Teatro Garrett, 21 de Janeiro de 2017
A
peça começa ainda com as pessoas a entrarem na sala e acompanhada pelos
burburinhos e conversas que não se
percebem. No palco está já António Variações que verifica as cortinas. Sai e
entra novamente. Coloca-se junto ao microfone. Corpo ligeiramente de lado.
Sussurra. Imperceptível o que diz, de olhos fechados. Compenetrado. Quando as
luzes se apagam e um foco o ilumina, ouve-se Variações a rezar”Ave Maria”. Prepara-se
e ensaia para o espectáculo com Amália, que ele
venera. Este será um dos momentos mais importantes da sua vida.
Um
incompreendido, um ET que nasceu antes do tempo e numa terra onde não o
entendiam. Um insatisfeito sempre em busca da perfeição. Um sofredor. O
excêntrico que nasceu numa terra chamada Fiscal, uma aldeia perto de Braga. Uma
terra de uma lonjura infinita até chegar à Feira Nova e depois a Campanhã e só
no dia seguinte chegar a noitinha a Alcântara. Este menino que levou o Minho e
a sua música para sempre dentro da cabeça. Este menino que nasceu diferente, a
querer mais, que conseguiu fazer aquilo com que sempre sonhara. Aquele menino
da província que não aceitou a sua sorte de ser marceneiro “e andar todo sujo,
de ter uma vida normal, casar com uma mulher e ter filhos”. Este menino que
tinha saudades de casa e queria gravar a voz da mãe no gravador.
Que interpretação magnífica do Sérgio Praia. Não
conhecia o actor. Fiquei impressionada com as parecenças físicas entre
ele e António Variações. A forma física incluída. Quando vi quem era o actor na
realidade percebi a transformação. Que trabalho magnífico. Foi também esta
magia da transfiguração que deu realismo à peça.
Sérgio Praia interpreta excertos de algumas canções de Variações, à capela, no
decorrer do espectáculo.
Um
monólogo de pouco mais de uma hora em que se chora e e se ri. Uma interpretação
magnífica que muitas vezes nos leva a pensar que Variações ressuscitou. Os
gestos, a dança, a voz, o timbre, o sotaque. Todo ele é António. Um homem de
estatura pequena, musculado que fazia exercício todos os dias, que não fumava
nem bebia, que comia saudável e que era considerado por quem ele passava “o
maluco”. Nunca teve vergonha da sua origem e nunca
renegou a sua identidade. Este homem da província que chegou a Lisboa aos 12
anos para trabalhar como marçano a carregar os cabazes das compras das senhoras
finas das Avenidas. Nunca se resignou e lutou sempre por mais, pelo sonho, por
aquilo que um dia queria ou poderia ser. Percebe-se o amor visceral à
sua terra, ao pai e à mãe. E a Amália. Em
Fiscal dizem que Amália foi uma das poucas pessoas públicas que nunca o
abandonou, nem mesmo na morte.
Variações,
por ser quem foi, apesar de ter tido uma carreira fugaz e muito curta, como a
sua própria vida, ainda hoje é lembrado,
após 35 anos da sua morte. Quando o vemos no palco com aquelas roupas,
aquela performance, aquele brinco e a barba descolorada, percebemos que ainda hoje seria revolucionário.
Os mitos morrem (sempre) cedo.
P.S.
O que é inadmissível é António Variações ter nascido no distrito de Braga e a sua
casa mais emblemática de espectáculos, Theatro Circo, não ter estreado esta
peça ou a ter na sua programação...
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