segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Este texto é para a C. que salvou a minha vida duas vezes-Parte I


Como a Adriana Calcanhotto, acho que escrever ajuda. Coincidentemente,  estive doente na mesma altura que ela escreveu “Saga Lusa”. Ela com um surto psicótico induzido por interacções de drogas legais e eu a “enlouquecer” com um problema de estômago.Ela achava que estava a ficar louca e que não voltaria à realidade e eu achava que ia morrer... ainda para mais... sozinha! Regredindo no tempo, ao verão de 2008, estava eu no "arrozal" na Rice University em Houston, Texas. Estava nas últimas experiências do meu Doutoramento e nos últimos meses em Houston. Adorava a vida que tinha lá. Vivia num complexo com piscina a 3 mns (a alta velocidade) de bicicleta da Universidade. Aquela bicicleta de criança comprada no segundo dia que cheguei a Houston, arrisco dizer, que fez milhares de Kms. Nunca em toda a minha vida estive tão em forma. Ao fim de semana fazia em média 30 kms. O meu orientador de lá dizia sempre que me reconhecia ao longe pela bicicleta e o capacete e que quando encontrava um Malboro caído no chão era meu. Era a melhor e mais fiel consumidora de latte na universidade. Até me ofereceram uma t-shirt “Rice Coffe House” que tenho até hoje.Tinha o meu gabinete espectacular partilhado com mais duas das melhores pessoas que conheci no mundo. Até me ofereceram uma máquina de café, que depois servia para todos. Como (quase) toda a gente sabe nunca precisei de dormir muito. Estava (quase) sempre acordada em todos os fusos horários. Nesse verão, aceitei, talvez fruto de não querer reconhecer que todos os humanos têm um limite, escrever um capítulo de livro a convite do meu orientador. O desafio era irrecusável, pelo menos para mim. Quase que disse que sim de imediato. De dia fazia as experiências no laboratório e de noite escrevia. E foi um ano de muito trabalho porque para além de todas as experiências, tinha os bioreactores que eram 8, todos para mim. Cada um demorava, em condições de esterilidade, uma hora a montar. Para além disso, tinha os estudos in vivo com ratos. Acho que nunca trabalhei tanto. Mas também nunca me senti tão entusiasmada. Adorava aquele clima de Houston, absurdamente quente e húmido. Sempre sol.







Uma noite, como “não há mal que dure sempre nem bem que nunca acabe”, adormeci de cansaço no sofá depois de jantar, enquanto a roupa lavava. Acordei passado pouco tempo muito indisposta, suores frios, muito pálida, uma sensação de fraqueza...Passei a noite a vomitar. Achava que no dia seguinte estaria melhor. Quando acordei na manhã seguinte não consegui comer nada e a sensação de náusea persistia. E isto continuou uns dias, tudo o que comia vomitava e as únicas coisas (em muito pouca quantidade) que o meu estômago aguentava eram bolachas de água e sal e água. Omiti a quase toda a gente o quão mal me estava a sentir. Falei com uma amiga, acho que mais de uma vez, que não estava a sentir-me bem e ela sempre me disse que o mais importante era a saúde, que nada mais importava quando isso estava em causa. E aconselhou-me, se estivesse mal, a voltar para Portugal. Eu aguentei heroicamente até me faltarem as forças todas e até o sinal de alarme soar. Um isolamento de células que demorava uma manhã, nesse dia demorou, quase um dia inteiro. Nesse dia, sentia-me a morrer. Passei o dia a vomitar, não aguentava nada no estômago. Ao fim da tarde percebi que vomitava sangue. O que se pensa numa altura destas? Sozinha, no outro lado do mundo? Eu não tive muitas alternativas. Se lá era fim da tarde, em Portugal era início da madrugada. Primeiro liguei à AR que estava na Turquia (não me atendeu porque já a madrugada ia avançada), liguei para o meu irmão que não me atendeu e depois liguei para a última pessoa que queria ligar aquela hora... Não sei se foi a primeira, mas foi uma das primeiras vezes que não consegui disfarçar ao telefone. Pela primeira vez nessa semana, não omiti o quão mal estava e queria apenas que alguém me dissesse o que eu estava à espera de ouvir, que voltar seria a melhor solução. E ela com uma calma (que mais tarde vim a saber era só disfarce) organizou-me tudo por telefone, deu-me todas as indicações, fez-me todos os planos, preparou-me tudo. Disse-me para ir a casa preparar uma mala com algumas roupas, que logo que amanhecesse em Portugal iria pessoalmente comprar-me um bilhete de avião (disse-me que poderia demorar algum tempo), telefonou aos meus pais, descansou-os. E passadas algumas horas ligou-me (na minha madrugada) a dizer que tinha que estar no aeroporto ao meio-dia e que me tinha arranjado um vôo. Quase ninguém soube deste plano detalhado ao milímetro. Se eu sobrevivi e arranjei forças para uma viagem conseguida tão rápido mas tão longa deve-se a esta pessoa que me garantiu que tudo ia correr bem e que eu ia estar bem para regressar daí a um mês. Como disse Arquimedes: “Dá-me um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Foi essa força que eu senti.

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