quarta-feira, 27 de abril de 2016

A dignidade de se passar de bolseiro de pós-doutoramento a investigador de doutoramento

A ANICT, associação que representa investigadores doutorados (bolseiros ou contratados), que trabalham em Portugal, está a fazer um questionário nacional que pretende averiguar a opinião dos investigadores doutorados sobre a eventual conversão de bolsas de pós-doutoramento em contratos de trabalho a termo. “A passagem de bolsas a contratos está associada a um aumento dos custos de recrutamento. A ANICT defende que o rendimento líquido anual dos atuais bolseiros de pós-doutoramento não pode sofrer cortes, aquando desta mudança. Este fato, irá implicar um aumento de custos na ordem dos 33%. A ANICT defende que os orçamentos dos projetos financiados pela FCT, assim como a sua duração, sejam compatíveis com esta nova realidade”. A pergunta é ouro sobre azul. Questionam os investigadores se concordam ou não com um contrato que mantenha os mesmos valores da bolsa pós-doc. Em letrinhas quase ilegíveis pode ler-se que isto implicará que em cada 3 bolseiros pós-doc apenas 2 terão contrato.

Obviamente que questionar um bolseiro pós-doc, talvez a posição mais precária de toda a carreira académica, que não têm qualquer aumento do valor da bolsa há mais de 12 anos, que não descontam para a Segurança Social (a não ser através do precaríssimo Seguro Social Voluntário), que em caso de não renovação da bolsa não têm direito a subsídio de desemprego, acenar com um contrato, quem poderá dizer que não?

A questão sobre se os bolseiros pós-doc concordam ou não com um contrato deveria ser seguida da explicação. Eu concordo, em absoluto, que haja contratos para pós-docs. Mas isso, quem não concorda? A questão é: a qualquer preço? Não! Eu sou daquelas que não serão beneficiadas por estes possíveis contratos. Sou bolseira há 6 anos e pelas actuais regras, não estarei incluída neste pacote.
Mas eis o que eu questiono:
1)   Que haja obrigatoriedade de contratos pós-doc. Como nos habituam em ciência, a célebre questão do mérito e do merecimento. Quem merece e quem não merece? Como se faz essa avaliação? Os “protegidos” estarão sempre nos 2/3 a contratar. A questão é para onde vão os restantes 1/3?

2)  O que acontecerá aos investigadores pós-doc após 3 anos? Esta parte não está explicada. O que pretendem a ANICT e a FCT propor após 3 anos? Que o investigador pós-doc continue a concorrer para contratos sucessivos de 3 em 3 anos mantendo o valor de 1450€/ano + SS + subsídio de alimentação?
3) Que diferenciação de valores terá um investigador pós-doc após 3, 6 ou 9 anos?

4) No que se baseará a diferenciação entre investigador pós-doc e os actuais contratos de investigador FCT?

5)  No que se baseia a FCT e o Ministro da Ciência para cada 3 bolseiros de pós-doc atribuir apenas 2 contratos de investigador pós-doc? Partindo do princípio que quem financiará isto é o governo. Implicando, de facto, um aumento de 33% por cada investigador em impostos, esses mesmos valores retornarão para a máquina do Estado. Ou seja, não há qualquer perda. O dinheiro só se deslocará dentro do mesmo Estado entre diferentes Ministérios. Aqui residem as minhas maiores reticências. Deverão os bolseiros pós-doc aceitar os contratos a qualquer preço? Não deverão reflectir mais nesta questão? Não existirão, de facto, maiores gastos para o Estado/bolseiro.

Se se trata de discutir, e a decisão ainda não está tomada, aqui ficam as minhas opiniões que são só minhas e que não representam ninguém além de mim.

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