segunda-feira, 18 de abril de 2016

O dia que o Brasil disse sim ao golpe

Domingo histórico para o Brasil, no sentido negativo e muito pessimista. Constrangida, é o mínimo que posso dizer hoje, depois do que vi durante parte da noite e madrugada. Das noites e madrugadas mais chocantes da minha vida. Ri para não chorar. Quando a realidade ultrapassou a ficção. A ignorância no seu esplendor. “Ao pé daquela Presidente e daquele Governo, daquele antigo Presidente, daquele Congresso, daquela Comunicação Social, a nossa vida política é um poço de sabedoria e de civilidade”

Que circo era aquele? Aquilo era na Casa do Povo (Câmara dos Deputados) ou um estádio de futebol?!  Que berraria, que claque, que baixo nível. Tanta gente a saber conjugar mal os verbos e não distinguir entre o singular e o plural. Tanto usar o nome de Deus em vão. Tantas graças, tantas glórias. Tanto agradecimento aos pais, aos filhos, aos netos, aos sobrinhos, aos primos, aos avós, aos tios, aos amigos, aos colegas, aos simpatizantes, às cidades, aos estados, ao cão, ao gato, aos que ainda estavam por nascer, aos militares, aos bombeiros, aos ditadores, aos reaccionários, aos democratas, aos golpistas, aos torturadores, aos ditadores, aos canalhas, aos padres, aos pastores, à paz em Jerusalém, aos agricultores, aos índios, aos coronéis.

Votaram sim, não pelo crime de responsabilidade da Presidente da República mas: “pela minha mãe negra Lucimar”, pela “família quadrangular”, por “Campo Grande onde tem a morena mais linda do Brasil”, “pela minha neta que vai nascer”, “ pelo fim da vagabundização remunerada”, “pelos produtores rurais, que se o produtor não plantar, não tem almoço nem janta”, “pelo estatuto do desarmamento”, pelo comunismo que assombra o país”, “pela nação evangélica”, “pelo fim dos petroleiros”, “pelos militares  vitoriosos de 64”, “pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rouseff”. Como? Não houve quem lhe desse um murro que lhe partisse a cara e os dentes?! Parece que esta é a única linguagem que (alguns) percebem.

Não foi um espectáculo bonito de se ver. Os patriotas, os golpistas, os de direita, os reaccionários, os conservadores, os ultra, os evangélicos de verde e amarelo de um mau gosto sem nome. Cabelos de homens pintados, a grande moda. Com direito até a confetis: “quem vota sim bota a mão para cima”, como se de um espectáculo de axé se tratasse. Só faltou a Ivete para cantar e dançar no fim!

Falta de educação, de boas maneiras, histeria raivosa, com algumas (raras) excepções.  Gritos. Urros. Apupos. Assobios. Cuspidelas. Vozes roucas, quase afónicas. Buzinadelas. Palmas. Braços no ar. Choro. Gritos. Cânticos. Claque. Mas...“faixa não é admitida”.

Canalhas. Corruptos. Quem naquela câmara não tem um processo a pairar sobre si: uma pequena minoria. O propagar de gerações de netos, filhos e avós políticos, como se de dinastias reais se tratassem. Analfabetos políticos. Semi-analfabetos literais. Falta de vergonha na cara. Vendidos. Ladrões. Gentalha que se dirige à Presidente como “Tchau querida”?!. Gente que mandou beijos através da televisão. "Que país é esse?" já perguntaram os visionários nos finais dos anos 80.

Nunca fui a favor de Dilma. Mas acho que comparativamente com o que a rodeia, é o mal menor. Não pairam sobre ela acusações de corrupção mesmo depois de todas as investigações a pente fino. O grande erro dela foi ter achado que Lula seria a solução de (quase) todos os seus problemas. No dia em que ela convidou Lula para Ministro ninguém percebeu nada e confundiu-se tudo. Ela nunca o devia ter feito. Para tentar salvar o seu governo e tentar salvar a face de Lula assinou a sua “morte” política. Nesse dia, os que (ainda) acreditavam na sua inocência passaram a colocá-la no mesmo saco. Ser contra o golpe e contra a destituição não é ser do PT. Ser contra a destituição de Dilma é ser a favor da Democracia e achar que o único poder de eleição de um Presidente é o voto do povo e não a eleição indirecta. Se chegarmos a ver Michel Temer na Presidência do Brasil, apoiado pelo Eduardo Cunha, é legitimar a corrupção. É aceitar que vale tudo. Num país evoluído, democrático, de primeiro mundo, um político que é réu do Lava-Jato, que tem contas na Suiça por lavagem de dinheiro, teria tido a honradez de se demitir e sair pelo próprio pé. Não teria a falta de vergonha de ter a cara levantada e riso cínico de presidir à Câmara de Deputados.


Não adianta estar indignado agora. Aqueles que defenderam  o fim da corrupção com o afastamento da Dilma verão, em pouco tempo, o mal que escolheram. Ninguém fora do Brasil percebe como é que Dilma Rouseff que não está indiciada nem acusada de nenhum crime é destituída pelo Presidente da Câmara e muitos dos deputados implicados no escândalo de corrupção que abala o Brasil. E toda a gente bate palmas?! Não acredito que o Brasil tenha solução. Com alternativas políticas tão pouco credíveis e tão fracas é difícil. Tenho muita pena pela grande geração que vejo crescer e que poderia ambicionar por um país melhor. Portugal ao pé do Brasil é um menino... Se o Brasil ambicionar mudar nos próximos tempos tem que começar por mudar este Congresso. É acabar para começar de novo. Zerar.

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