é um milagre e que sempre se surpreendem a cada concerto, não me parece
que seja apenas “endeusamento”. E devo a Caetano muito do que aprendi sobre os
mais variados assuntos. Todos os concertos que vi de Caetano foram no Coliseu
de Lisboa. Todos eles foram especiais. Com banda, sem banda, sozinho ou em
dueto. A relação com o público foi sempre cúmplice. Mas em Roma foi mesmo
especial.
Antes do concerto leio que morreu Hélio Eichbauer, o
cenógrafo responsável por muitos dos cenários de Caetano, incluíndo este. Para
além deste facto, Moreno foi enteado de Hélio, com quem Dedé Gadelha (mãe de
Moreno) fora casada durante 30 anos. Moreno, depois de Caetano falar da perda
de Hélio, com a voz embargada acrescentou: "Dedicamos este show a ele". Ninguém á
minha volta era brasileiro ou português mas conheciam profundamente o trabalho
de Caetano. Durante o concerto muitos deles balançaram o pé, bateram muitas
palmas, acompanharam o ritmo, tentavam acompanhar as canções. Percebi que
Caetano não é um desconhecido em Roma. E gentilíssimo dirigiu-se sempre ao público em italiano. Não quis ouvir “Ofertório” para
tudo ser surpresa. Passavam 9 minutos da
hora marcada e Caetano, juntamente com os (seus) meninos, entrou no palco.
“Todo o homem” foi para mim a grande surpresa e a música da noite. Zeca
Veloso, que Caetano disse que nunca quisera fazer musica, escreveu esta canção
tão comovente com voz em falsete, cujo verso "todo o homem
precisa de uma mãe” ficou no ouvido. A palavra que resume este concerto é intimidade. Os quatro
não parecem estar em frente a uma plateia de milhares de pessoas mas em casa a
cantar para uns amigos. Outra das surpresas é uma espécie de rap/funk, no qual
todos participam com o piano, com a voz fazendo a batida, a contagem crescente até
12 de Caetano e a dança de pés descalços de Tom. A música que dá o nome ao
concerto foi escrita para Dona Canô como se fosse ela a narradora. Na
introduçao a esta música, Caetano explica que não é religioso mas que todos os
seus filhos são. Os dois mais novos sao cristãos e Moreno é um curioso pelas
religioes orientais e afro-brasileiras. Moreno acrescenta:“sou macumbeiro”. A
outra que me ficou na memória foi a filosófica da autoria de Moreno “How beautiful could a being be"
onde mostrou como sambar bem com ginga e rebolado e levou também Caetano para a
frente do palco para uma dança ensaiada. Vozes e instrumentos numa sintonia
perfeita. Não faltaram as mais conhecidas "Força estranha”, “Reconvexo” e“Leãozinho”.
No primeiro encore, já com o público da plateia todo em pé e encostado ao
palco, cantaram a minha preferida “Deusa do amor”. Voltariam mais duas vezes,
mesmo depois das luzes acesas e terminaram com “A luz de Tieta”.
Caetano, nesta noite tropical, no anfiteatro ao ar livre
de Renzo Piano que não chegou a encher, rodeado das pedras aquecidas pelo sol
de Roma entrou em fusão com o público. A noite em que Caetano foi “a chuva que
lançou a areia do Saara sobre os automóveis de Roma”.
Aprendi que ninguém no seu perfeito juízo deve esperar o
verão para ir a Roma. Mas depois de aqui estar como dizer que não a uma
cidade que chama por nós?
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