sábado, 27 de junho de 2015

Primeiro dia em São Paulo

Depois de uma noite bem dormida, de ter ido dormir já passava da uma da manhã, acordei sem despertador às seis e meia. Deve ser a influência dos trópicos! Queria que fosse sempre assim! Eu e o L. tínhamos estado a preparar a apresentação durante o voo e quando chegamos ao hotel. Às 7:30 já estávamos a tomar o pequeno-almoço. Começa aqui a saga: "Por favor, onde vai ser servido o pequeno-almoço?". Resposta surpresa com uma pergunta:  "oi?". "Senhores, não entendo". Já a pensar em brasileiro, "cai-me a ficha" e respondo: "Café da manhã, desculpe". O nosso português é mesmo uma língua estrangeira. Ninguém entende nada. Mas começamos a usar o nosso treinado sotaque carioca e a partir daqui é tudo uma maravilha. Os funcionários do hotel são extremamente educados, prestáveis e simpáticos mas a cortesia e o tratamento formal excessivo fazem lembrar-me uma época que felizmente não vivi. Acho que as diferenças sociais extremas aqui podem ser comparáveis ao Portugal esquecido e ostracizado (parafraseando a rábula do Herman) antes da revolução. Os funcionários dirigem-se aos hóspedes pela hierarquia. Alguns não devem estar autorizados a falar porque reagem com muita surpresa quando os cumprimentamos. Tudo aqui tem uma hierarquia. Ou seja, as pessoas não são de facto tratadas de forma igual. Começo a perceber o ridículo das cenas comuns em NY das mulheres brasileiras da alta sociedade serem acompanhadas por uma babysitter fardada de branco atrás a empurrar o carrinho e a "peruas" à frente com a mala Berkin.

O pequeno-almoço é sumptuoso. Tanta escolha faz-me não saber escolher. Seguindo os conselhos que me deram provo as frutas e os sucos. Em Roma sê romano e aqui estou eu num país tropical a trocar o meu habitual pão com manteiga pelas frutas. Os sucos são mesmo naturais de fruta espremida: melancia, ananás, laranja.... As frutas variam do maracujá gigante, papaia, figos, e frutas que nunca vi na vida. Adorei a goiabada!

Após o pequeno-almoço, hora de reunir as tropas no quarto do L. Como o quarto é maior que a minha casa dividimo-nos pelos sofás e cadeiras. Ultimar a derradeira apresentação. Às 11 entramos numa sala de reuniões à americana. Blocos e lápis do hotel. Uma mesa de apoio com garrafas de água, copos, chávenas, café, leite, chá e muffins. A mesa é redonda. Somos quatro portugueses (todos médicos menos eu), o responsável da empresa em Espanha, o responsável do Brasil, um suíço e o chefão dos Estados Unidos ( que por acaso é britânico, e gosta do Manchester United, mas estudou no Canadá). A O. apresenta-nos e faz uma pequena introdução. Imediatamente elogiam-lhe o inglês. E eu lembro-me imediatamente do ditado "em terra de cegos quem tem um olho é rei". A apresentação foi espectacular. Correu muito bem. Fizeram algumas perguntas que antecipamos e causamos uma excelente impressão. Os dados estão lançados. O que nos trouxe aqui está feito. 

Após o almoço, palestras a tarde toda. O que vemos confirma as nossas piores expectativas. As palestras são em português ou espanhol. Só são em inglês no caso de oradores que não falem português e espanhol. E o mais incrível? Há tradução simultânea. O mundo está perdido. As palestras são de um amadorismo gritante. Nada é novo. Parece que estou a assistir a aulas do secundário. O nível é básico mesmo. 

Antes do jantar ainda há tempo para ir a um shopping para comprar os meus tão ambicionados livros. Escolhemos o shopping Market Place que fica a 5 minutos a pé do hotel. Mas como tememos pela nossa vida optamos pelo táxi que no trânsito demora 10 minutos. Foi uma aventura. A taxista era uma mulher. Nunca vi tão pouca simpatia numa pessoa. A mulher estava com umas trombas que metiam medo! O L. ia ao lado dela e eu, O. e M. atrás. Os táxis, assim como a maioria dos carros no trânsito, são Fiat. O táxi é um Fiat Idea. Apesar de ter tv onde só se vê mortes e detenções, a taxista não activa o taxímetro. A condução da mulher é digna de um filme. A O. que ia no meio teve que se agarrar às nossas pernas. As travagens e os arranques e os barulhos da caixa de mudanças eram de rir. Escolhemos o táxi para não morrer de uma bala perdida mas bater com o táxi era uma ideia que nos perturbava. Felizmente, o trânsito era muito mas os arranques e as travagens eram medonhos. Finalmente chegamos ao shopping e a mulher chuta: 20 reais. Não achei nada caro mas verificaríamos depois o quão roubados fomos. 

Entramos no shopping e fomos directos à livraria Cultura. Como o tempo era escasso, já que tínhamos que estar no hotel às 8, decidi dar a lista dos livros em vez de os procurar. Não havia mais de metade dos livros que queria. Os DVDs nenhuns. Fomos rapidamente à loja Americanas. Não vale mesmo a pena. Parece a loja dos chineses com preços mais caros!

Ao voltar para o hotel percebemos o quanto fomos roubados pela primeira taxista que nos cobrou 20 reais e este 8... Está tudo dito. Esta amostragem de taxistas foi esclarecedora: mudos, antipáticos, rudes e têm a tv ligada em canais que só passam desgraças.

Hora de jantar. Oito da noite. Reparo à entrada do restaurante do hotel que existem pelo menos duas pessoas que nos abrem a porta, cumprimentam-nos e dizem "cuidado com o degrau". Isto repetir-se á até ao último dia. Buffet internacional. Com a esperança de que haja comida brasileira só encontro um tipo de empadão com carne seca. O resto é o que se come pelo mundo todo. A minha perdição continua a ser a goiabada com queijo de minas. Na hora de beber vem um senhor com uma bandeja e vejo que o L. tem um copo do que parece ser sumo de maçã mas ele não está na mesa. Então peço: "sumo de maçã" e respondem-me mais uma vez "Oi?". Começo a pensar como posso pronunciar da melhor maneira "maçã" à maneira brasileira... Mas começo a achar que a forma como eu pronuncio "maçã" é igual à dos brasileiros... Então começo a repetir, quase a lotetrar "maçã"... e a resposta foi "ah, maçã!, não temos!". Acabei por perceber, mais tarde, que o que o L. estava a beber era guaraná.

Fui dormir cedo porque era realmente cedo mas o meu corpo sentia como se tivesse corrido todo o dia. Deixei a tv ligada, como barulho de fundo. Quase não se ouve falar da Grécia. De facto, esse país, lá longe, do o lado do mundo que foi o berço da civilização e da democracia continua, como sempre esteve, bem longe. E o assunto principal das tvs brasileiras é a morte de um cantor de música de qualidade duvidosa cujos versos de uma das suas canções é "Bara bara bara bere bere bere". E assim vai o mundo.

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