segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dia 2 - Museu Vaticano, Capela Sistina, Catedral S. Pedro, Trastevere

Como só tinha dois dias para visitar a cidade comprei um voucher na empresa citysightseeing para andar 48h sem limitaçoes no autocarro turístico (das 9 da manhã às 11 da noite), comprei o bilhete para o Museu Vaticano e Capela Sistina que incluia não esperar na fila (“skip the line”) e também para visitar o Coliseu e o Palatino (explicarei mais à frente que esta historia de evitar as filas é a verdadeira história “para bói dormir”). Acho que paguei 86 euros.  Uma das paragens do autocarro ficava perto do meu hotel, uns cinco minutos a pé, perto da igreja de Santa Maria Maggiore. Estava previsto ser um dos fins de semana mais quentes do verão. Em todas as paragens que do autocarro era um sem número de vendedores munidos de tudo, incluíndo garrafas de água fresca. Passei de autocarro pelo Coliseu e Palatino e a minha primeira paragem foi perto do Vaticano, do outro lado do rio Tevere. Atravessei a ponte. E aí começa a minha saga da trafulhice romana. A caminho da Praça de S. Pedro vêem-se alguns vendedores e parei no olhar de um rapaz queimado pelo sol. Ar envergonhado, acanhado, com umas pinturas expostas. Não fala nem percebe uma palavra de inglês. Não foi a beleza dos quadros que me fez parar foi o olhar triste dele. Mostra-me mais pinturas, umas maiores e outras mais pequenas. Os pormenores das mais pequenas fazem-me desconfiar. Olho os pincéis, as tintas, as aguarelas. Começo a negociar. Acho que me pedia 40 euros por uma pintura A4 mais duas pequenas. Ofereci 30. Não aceitou. Quando não aceitou, deitou os olhos ao chão, e com um ar de desânimo disse que aceitava. Fui levantar dinheiro a um banco perto. Continuei desconfiada. Quando regressei para pagar, a minha desconfiança até se dessipou com o cuidado que ele teve a acondicionar as pinturas para não se estragarem. Reparo mais uma vez que os pincéis e as tintas estão lá mas estão secas. Quando saio do pé dele faço a prova dos nove: molho o dedo e passo na pintura… Uma impressão a cores num papel de espessura especial… Repararei em todos os cantos, esquinas e ruas de Roma em pinturas iguais às minhas, sobretudo vendidas por migrantes que falam muito pouco italiano e quase nada de inglês. Aprendi a lição.  







Antes de ir para o Museu Vaticano, deparo-me com uma fila de mais de meia hora para trocar o voucher que havia comprado na internet da citysightseein. Nestes mais de trinta minutos ouço um disfarçado engate atrás de mim. Só lhes ouço as vozes masculinas. Muito graves. Arrastadas. Roucas. Olho discretamente para trás e  as vozes coincidem (quase) com a beleza física. A beleza física de um é visivelmente maior. Um é argentino, não terá mais do que 30 anos, tem barba e um porte atlético. O outro já passará dos 50, é grisalho, polaco mas vive na Austrália há 30 anos. Um está sozinho em Roma e o outro (ainda) não consigo perceber. O argentino já viveu em LA. O outro diz que adorou Buenos Aires. Falam de locais que não conheço. Reconheço um nome Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus (Jesuítas). O mais velho disse que ficou impressionadíssimo com as missões. O outro diz nunca as ter visitado. Os dois dizem ter visto o filme “The mission”. Um fala muito mais do que o outro. Fico a saber muito da sua vida. É engenheiro, de origem polaca, com dupla nacionalidade, vive em Sidney. Diz que a  Austrália é um país muito diferente do que era há 30 anos. Era um país de sonho em que era suficiente apenas um trabalhar. Ter uma casa de sonho. Carro. Família. Agora tudo mudou. Tudo se tornou caro. Não é possível apenas um membro do casal trabalhar. Nenhum dos dois revela o que os trouxe aqui. Percebo em poucos minutos que chega a mulher do mais velho. Infelizmente para a mulher, trocaram e-mails há pouco. À minha frente está um casal de americanos com um bebé no carrinho. O bebé, que tem dois dentes mas mal se senta, já come dos dois gelados dos pais. Pouco passa das 11 da manhã. 


Roma é um negócio ao ar livre. Tem quase tantos vendedores como turistas.O Vaticano é onde tudo começa, para mim. Para se chegar ao Museu Vaticano é preciso circular a parte externa da Praça de S. Pedro. Debaixo de um sol abrasador e de uma temperatura de 40 graus e muita humidade, tudo parece penoso. Começo por perceber que vendem bilhetes para o Museu Vaticano e para a Capela Sistina como se fossem coisas diferentes. Ora bem, não se pode ir ao Museu Vaticano e não passar pela Capela Sistina… E vendem o “não esperar na fila” como se não as houvesse. Se eu tiver que aconselhar alguma coisa com a minha experiência é: evitem Roma no verão. O calor é insuportável e os turistas são mais do que muitos. A memória que guardo do Museu Vaticano é um mar de gente, calor insuportável, corredores sem fim, andar empurrada pela multidão. Houve uma altura que eu só me concentrava para não entrar em pânico, principalmente nas escadas apertadas. E tentar abstrair-me.  Lutar contra o movimento era impossível. A entrada de tão grande número de pessoas deveria ser controlada. Visitar nestas condições alguma coisa é apenas um negócio e torna-se uma tortura. Não aproveitei nada. Tentei apenas sobreviver. Na Capela Sistina, que ate estava bastante fresca, tinha centenas de pessoas sentadas nos bancos laterais. Como é um local sagrado, pedia-se silencio mas as pessoas ignoravam. Depois do martírio do quase esmagamento, chega-se a um lugar iluminado e fresco. Não estive lá mais de 5 minutos. Nao foi nada daquilo que sonhei quando olhei para o tecto pintado por Michelangelo, Botichelli entre outros. Nao desmaiei perante tanta beleza. Tudo o que me lembro é de ter respirado de alívio por ter sobrevivido até ali. Toda a minha memória visual da Capela Sistina mantém-se com o conhecimento que adquiri nos livros. Não vale o sufoco de quase morrer esmagada, desculpem-me. So queria encontrar a saída e ar livre. Desci a pé as famosas escadas em forma de caracol do Museu Vaticano e nem me ocorreu fotografá-las, tal era a pressa de sair. Fez lembrar-me o Museu Gugghneim em NY.



Finalmente no exterior caminho de regresso à praça S. Pedro. Quero sentar-me em alguma esplanada. Qualquer uma que nao pareça turistica. Quanto mais escolho menos acerto. Depois de almoçar e descansar os pés vou visitar a Catedral de S. Pedro. Há uma fila grande mas bastante rápida porque há vários postos de verificação de segurança. Até na praça de S. Pedro há vendedores. Aqui o negócio são os lenços para cobrir os ombros e as pernas já que é um local sagrado. A Praça de S. Pedro parece-me bem mais pequena do que na televisão. Entro e vou, não a correr (porque há que caminhar com elegância e trata-se de um dos lugares mais sagrados do mundo para mim que tenho fé), directamente à Pietà. Por incrivel que pareça, não estava rodeada de gente. Pude chegar perto. E aí sim, desfiz-me. Não sei se foi o cansaço, se aquela beleza tão perfeita em mármore trabalhada numa só peça, se a imagem de Jesus depois de cruxificado no colo de Maria, se apenas um filho morto no colo da sua mãe dilacerada pelo sofrimento. As lágrimas começaram a cair e eu não as evitei. Coloquei-me em frente, num lugar priviligiado, com o queixo pousado nas mãos  somente a olhar. Não sei quanto tempo fiquei assim mas dei-me esse privilégio. A minha volta, percebi depois, as pessoas so estavam interessadas em tirar selfies. Nunca percebi esta moda de as pessoas visitarem só para tirar uma foto. Não têm curiosidade alguma de olhar, de se emocionarem, de se sentirem tocadas. Chegam e tiram fotos e é tudo. Deixei-me ir. Havia outras três coisas que queria ver: os túmulos dos Papas João Paulo II e João XXI (único papa português, de nome verdadeiro Pedro Hispano) e a estátua de S. Pedro. A estátua de S. Pedro já não se pode tocar mas era visível que o seu pé está rompido de tanto as pessoas passarem a mão.Os túmulos dos Papas foi o mais difícil de encontrar. Acabei por desistir do Papa João XXI depois de várias informações erradas que os diferentes guardas me davam. Finalmente encontrei. Sóbrio, simples um altar com o nome de Sanctus Joannes Paulus II. Já na Praça de S. Pedro, o calor continuava a não dar tréguas. Hora de comprar água. Dois euros a garrafa. Queria ter subido ao topo do castelo de Sant’Angelo mas faltaram-me as forças. Fiquei-me pelo parque e caminhei pelas margens do Tevere.






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