Como a Adriana Calcanhotto, acho que escrever ajuda.
Coincidentemente, estive doente na mesma
altura que ela escreveu “Saga Lusa”. Ela com um surto psicótico induzido por
interacções de drogas legais e eu a “enlouquecer” com um problema de estômago.Ela
achava que estava a ficar louca e que não voltaria à realidade e eu achava que
ia morrer... ainda para mais... sozinha! Regredindo no tempo, ao verão de 2008, estava eu no "arrozal" na Rice University em Houston, Texas. Estava nas últimas experiências
do meu Doutoramento e nos últimos meses em Houston. Adorava a vida que tinha
lá. Vivia num complexo com piscina a 3 mns (a alta velocidade) de bicicleta da
Universidade. Aquela bicicleta de criança comprada no segundo dia que cheguei a
Houston, arrisco dizer, que fez milhares de Kms. Nunca em toda a minha vida
estive tão em forma. Ao fim de semana fazia em média 30 kms. O meu orientador
de lá dizia sempre que me reconhecia ao longe pela bicicleta e o capacete e que
quando encontrava um Malboro caído no chão era meu. Era a melhor e mais fiel
consumidora de latte na universidade. Até me ofereceram uma t-shirt “Rice Coffe
House” que tenho até hoje.Tinha o meu gabinete espectacular partilhado com mais
duas das melhores pessoas que conheci no mundo. Até me ofereceram uma máquina
de café, que depois servia para todos. Como (quase) toda a gente sabe nunca precisei de
dormir muito. Estava (quase) sempre acordada em todos os fusos horários. Nesse
verão, aceitei, talvez fruto de não querer reconhecer que todos os humanos têm
um limite, escrever um capítulo de livro a convite do meu orientador. O desafio
era irrecusável, pelo menos para mim. Quase que disse que sim de imediato. De
dia fazia as experiências no laboratório e de noite escrevia. E foi um ano de
muito trabalho porque para além de todas as experiências, tinha os bioreactores
que eram 8, todos para mim. Cada um demorava, em condições de esterilidade, uma
hora a montar. Para além disso, tinha os estudos in vivo com ratos. Acho que
nunca trabalhei tanto. Mas também nunca me senti tão entusiasmada. Adorava
aquele clima de Houston, absurdamente quente e húmido. Sempre sol.
Uma noite, como “não há mal que dure sempre nem bem
que nunca acabe”, adormeci de cansaço no sofá depois de jantar, enquanto a roupa
lavava. Acordei passado pouco tempo muito indisposta, suores frios, muito pálida,
uma sensação de fraqueza...Passei a noite a vomitar. Achava que no dia seguinte
estaria melhor. Quando acordei na manhã seguinte não consegui comer nada e a
sensação de náusea persistia. E isto continuou uns dias, tudo o que comia
vomitava e as únicas coisas (em muito pouca quantidade) que o meu estômago aguentava
eram bolachas de água e sal e água. Omiti a quase toda a gente o quão mal me
estava a sentir. Falei com uma amiga, acho que mais de uma vez, que não estava
a sentir-me bem e ela sempre me disse que o mais importante era a saúde, que
nada mais importava quando isso estava em causa. E aconselhou-me, se estivesse
mal, a voltar para Portugal. Eu aguentei heroicamente até me faltarem as forças
todas e até o sinal de alarme soar. Um isolamento de células que demorava uma
manhã, nesse dia demorou, quase um dia inteiro. Nesse dia, sentia-me a morrer.
Passei o dia a vomitar, não aguentava nada no estômago. Ao fim da tarde percebi
que vomitava sangue. O que se pensa numa altura destas? Sozinha, no outro lado
do mundo? Eu não tive muitas alternativas. Se lá era fim da tarde, em Portugal
era início da madrugada. Primeiro liguei à AR que estava na Turquia (não me
atendeu porque já a madrugada ia avançada), liguei para o meu irmão que não me
atendeu e depois liguei para a última pessoa que queria ligar aquela hora...
Não sei se foi a primeira, mas foi uma das primeiras vezes que não consegui
disfarçar ao telefone. Pela primeira vez nessa semana, não omiti o quão mal
estava e queria apenas que alguém me dissesse o que eu estava à espera de
ouvir, que voltar seria a melhor solução. E ela com uma calma (que mais tarde
vim a saber era só disfarce) organizou-me tudo por telefone, deu-me todas as
indicações, fez-me todos os planos, preparou-me tudo. Disse-me para ir a casa
preparar uma mala com algumas roupas, que logo que amanhecesse em Portugal iria
pessoalmente comprar-me um bilhete de avião (disse-me que poderia demorar algum
tempo), telefonou aos meus pais, descansou-os. E passadas algumas horas ligou-me
(na minha madrugada) a dizer que tinha que estar no aeroporto ao meio-dia e que
me tinha arranjado um vôo. Quase ninguém soube deste plano detalhado ao
milímetro. Se eu sobrevivi e arranjei forças para uma viagem conseguida tão
rápido mas tão longa deve-se a esta pessoa que me garantiu que tudo ia correr
bem e que eu ia estar bem para regressar daí a um mês. Como disse Arquimedes: “Dá-me
um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Foi essa força que eu senti.
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