Pittsburgh
não é daquelas cidades que nos marca. Tem um rio que divide a cidade. Lembro-me
que ficamos num excelente hotel (Hilton) em frente ao rio por um preço
imbatível e tínhamos um motorista que nos ia levar e buscar onde queríamos. Agora mudou de nome mas dá para ver o quão magnífico era, aqui. Isso
foi até motivo de muita polémica na altura porque o nosso hotel era melhor que
o do nosso orientador!! E aluno de doutoramento, segundo as instruções dele
nunca ficavam num hotel com mais de 3 estrelas... Ainda por cima, nada habitual
nos hotéis nos Estados Unidos, o pequeno almoço era incluído. Este era um
hotel de 5 estrelas ao preço de um de 3. Lembro-me que depois da conferência passávamos horas no bar do hotel a beber vinho e a fumar. No tempo em que ainda
era permitido fumar em alguns hotéis nos EUA. E a maior recordação que tenho de
Pittsburgh é o museu do Andy Warhol, cidade onde ele nasceu. Antes de ter ido
a Pittsburgh (em 2006) achava que Warhol era nova-iorquino.
sábado, 29 de setembro de 2012
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
A minha avó
A minha avó apagou-se há um mês. Foi-se da forma que sempre
pedi para ela. Rápido e quase sem sofrimento. Viveu os últimos tempos como
queria. Cuidada pela filha que escolheu, pelo genro que foi o primeiro a
sugerir a ida dela para a casa deles e por uma senhora que não era da família
mas que cuidou dela e a mimou como se uma filha fosse.
A minha avó era pequenina mas uma grande mulher. Tinha um
olhos muito pequeninos e muito azuis, aquele azul céu. Já a conheci com o cabelo
muito branquinho, incrivelmente liso. Usava uns óculos muito graduados que
faziam parecer que tinha uns olhos enormes. Quando os tirava, somente quando ia
para a cama, percebia-se o quão pequeninos eram. Dormia silenciosamente, quase
nunca se virava na cama. Era uma verdadeira matriarca. Enquanto teve saúde,
cozinhou sempre e tratou da casa. Cozinhava muito bem. Fazia a melhor sopa de
couves com feijão que algum dia comi. Detestava quando era pequena , mas
aprendi a adorá-la. A minha avó cortava as couves para o caldo-verde com a
perfeição de uma máquina. Era esquerdina. Fazia tudo com a mão esquerda mas
escrevia com a direita, tal como o meu avô. Fazia o melhor arroz de toda a
gente. E fazia um prato que eu sempre detestei quando feito pelos outros mas
que eu adorava quando feito por ela. A esse prato chamávamos “batatas guizadas”
uma espécie de jardineira sem ervilhas.
Era uma pessoa tímida e de poucas palavras com quem não conhecia
mas era uma excelente conversadora com os que com ela privavam. Queria sempre
saber notícias e novidades. Adorava jogar às cartas, à sueca. Sempre foi a
minha companheira de equipa e jogava muito bem, sem truques nem batotices. Fazíamos uma dupla fabulosa. Passávamos as tardes de verão a jogar quando as
férias duravam quase 4 meses. Há já muitos anos que deixei de jogar cartas com
ela. Os anos foram passando e ela continuou a jogar cartas quando tinha
companhia, quase sempre aos fins de semana, no Natal e na Páscoa.
Adorava que eu lhe cortasse as unhas e que lhe medisse a
tensão. Fazia a melhor cevada com café do mundo. Comprava os componentes na
“Negrita” e ela misturava-os conforme a sua receita.
Tinha um medo enorme de trovoada e tempestades. Recolhia-se
sempre a rezar a Santa Bárbara e acendia sempre uma velinha. Era devota de
muitos santos e rezou diariamente o terço em conjunto com o meu avô e com quem
se lhes decidia juntar.Depois da morte do meu avô passou a fazê-lo em silêncio.
Com o passar dos anos, tal como aconteceu a todas as irmãs,
começou a ouvir muito mal. Há muitos anos que usava um aparelho auditivo. E por
esse motivo era difícil perceber-nos ao telefone. No último ano começou a
perder capacidades. Andava muito devagarinho e quase não saia de casa. Passava
os dias no seu sofá.
Nas férias passei um dia inteiro com ela. Já não me
conhecia. Fui talvez a primeira pessoa de quem se esqueceu. Cortei-lhe as
unhas, embora não precisasse, mas sabia que gostava. Passou a manhã na cama e
não queria que eu saísse da beira dela. Almoçamos a salada russa da minha mãe
que ela tanto gostava. À tarde ainda dormiu a sesta e depois quis ir para o
sofá. Nesse dia um dos meus tios foi visitá-la e ela ainda o reconheceu. Mais
ao fim do dia começou a perguntar pela minha tia que ficava com ela. Eu
repeti-lhe muitas vezes que ela estava a chegar porque tinham ido almoçar fora.
Estava confusa e agitada porque não me reconhecia. Por mais que eu lhe dissesse
quem era. “Vó, sou a tua neta” ao que ela respondia repetidamente: “Netas há
muitas”. Quando os meus pais e os meus tios chegaram a minha avó até chorou de
alegria porque os reconheceu. Embora não me reconhecesse, achou que eu a tratei
bem, e quando eu me despedi dela para me ir embora perguntou-me: “Amanhã vem
para cá?”. Dois dias depois deixou de andar e fomos com ela para o hospital.
Estive todo o dia com ela, de mão dada porque ela não queria ficar sozinha. Não
me reconhecia como neta dela mas apertou-me sempre a mão com a força que tinha.
No dia seguinte ainda voltou para casa mas teve que regressar ao hospital
porque já não conseguia comer. A última vez que a vi com vida estava a aguardar
internamento, estava a dormir serenamente e com um riso nos lábios. Ainda lhe
segurei as mãos e sentia-as quentes. Ainda lhe dei um beijo. Embora soubesse
que o fim estava próximo, nunca pensei que estivesse tão perto. Quando de manhã
recebi a notícia foi um choque tão grande que nem reagi. Depois do meu avô
foi-se a minha avó. Só ficaram boas memórias.
O desejo do meu sobrinho mais velho
Diz-me ele ontem ao jantar: "Titi, quando for grande quero poder beber coca-cola".
"Um mundo sem livros não me interessa"
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Robert NYC @ Museum of Arts and Design
A primeira vez que fui ao Robert tínhamos ido jantar a um
restaurante afegão em Hells Kitchen. Por insistência minha, queria ir para
Columbus Circle e passar no local onde tinha sido o mítico Studio 54. Agora é
(apenas) um teatro que tinha uma peça com bastante êxito em cena, com um dos actores do "Big Bang theory". Há umas
semanas atrás eu tinha estado no bar lounge Stone Rose em Columbus Circle. A
vista sobre o Central Park e sobre a estátua do Colombo era magnífica. A ideia
era voltar lá para beber um cocktail.
Quando passávamos no MAD, a C. perguntou porque não experimentar o Robert. Subimos e nessa noite (sábado) havia música ao vivo (piano e contrabaixo). Sentaram-nos numa mesa afastada das janelas. Eu não sou muito de cocktails, normalmente faço escolhas erradas, só bebo coisas básicas e repetitivas como vinho, gin tónico, ou whisky com água com gás. Nesse dia joguei pelo seguro e pedi um cosmopolitan. Pouco depois a C. avisa-me que atrás de mim estava a chef Luisinha. Eu apenas a conhecia de me cruzar com ela em eventos do Portuguese Circle, tais como no City Sandwich ou no Portugal Day. A chef Luisinha é uma senhora com uma história de vida interessantíssima. Foi enfermeira muitos anos e há 10 anos reformou-se e foi para NY aventurar-se pela sua outra paixão: a cozinha. A chef Luisinha reconheceu-me e veio ter connosco à mesa e pouco depois colocou-nos numa mesa junto à janela. Que vista fabulosa! É mesmo uma experiência imperdível. Mas para além do ambiente fantástico, a simpatia e amabilidade de todas as pessoas que lá trabalham, o que provámos nessa noite foi de chorar por mais. A chef Luisinha foi de uma amabilidade e simpatia e presenteou-nos com uma panna cotta e bambolinis. Que noite tão bem passada, com muitas histórias, muitos risos, uma excelente vista, uma sobremesas fabulosas e com a companhia da chef Luisinha.
Quando passávamos no MAD, a C. perguntou porque não experimentar o Robert. Subimos e nessa noite (sábado) havia música ao vivo (piano e contrabaixo). Sentaram-nos numa mesa afastada das janelas. Eu não sou muito de cocktails, normalmente faço escolhas erradas, só bebo coisas básicas e repetitivas como vinho, gin tónico, ou whisky com água com gás. Nesse dia joguei pelo seguro e pedi um cosmopolitan. Pouco depois a C. avisa-me que atrás de mim estava a chef Luisinha. Eu apenas a conhecia de me cruzar com ela em eventos do Portuguese Circle, tais como no City Sandwich ou no Portugal Day. A chef Luisinha é uma senhora com uma história de vida interessantíssima. Foi enfermeira muitos anos e há 10 anos reformou-se e foi para NY aventurar-se pela sua outra paixão: a cozinha. A chef Luisinha reconheceu-me e veio ter connosco à mesa e pouco depois colocou-nos numa mesa junto à janela. Que vista fabulosa! É mesmo uma experiência imperdível. Mas para além do ambiente fantástico, a simpatia e amabilidade de todas as pessoas que lá trabalham, o que provámos nessa noite foi de chorar por mais. A chef Luisinha foi de uma amabilidade e simpatia e presenteou-nos com uma panna cotta e bambolinis. Que noite tão bem passada, com muitas histórias, muitos risos, uma excelente vista, uma sobremesas fabulosas e com a companhia da chef Luisinha.
A experiência foi tão boa que prometemos regressar ao Robert. Combinamos que o meu jantar de despedida de NY seria lá.
No meu último dia em NY fomos jantar ao Robert,
previamente combinado com a chef Luisinha. Tinhamos uma mesa à nossa espera
junto à janela. Fomos tão bem recebidos.
Começamos por escolher os vinhos e cocktails. Vários tipos de pães foram
colocados na mesa e manteiga (da verdadeira, coisa rara em NY). A chef Luisinha disse-nos que nesse dia o
prato especial era bacalhau e que só havia 3. Eu preferi o prato que a chef
Luisinha aconselha a todas as vedetas: robalo grelhado (aka branzino). Queria
perceber o que o prato tinha de tão especial. O F escolheu pato, o T. e a N. Escolheram
bacalhau. Pouco depois chegavam à mesa
uns miminhos da chef Luisinha que nem tenho palavras para descrever.
Mexilhões com chouriço |
Salada mista com rabanetes |
Risotto de vinho com polvo cozido |
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Este texto é para a C. que salvou a minha vida duas vezes-Parte I
Como a Adriana Calcanhotto, acho que escrever ajuda.
Coincidentemente, estive doente na mesma
altura que ela escreveu “Saga Lusa”. Ela com um surto psicótico induzido por
interacções de drogas legais e eu a “enlouquecer” com um problema de estômago.Ela
achava que estava a ficar louca e que não voltaria à realidade e eu achava que
ia morrer... ainda para mais... sozinha! Regredindo no tempo, ao verão de 2008, estava eu no "arrozal" na Rice University em Houston, Texas. Estava nas últimas experiências
do meu Doutoramento e nos últimos meses em Houston. Adorava a vida que tinha
lá. Vivia num complexo com piscina a 3 mns (a alta velocidade) de bicicleta da
Universidade. Aquela bicicleta de criança comprada no segundo dia que cheguei a
Houston, arrisco dizer, que fez milhares de Kms. Nunca em toda a minha vida
estive tão em forma. Ao fim de semana fazia em média 30 kms. O meu orientador
de lá dizia sempre que me reconhecia ao longe pela bicicleta e o capacete e que
quando encontrava um Malboro caído no chão era meu. Era a melhor e mais fiel
consumidora de latte na universidade. Até me ofereceram uma t-shirt “Rice Coffe
House” que tenho até hoje.Tinha o meu gabinete espectacular partilhado com mais
duas das melhores pessoas que conheci no mundo. Até me ofereceram uma máquina
de café, que depois servia para todos. Como (quase) toda a gente sabe nunca precisei de
dormir muito. Estava (quase) sempre acordada em todos os fusos horários. Nesse
verão, aceitei, talvez fruto de não querer reconhecer que todos os humanos têm
um limite, escrever um capítulo de livro a convite do meu orientador. O desafio
era irrecusável, pelo menos para mim. Quase que disse que sim de imediato. De
dia fazia as experiências no laboratório e de noite escrevia. E foi um ano de
muito trabalho porque para além de todas as experiências, tinha os bioreactores
que eram 8, todos para mim. Cada um demorava, em condições de esterilidade, uma
hora a montar. Para além disso, tinha os estudos in vivo com ratos. Acho que
nunca trabalhei tanto. Mas também nunca me senti tão entusiasmada. Adorava
aquele clima de Houston, absurdamente quente e húmido. Sempre sol.
Uma noite, como “não há mal que dure sempre nem bem
que nunca acabe”, adormeci de cansaço no sofá depois de jantar, enquanto a roupa
lavava. Acordei passado pouco tempo muito indisposta, suores frios, muito pálida,
uma sensação de fraqueza...Passei a noite a vomitar. Achava que no dia seguinte
estaria melhor. Quando acordei na manhã seguinte não consegui comer nada e a
sensação de náusea persistia. E isto continuou uns dias, tudo o que comia
vomitava e as únicas coisas (em muito pouca quantidade) que o meu estômago aguentava
eram bolachas de água e sal e água. Omiti a quase toda a gente o quão mal me
estava a sentir. Falei com uma amiga, acho que mais de uma vez, que não estava
a sentir-me bem e ela sempre me disse que o mais importante era a saúde, que
nada mais importava quando isso estava em causa. E aconselhou-me, se estivesse
mal, a voltar para Portugal. Eu aguentei heroicamente até me faltarem as forças
todas e até o sinal de alarme soar. Um isolamento de células que demorava uma
manhã, nesse dia demorou, quase um dia inteiro. Nesse dia, sentia-me a morrer.
Passei o dia a vomitar, não aguentava nada no estômago. Ao fim da tarde percebi
que vomitava sangue. O que se pensa numa altura destas? Sozinha, no outro lado
do mundo? Eu não tive muitas alternativas. Se lá era fim da tarde, em Portugal
era início da madrugada. Primeiro liguei à AR que estava na Turquia (não me
atendeu porque já a madrugada ia avançada), liguei para o meu irmão que não me
atendeu e depois liguei para a última pessoa que queria ligar aquela hora...
Não sei se foi a primeira, mas foi uma das primeiras vezes que não consegui
disfarçar ao telefone. Pela primeira vez nessa semana, não omiti o quão mal
estava e queria apenas que alguém me dissesse o que eu estava à espera de
ouvir, que voltar seria a melhor solução. E ela com uma calma (que mais tarde
vim a saber era só disfarce) organizou-me tudo por telefone, deu-me todas as
indicações, fez-me todos os planos, preparou-me tudo. Disse-me para ir a casa
preparar uma mala com algumas roupas, que logo que amanhecesse em Portugal iria
pessoalmente comprar-me um bilhete de avião (disse-me que poderia demorar algum
tempo), telefonou aos meus pais, descansou-os. E passadas algumas horas ligou-me
(na minha madrugada) a dizer que tinha que estar no aeroporto ao meio-dia e que
me tinha arranjado um vôo. Quase ninguém soube deste plano detalhado ao
milímetro. Se eu sobrevivi e arranjei forças para uma viagem conseguida tão
rápido mas tão longa deve-se a esta pessoa que me garantiu que tudo ia correr
bem e que eu ia estar bem para regressar daí a um mês. Como disse Arquimedes: “Dá-me
um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Foi essa força que eu senti.
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