O dia começa outra vez antes de o alarme tocar. Ainda não
são 6:30. O dia nasce. Começa a clarear. A tv está ligada. O assunto principal
é a morte de um cantor sertanejo que morreu de acidente de viação. A
importância que todos os canais brasileiros dão a um cantor cujos versos de uma
música são “Bara bara bara bere bere bere”, que eu nunca ouvi falar, deixa-me
boquiaberta.
A manhã segue com palestras. Se ainda não tinha percebido,
comprovo que a língua que se fala no Brasil é realmente diferente. Aprendo
novas palavras a cada hora: experimento, peritóneo, acumúlo, escalonamento,
coletar, liberado... Custa-me tanto constatar, também, que a ciência que se
faz no Brasil está a anos luz daquela que eu conheço. Senti-me quase sempre
numa aula do secundário em vez de estar num congresso internacional. E perceber
que os investigadores, médicos e cientistas brasileiros não falam inglês
deixou-me envergonhada e triste, para não dizer pior. Perceber que o
estereótipo que se tem generalizado é de facto verdade, custa. Queria não ter
razão.
À tarde ainda tivemos tempo de ir ao Morumbi Shopping. Mais
duas livrarias e mais alguns livros: Saraiva e FNAC. Depois escolhemos ir à
Avenida Paulista. O ambiente e a realidade das cidades conhecem-se nas ruas. Se
não tínhamos quase tempo nenhum, a minha condição, para além das livrarias, era
ver pessoalmente alguma obra da Lina Bo Bardi. Nada melhor que o MASP (Museu de
Arte Moderna de São Paulo). Esse era o destino. Táxi até lá. O taxista já era
melhor que os primeiros. Passamos pelo shopping JK Iguatemi, sumptuoso,
gigante, soberbo, brilhante. Trânsito. Ruas desertas de pessoas. Trânsito
caótico. As pessoas parecem não caminhar nelas. Não se avistam bicicletas. Os
carros param no sinal vermelho. Vidros escuros em todos os carros. Todos os
edifícios, casas, prédios estão rodeados de grades, por vezes duplas. Arame
farpado e electrizado. Que choque. Que contraste. Achava que isto era mito.
Não. É mesmo assim. Só passamos por bairros nobres. Prédios e mais prédios.
Porteiros. Motos. Motorboys. As árvores são tropicais. Tudo é gigante. A
sensação eminente de perigo ou de insegurança é nula. Mas não se vê polícia. Hospital
Sírio-Libanês. Parque Trianon. MASP.
Chegamos. Edifício vermelho-sangue e cinzento. É bonito. Este edifício da arquitecta italiana Lina Bo Bardi era uma das poucas coisas que sempre quis ver em São Paulo juntamente com o SESC Pompeia. Como não deu para ver os dois, um já não foi mau!
Andamos pela avenida.
Aqui há pessoas. Mas não se atropelam. Não parecem moscas. O dia começa a
chegar ao fim. A temperatura está amena. O L. está de manga curta mas a maioria
veste-se como se fosse inverno. Prédios bonitos. Arquitectura bonita. A
ciclovia vai ser inaugurada. E eu pergunto-me: “Se uma cidade onde as pessoas
têm medo de andar a pé, que os carros não param no sinal vermelho, que quem usa
autocarro ou metro são os desfavorecidos, quem nesta cidade anda de
bicicleta?”. Mas louvo a iniciativa. A educação das pessoas faz-se assim, pelo
início. Criando condições, impregnando o micróbio das boas práticas. E um dia,
depois de muito tempo, isso não será questionável. Passamos por várias
livrarias. Na volta, não resisto a entrar numa dela. Livraria Martins Fontes é o seu
nome. Não parece uma livraria parece uma biblioteca. Não tenho muito tempo para
explorar mas consigo finalmente encontrar “O Anjo Pornográfico” de Nelson
Rodrigues. Encontro também correspondências da grande Clarice. Não resisto e
junto mais este. Encontro um livro de entrevistas do Lobo Antunes que procuro
há anos em Portugal e nunca o encontrei. Só desisto dele pelo peso e pelo preço
que me daria para comprar o dobro dos livros que comprei em São Paulo. Na
caixa, quando estou a pagar os livros, olho para o nome da Livraria Martins
Fontes não resisto a perguntar: “Esta é uma livraria portuguesa?”. Resposta: “Oi?”.
Reformulo: “O nome desta livraria Martins Fontes é português por acaso o dono é
português?”. Resposta: “Ah... não sei. Boa pergunta. Nunca tinha pensado
nisso, mas vou tentar saber”.
Saímos e andamos até encontrar um sítio onde se
bebia. Não sei se foi o indicado mas tinha bebida e comida. Chamava-se Cafe
Creme em plena Paulista. Antes do jantar lançamos-nos nos pães de queijo e no
chope da Brahma. Levezinho, quase sem álcool, geladinho. Gostei.
Apanhámos um
táxi. Já tinha escurecido. Próxima paragem: Mercearia. Uma mistura de bar e
restaurante. Aqui o encontro era com a I. Que já não via há muito tempo (o tema
será abordado noutro post). Pedimos imediatamente caipirinhas. Portugueses, já
tinha ouvido falar mas comprovei. A caipirinha de Portugal não é a caipirinha
do Brasil. A original é do melhor que há. Começa na qualidade da cachaça que é
mineira! O gelo não é picado mas aos cubos, o que faz que a diluição alcoólica seja
muito mais lenta. Tem muita mais lima (no Brasil chama-se limão) alguma dela às
rodelas e outra desfeita. Tem muito menos açucar e não é do amarelo. Provamos a
picanha. O sabor nada a ver com a picanha que se come em Portugal. Tudo estava
perfeito, desde o ponto de sal, ao ponto da carne e ao sabor característico da
picanha. Do melhor que já comi. Provamos também os tão famosos pasteis que não
são parecidos com nada que já tivesse comido. Provamos as coxinhas e mais
coisas que não lembro mais. Fica difícil quando a bebida é caipirinha. Daqui
seguimos para o bar Wall St. Aqui bebi
mais caipirinhas e uma garrafa de 600 ml de SKOL. Depois disto sem condições
para ir para a balada mas com a promessa que acordaria daí a umas horas para
irmos à Catedral de São Paulo e ao centro....
Sem comentários:
Enviar um comentário