Este
romance é sobre uma mulher de 78 anos que perde a memória e as suas faculdades
progressivamente: "sou uma
mulher sozinha a perder a memória e o tino". É uma actriz aposentada que tinha pouco talento e andou por teatros manhosos a declamar patetices que ninguém
ia ver". Nasceu em Faro e mudou-se para
Lisboa. Teve dois maridos. Não fala. Quando fala, diz frases sem nexo. E vive de recordações
do passado. Não se lembra, sobretudo, de acontecimentos recentes. Só a memória
antiga permanece, e mais importante, a relação que ela tem com o pai. É isto que é dissecado ao pormenor.
O
romance divide-se em três partes: primeiro, segundo e terceiro andamentos. A
polifonia, tão característica, mistura-se, neste caso com uma sinfonia não
muito desafinada composta de memórias antigas, que se confrontam com a
realidade e com a imaginação, e algum desvarios. “A noite é esquisita (...) as sombras tornam-se
coisas verdadeiras e as vossas verdadeiras sombra (...) é noite o astro saudoso
rompe a custo o plúmbeo céu (...) há noites em que adormecemos de mão dada e
acordamos sempre sozinhos, por muito que não fujamos morreremos sozinhos".
Os personagens
principais são a mulher sem memória, a senhora de idade (que cuidava dela e que tem um filho que morre), o
sobrinho do marido (que é interesseiro, recebe a pensão e herdará o que é dela.,
a mãe (mais
uma vez autobiográfica, e que tal como a sua, não tem grande instinto maternal
e, neste caso, tem ciúmes da cumplicidade e da relação do marido com a filha), o médico e o pai (que é a sua grande ligação
afectiva. Uma reunião de mundos que envolve o passado e o presente e pessoas
vivas e que já morreram numa convivência paralela. Os personagens,
maioritariamente, não têm nome, uma característica livros de ALA. Esta senhora
sem memória foi uma actriz com pouco talento que se casou com... e era filha
única. Tinha uma relação tocante e muito próxima com o pai. Com a mãe era o
oposto. Personagens sempre tristes e
deprimidos: "o meu avô no género calado, sem sorrisos, desatento de
nós, ao reformar-se ficava de pijama o dia inteiro examinando a barriga"
– uma frase tão”António Lobo Antunes (ALA).
Por oposição ao
romance anterior, volta ao naperon e à
classe média baixa, à falta de dinheiro. Mas os temas como solidão, falta de
amor e traição, permanece. Os assuntos sempre abordados por ALA repetem-se: a
falta de amor entre casais, a falta de interesse da mulher em relação ao
marido, a atracção do médico pela assistente, o director do teatro que usa o
seu pequeno poder para se aproveitar de uma actriz sem talento, a mãe que
rejeita a filha, a falta de ambição, o marido maltratado pela mulher. O passado,o quotidiano e as suas personagens tão
características misturam-se. Neste livro, mais marcante, a abordagem da
velhice, da solidão e da angústia que isso causa. Mas sobretudo, a perda de
memória: "As palavras não me vinham”. A perda da dignidade es questões
existencias: “perder as capacidades em casa ou num lar, o que será melhor?”. Pobreza.
Doença. Vergonha. Pudor. A indignidade da velhice: o nosso mal é durarmos
demais (...) É assim que se acaba (...) Há alturas em que o desespero
sobressalta a meio da noite (...) Afinal estar vivo é isto? Não sei se cosia
com as mãos ou com os óculos...”.
O tempo e a cruel passagem dele : “Ajudem-me a voltar a ser eu (...) o tempo anula tudo (...) afasta-se do amor, abandona-o,
esquece-o (...) A idade é uma gaita (...) tudo se gasta, é a vida (...) Não
tinhas o direito de te tornar horrível (...) Que forma de acabar (...) Nada
dura para sempre (...). Sexo, um dos
grandes assuntos da humanidade, neste caso abordado do ponto de vista de
obrigação e da infelicidade num casal "isto não é fole de ferreiro não te
chegou uma dose? (...) diz amor diz (...) o crucifixo a bater contra a
cabeceira da cama, primeiro muito ao de leve, depois menos leve, depois com
força, depois cada vez com mais força e depois, finalmente, em estrondos tão
intensos (...).
E as frases tão bem escritas por ALA: “São iguais às baleias os homens,
ainda que morem longe morrem na mesma praia (...) Um dos pés nu e essa solidão
do pé comoveu-o (...) A velhice não é
roubarem-nos o futuro, é terem-nos roubado o passado (...) os homens gostam de
acabar nos nossos braços murmurando-nos o nome normalmente errado, um nome de
mulher, não importa qual, torna a eternidade habitável, encara-se em paz o túnel
e a lâmpada ao fundo (...) com o peso da solidão do domingo inteiro em cima (...)
segurando os músculos da cara para que não lhe víssemos a dor e via-se a dor
nas sobrancelhas, via-se a dor nos caninos à mostra (...)o motor do gato já não
roçava por mim porque os bichos dão conta, vão-se afastando da gente, acham que
deixámos de ser nós, evitam-nos (...) a tragédia, como dizia o outro, não é ser
velho, é envelhecer (...).
Um livro perturbador sobre a perda e a falta de memória. E como o nosso fim será igual: só.
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